RELATOS DE CASO
Piomiosite bacteriana aguda: a importância do diagnóstico precoce
Acute bacterial pyomyositis: the relevance of precocious diagnosis
Cecilia Pereira Silva1; Cléa Ribeiro Nunes do Vale2; Ricardo do Rêgo Barros3; Plácido Antonio da Silva Neto4; Andréa Fabiane Lira5; Flávio Fernando Nogueira de Melo
1. Professora Auxiliar de Ensino do UniFOA-VR (Pediatra do Hospital e Maternidade VITA).
2. Professora Auxiliar de Pediatria do UniFOA-VR (Pediatra do Hospital e Maternidade VITA).
3. Médico Pediatra , Especialista em Pediatria e Medicina de Adolescentes pela SBP / AMB. (Chefe do Serviço de Adolescentes do IPPMG/UFRJ).
4. Médico, Pediatra do Hospital e Maternidade Vita (Pediatra do Hospital e Maternidade Vita).
5. Cirurgia Infantil do Hospital e Maternidade VITA (Cirurgia Infantil do Hospital e Maternidade VITA).
6. Professor Assistente de Ensino do UniFOA-VR (Reumatologista do Hospital e Maternidade VITA).
Endereço para correspondência:
Rua Nascimento Silva 76 ap. 703-Ipanema
Rio de janeiro - RJ 2421-020
Resumo
Relato de um caso em adolescente obeso do sexo masculinoPalavras-chave: piomiosite bacteriana aguda, tomografia computadorizada, miosite.
RELATO DO CASO:
Paciente de 14 anos e 11 meses, de sexo masculino, obeso (IMC 32,88 kg/m2), que procurou o serviço de Pronto Socorro (PS) do Hospital Vita com dor tóraco-lombar à direita iniciada há três dias e febre alta (38-39 ºC) há seis horas. Foi realizada a investigação diagnóstica com hemograma completo, provas de função hepática, proteína C reativa(PCR) e velocidade de hemosssedimentação(VHS), eletroforese de hemoglobina A2, provas de função hepática, contagem de plaquetas, cujas únicas alterações foram na proteína C reativa (194 mg/dl- valor normal: até 5mg/dl) e velocidade de hemossedimentação (50 mm na primeira hora). O paciente foi liberado com orientação de retorno e após 48 h foi atendido com piora da dor e persistência da febre. No exame físico o paciente estava apirético, hidratado, corado, anictérico, com peso de 101.600 g, estatura de 176 cm, Tanner P5G5, freqüência cardíaca de 80 bpm, freqüência respiratória de 19 ipm, pressão arterial de 110 x 70 mmHg. Apresentava fácies de dor, tinha dificuldade de permanecer em decúbito dorsal, o abdome estava flácido, sem visceromegalias, porém havia dor e calor no hipocôndrio direito. A peristalse estava presente e notava-se discreta dermatite de contato na região umbilical. A ultrassonografia de abdome total foi normal e o paciente foi internado para investigação.
No 1º dia de internação foram solicitados novos exames laboratoriais, tomografia computadorizada (TC) de tórax e abdome e parecer da Cirurgia Infantil. A TC evidenciou pequeno derrame pleural à direita, discreto aumento de volume da musculatura intercostal anterior na altura do hipocôndrio direito e pequena densificação do tecido celular subcutâneo adjacente compatível com miosite intercostal. Ao ser questionado sobre possíveis traumas nessa região, o adolescente revelou trabalhar como entregador de compras, tendo o costume de subir no carrinho e andar com o gradil costal apoiado nele. Foi solicitado parecer da Reumatologia e iniciado Oxacilina 200 mg/kg/dia e Ceftriaxona 100 mg/kg/dia por via IV.
Os exames laboratoriais revelaram: hemácias 4.870.000; hematócrito: 41%; hemoglobina: 13,6g; leucócitos: 10.400; basófilos: 00; eosinófilos: 00; mielócitos: 00; metamielócitos: 00; bastões: 1; segmentados: 71; linfócitos: 18; monócitos: 10; plaquetas: 241.000; PCR: 194 mg/dl; VHS: 50 mm; CPK: 109; TGO: 31; TGP: 49; BT: 1,1; BD: 0,7; BI: 0,4; fosfatase alcalina: 352 e gama GT: 55.
Evoluiu com melhora clínica, com normalização da curva térmica e no 8º dia de internação apresentou flebite na região braquial esquerda, junto ao sítio da venóclise.
O novo exame laboratorial mostrou: hemácias 4.890.000; hematócrito: 42%; hemoglobina: 14,2g; leucócitos: 6.800; basófilos: 00; eosinófilos: 04; mielócitos: 00; metamielócitos: 00; bastões: 1; segmentados: 48; linfócitos: 39; monócitos: 8; VHS: 20 mm; PCR: 16 e CPK: 113. Recebeu alta no 15º dia de internação com prescrição de Cefalexina 2g/dia por 14 dias via oral. O adolescente estava assintomático e sem seqüelas.
Na última revisão clínica, 11 meses após a alta, encontrava-se assintomático, mas com 19 kg a mais em relação ao peso da alta, sendo orientado quanto à necessidade de controle da obesidade.
DISCUSSÃO:
A piomiosite foi documentada pela primeira vez por Scriba em 1885 numa série de casos por ele observados(1, 10). Relatada inicialmente como uma doença de zonas tropicais, vem aumentando em regiões de clima temperado, devido à disseminação do vírus da Imunodeficiência Humana e dos tratamentos imunossupressores(2). Doença rara, a piomiosite infecciosa é causada por microorganismos que invadem o músculo esquelético por contigüidade ou disseminação hematogênica de foco à distância(5). Em áreas tropicais, os estudos mostram que o Staphylococcus aureus éo agente etiológico que prevalece em 95 % dos casos(5, 6). Tem sido vista em todos os grupos etários, porém, é mais comum na primeira e segunda décadas de vida, com ligeira predominância do sexo masculino2, como o caso em questão.
Pode acometer qualquer grupo muscular, mas habitualmente um único músculo é afetado, embora de 11 a 43 % dos pacientes tenham envolvimento em de múltiplos grupos musculares(10). A localização mais freqüente é o músculo íleo psoas (14 %) seguido dos glúteos (10,8 %) (2). No adolescente mostrado a localização da lesão foi na região torácica, o que corresponde a 6% dos casos(2).
Frequentemente a desnutrição é citada como fator predisponente, especialmente em climas tropicais(3) e doenças sistêmicas também podem predispor a infecções intramusculares. Entre essas doenças incluem-se: pacientes portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV), diabetes mellitus(4,7), sepse, aterosclerose, alcoolismo. Obesidade e também trauma, imunossupressão e cirurgia. No caso relatado, nota-se uma relação da doença com a atividade pro-fissional desempenhada pelo adolescente, o aspecto nutricional da obesidade com IMC 32,88 kg/m2 (P>97) e lesões dermatológicas na região abdominal.
Existem três estágios da doença: infecção muscular difusa, formação de abscesso e sepse(10,11). No caso relatado havia apenas infecção localizada, sem formação de abscesso no músculo, sendo desnecessária a intervenção cirúrgica. Na avaliação por imagem, a Ressonância Magnética é o método diagnóstico pa-drão ouro (2, 9), porém, a TC9 é igualmente adequada na medida em que avalia a natureza e a extensão da lesão, podendo servir como orientação na biópsia ou drenagem percutânea dessas lesões(9). A Ressonância Magnética tem o seu principal papel no acompanhamento pós tratamento desses pacientes, porque proporciona imagens multiplanares, isentas de radiação ionizante e utilizando um meio de contraste mais seguro(9). A ultra-sonografia pode identificar coleções líquidas, normalmente secreções sanguinolentas, e sinais de necrose muscular, mas é um método auxiliar e não fornece dados significativos para confirmar o diagnóstico de PBA.
O diagnóstico precoce e o tratamento adequado contribuíram para a boa evolução do caso, confirmando os dados da literatura(3).
A taxa de mortalidade da PBA é menor que 1,5 %(8), porém aumenta quando o diagnóstico é tardio, chegando a 15%(8). Embora a PBA seja de ocorrência pouco frequente(1), ela deve ser considerada diante de quadros febris com envolvimento de grupos musculares dada a importância do diagnóstico precoce e o tratamento adequado com relação a um prognóstico favorável(3,11). Sendo uma patologia que é mais comum na primeira e segunda décadas de vida, deve ser um diagnóstico de exclusão dos pediatras em lesões musculares associadas à trauma, que cursem com piora do estado geral, dor na região muscular acometida, febre, edema local e alterações laboratoriais das provas inflamatórias.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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