Editoriais
Internações por condições sensíveis à Atenção Primária
Ana Lúcia Ferreira
Tendo em vista o impacto da atenção primária em saúde na redução das internações por condições sensíveis a esse nível de atenção em vários países, o Ministério da Saúde, por meio da Portaria nº 221 de 17 de abril de 2008, definiu a lista brasileira de Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária (ICSAP), refletindo as diversidades das condições de saúde e doença no território nacional.
As Condições Sensíveis à Atenção Primária foram listadas por grupos de causas de internações e diagnósticos, de acordo com a Décima Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10). Condições que afetam frequentemente crianças e adolescentes estão incluídas na lista, que é composta por 19 grupos de diagnósticos, cada qual com várias patologias. Como exemplos estão doenças evitáveis por imunizações, gastroenterites, anemia, deficiências nutricionais, infecções de ouvido, nariz e garganta, pneumonias, asma, diabetes e infecções do trato urinário. Percebe-se que, além das doenças preveníveis, há um grupo de condições agudas cujo tratamento precoce e eficaz poderia evitar internações, além de condições crônicas cujo acompanhamento regular reduziria admissões ou readmissões hospitalares.
Essa lista possibilita, portanto, a construção de indicadores da atividade hospitalar para serem utilizados como medida indireta do funcionamento da atenção básica brasileira e da Estratégia de Saúde da Família (ESF). Altas taxas de ICSAP na população ou algum subgrupo (como crianças e adolescentes) podem indicar problemas de acesso ao sistema de saúde ou de seu desempenho. Estudos mostram a associação entre taxas elevadas de ICSAP e deficiências na cobertura dos serviços e/ou a baixa resolutividade da atenção primária para determinados problemas de saúde, bem como a relação entre o aumento da cobertura da ESF e a queda das ICSAP. A literatura aponta, ainda, uma associação inversa entre a idade da pessoa e a ocorrência de ICSAP, ou seja, quanto menor a idade, maior a ocorrência desse evento.
Tendo em vista que a ESF é considerada prioritária para a reorganização da atenção à saúde no Brasil, ressaltamos o quanto é necessário que a puericultura seja oferecida pelas equipes da ESF durante toda a infância e adolescência. Nós, pediatras, sabemos da importância da puericultura como um diferencial na atenção integral à saúde. O acompanhamento de rotina de crianças e adolescentes sadios permite estabelecer vínculo com as famílias, orientando-as sobre ações de promoção de saúde e de prevenção das doenças que mais comumente podem vir a afetar seus filhos. Da mesma forma, o acompanhamento de portadores de doenças crônicas possibilita orientar os familiares para o reconhecimento precoce de sinais de agravamento e apoiá-los no cuidado desses pacientes, com as diversas implicações psicossociais que algumas patologias podem causar na rotina e nas relações familiares.
Por meio da puericultura é possível não apenas evitar as ICSAP, mas também contribuir para a diminuição da morbi-mortalidade de crianças e adolescentes.
Ana Lúcia Ferreira
Professora Associada do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFRJ Doutora em Ciências pela ENSP / FIOCRUZ
Presidente do Comitê de Segurança e Direitos da Criança e do Adolescente da SOPERJ