Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 16(1) - Fevereiro 2016

RELATOS DE CASO

Polisserosite tuberculosa em adolescente de 13 anos

Tuberculous polyserositis of 13-years-oldteenager

 

Ayla Cristina Bernardes da Silva1; Christine Tamar Vieira Barreiro*2; Carolina Carvalho Lucas3; Roberta Leal Oliveira3; Sarah Jenner Nogueira Kruger1

1. Aluna de Graduação de Medicina da Universidade Federal Fluminense - UFF - e Estagiária da Pediatria do Complexo Hospitalar de Niterói - CHN- Niterói (RJ) Brasil
2. Coordenadora Médica da Pediatria do Complexo Hospitalar de Niterói - Niterói (RJ) Brasil
3. Médica Rotina da Pediatria do Complexo Hospitalar de Niterói - CHN - Niterói (RJ) Brasil

 

Endereço para correspondência:

Rua La Sale, 12, Centro
Niterói, RJ CEP: 24020-090
Telefone:(21) 2729-1000

Instituição: Complexo Hospitalar de Niterói (CHN), Niterói, RJ, Brasil.

 

Resumo

OBJETIVO: Apresentaro caso de uma adolescente de 13 anos com polisserosite tuberculosa.
DESCRIÇÃO DO CASO: Paciente, sexo feminino, 13 anos, iniciou quadro de febre não aferida, astenia e aumento progressivo do volume abdominal. Referia dispneia em decúbito dorsal. Aos exames complementares observou-se ascite volumosa, derrame pericárdico, atelectasia em base de hemitórax direito e derrame pleural bilateral. Hemograma foi inespecífico, VHS aumentado, demais provas de atividades inflamatórias inalteradas, PPD não-reator e sorologias negativas. Foram descartadas doenças reumatológicas. Realizada punção diagnóstica do líquido ascitico, o ADA foi positivo, o que justificou tratamento empírico com RIPE: rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol. A melhoraclínicafoiobservadarapidamente.
DISCUSSÃO: A polisserosite tuberculosaé uma forma de tuberculose extrapulmonar, condição incomum que pode acontecer em todas as idade. Os derrames tuberculosos inflamatórios também podem ocorrer em qualquer uma das cavidades serosas: pleural, pericárdica ou peritoneal. Quando há o acometimento de mais de uma serosa, denominase "polisserosite". A apresentação clínica da polisserosite consiste na soma dos sintomas dos acometimentos de cada serosa. O tratamento é o esquema RIPE (rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol) e pode ser iniciado apenas com o diagnóstico presuntivo, auxiliando à conclusão do diagnóstico definitivo.

Palavras-chave: Tuberculose, polisserosite, relatodecaso.


Abstract

OBJECTIVE: This article aims to present the case of a 13yearsold teenager, female, with tuberculosis polyserositis.
CASE DESCRIPTION: Patient, female, 13, began not measured fever, asthenia and progressive increase in abdominal volume. Referred dyspnea in the supine position. In the additional tests there were ascites, pericardial effusion, atelectasis in the base of the right hemithorax and bilateral pleural effusion. CBC was unspecific, increased VHS, other evidence of inflammatory activity unchanged, PPD non-reactor and negative serology. Rheumatic diseases have been ruled out. Held diagnostic puncture of the ascites fluid, the ADA was positive, which justified empirical treatment with RIPE: rifampicin, isoniazid, pyrazinamide and ethambutol. Clinical improvement was observed quickly.
DISCUSSION: Tuberculosis polyserositis is a form of extrapulmonary tuberculosis, an uncommon condition which can occur at any age. The inflammatory tuberculosis effusion also can occur in any of the serous cavities: pleural, pericardial or peritoneal. When there is the involvement of more than one serous, it is called "polyserositis". Clinical presentation of polyserositis is the sum of symptoms from the involvement of each serous. The treatment is the RIPE schema (rifampicin, isoniazid, pyrazinamide and ethambutol) and can be started only with the presumptive diagnosis, assisting the completion of definitivediagnosis.

Keywords: Tuberculosis, polyserositis, casereport.

 

INTRODUÇÃO

A tuberculose ainda permanece como grave problema de saúde pública mundial, principalmente em países do terceiro mundo, sendo estimado que 1/3 da população mundial já tenha sido infectado pelo bacilo de Koch.1

A polisserosite tuberculosa, condição incomum, é uma forma de tuberculose extrapulmonar que pode ocorrer em qualquer idade. Crianças pequenas e adultos HIV positivos são particularmente susceptíveis. Cerca de 25% a 30% das crianças com tuberculose manifesta uma forma extrapulmonar. Crianças com menos de 2 anos de idade têm o risco maior de disseminação da doença, evoluindo com tuberculose miliar ou meningite tuberculosa.2,3,4

Depois de penetrar no organismo pela via respiratória, o Mycobacterium tuberculosis pode disseminar-se e instalar-se em qualquer órgão, seja durante a primoinfecção, quando a imunidade específica ainda não está desenvolvida, seja depois dela, a qualquer tempo, se houver queda na capacidade do hospedeiro em manter o bacilo em seus sítios de implantação.5

O diagnóstico definitivo de tuberculose extrapulmonar é muito difícil: pode ser presuntivo, desde que se excluam outras condições. Os doentes habitualmente apresentam manifestações gerais (febre, sudorese noturna, perda de peso) e sinais localizados relativos ao local da doença. Esses aspectos localizados são semelhantes em adultos e crianças.2

 

DESCRIÇÃO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 13 anos, estudante, natural de Niterói, Rio de Janeiro, iniciou quadro de febre não aferida, astenia e aumento progressivo do volume abdominal em 10 dias. Relatava dispneia em decúbito dorsal.

Ao exame físico, apresentava se em bom estado geral, sem alteração na ausculta cardiovascular, murmúrio vesicular universalmente audível e diminuído em bases na ausculta respiratória, abdome volumoso, ascítico, peristáltico e indolor, com perímetro abdominal de 88cm e peso de 60kg.

Em relação aos exames complementares de imagem, a ultrassonografia abdominal apresentava ascite volumosa; o ecocardiograma, derrame pericárdico; e a radiografia de tórax, atelectasia em base de hemitórax direito e derrame pleuralbilateral.

Nos exames laboratoriais, o hemograma foi inespecífico; e o VHS, aumentado, com demais provas de atividades inflamatórias inalteradas. O derivado proteico purificado (PPD) foi não reator; e as sorologias, negativas. Descartaram-se patologias reumatológicas.

Foi realizada punção diagnóstica do líquido ascítico e pleural, com os seguintes resultados: (i) liquido ascíticoamarelo,com 40% de hemácias, predomínio de mononucleares, efusão linfocitária, LDH 900 U/L e ADA 98,6 U/L; (ii) líquido pleural amarelo, 10% de hemácias, predomínio de mononucleares, LDH 1020 U/L e ADA 94,4 U/L; (iii) BAAR negativo em ambos.

Logo após a retirada dos líquidos para análise, foi iniciado tratamento empírico com RIPE (rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol). O tratamento foi corroborado posteriormente com o valor de ADA. A melhora clínica foi significativamente observada logo no início terapêutico. Assim, a paciente recebeu alta hospitalar após 5 dias de esquema RIPE, sendo encaminhada para acompanhamento ambulatorial.

 

DISCUSSÃO

Os derrames tuberculosos inflamatórios podem ocorrer em qualquer das cavidades serosas: pleural, pericárdica ou peritoneal. Quando ocorre o acometimento de mais de uma serosa, denominase "polisserosite". A clínica da polisserosite consiste na soma dos sintomas dos acometimentos das diversas serosas.

O acometimento pleural tem quadro clássico, com início abrupto ou insidioso, dor pleurítica, às vezes intensa, geralmente unilateral, e febre moderada. A presença de tosse é inconstante. Além dessas manifestações, podem ocorrer sudorese noturna, astenia, anorexia e emagrecimento. A queixa de dispneia dependerá do volume do derrame, da reserva funcional pulmonar e da presença de dor, que dificulta a excursão diafragmática.

A radiografia de tórax mostra uma opacidade uniforme, branca, unilateral, muitas vezes com o bordo superior côncavo. Em caso de dúvida, havendo disponibilidade, a ecografia confirmará a presença de líquido no espaço pleural. Se um doente tem um derrame pleural, devese fazer sempre uma punção pleural diagnóstica. O líquido é usualmente da cor da palha. A contagem dos leucócitos é habitualmente alta (cerca de 1.000mm3; a 2.500mm3) com predomínio de linfócitos.2,5,6

Na pericardite tuberculosa, a dispneia é um sintoma precoce e debilitante. A dor torácica tem localização anterior, pode ser ventilatóriodependente ou relacionarse à rotação do tronco. A febre é frequente, estando associada, muitas vezes, a outros achados, como, por exemplo, taquicardia, pulso paradoxal, astenia, anorexia, emagrecimento e sudorese noturna. O diagnóstico normalmente se baseia em manifestações gerais e cardiovasculares sugestivas, associadas aos resultados da investigação por ecocardiograma, radiografia de tórax e tomografia computadorizada. A pericardiocentese deve ser muito bem avaliada, quanto aos riscos e benefícios.2,5,6,8

Na tuberculose peritoneal, há dor difusa e aumento do volume abdominal por ascite. Para o diagnóstico, é necessário excluir outras afecções, podendo o diagnóstico ser presuntivo. O teste tuberculínico deve ser feito e, embora seja positivo no geral, pode ser negativo por hipossensibilização transitória. A dosagem da ADA no líquido peritoneal tem alta sensibilidade e especificidade, especialmente se for um valor maior do que 33U/L.

São necessários exames de imagem, como, por exemplo, radiografia de tórax, ecocardiograma, ecografia abdominal e tomografia computadorizada, sendoaúltima especialmente útil.1,2,5

Na polisserosite, fazse necessária a análise dos líquidos pleural e ascítico, já que a pericardiocentese apresenta altos riscos.2 O tratamento consiste no esquema RIPE e pode ser iniciado apenas com o diagnóstico presuntivo, auxiliando à conclusão do diagnóstico definitivo.6,7

Concluímos que a polisserosite tuberculosa é uma forma de tuberculose extrapulmonar incomum, a qual ocorre devido ao acometimento de mais de uma serosa. Assim, a sintomatologia é a soma desses acometimentos. Ela exige o tratamento com o esquema RIPE (rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol), que pode ser iniciado apenas com o diagnóstico presuntivo, auxiliando a conclusão do diagnóstico definitivo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Pereira JC, Pereira RRM, Gerecht AS. Tuberculose disseminada: caso clínico e discussão. Revista Portuguesa de Pneumologia 2008, vol.XIV, nº 4.

2. Harries A, Maher D, Grahan S. TB/HIV: manual clínico.2ªed, Diagnóstico de tuberculose extrapulmonar em adultos e crianças,WHO/HTM/TB/2004.329.

3. Sant'Anna CC. Diagnóstico da tuberculose na infância e na adolescência. Pulmão RJ2012;21(1):6064.

4. Eisenhut M. Tuberculosis in Children, The new engl and journal of medicine, 367;16 nejm.1568 org october 18, 2012

5. Lopes AJ, Capone D, Mogami R,Tessarollo B, Cunha DL, Capone RB et al.Extrapulmonary tuberculosis: clinics and image aspects, Pulmão RJ 2006;15(4):253261.

6. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia(SBPT). III Diretrizes para tuberculose da SBPT. JBras Pneumol 2009;35:10181048.

7. Ministério da Saúde (MS). Manual de recomendações para controle da tuberculose no Brasil. Brasília; 2010.

8. Trautner BW, Darouiche RO. Tuberculous pericarditis: optimal diagnosis and management.ClinInfectDis 2001;33:95461.

9. Vucicevic Z, Suskovic T, Ferencic. A female patient with tuberculous polyserositis and congenital tuberculosis in her newborn child.Tubercle and Lung Disease 1995;76:460-462.

 

* Autora responsável pela correspondência