Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 16(1) - Fevereiro 2016

ARTIGOS ORIGINAIS

Impacto do emprego de diferentes equações preditivas da taxa metabólica basal em crianças federadas jogadoras de futsal

Impact of different predictive equations of basal metabolic rate in children federated futsal players

 

Luciana Rossi1; Fabiana Guerreiro dos Santos2

1. Doutora em Nutrição Humana Aplicada – PRONUT USP. Coordenadora do Curso de Especialização em Nutrição Esportiva em Wellness do Centro Universitário São Camilo. Líder do Grupo de Pesquisa em Nutrição Esportiva em Wellness (NEW)
2. Especializada em Bases Nutricionais da Atividade Física. Universidade Gama Filho

 

Endereço para correspondência:

Rua Raul Pompeia, 144, Pompeia
São Paulo, SP, Brasil, CEP: 05025-010
Fone: (11) 3465-2631
E-mail: new@saocamilo-sp.br

 

Resumo

OBJETIVO: Avaliar o impacto de diferentes equações preditivas de taxa metabólica basal em crianças federadas praticantes de futsal.
MÉTODOS: Foram avaliados 41 jogadores do sexo masculino (n = 41) da categoria sub 7 à sub 9. Obtiveram-se a massa corporal, a estatura e as dobras cutâneas para o cálculo do índice de massa corporal e percentual de gordura. Calculou-se a taxa metabólica basal partir de 2 equações preditivas para crianças de 3 a 10 anos. Foram empregados testes não paramétricos (p < 0,05) para conduzir as análises inferenciais.
RESULTADOS: Quanto ao estado nutricional, as crianças federadas foram classificadas com sobrepeso; porém, com percentual de gordura adequado à faixa etária. Os valores de taxa metabólica basal diferiram significativamente em 3%, ocorrendo uma superestimação a partir da equação de Henry e Ress (1991).
CONCLUSÕES: Aconselha-se cautela para a obtenção da taxa metabólica basal de crianças federadas futsal quando da utilização de equações preditivas, não devendo empregá-las como equivalentes, principalmente para computar o gasto energético total.

Palavras-chave: Taxa metabólica basal, crianças, exercício, gasto energético.


Abstract

OBJECTIVE: To evaluate the impact of different predictive equations of basal metabolic rate in federated futsal practitioners children.
METHODS: A total of 41 male players (n=41) of the categories sub 7 to 9 obtained the body weight, height and skinfold to calculate the body mass index and fat percentage. It was calculated the basal metabolic rate from two predictive equations for children 310 years. Nonparametric tests were used (p <0.05) to conduct inferential analyzes.
RESULTS: Regarding nutritional status federated children were classified as overweight, but with fat percentage appropriate for the age group. The basal metabolic rate values differed significantly by 3%, with an overestimation from the Henry equation and Ress (1991).
CONCLUSIONS: It is advised caution to obtain the basal metabolic rate federated futsal children when using predictive equations should not use them as equivalent, primarily to compute the total energy expenditure.

Keywords: Basal metabolic rate, children, exercise, energy expenditure.

 

INTRODUÇÃO

A taxa metabólica basal (TMB) é definida como a necessidade mínima de energia para a manutenção das funções vitais dos seres humanos (p. ex., cardiovascular, respiratória, síntese orgânica, manutenção de bombas de íons da membrana celular, temperatura corporal, entre outras) e sofre influência de fatores como idade, gênero, composição corporal e estado fisiológico (Wahrlich e Anjos, 2001 Rossi e cols., 2015).

A aplicação principal da TMB consiste na obtenção das necessidades energéticas, podendo ser utilizada em clínicas e consultórios nutricionais, agências governamentais, organizações de saúde ou no esporte (Fonseca e cols.., 2010). Ao passo que a mensuração é obtida com grande precisão, por meio de técnicas de calorimetria direta ou indireta, em indivíduos alocados em ambiente termoneutro (22 a 26ºC) logo após acordar, em estado pós-absortivo (jejum de 10h a 12h), em repouso mínimo de 30 minutos, em estado de vigília e em decúbito dorsal (FAO/WHO/UNU, 1998; Rossi e cols., 2015).

Medidas precisas demonstram que a TMB pode representar, em indivíduos sedentários, cerca de 70% e, nos fisicamente ativos, cerca de 50% do gasto energético total (GET) (Schneider e Meyer, 2005 Wahrlich e Anjos, 2001).

Devido à impossibilidade de obter rotineiramente a TMB por meio de métodos mais precisos, como, por exemplo, a calorimetria, a Organização Mundial da Saúde (OMS) propôs, em 1985, o emprego de equações preditivas para a obtenção dessas medidas, dada à importância desse parâmetro para o cálculo das necessidades diárias de energia da população em geral (Wahrlich e Anjos, 2001).

Essas equações foram provenientes de uma modificação do banco de dados de Schofield (1985); porém, pesquisas posteriores na área têm registrado superestimação dos valores da TMB em diferentes grupos étnicos, particularmente naqueles residentes nos trópicos (Henry, 2005; Cruz e cols., 1999). Essas diferenças entre as populações foram atribuídas ao grande número de italianos na base de dados original (seguidos de europeus e norte-americanos); aos indivíduos predominantemente de regiões de clima temperado; à não padronização do teste de calorimetria (jejum do pré-teste); às características diferenciadas de composição corporal (Wahrlich e Anjos, 2001a); à faixa etária estreita e a muitos indivíduos caucasianos (Melo e cols., 2008).

Devido a essas evidências, em 1991, os pesquisadores Henry e Rees desenvolveram equações específicas para indivíduos residentes nos trópicos (Henry e Rees, 1991); contudo, diversos trabalhos indicam que é necessário cautela na extrapolação dos valores em população brasileira (Fonseca e cols., 2011; Fonseca e cols., 2010; Wahrlich e Anjos, 2001).

Levando-se em conta a importância da determinação da TMB no cálculo das necessidades energéticas de crianças e adolescentes fisicamente ativos, o objetivo deste estudo foi avaliar as diferenças entre o emprego das diferentes equações recomendadas para esse público e o impacto na obtenção do GET, com a finalidade de prescrição direcionada ao rendimento esportivo de crianças federadas praticantes de futsal.

 

MÉTODOS

Casuística

Foram avaliados 41 jogadores do sexo masculino das categorias sub 7 à sub 9 de futsal, federados de um Clube de grande porte do Estado de São Paulo. Participaram por categoria o seguinte número de jogadores: (i) 12 da categoria sub 7 (n = 12); (ii) 18 da categoria sub 8 (n = 18); e (iii) 11 da categoria sub 9 (n = 11). O projeto foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética de um Centro Universitário; no entanto, antes do início da coleta dos dados, os pais ou os responsáveis assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido (COEP nº 047/05).

Antropometria

Para a avaliação antropométrica dos jogadores federados de futsal, foram mensurados os seguintes parâmetros diretos: massa corporal (kg), estatura (cm) e dobras cutâneas (mm). Já para a obtenção da massa corporal (MC em kg), foi utilizada uma balança portátil digital modelo BCC 558 (Tanita®, Japão), com precisão de 0,1 kg e capacidade total de 150 kg. A estatura (E em cm) foi obtiva por meio de antropômetro portátil Body meter 208 (Seca®, Reino Unido), total 180 cm, precisão de 1 cm. Os participantes foram colocados em posição ereta, com braços pendentes ao lado do corpo e olhar na linha do horizonte (plano de Frankfurt).

Com a obtenção da massa corporal e da estatura, foi calculado o Índice de Massa Corporal (IMC em kg/m2), isto é, MC/Estatura2. Foram aferidas 2 dobras cutâneas, com um compasso da marca Sunny Clínico®, utilizando-se valores médios de 2 verificações consecutivas, do lado direito do corpo, seguindo as padronizações conforme Rossi e cols.. (2015): tríceps (DT) e subescapular (DSe). Posteriormente, calculou-se a soma entre as dobras de cada jogador, sendo todos os valores obtidos inferiores a 35mm.

Com os valores médios do somatório das dobras, calculou-se o percentual de gordura corporal (%G) de cada categoria, empregando-se a equação de Slaughter e cols. (1998) para crianças e adolescentes fisicamente ativos com soma de dobra < 35mm: %G = 1,21 (DT + DSe) 0008 (DT + DSe)2 1,7. Os valores de percentual de gordura foram classificados conforme o critério proposto por Deurenberg e cols. (1990c).

Gasto energético basal

Para a obtenção dos valores de TMB, foram empregadas as seguintes fórmula preditivas para crianças do gênero masculino entre 3 a 10 anos, propostas por: (i) FAO/OMS/UNU (1985): 22,7 x P + 495; (ii) Henry e Rees (1991): (0,113 x P + 1,689) x 239.

Já para a detecção de diferenças estatísticas entre os valores de taxa metabólica basal das diferentes equações preditivas, foi empregado o teste não paramétrico de Wilcoxon, com um nível de significância de 5%, utilizando, nas análises, o programa estatístico R versão 2.10.1 da The R Foundation for Statistical Computing®.

 

RESULTADOS

Na tabela 1 são apresentados os resultados da estatística descritiva das categorias de crianças federadas em futsal categorias Sub7 até Sub9.

 

 

O IMC para a idade média classifica por faixa etária e por amostra, segundo o estado nutricional com sobrepeso (Cole e cols., 2000) já quanto ao percentual de gordura, a classificação por faixa etária e geral apresenta-se adequada para a idade (Rossi e cols., 2015).

Os valores médios para TBM, empregando-se a equação de Henry e Rees (1991) e FAO/WHO (1985), foram respectivamente: 1202,1 (142,2) e 1166,1 (119,5) kcal (gráfico 1). Esses resultados foram significativamente diferentes (p < 0,05), ocorrendo uma superestimação de 36 kcal ou 3% da TMB pela equação de Henry e Rees (1991) em relação a FAO/WHO/UNU (1985).

 

 

DISCUSSÃO

A antropometria é um dos métodos mais empregados para a análise da composição corporal de crianças e adolescentes fisicamente ativos, por ser relativamente barato, de fácil aplicação em campo e reproduzível, mas principalmente por detectar adequadamente alterações corporais consequentes com intervenções nutricionais e treinamentos físicos (Lopes e Maia, 2004 Rossi e cols., 2015).

Segundo Reis e cols. (2009) que estudaram a composição corporal de jogadores de futebol juvenil, a avaliação do percentual de gordura consiste em umas das determinações de maior impacto no desempenho e no acompanhamento nutricional. Além disso, relaciona-se à posição de jogo de cada atleta do time, alcançando maiores valores para os goleiros.

No caso de nossa amostra, o IMC constatou excesso de massa corporal para a idade, enquanto o percentual de gordura foi classificado como adequado para a idade. Esses resultados podem indicar um aumento de massa corporal, advinda da massa magra, tendo em vista o treinamento a que as crianças federadas são submetidas (AAP, 2006 AAP, 2011).

Outrossim, estudos específicos que abordem a TMB para a faixa compreendida no presente estudo, crianças entre 6 a 9 anos fisicamente ativas ou praticantes de futsal, não foram encontrados. A TMB em crianças pré-púberes é mais fortemente correlacionada à massa corporal (r = 0,85) e à massa magra determinada pela antropometria (r = 0,80 a 0,85, dependendo da equação empregada) (Goran e Sun, 1998).

Para adolescentes do sexo masculino, a validade da equação preditiva de Henry e Rees (1991) foi comparada à calorimetria direta; porém, os autores, apesar de não encontrarem diferenças estatísticas significativas entre a calorimetria indireta e a equação preditiva, aconselharam prudência na aplicação para cálculos da TMB de adolescentes do sexo masculino (de 10 a 17 anos) (Fonseca e Duarte, 2011).

Adicionalmente, outro estudo com adolescentes do sexo feminino (de 10 a 17 anos), empregando a mesma metodologia de análise, constatou o mesmo resultado (Fonseca e cols., 2010). Já Schneider e Meyer (2005), estudando a validade de 4 equações preditivas da TMB comparativamente à metodologia de calorimetria indireta em 35 estudantes com idade entre 12 e 17 anos com sobrepeso e obesidade, observaram superestimação significativamente estatística da TMB pela equações. Dessa forma, aconselharam atenção do emprego no cálculo das necessidades energéticas totais para população semelhante.

No presente estudo não realizamos exame de calorimetria indireta, considerado padrão ouro para determinação da TMB (Rossi e cols., 2009) porém, constatou-se que as equações preditiva testadas em nossa hipótese não devem ser usadas como equivalentes, com superestimação de 3% do TMB pela equação de Henry e Rees (1991) em comparação com FAO/OMS/UNU (1985).

O desequilíbrio energético advindo de uma superestimação das necessidades energéticas em crianças e adolescentes pode refletir em aumento significativo da massa corporal, mesmo com um consumo energético baixo e persistente em torno de 70 a 160 kcal/dia (Pereira e cols., 2013). Nesse aspecto, muito se discute sobre o impacto do excesso energético na progressão da obesidade infantil (Schneider e Meyer, 2005; Melo e cols., 2004; Abrantes e cols., 2002), mas muito menos sobre as possíveis consequências para o rendimento de crianças fisicamente ativas ou participantes de modalidades esportivas (Lopes e Maia, 2004; Juzwiak, 2000), como em nosso estudo.

No acompanhamento de crianças fisicamente ativas, participantes de modalidades esportivas competitivas, além do ganho de massa corporal, que pode impactar negativamente no rendimento, há também a preocupação de não ocorrer baixa ingestão energética e perda de peso, com consequências deletérias no crescimento, desenvolvimento e rendimento (AAP, 2001).

 

CONCLUSÕES

Devido à importância da obtenção da taxa metabólica basal, para compor as necessidades energéticas diárias frente ao acompanhamento nutricional em clínicas, clubes, programas de governo de desportistas e jovens atletas, o constante estudo, teste e acompanhamento da aplicabilidade e da validade das equações preditivas em grupos populacionais nacionais específicos deve ser constantemente empreendido.

Além disso, constatou-se que as principais equações para a obtenção da taxa metabólica basal em crianças federadas de futsal não devem ser empregadas como equivalentes, havendo risco de super ou subestimação do gasto energético total. Aconselha-se, como em outros estudos similares, cautela na aplicação do cálculo do gasto energético total de diferentes protocolos para taxa metabólica basal e o conhecimento prévio das limitações impostas ao modelo para o desenvolvimento desta, como, por exemplo, população base, idade, número de participantes, grau de atividade física, entre outros.

 

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