Artigo Original
Leitos hospitalares e profissionais de saúde associados a morbimortalidade por doenças respiratórias agudas da população pediátrica brasileira, 2009-2021
Hospital beds and healthcare professionals associated with morbidity and mortality due to acute respiratory diseases in the brazilian pediatric population, 2009-2021
Tatiana da Silva Oliveira Mariano; Emil Kupek
DOI:10.31365/issn.2595-1769.v25i3p97-106
Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas. Florianópolis, SC, Brasil
Endereço para correspondência:
oliveira.tatianasilva@gmail.com
Instituição: Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas. Florianópolis, SC, Brasil
Recebido em: 16/02/2024
Aprovado em: 02/07/2024
Resumo
OBJETIVO: Analisar a razão das taxas de incidência (RTI) sobre casos notificados como síndrome respiratória aguda grave, hospitalização e mortalidade por doenças respiratórias agudas em menores de 15 anos de idade no Brasil de 2009 a 2021, segundo a disponibilidade de leitos hospitalares e dos profissionais de saúde.
MÉTODOS: Estudo ecológico utilizando dados do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe, Hospitalares do SUS, Mortalidade, e Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, agregados ao nível de estados do Brasil, com data do evento entre 1º de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2021. Para cálculo da RTI, utilizou-se regressão binomial negativa.
RESULTADOS: No Brasil, houve redução na taxa de leitos de enfermaria no período de estudo. No período 2010-2019, nos anos 2020 e 2021, o aumento na taxa de pediatras e leitos de enfermaria foi associado à redução de mortalidade. Houve redução no risco de hospitalização a cada aumento de uma unidade na taxa de leitos de UCI/UTI adulto. Associação com acréscimo de hospitalização a cada aumento de UCI/UTI pediátrica.
CONCLUSÃO: Evidenciou-se redução nas taxas de leitos de enfermaria e menos pediatras e médicos nas regiões Norte e Nordeste. A associação entre aumento de leitos de enfermaria e pediatras na redução de mortalidade ratificou que a assistência especializada reduz morte. A redução de hospitalização com mais leitos de UCI/UTI adulto se justificaria pela redução de leitos que foram remanejados para população adulta/idosa. Crianças e adolescentes chegaram com quadros mais graves necessitando de leitos de UCI/UTI.
Palavras-chave: Sistemas de Informação em Saúde. Número de Leitos em Hospital. Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica. Pessoal de Saúde. Covid-19. Pediatria.
Abstract
OBJECTIVE: To analyze the incidence rate ratio (IRR) of cases reported as severe acute respiratory syndrome, hospitalization and mortality due to acute respiratory diseases in children under 15 years of age in Brazil from 2009 to 2021, according to the availability of hospital beds and health professionals.
METHODS: Ecological study using data from the Influenza Epidemiological Surveillance Information System, SUS Hospitals, Mortality, and National Registry of Health Establishments, aggregated by Brazilian states, between January 1, 2009, and December 31, 2021. To calculate the IRR, negative binomial regression.
RESULTS: There was a decrease in the rate of hospital beds during the study period in Brazil. In the period 2010-2019, in the years 2020 and 2021, the increase in the rate of pediatricians and hospital beds was associated with a reduction in mortality. There was a reduction in the risk of hospitalization with each increase of one unit in the adult ICU/ICU bed rate. Association with an increase in hospitalization with each increase in pediatric ICU/ICU.
CONCLUSION: There was a reduction in hospital bed rates and fewer pediatricians and physicians in the North and Northeast regions. The association between increased hospital beds and pediatricians in reducing mortality confirms that specialized care reduces deaths. The reduction in hospitalization with more beds in the adult ICU/ICU would be justified by the reduction in beds reallocated for the adult/elderly population. Children and adolescents arrived with more serious conditions requiring ICU/ICU beds.
Keywords: Health Information Systems. Hospital Bed Capacity. Intensive Care Units, Pediatric. Health Personnel. COVID-19. Pediatrics.
INTRODUÇÃO
No Brasil, a vigilância epidemiológica da influenza foi fortalecida após a pandemia pelo vírus Influenza A (H1N1pdm09). Além deste vírus, a síndrome respiratória pode estar associada a diferentes patógenos, como vírus sincicial respiratório (VSR), adenovírus, parainfluenza, entre outros.1
As doenças respiratórias agudas impactam na economia devido ao absenteísmo do trabalho e/ou escola. No mundo, a gripe está associada a pelo menos 10% das hospitalizações por causas respiratórias em menores de 18 anos de idade; entre 20% e 30% da população pediátrica são infectados anualmente.2
Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou pandemia pela doença causada pelo novo coronavírus - SARS-CoV-2 (Covid-19).3 De acordo com a OMS, cerca de 80% dos pacientes com Covid-19 podem ser assintomáticos ou oligossintomáticos, e os demais requerem atendimento hospitalar; destes, 5% podem necessitar de suporte ventilatório.4
Para garantir o acesso aos serviços de saúde, é necessário organizar o sistema para otimizar recursos e qualificar a atenção. Para isso, a regulação da assistência tem papel fundamental na qualificação da gestão, visando atender a situações de urgência e emergência.5 A regulação do acesso à assistência contempla a regulação médica pré-hospitalar e hospitalar às urgências, controle de leitos, estabelecimento de referências, entre outros. Cabe aos municípios manter atualizado o cadastro de estabelecimentos e profissionais de saúde, contratualizar os prestadores de serviços de saúde, além de outras atribuições.6
Este estudo tem por objetivo analisar a razão das taxas de incidência (RTI) sobre casos notificados como síndrome respiratória aguda grave, hospitalização e mortalidade por doenças respiratórias agudas em menores de 15 anos de idade no Brasil de 2009 a 2021, segundo a disponibilidade de leitos hospitalares e dos profissionais de saúde.
DELINEAMENTO DO ESTUDO
Trata-se de estudo ecológico, com dados secundários das Fichas de Notificação de SRAG (FN-SRAG), Autorizações de Internação Hospitalar (AIH) e Declarações de Óbito (DO), disponíveis no Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe), Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) e Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), respectivamente, de indivíduos menores de 15 anos de idade, residentes no Brasil, com data do evento entre 1º de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2021. As unidades de análise foram FN-SRAG, AIH e DO - para as duas primeiras, um mesmo indivíduo poderia ter sido notificado ou internado mais de uma vez no ano ou outras vezes até a idade limite do estudo.
Para a delimitação da idade, utilizou-se a Resolução n° 7, de 24 de fevereiro de 2010, da ANVISA, que dispõe sobre a idade para admissão em Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) pediátrica de 29 dias até 14 anos ou 18 anos de idade. Este limite foi definido de acordo com as rotinas da instituição (UTI mista com recém-nascidos - menores de 28 dias - e pediátricos numa mesma sala). Assim, de modo geral, as emergências e enfermarias pediátricas brasileiras utilizam como referência a idade limite para atendimento e internação até 14 anos 11 meses e 29 dias de idade.
Foram adotados como marcos temporais de análise a implantação do Plano de Preparação para Enfrentamento de Influenza pela OMS e MS em 2009, e o importante cenário mundial relacionado à Covid-19 em 2020. Estendeu-se até 31 de dezembro de 2021 para melhor observação dos dados, em virtude das medidas administrativas adotadas em 2020 e 2021, como fechamento e reabertura de escolas e maior circulação de pessoas após um período de lockdown.7
PERCURSO METODOLÓGICO
Para aquisição das FN-SRAG, acessou-se opendatasus.saude.gov.br/dataset, salvando em formato .csv e importando para o programa STATA/Basic Edition versão 17 (BE 17). Para AIHs, acessou-se https://datasus.saude.gov.br/transferencia-de-arquivos/, salvandoo em formato .dbc, expandindo para .dbf pelo Programa TabWin415, e transferindo ao programa STATA/BE 17. Para DO, acessou-se o mesmo endereço eletrônico, salvando em formato .dbc, expandindo e importando como no anterior.
O diagnóstico principal da internação e causa da morte foram codificados pela Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10a Revisão (CID-10). Foram selecionadas DO com os seguintes CID-10: Influenza: J09; J10 até J10. 8; J11 até J11.8; Pneumonia viral: J12 até J12.9; J17.1; Pneumonia bacteriana: J13; J14; J15 até J15.9; J17, J17.0; Pneumonia não especificada: J16, J16.8; J17, J17.8; J18 até J18.9; J22; J84 até J84.9; J98 até J98.9; Bronquite: J20 até J20.9; Bronquiolite: J21 até J21.9; Síndrome Respiratória Aguda Grave: J80; U04, U04.9; Insuficiência Respiratória: J96 até J96.9; Coronavírus: B34.2 e B97.2.
O Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) disponibiliza informações sobre infraestrutura, tipo de atendimento, serviços, leitos e profissionais de saúde nos estabelecimentos.8 Em maio de 2007,9 foram estabelecidos prazos mensais para consolidação e fechamento das bases de dados com fluxo de responsabilidade municipal, estadual e do Distrito Federal.
Para a mensuração do serviço prestado pelo SUS, utilizou-se o indicador "capacidade instalada do SUS", que tem como dimensões leitos (enfermaria pediátrica, unidades de cuidados intermediários (UCI)/UTI adulto, UCI/UTI pediátrica e UCI/UTI neonatal; e profissionais (médicos, pediatras, enfermeiros e fisioterapeutas). Foram contabilizados leitos e profissionais do setor público e privado, devido à participação complementar do setor privado no SUS10 (Quadro 1). Para leitos e profissionais, acessou-se o mesmo endereço eletrônico das AIHs salvas do mês de julho de 2009 a 2021, e demais passos descritos anteriormente.
As UCIs são unidades para usuários em situação clínica de risco moderado; já as UTI, risco iminente de morte. As UCI/UTI neonatais atendem pacientes de zero a 28 dias; UCI/UTI pediátrica, pacientes de 29 dias a 14 ou 18 anos, de acordo com as rotinas hospitalares internas; e UCI/UTI adulto, maiores de 14 ou 18 anos. Em caso de indisponibilidade de leitos pediátricos, as unidades de adulto deverão admitir pacientes acima de 12 anos.11 Quanto aos leitos, foram utilizados os códigos CNES: Enfermaria pediátrica (45); UCI/UTI adulto (95, 74, 75 e 76); UCI/UTI pediátrica (94, 77, 78 e 79); e UCI/UTI neonatal (65, 92, 93, 80, 81 e 82).
A Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) tem por finalidade identificar, codificar e descrever as características das ocupações do mercado de trabalho brasileiro.12 Quanto aos profissionais, foram utilizados os códigos CBO: pediatras (223149 e 225124); médicos (225125, 225170, 225103, 225127, 225130, 225142, 225139 e 225150); enfermeiros (223505, 223525, 223540, 223555, 223565 e 223560); fisioterapeutas (223605 e 223625). Esses profissionais foram selecionados devido a sua atuação direta no atendimento às doenças respiratórias agudas na população em geral e pediátrica.
Entre os CBO selecionados, vale lembrar que podem atuar em mais de um tipo de estabelecimento ou em mais de uma especialidade. Nos anos 2009, 2010 e 2011, não foram cadastrados pediatras e médicos clínicos correspondentes aos CBO selecionados, devido à atualização incipiente do banco. Este fato não interferiu na objetividade e consistência dos dados.
Para calcular a taxa de casos notificados como SRAG, hospitalização e mortalidade por doenças respiratórias agudas, dividiu-se o número de FN-SRAG, AIH e DO - para 1-14 anos de idade, denominador menores de 15 anos de idade multiplicado por milhão; e menores de um ano de idade, denominador nascidos vivos multiplicado por mil. Foram calculadas as taxas de leitos e profissionais em cada estado conforme o mês de julho de cada ano.
Foram utilizados como denominador populacional os dados dos municípios brasileiros segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base no estudo de estimativas populacionais por município 2000 a 2021 segundo faixa etária, acessados em tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?ibge/cnv/popsvsbr.def. Para obter o número de nascidos vivos, utilizou-se o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), acessado via tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvbr.def.
Para o cálculo da RTI, optou-se pela Binomial Negativa com estimativa robusta da variância, com vistas à melhor adaptação do modelo de análise e minimizar os efeitos de fatores de confusão.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina, registrado sob o CAAE 66913022.7.0000.0121.
RESULTADOS
No Brasil, houve redução progressiva nas taxas de leitos de enfermaria pediátrica de 2009 a 2021 (Figura 1). As Regiões Sul e Centro-Oeste apresentaram os maiores declínios, e o estado de Santa Catarina, a maior redução no período. Já os leitos de UCI/UTI adulto, pediátrica e neonatal apresentaram aumento, com destaque para o Distrito Federal com as maiores taxas no período. As regiões Norte e Nordeste demonstraram as menores taxas para UCI/UTI adulto e pediátrica em seus estados. Para UCI/UTI neonatal, o estado do Rio de Janeiro manteve as maiores taxas de leitos por nascidos vivos.
As regiões Sudeste, Sul e o Distrito Federal apresentaram as maiores taxas de pediatras no período estudado; e as menores taxas no Norte (Figura 2). Para médicos, destaca-se o aumento progressivo no estado do Mato Grosso do Sul e Roraima.
As taxas de enfermeiros e fisioterapeutas tiveram aumento expressivo no período de estudo. Para enfermeiros, a ascensão foi semelhante entre os estados das diferentes regiões, com exceção das regiões Norte e Centro-Oeste, onde houve maior disparidade. Para fisioterapeutas, manteve-se maior homogeneidade entre os estados das regiões Sudeste e Sul, com destaque para o Distrito Federal, por aumento significativo entre 2018 e 2021. A Região Norte apresentou as menores taxas durante todo o período de estudo.
Em 2009, houve aumento de 14% na taxa de casos notificados como SRAG em menores de um ano de idade; e maiores, aumento 10% nos estados que apresentaram incremento na taxa de fisioterapeuta. Para estes últimos, UCI/UTI adulto apresentou efeito de 23% de acréscimo (1,23(IC95%1,07-1,41)); contudo, neonatal apresentou efeito de redução de 42% (0,58(IC95%0,43-0,78)) na taxa de SRAG nos estados.
Neste mesmo ano, a taxa de hospitalização por doenças respiratórias agudas em maiores de um ano de idade aumentou 0,5% para cada leito a mais de enfermaria pediátrica por 100.000 menores de 15 anos de idade nos estados. Em lactentes, não houve associação entre hospitalização e variáveis do modelo em 2009. Para mortalidade, cerca de seis lactentes menores de um ano de idade para cada 100.000 nascidos vivos não morreram devido ao acréscimo de um leito de UCI/UTI pediátrica por 100.000 menores de 15 anos de idade nos estados.
Para o período de 2010 a 2019, o aumento na taxa de leitos de UCI/UTI adulto e médicos apresentou-se como fator de risco para aumento na taxa de SRAG na população pediátrica (aumento da taxa de enfermeiros como risco apenas para lactentes). Já UCI/UTI neonatal e fisioterapeutas foram associados à redução de 22,97% e 7,16% em menores de um ano de idade; e 24,62% e 4,84% em maiores de um ano de idade, nesta ordem.
A taxa de hospitalização por doenças respiratórias agudas entre 1-14 anos de idade reduziu em 0,5% sob efeito de aumento na taxa de pediatras. Para lactentes, a cada aumento na taxa de leito de UCI/UTI adulto, houve associação de redução de 2,85%; enquanto para UCI/UTI pediátrica, o aumento foi de 5,40% na hospitalização.
Nesse período, para ambas as faixas etárias, aumentos em taxas de leitos de enfermaria e de pediatras foram associados à diminuição nas taxas de mortalidade, enquanto taxa de UCI/UTI pediátricas foi associado a acréscimo. Entre 1-14 anos de idade, maior taxa de enfermeiros foi associada a menor risco de mortalidade por doenças respiratórias agudas (0,36%); e fisioterapeutas, maior risco (0,91%).
No ano de início da pandemia Covid-19, a taxa de incidência da SRAG não apresentou associação significativa com as variáveis explicativas do modelo apresentado.
Houve redução no risco de hospitalização por doenças respiratórias agudas a cada aumento de uma unidade na taxa de leitos de UCI/UTI adulto (3,97% para lactentes e 2,60% para maiores de um ano de idade); e associação com acréscimo de hospitalização a cada aumento de UCI/UTI pediátrica (3,67% para lactentes e 2,66% para maiores de um ano de idade). Destaca-se a redução de 0,25% na taxa de hospitalização de maiores de um ano de idade a cada aumento de um pediatra/100.000 menores de 15 anos de idade.
E assim como no período de 2010 a 2019, nos anos de 2020 e 2021, o aumento na taxa de pediatras apresentou efeito protetor para mortalidade por doenças respiratórias agudas na população pediátrica. Esse efeito também foi observado em lactentes para leitos de enfermaria pediátrica em 2020 e 2021; e para maiores de um ano de idade, somente em 2021.
Em 2021, o aumento na taxa de enfermeiros/100.000 residentes aumentou a taxa de incidência de SRAG. O aumento de leitos UCI/UTI adulto apresentou efeito de redução na taxa de hospitalização em menores de 15 anos de idade; já para UCI/UTI pediátrica, houve acréscimo entre 1-14 anos de idade (Tabelas 1 e 2).
DISCUSSÃO
Foi evidente a redução progressiva na taxa de leitos de enfermaria pediátrica durante o estudo, com maior declive em Santa Catarina. Esse fenômeno pode estar relacionado aos custos de aquisição e manutenção dos equipamentos especializados para o atendimento da população pediátrica e valores pagos pelos procedimentos, visto que são reduzidos em comparação aos da população adulta e idosa, que demandam tecnologias mais duras.13 Um ponto que corrobora esta argumentação orçamentária foi o aumento das taxas de leitos de UCI/UTI adultos, pediátricos e neonatais, tendo o estado do Rio de Janeiro e o Distrito Federal as maiores taxas.
A presente pesquisa destaca as menores taxas de pediatras e médicos nas regiões Norte e Nordeste comparadas às demais regiões do país, corroborando dados da literatura nacional. A falta de infraestrutura local dificulta a fixação de profissionais, além do baixo desenvolvimento socioeconômico destas regiões e poucas instituições de formação profissional, que limitam as oportunidades e qualificação.14
Entretanto, para enfermeiros e fisioterapeutas, houve aumento das taxas. Estes últimos apresentam importância singular na prevenção e tratamento de complicações respiratórias, com desobstrução de vias aéreas, melhora da dinâmica respiratória, contribuindo para aprimorar os cuidados do paciente.15 O estudo BRnet-PIC, de abrangência nacional, demonstrou que de março a maio de 2020, pacientes pediátricos necessitavam de oxigenioterapia em 41% dos casos e 18% de ventilação mecânica invasiva.16 Cabe à equipe de enfermagem buscar entender as reais necessidades dos pacientes com resolutividade, por meio de ações específicas que requerem elaboração de diagnósticos úteis no planejamento das intervenções para qualificação da assistência.17
As disparidades na distribuição dos recursos e abertura de leitos, mantendo o subfinanciamento, impactam diretamente na oferta de serviços. Um estudo sobre a saúde suplementar (planos privados de assistência) evidenciou tendência crescente de credenciamento de médicos, dentistas, enfermeiros e técnicos de enfermagem de 2005 a 2011. Já no SUS, foi estacionário na maioria dos estados,14 muito provavelmente pelas rígidas regras orçamentárias impostas aos serviços públicos.
No presente estudo, destacou-se a associação entre aumento na taxa de leitos de enfermaria pediátrica e pediatras na redução das taxas de mortalidade por doenças respiratórias agudas. A assistência especializada na condução de pacientes pediátricos foi primordial para evitar sequelas e/ou morte. Em um hospital sergipano, entre 2020 e 2021, crianças e adolescentes internados com suspeita de Covid-19 ocuparam leitos de enfermaria em 72% dos casos e 11,8% dos casos em UTI pediátrica, com letalidade de 3,3%.18
Outro dado foi a associação na redução das taxas de hospitalização pediátrica em estados com maiores taxas de UCI/UTI adulto. A habilitação de leitos de UTI dedicados exclusivamente para Covid-19 foi regulamentada pela Portaria GM/MS n° 568, de 26 de março de 2020. Entre abril e agosto de 2020, foram habilitados 12.224 leitos adultos e 249 pediátricos de UTI para Covid-19, a partir de 156 diferentes portarias ministeriais.19 Desta forma, setores de emergência pediátrica, leitos de enfermaria pediátrica e equipes foram remanejados para a alocação e atendimento da população adulta e idosa que necessitava de assistência prioritária,20 modificando o fluxo de organização estrutural hospitalar. Assim, sugere-se que a redução das taxas de hospitalização ocorreu por redução da disponibilidade de leitos de enfermaria e aumento de leitos de UCI/UTI adulto.
Na presente pesquisa, no período não pandêmico (2010-2019), houve associação entre estados com maiores taxas de leitos de UCI/UTI pediátrica e maior a taxa de mortalidade por doenças respiratórias na população pediátrica. Infere-se que, pela manutenção das desigualdades de acesso aos serviços de saúde de atenção primária, crianças e adolescentes chegaram com quadros mais graves pela reduzida oferta de atendimento pediátrico de maior capilaridade. Assim, a porta de entrada no sistema de saúde foi na atenção terciária com serviços de alta complexidade, mais concentrados espacialmente.21
Uma análise espaço-temporal sobre a acessibilidade a leitos de UTI no Brasil no primeiro semestre de 2020 identificou que o acesso foi otimizado nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul; e no Norte e Centro-Oeste, em localidades onde não se configuravam vazios assistenciais ou não havia tantos casos novos ou óbitos por Covid-19. Apenas 28% dos municípios com alta incidência e 14% com alta mortalidade foram contemplados.22
No presente estudo, no ano de 2009, estados com maiores taxa de incidência de SRAG apresentaram associação positiva com a maior disponibilidade de fisioterapeutas. Sugere-se que o papel do fisioterapeuta na identificação, diagnóstico e manejo desses pacientes foi essencial. Em Maputo, Moçambique, pacientes menores de dois anos de idade positivos para vírus Influenza necessitavam de oxigenioterapia em 18,2% dos casos, enquanto ventilação mecânica em 54,5%; para VSR.23
Os Sistemas de Informação em Saúde consolidam uma rede de informações com racionalidade epidemiológica com monitoramento de programas e maior visibilidade ao controle social, produzindo indicadores que retratam as condições de saúde da população.24 O sistema de vigilância da SRAG foi avaliado como de fluxograma simples, boa completude de dados e representativo do território.25 A AIH tem íntima relação com repasse financeiro ao hospital - portanto, uma equipe é treinada para sua verificação. A DO é um instrumento que exige responsabilidade na atribuição da causa mortis, que implica questões financeiras e legais, e o sepultamento.
CONCLUSÃO
O presente estudo evidenciou as desigualdades nos indicadores selecionados para capacidade instalada do SUS, como redução nas taxas de leitos de enfermaria e menos pediatras e médicos nas regiões Norte e Nordeste. A associação entre aumento de leitos de enfermaria e pediatras na redução de mortalidade ratificou que a assistência especializada reduz morte. A redução de hospitalização com mais leitos de UCI/UTI adulto se justificaria pela redução de leitos que foram remanejados para população adulta/idosa. E quanto à UCI/UTI pediátrica e mortalidade, infere-se pela manutenção das desigualdades de acesso aos serviços de saúde de atenção primária, crianças e adolescentes chegaram com quadros mais graves.
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