Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 16(2) - Junho 2016

Editoriais

Obesidade e asma: doenças inflamatórias associadas

 

Isabel Rey Madeira

 

O aumento mundial da prevalência da obesidade na infância e na adolescência, assim como na idade adulta, é decorrente do estilo de vida que as populações vêm adotando no mundo todo. Sedentarismo e alimentação de alta densidade energética e de baixo valor nutritivo desde os primeiros anos de vida têm alto impacto negativo na saúde dos indivíduos já na infância e na adolescência, levando não somente à obesidade, mas também a dislipidemia, hipertensão arterial sistêmica, distúrbios do metabolismo da glicose e até mesmo diabetes mellitus. Essas condições são fatores de risco para doenças cardiovasculares na adultícia e estão reunidas na chamada síndrome metabólica.1

No Brasil, no último inquérito nacional, realizado entre 2008 e 2009 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a prevalência do excesso de peso foi de 50% nos adultos do sexo masculino e de 48% nos do sexo feminino, enquanto a prevalência de obesidade na faixa etária foi de 12% e 16%, respectivamente.

Em adolescentes do sexo masculino, as prevalências de sobrepeso e obesidade foram, respectivamente, de 21% e 5%, e no sexo feminino de 19% e 4%. Já em crianças em idade escolar, as prevalências de sobrepeso e obesidade foram, respectivamente, de 34% e 16%, em meninos, e de 32% e 11% em meninas.2

Esses dados são alarmantes, pois estudos longitudinais mostram que a maioria das crianças com obesidade se torna adultos obesos, havendo uma chance 20 vezes maior de obesidade na vida adulta em comparação às crianças não obesas.3

Outra doença crônica de prevalência pediátrica tão crescente quanto a obesidade é a asma, conforme podemos ler no artigo "Comparação dos critérios de classificação da obesidade infantil e sua associação com a asma". O aumento de prevalência dessa doença, a despeito dos avanços no manuseio e na farmacopeia de seu tratamento, também encontra explicação na modernidade. Várias hipóteses têm sido aventadas, como, por exemplo, a teoria da higiene, que defende a hipótese do desvio dos mecanismos anti-infecciosos para os mecanismos alérgicos, com o advento dos antibióticos e das vacinas. Além disso, os poluentes ambientais presentes nos centros urbanos, onde se concentra maioria da população nos tempos atuais, com certeza têm contribuído para o aumento da prevalência da asma. A asma é uma grande causa de hospitalização e absenteísmo escolar em crianças e adolescentes e, ainda nos dias de hoje, causa de morte no grupo etário.

Em nosso país, o International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) estima a prevalência da asma em escolares e adolescentes em torno de 19% e 25% respectivamente, sendo essa a doença crônica mais prevalente na população infantil.4 Em face dos impactos que a asma pode trazer em termos de absenteísmo escolar infantil, sequelas na vida adulta e até morte ainda na infância, esses números são um alerta.

Seria de se esperar que o aumento da prevalência das duas doenças levantasse a possibilidade de uma associação fisiopatológica entre elas, como expõe o autor do artigo supramencionado. A asma, de longa data, é tida como uma doença inflamatória, ao passo que a obesidade, mais recentemente, também tem sido reconhecida como um estado inflamatório, embora de baixa intensidade, já que o tecido adiposo produz adipocinas inflamatórias, como as interleucinas e os fatores de necrose tumoral. Em decorrência disso, a inflamação de baixo grau consequente à obesidade passou a ser considerada um elo entre a obesidade e as doenças cardiovasculares.5

De fato, alguns estudos têm sugerido uma ligação causal entre obesidade e asma, embora ainda seja incerto o papel dessa associação causal na infância, o que justifica o advento de novos estudos a respeito da matéria.6

Nesse contexto, o artigo Comparação dos critérios de classificação da obesidade infantil e sua associação com a asma tem como um de seus objetivos verificar a prevalência da asma e da obesidade em escolares e adolescentes na cidade de Juiz de Fora, um centro urbano do Estado de Minas Gerais, situado na Região Sudeste do Brasil.

Outro objetivo do trabalho refere-se ao estudo de quatro diferentes parâmetros antropométricos para a definição da obesidade infantil, a saber índice de massa corporal (IMC), circunferência abdominal, relação cintura-altura e circunferência do pescoço, identificando a diferença entre eles quanto à associação com asma e asma grave.

De acordo com o artigo, todas essas medidas têm sido propostas como definidoras de obesidade em crianças e adolescentes, sendo o IMC a mais amplamente utilizada, seguida da circunferência da cintura.

O primeiro é o indicador de obesidade mais difundido para crianças e adolescentes, em virtude da praticidade e das evidências apontadas pelas pesquisas. Em crianças, por exemplo, o IMC tem associação com a leptina, mesmo quando se ajusta pela idade, pelo HDL-colesterol e pelo homeostasis model assessment for insulin resistance (HOMA-IR). Convém lembrar que a leptina é uma adipocina que reflete o grau de adiposidade, isto é, quanto mais adiposidade, maiores os níveis de leptina.7 Esse índice também se associa com o espessamento da camada íntima-média carotídea nessa faixa etária.8

Já a circunferência da cintura tem sido proposta como indicador de obesidade em crianças porque reflete a gordura visceral, isto é, a gordura ligada à síndrome metabólica. Dessa forma, a International Diabetes Federation (IDF) exige a presença desse componente para que se diagnostique síndrome metabólica em crianças e adolescentes. Para tanto, além de circunferência da cintura aumentada, é necessário existirem mais dois componentes: dislipidemia; hipertensão arterial sistêmica; glicemia de jejum alterada ou diabetes mellitus.

A IDF recomenda o referencial de Fernández et al, que indica que se meça a cintura logo acima da crista ilíaca anterossuperior.9 Além desse, existe outro referencial, Freedman et al, que recomenda a medição no ponto médio entre a última costela e a crista ilíaca anterossuperior.10

Os outros dois índices citados pelo artigo ainda não são validados em crianças, No entanto, a pesquisa encontrou boa concordância na classificação da obesidade pelo escore Z IMC com a classificação da obesidade pela circunferência abdominal e pela relação cintura-altura. Por outro lado, ao avaliar a circunferência do pescoço e o escore Z IMC, a concordância foi considerada moderada.

Além disso, ao analisar a associação dos indicadores com a asma e sua gravidade, os autores observaram associação entre o escore Z IMC e a asma grave. Demonstraram, ainda, que o valor da relação cintura-altura maior que 0,5 foi fator de risco para asma, mas sem relação com a gravidade. Quanto à circunferência do pescoço, encontraram associação com a asma grave.

Portanto, o trabalho veio somar-se às novas pesquisas que têm estudado a associação entre obesidade e asma, bem como levanta a questão de quais indicadores de obesidade seriam mais apropriados para o estudo dessa associação, sendo, em ambos os aspectos, de grande relevância.

 

Isabel Rey Madeira.

Doutorado - Professora Adjunta do DPED-FCM-UERJ; Coordenadora do Setor de Endocrinologia Pediátrica da UDA de Endocrinologia e Metabologia do DMI-FCMUERJ.

 

REFERÊNCIAS

1. Reaven GM. Role of insulin resistance in human disease. Diabetes 1988; 37: 1595-607.

2. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares: antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos do Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010.

3. Whitaker RC, Wright JA, Pepe MS, Seidel KD, Dietz WH. Predicting obesity in young adulthood from children and parental obesity. N Engl J Med 1997; 337: 869-73.

4. Solé D, Wandalsen GF, Camelo-Nunes IC, Naspitz CK. ISAAC. Brazilian group. Prevalence of symptoms of asthma, rhinitis, and atopic eczema among Brazilian children and adolescents identified by the International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC). Phase 3. J Pediatr (Rio J) 2006; 82: 341-6.

5. Festa A, D'Agostino R, Howard G, Mykkanen L, Tracy PR, Haffner SM. Chronic subclinical inflammation as part of the insulin resistance syndrome. The Insulin Resistance Atherosclerosis Study (IRAS). Circulation 2000; 102: 42-7.

6. Cassol VE, Rizzato TM, Teche SP, Basso DF, Centenaro DF, Maldonado M et al. Obesity and its relationship with asthma prevalence and severity in adolescents from southern Brazil. J Asthma 2006; 43: 57-60.

7. Madeira IR, Carvalho CNM, Gazolla FM, Pinto LW, Borges MA, Bordallo MAN. O impacto da obesidade sobre os componentes da síndrome metabólica e as adipocitoquinas em crianças pré-púberes. J Pediatr (Rio J) 2009; 85: 61-8.

8. Gazolla FM, Bordallo MAN, Madeira IR, Carvalho CNM, Monteiro AMV, Rodrigues NCP et al. Association between cardiovascular risk factors and carotid intima-media thickness in prepubertal Brazilian children. J Pediatr Endocr Met 2015; 28: 579-87.

9. Fernández JR, Redden DT, Pietrobelli A, Allison DB. Waist circumference percentiles in nationally representative samples of African-American, European-American, and Mexican-American children and adolescents. J Pediat 2004; 145: 439-44.

10. Freedman DS, Serdula MK, Srinivasan SR. Relation of circumferences and skin-fold thicknesses to lipid and insulin concentrations in children and adolescents: the Bogalusa Heart Study. Am J Clin Nutr 1999; 69: 308-17.