Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 15(2) - Setembro 2015

Editoriais

Diagnóstico precoce das cardiopatias congênitas: 5 minutos podem mudar uma vida

 

Aurea Lúcia Alves de Azevedo Grippa de Souza

 

A questão não é atingir a perfeição, mas sim a totalidade.

Carl Jung

Promover o nascimento, a infância e a adolescência saudáveis é meta primordial do atendimento de todo pediatra. Defendemos a visita pediátrica pré-natal, a presença do pediatra na sala de parto e o direito ao acompanhamento especializado em todas as fases do crescimento e do desenvolvimento infantil. Políticas públicas de proteção ao pré-natal e nascimento seguros, como, por exemplo, a Rede Cegonha, têm por objetivo propiciar não somente o acompanhamento, mas também o diagnóstico e o tratamento precoces de alterações no binômio mãe-filho.Nesse contexto, as cardiopatias congênitas representam grande importância diante de sua elevada incidência e morbimortalidade. Uma em cada 100 gestações saudáveis pode apresentar um feto com cardiopatia, considerando-se desde as mais simples, como, por exemplo, a persistência do canal arterial, até as mais complexas, como, por exemplo, as atresias valvares e a transposição dos grandes vasos. A realização do diagnóstico precoce dessas alterações é a chave para a modificação de sua história natural.

Como realizar o diagnóstico precoce e em que período: pré ou pós-natal?

Durante o período pré-natal, o ecocardiograma fetal com mapeamento por Doppler colorido possibilita o diagnóstico de cerca de 90% das cardiopatias acianóticas e de 95% das cianóticas. A despeito de o tratamento intervencionista intrauterino dos defeitos estruturais encontrar-se em fase inicial, o planejamento e o preparo dos recursos para o nascimento podem determinar o melhor resultado na abordagem neonatal.Nas cardiopatias congênitas ducto-dependentes (transposição, obstrutiva ao ventrículo direito ou esquerdo), a instituição precoce de observação em unidade de terapia intensiva, a utilização da prostaglandina vasodilatadora (PgE1) e o planejamento cirúrgico ou hemodinâmico elevam as taxas de sobrevivência desses pacientes, diminuindo a morbidade da doença. Entretanto, esse método diagnóstico ainda não está ao alcance de todos os serviços de pré-natal no país, sendo contemplada, no planejamento do Sistema Único de Saúde (SUS), a avaliação do coração fetal apenas pela ultrassonografia morfológica de segundo trimestre. Esse fato determina a ocorrência de um grande número de cardiopatias de baixo e médio risco não diagnosticadas em maternidades.(a maternidade é que tem esta classificação de risco, não a cardiopatia)

Já no período pós-natal, é comum nos deparamos com situações inesperadas de cardiopatas graves não diagnosticados previamente, sendo admitidos em berçários, emergências ou até mesmo atendimentos ambulatoriais. Possibilitando abranger a totalidade dos neonatos nos três níveis de complexidade de risco, o teste de oximetria de pulso, conhecido popularmente como "teste do coraçãozinho", mostra-se como ferramenta de grande eficácia, podendo promover 97% de efetividade no rastreamento de cardiopatias críticas ao nascimento.

Desde 2011, a Academia Americana de Pediatria e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) preconizam o uso do teste como rastreamento, tendo em vista que 40% a 50% dos neonatos portadores de cardiopatias ducto-dependentes têm alta das maternidades sem diagnóstico. Em novembro de 2012, o Estado do Rio de Janeiro, por meio da Lei nº 6.350, tornou obrigatória a realização do teste de oximetria de pulso nas maternidades públicas e privadas da rede. Para finalizar o processo de instituição do teste como metodologia de rastreamento neonatal, o Ministério da Saúde, por meio da portaria nº 20, de 14 de junho de 2014, incorporou a oximetria de pulso como procedimento a ser realizado de forma universal, fazendo parte do Programa de Triagem Neonatal no SUS.

A realização do teste de oximetria em todos os neonatos é realmente uma missão possível?

Na verdade, a prática de um procedimento rápido, simples, de baixo custo, seguro e não invasivo não pode ser negligenciada. Para a execução do teste, são necessários um oxímetro de pulso, dispositivo que deve estar presente em todos os berçários do país; um profissional envolvido no atendimento e treinado na realização; e um ambiente tranquilo com o recém-nascido entre 36 e 48 horas de vida, alimentado, confortável e com membros aquecidos. Para tanto, o seio materno pode ser o local perfeito para a sua realização.

A aferição da oximetria é realizada por 2 minutos em cada membro, superior e inferior direitos. Os valores abaixo de 96% deverão ser confirmados em uma segunda leitura; caso persistam, os pacientes deverão ser avaliados por meio de ecocardiograma com Doppler colorido. Apesar de o teste de oximetria não ter como objetivo o diagnóstico de cardiopatias, como, por exemplo, a comunicação interventricular, a persistência do canal arterial, entre outras de maior prevalência que também poderão acarretar comprometimento no crescimento da criança, a sua importância deve-se à possibilidade de diminuir o número de cardiopatias críticas não diagnosticadas ao nascimento e que podem evoluir ao óbito sem tratamento adequado.

As instituições que estão envolvidas com o cuidado da criança em seus primeiros dias de vida estão atentas para a realização adequada de rastreamentos?

Solicitamos diariamente testes do pezinho, da orelhinha, entre outros diminutivos que não subestimam a gravidade e a morbidade das doenças não diagnosticadas na ausência da realização desses procedimentos simples. Cabe ao pediatra geral estar atento para a inclusão do teste do coraçãozinho em sua prática diária, colaborando na sensibilização e na divulgação quanto à necessidade de sua realização.

 

Aurea Lúcia Alves de Azevedo Grippa de Souza
Mestra em Ciências Cardiovasculares (UFF)
Professora Assistente de Pediatria do Departamento Materno-Infantil (UFF)
Membro do Comitê de Cardiopediatria da SOPERJ