Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 15(2) - Setembro 2015

Editoriais

Manifesto sobre Maioridade Penal

 

 

O Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA) é o setor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) responsável pela atenção integral à saúde de adolescentes de 12 a 18 anos. Criado em 1974, o Nesa/UERJ é referência nacional e internacional para a formação e a capacitação de profissionais, a realização de pesquisas e a assistência à saúde dessa população, funcionando como unidade de ensino, pesquisa e extensão nos três níveis de atenção preconizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, desempenha consultoria específica para o Ministério da Saúde e para a Organização Pan Americana de Saúde (OPAS).

A questão da maioridade penal tem mobilizado a sociedade civil e gerado manifestações emocionais e, muitas vezes, simplistas. Nesse sentido, o NESA vem a público, dirigindo-se diretamente aos parlamentares brasileiros, manifestar seu posicionamento, embasado em conceitos teóricos, fruto de pesquisas científicas, e nos trabalhos assistenciais e extensionistas desenvolvidos nas últimas quatro décadas.

A proposta de redução da maioridade penal contida na PEC 171/1993, em tramitação no Congresso Nacional, tem como objetivo atribuir responsabilidade criminal ao maior de 16 anos. A proposta de emenda à constituição baseia-se na crença de que adolescentes dessa idade já têm discernimento para saber que "matar, lesionar, roubar, furtar etc. são fatos que contrariam o ordenamento jurídico; são fatos contrários à lei, em síntese, entendem que praticando tais atos são delinquentes". O principal argumento utilizado para sustentar essa tese consiste no fato de que "o menor de dezoito anos, considerado irresponsável e, consequentemente, inimputável, sob o prisma do ordenamento penal brasileiro vigente desde 1940, quando foi editado o Estatuto Criminal, possuía um desenvolvimento mental inferior aos jovens de hoje da mesma idade". As evidências científicas, na contramão dessa justificativa, comprovam que algumas regiões do cérebro de um adolescente atravessam um período de remodelagem e aprendizado.

Estudos recentes comprovam que os graus de maturação entre as regiões do sistema límbico e do hipotálamo, que produzem as emoções e a liberação hormonal, diferem do tempo de maturação do córtex pré-frontal, que controla os impulsos e o aprendizado. Essa assincronia explica, por meios de argumentos neurofisiológicos, muitos dos comportamentos de risco que envolvem a curiosidade, a impulsividade e a agressividade. Enfatizam ainda que as conexões necessárias para o desenvolvimento do cérebro são influenciadas pelos estímulos externos recebidos.

Essas pesquisas demonstram que a área responsável pelas avaliações de risco e pela tomada de decisões em longo prazo, sobretudo, é uma das últimas regiões cerebrais a amadurecer. Segundo esses dados, maturidade, controle de impulsos e tomada de decisões continuam a desenvolver-se após os 20 anos, no início da vida adulta.

Em síntese, esses trabalhos ratificam que o processo de desenvolvimento cerebral permite o refinamento das estruturas e das funções necessárias ao amadurecimento cognitivo, afetivo e social.

Além dos argumentos expostos, a prática de assistência à saúde de adolescentes e suas famílias, nos diferentes níveis - promoção à saúde, prevenção de agravos, assistência e reabilitação, autoriza-nos a sustentar a tese de que a adolescência é uma etapa marcada por particularidades. Afirmamos que não há uma adolescência, mas múltiplas formas de adolescer.

Em nosso cotidiano de trabalho, assistimos uma parcela da população, muitas das vezes, excluída dos direitos assegurados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Convém destacar que não estamos defendendo a impunidade porque se trata de adolescentes. Inclusive, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu Capítulo III, Seção V (Da Apuração de Ato Infracional Atribuído a Adolescente), prevê medidas punitivas referentes a atos infracionais cometidos por adolescentes, estabelecendo que essas devam ser socioeducativas. Infelizmente, observamos, na prática, que o estatuto não é cumprido em sua totalidade e dimensão. O atual sistema de abrigos e instituições do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), por exemplo, não está sendo capaz de "recuperar" adolescentes que foram abandonados e excluídos desde a sua infância e que são triplamente penalizados pela violência social, pela exploração e pelas medidas restritivas de sua liberdade, em ambientes superlotados e insalubres. Portanto, cabe ao Estado estabelecer alternativas de reintegração social, educacional, cultural e em saúde, ampliando as possibilidades de apoio aqueles que estão em situação de maior vulnerabilidade.

Nesse sentido, consideramos indigna, imoral e com bases frágeis a proposta de redução da maioridade penal. Adicionalmente, em consonância com os preceitos apresentados neste documento sintético, o NESA/UERJ a repudia e coloca-se à disposição para um diálogo aberto acerca da temática.

Convidamos a um movimento de proteção dos adolescentes durante a fase de vulnerabilidade, a partir da oferta de expectativas positivas de confiança em seu desenvolvimento social e não somente obstáculos intransponíveis ou punitivos.

 

Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente
Rio de Janeiro, 26 de junho de 2015