Artigo Original
Série histórica e características clínico-epidemiológicas de casos notificados como Síndrome Respiratória Aguda Grave de pacientes pediátricos no Brasil, 2009-2021
Historical series and clinical-epidemiological characteristics of cases reported as Severe Acute Respiratory Syndrome in pediatric patients in Brazil, 2009-2021
Tatiana da Silva Oliveira Mariano; Emil Kupek
DOI:10.31365/issn.2595-1769.v25i3p107-116
Universidade Federal de Santa Catarina, Pós-Graduação em Ciências Médicas - Florianópolis-SC, Brasil
Endereço para correspondência:
oliveira.tatianasilva@gmail.com
Instituição: Universidade Federal de Santa Catarina, Pós-Graduação em Ciências Médicas, Florianópolis, SC, Brasil
Recebido em: 28/05/2024
Aprovado em: 23/07/2024
Resumo
OBJETIVO: Analisar série histórica e variáveis clínico-epidemiológicas de casos notificados como Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) em brasileiros menores de 15 anos de idade de 2009 a 2021.
MÉTODO: Estudo ecológico utilizando dados das Fichas de Notificação de SRAG disponíveis no Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe com data dos primeiros sintomas de 2009 a 2021. Para análise das variáveis, categorizou-se em anos pandêmicos (2009, 2020 e 2021) e período não pandêmico (2010 a 2019).
RESULTADOS: Menores de cinco anos de idade apresentaram maior taxa e percentual de casos. Na categoria anos pandêmicos, pré-escolares apresentaram maiores percentuais de casos notificados e recém-nascidos os maiores percentuais de letalidade; enquanto no período não pandêmico, foi lactente pós-neonatal com maior percentual de casos e adolescente com maior letalidade. Tanto Região Sudeste quanto Nordeste evidenciaram aumento progressivo de percentuais durante o estudo. As taxas em todas as faixas etárias analisadas apresentaram-se elevadas e em ascensão a partir de fevereiro de 2020, com destaque para as duas ondas de Covid-19, enquanto a letalidade permaneceu reduzida.
CONCLUSÃO: Apesar de pré-escolares terem sido mais notificados em anos pandêmicos, quem morreu mais nesses anos foram recém-nascidos. Para as Regiões Sudeste e Nordeste, o aumento pode refletir melhor qualidade nas notificações, como também maior barreira no acesso aos serviços de saúde, resultando no indivíduo chegando com maior gravidade em pronto-atendimentos. Em 2020 e 2021, houve elevação contínua da taxa de casos notificados como SRAG nas faixas etárias pediátricas, não acompanhada por aumento da letalidade.
Palavras-chave: Fatores de Tempo. Notificação de Doenças. Vírus da Influenza A Subtipo H1N1. Covid-19. Síndrome Respiratória Aguda Grave. Pediatria.
Abstract
OBJECTIVE: To analyze historical series and clinical-epidemiological variables of cases reported as Severe Acute Respiratory Syndrome (SARS) in Brazilians under 15 years of age from 2009 to 2021.
METHOD: Ecological study using data from SARS Notification Forms available in the Health System Information from the Flu Epidemiological Surveillance with date of first symptoms from 2009 to 2021. To analyze the variables, they were categorized into pandemic years (2009, 2020 and 2021) and non-pandemic periods (2010 to 2019).
RESULTS: Children under five years of age had the highest rate and percentage of cases. In the pandemic years category, preschoolers had the highest percentages of reported cases and newborns had the highest fatality percentages; while in the non-pandemic period, it was post-neonatal infants with the highest percentage of cases and adolescents with the highest lethality. The Southeast and Northeast regions showed increased percentages during the study. Rates in all age groups analyzed were high and rising from February 2020, emphasizing the two waves of COVID-19, while lethality remained low.
CONCLUSION: Although preschoolers were reported more in pandemic years, those who died most in these years were newborns. For Southeast and Northeast Regions, the increase may reflect better quality in notifications as well as greater barriers to accessing health services, resulting in arriving at emergency rooms with severity. In 2020 and 2021, there was a continuous increase in the rate of cases reported as SARS in the pediatric age groups, not accompanied by increased lethality.
Keywords: Time Factors. Disease Notification. Influenza a Virus. H1N1 Subtype. COVID-19. Severe Acute Respiratory Syndrome. Pediatrics.
INTRODUÇÃO
Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) ocorre quando o indivíduo apresenta dispneia/desconforto respiratório ou pressão persistente no tórax ou saturação de oxigênio menor que 95% em ar ambiente ou coloração azulada dos lábios ou rosto.1 No início de 2009, uma mutação do vírus Influenza (A(H1N1)pdm09) surgiu no México e se espalhou rapidamente, dando origem a uma pandemia em 11 de junho daquele ano. As complicações foram se tornando mais frequentes, evoluindo com pneumonia viral difusa, SRAG, hipoxemia e óbito.2
Para fins de monitoramento da SRAG no Brasil, utilizam-se as fichas de notificação de registro individual de casos como SRAG (FN-SRAG) desde a pandemia de Influenza A(H1N1)pdm09.3 Esta estratégia fez parte do Plano de Preparação para Enfrentamento de Influenza pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e Ministério da Saúde do Brasil (MS) em 2009.4
Em 10 de agosto de 2010, a OMS anunciou o início do período pós-pandêmico.2 A partir de 2019, o sistema oficial passou a ser o Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe).5 Após 2009, o vírus Influenza A(H1N1)pdm09 foi identificado em crianças e adolescentes que morreram por SRAG, principalmente na Região Norte e em maiores de cinco anos de idade.6
Na cidade de Wuhan, China, em dezembro de 2019, surgiu um surto de pneumonia de causa desconhecida. No mês seguinte, pesquisadores identificaram um novo coronavírus (SARS-CoV-2) como agente etiológico da doença pelo coronavírus 2019 (Covid-19). E devido à disseminação desta doença em 114 países, a OMS decretou pandemia em 11 de março de 2020.7 Em 2020, a vigilância da Covid-19 foi incorporada ao SIVEP-Gripe.5
Sabe-se que nos cinco anos anteriores à pandemia de Covid-19, menores de 10 anos de idade correspondiam a 78% dos casos de SRAG; já no primeiro semestre de 2020, reduziram para 7%; enquanto que maiores de 60 anos de idade aumentaram para 48%.8 Apesar disto, destaca-se que escolares e adolescentes apresentaram o dobro de taxas de incidência e mortalidade por SRAG em comparação ao ano anterior a essa pandemia.9
Diante desse cenário de relevância para a prática clínica pediátrica, este estudo tem por objetivo analisar a série histórica e variáveis clínico-epidemiológicas de casos notificados como SRAG em brasileiros menores de 15 anos de idade de 2009 a 2021.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo ecológico, de dados das FN-SRAG-SIVEP-Gripe, de brasileiros menores de 15 anos de idade, com data dos primeiros sintomas entre 1º. de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2021. A unidade de análise foi a FN-SRAG - portanto, um mesmo indivíduo poderia ter sido notificado como SRAG outras vezes até a idade limite do estudo.
Para a delimitação da idade, utilizou-se a Resolução ANVISA n° 7, de 24 de fevereiro de 2010, que dispõe sobre a idade para admissão em Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) Pediátrico variando de 29 dias até 14 anos ou 18 anos de idade, sendo este limite definido de acordo com as rotinas da instituição (UTI mista com recém-nascidos - menores de 28 dias - e pediátricos numa mesma sala). Assim, de modo geral, as emergências e enfermarias pediátricas utilizam a idade limite para atendimento e internação até 14 anos 11 meses e 29 dias de idade.
Adotaram-se como marcos temporais de análise a implantação do Plano de Preparação para Enfrentamento de Influenza pela OMS e MS, em 2009, e o importante cenário mundial relacionado à Covid-19 em 2020. Estendeu-se até 31 de dezembro de 2021 para melhor observação dos dados, em virtude das medidas administrativas adotadas em 2020 e 2021 como fechamento e reabertura de escolas, e maior circulação de pessoas após um período de lockdown.10
Por escolha metodológica para análise das variáveis, categorizou-se o período de estudo em anos pandêmicos 2009 (Influenza A(H1N1)pdm09), 2020 (Covid-19) e 2021 (Covid-19), e período não pandêmico a soma dos anos 2010 a 2019 (2010-2019).
Para aquisição das FN-SRAGs, acessou-se opendatasus.saude.gov.br/dataset, salvas de cada estado em formato .csv e importadas ao programa STATA/Basic Edition versão 17.
Foram selecionadas as variáveis demográficas conforme descritas nas FN-SRAGs: sexo (masculino, feminino), lactente (classificado como neonatal precoce se menos de seis dias; neonatal tardio se sete a 27 dias; pós-neonatal se 28 dias a um ano incompleto); faixa etária (classificado como lactente se menos de um ano incompleto; pré-escolar se 1-4 anos; escolar se 5-9 anos; adolescente se 101-14 anos de idade), cor da pele (branca, parda, preta, indígena e amarela), e região (Sudeste, Sul, Nordeste, Centro-Oeste e Norte).
A sazonalidade foi classificada como outono de 20 de março a 20 de junho; inverno de 21 de junho a 21 de setembro; primavera de 22 de setembro a 20 de dezembro; verão de 21 de dezembro a 19 de março. Mesmo que o inverno nos anos 2012, 2016 e 2020 iniciou-se no dia 20 de junho; primavera, em 2010, 2011, 2015 e 2019, no dia 23 de setembro; e verão, em 2011, 2015 e 2019, no dia 22 de dezembro, optou-se por manter as datas de início para as estações de ano durante todo o período em análise por não interferir na objetividade e consistência dos dados.
As variáveis clínicas conforme descritas nas FN-SRAGs foram: vacina influenza (se recebeu vacina influenza na última campanha - sim, não), sintomas (sim, não - febre, tosse, dispneia, dor de garganta e diarreia), tempo de notificação (calculado a partir da data dos primeiros sintomas e categorizado), de internação, e de encerramento do caso (calculados a partir da data de notificação e categorizado), classificação etiológica da SRAG (influenza, outro vírus respiratório, outro agente etiológico, não especificado e Covid-19), critério diagnóstico etiológico de SRAG (laboratorial, clínico, clínico-epidemiológico e clínico imagem) e evolução (cura, óbito e óbito por outras causas).
Para calcular a taxa de casos notificados como SRAG, dividiu-se o número de FN-SRAGs para cada faixa etária com respectivos denominadores (menores de 5 anos, entre 5-9 anos, entre 10-14 anos, e menores de 15 anos de idade), seguido de multiplicação por 100.000; e para recém-nascidos e menores de um ano de idade, denominador nascidos vivos multiplicado por mil.
O denominador da taxa para a faixa etária de 1-14 anos de idade foi menores de 15 anos de idade multiplicado por cem mil. Para o percentual de letalidade, calculado pelo número de FN-SRAGs classificadas como óbito dividido pelo número de FN-SRAGs para cada faixa etária. Foram utilizados como denominador os dados dos municípios brasileiros segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base no estudo de estimativas populacionais por município 2000 a 2021 segundo faixa etária, acessados em tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?ibge/cnv/popsvsbr.def. Para obter o número de nascidos vivos, utilizou-se o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), acessado via tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvbr.def.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina sob o CAAE 66913022.7.0000.0121.
RESULTADOS
Totalizaram-se 3.298.199 FN-SRAGs de 2009 a 2021, com 387.632 (11,75%) de menores de 15 anos de idade no Brasil. Conforme a Tabela 1, o sexo masculino apresentou maiores percentuais na população pediátrica durante todo o período de análise.
O ano de 2009 apresentou participação dos grupos pré-escolar, adolescente, escolar, lactente pós-neonatal, neonatal precoce e tardio, em ordem decrescente. A ordem de contribuição mudou no período seguinte para lactente pós-neonatal, pré-escolar, escolar, lactente neonato tardio, adolescente e lactente neonato precoce. Em 2020, pré-escolar, lactente pós-neonatal, escolar, adolescente, lactente neonatal precoce seguido de tardio. Já em 2021, os menos frequentes foram lactentes neonatais tardios seguido de precoces.
No ano de início do estudo, menores de 15 anos de idade brancos apresentaram 65,29% das FN-SRAGs, seguidos por pardos, pretos, amarelos e indígenas. No período seguinte, entre os dois últimos, indígenas apresentaram o dobro de percentual em relação aos amarelos. Em 2020 e 2021, menores de 15 anos de idade pardos seguiram com maior percentual de FN-SRAGs.
Em 2009, cerca de 90% dos casos notificados como SRAG da população pediátrica eram do Sul (49,31%) e Sudeste (41,82%). No período não pandêmico, a Região Sudeste aumentou seu percentual, assumindo o maior. O Nordeste ganhou participação, saltando de 2,82% em 2009 para 14,58%; Centro-Oeste e Norte dobraram seus percentuais em comparação ao ano anterior. Em 2020 e 2021, o Sudeste arcou com aproximadamente 50% das FN-SRAGs; Sul e Nordeste assumiram juntos 35%; e Centro-Oeste e Norte somaram cerca de 15% (Tabela 1).
Quanto à concentração de casos segundo a sazonalidade, o inverno de 2009 apresentou maior percentual (76,36%) do estudo. De 2010 a 2019, o outono ganhou destaque; em 2020, o inverno voltou a assumir o maior percentual; e no ano seguinte, as estações do ano apresentaram percentuais semelhantes: outono (28,36%), inverno (24,09%), verão (23,98%) e primavera (23,57%).
A informação sobre vacinação de influenza na última campanha faltou para 22,49%, 22,82%, 60,91% e 67,78% em 2009, 2010 a 2019, 2020 e 2021, respectivamente. No período 2010-2019, 57,10% relataram não ter recebido. Tosse foi o sintoma mais relatado. Dor de garganta e diarreia estavam entre os sintomas menos frequentes no período (Tabela 1).
O tempo entre o início dos primeiros sintomas e a notificação foi de sete dias ou menos em mais de 85% dos casos; assim como o tempo de internação, exceto em 2009, quando 42,58% das FN-SRAGs não informaram a data de internação. Neste mesmo ano, o tempo de encerramento do caso durou mais de 91 dias em 29,37% dos casos (maior percentual). No período não pandêmico, 2020 e 2021, metade dos casos foram encerrados em até 15 dias.
A classificação etiológica da SRAG por influenza predominou em 2009 (55,08%), sendo que nos demais anos foi liderado por SRAG não especificado (58,20%, 74,64% e 66,59%). Em 2020, Covid-19 ocupou o segundo lugar entre os maiores percentuais (15,84%); já no ano seguinte, ocupou o terceiro lugar (11,54%).
Em 2009 havia somente dois critérios diagnósticos etiológicos de SRAG: laboratorial e clínico. Já no período não pandêmico, foi acrescentado o critério clínico-epidemiológico. No ano de 2020, foi incorporado o critério clínico-imagem. Assim, os anos 2020 e 2021 mantiveram em ordem decrescente: laboratorial (85,06% e 81,29%), clínico-epidemiológico (6,77% e 6,91%), clínico (1,14% e 1,72%) e clínico-imagem (0,67% e 0,81%).
Ao final da Tabela 1, evidencia-se o percentual de letalidade por SRAG, que foi semelhante entre os anos 2009 e 2021 (1,13% e 1,73%), e o período 2010-2019 e o ano de 2020 (3,28% e 3,20%). A ausência desta informação representou 13,82%, 9,41%, 12,81% e 15,01% no estudo, ou seja, maior percentual em anos pandêmicos (2009, 2020 e 2021). Quanto ao número de FN-SRAGs em 2020, foi mais que o triplo de 2009; e em 2021 foi quase o valor da soma do período de 10 anos de 2010 a 2019.
Na Tabela 2, observa-se que a faixa etária de menores de cinco anos de idade apresentou os maiores percentuais e taxas de casos notificados como SRAG no período de estudo. Sendo que no período 2010-2019, menores de um ano representaram 60% desta faixa etária. No ano de 2009, menores de cinco anos de idade foram seguidos por adolescentes em percentual e taxa. Já nos seguintes, por escolares. Todas as faixas etárias estudadas reduziram suas taxas no período 2010-2019, exceto menores de um ano (2,01/mil recém-nascidos para 2,52/mil recém-nascidos).
No ano seguinte, todas as faixas etárias aumentaram suas taxas, mas não foi acompanhado pelo aumento em porcentagem para menores de um ano e menores de cinco anos. Em 2021, escolares, adolescentes e recém-nascidos reduziram percentual de FN-SRAGs, enquanto menores de um ano de idade aumentaram em comparação ao ano anterior. Quanto à taxa, adolescentes e menores de 15 anos de idade reduziram (66,34/100.000 para 7,52/100.000; e 178,16/100.000 para 32,07/100.000) em comparação ao ano de 2020.
A letalidade foi maior no período não pandêmico para escolares, adolescentes, entre 1-14 anos e menores de 15 anos de idade; já para recém-nascidos, menores de um ano e menores de cinco anos de idade foi o ano de 2020. Em anos pandêmicos (2009, 2020 e 2021), a faixa etária de maior letalidade foi recém-nascidos; já no período não pandêmico, adolescentes.
A Figura 1 destaca os picos das taxas de casos notificados como SRAG nos meses de maio e junho de cada ano, mais evidentes a partir de 2012, principalmente em 2016 e nos anos seguintes, com maior evidência nas faixas etárias recém-nascido, menores de um ano, menores de 5 anos e entre 1-14 anos de idade. Todas as faixas etárias analisadas apresentaram taxas elevadas e em ascensão a partir de fevereiro de 2020, com destaque para as duas ondas de Covid-19, uma no primeiro semestre de 2020, e outra no mesmo período de 2021. Em contraste, a letalidade permaneceu reduzida e constante. As faixas etárias adolescentes, recém-nascidos e escolares apresentaram com maior frequência de dias com 100% de letalidade.
DISCUSSÃO
Menores de 15 anos de idade representaram 11,75% das FN-SRAGs entre 2009 e 2021 no Brasil. A população menor de cinco anos de idade constituiu os maiores percentuais e taxas de casos notificados como SRAG no período estudado. Na categoria anos pandêmicos, pré-escolares apresentaram maiores percentuais de casos notificados e recém-nascidos os maiores percentuais de letalidade; enquanto no período não pandêmico, foi lactente pós-neonatal com maior percentual de casos e adolescente com maior letalidade. Em 2009, a Região Sul e o inverno apresentaram protagonismo. Após, Sudeste e outono. As taxas foram elevadas e ascendentes em todas as faixas etárias a partir de fevereiro de 2020 até o final de 2021, com destaque para dois picos nos primeiros semestres destes anos.
Neste estudo, a faixa etária menores de cinco anos de idade e o sexo masculino apresentaram os maiores percentuais, fato que é compatível com dados de pesquisas nacionais11 e internacionais.12 Antes de 2020, a população pediátrica era a maioria dos casos notificados como SRAG no Brasil13 e no exterior,14 mas após a pandemia de Covid-19, os adultos predominaram, principalmente os idosos acima de 60 anos de idade.8,15
Apesar de pré-escolares terem sido mais notificados em anos pandêmicos, quem morreu mais nesses anos foram recém-nascidos, provavelmente em função de maior vulnerabilidade imunológica dos neonatos. Já no período não pandêmico, os menores de um ano de idade, com destaque para pós-neonatais, foram os mais notificados, enquanto adolescentes morreram mais por SRAG.
Segundo levantamento sobre atendimentos em uma emergência pediátrica, menores de um ano de idade representaram 40% dos atendimentos, e adolescentes 15%.16 Assim, infere-se que a procura precoce por atendimento para lactentes possa contribuir para o diagnóstico e tratamento mais efetivos, resultando numa evolução mais favorável, com maior notificação e menor letalidade. Já o atraso na procura por avaliação pode evoluir com aumento da letalidade, como pode ser verificado no caso de adolescentes no período não pandêmico.
Em relação à cor da pele, em consonância ao presente estudo, menores de 15 anos de idade brancos e pardos tiveram maior participação como SRAG.15 Por outro lado, países como França, Alemanha e Espanha não costumam especificar a etnia/cor da pele de seus participantes, dificultando as comparações com outros países.17
No presente estudo, tanto a Região Sudeste quanto Nordeste evidenciaram aumento progressivo de percentuais de FN-SRAGs de 2009 a 2021, o que pode refletir melhor qualidade nas notificações como também barreiras no acesso aos serviços de saúde, com o indivíduo chegando com maior gravidade aos pronto-atendimentos.11
A literatura corrobora a relação inversa entre a incidência de infecções respiratórias e a temperatura do ambiente,13,18,19 gerando uma expectativa pela sazonalidade da SRAG. Isto foi evidenciado principalmente a partir de 2016; mas, em 2021, ocorreram percentuais semelhantes de FN-SRAGs entre as estações do ano, perdendo o padrão sazonal esperado. Provavelmente isto ocorreu devido às medidas de distanciamento social, fechamento de escolas, restrições de viagens e proibição de aglomerações,20 alterando a circulação de agentes etiológicos.
Quanto à vacinação, estudos internacionais ratificam a dificuldade de manter satisfatórios os percentuais de vacinação na população pediátrica.21Apesar de, na literatura mundial, estar consolidada a importância da vacinação, ainda mantemos percentuais reduzidos de vacinação, mesmo em países onde esta ação é obrigatória, como no Brasil.12 No período não pandêmico, 57,10% relataram não ter recebido a vacina influenza. E esta informação estava ausente em mais de 60% das FN-SRAGs em 2020 e 2021, provavelmente pelo alto volume de atendimentos.
Em consonância com s resultados do presente estudo, febre e tosse foram os sinais predominantes em 2009.22 No período não pandêmico, a tosse foi predominante em relação à febre, como corroborado em estudos na China entre 2008 e 2014,23 e em Maputo, Moçambique, entre 2014 e 2016.24
Em 2020 e 2021, os tempos de notificação e internação foram de até sete dias em mais de 80%, e o tempo de encerramento de até 15 dias para cerca de metade dos casos notificados como SRAG em menores de 15 anos de idade, semelhante ao período não pandêmico. Um estudo do primeiro semestre de 2020 nas capitais brasileiras verificou que o tempo transcorrido entre o início dos sintomas e a testagem foi de 10 dias, com 41% a 68% dos casos ultrapassando o tempo preconizado como adequado (2-7 dias para RT-PCR e teste rápido de antígeno).25 Essas informações ratificam que, mesmo frente a uma nova pandemia com lacunas científicas importantes, adotaram-se estratégias clínicas e diagnósticas no manejo da doença ao ponto de mantermos o padrão semelhante ao período não pandêmico.
Embora a classificação etiológica da SRAG predominante fora a não especificada (com exceção de 2009),8 o critério diagnóstico laboratorial ocorreu em mais de 80% das FN-SRAG, o que pode inferir que a classificação possa ter sido comprometida.
O presente estudo proporcionou uma análise inédita e importantes aspectos da SRAG na população pediátrica brasileira. Também foram observadas algumas limitações metodológicas, tais como ausência de informação ou um mesmo indivíduo poder ter sido notificado mais de uma vez no tempo de estudo. Contudo, o SIVEP-Gripe tem credibilidade nacional avaliado com boa completude e por cumprir os objetivos do sistema com representatividade do território.26 Esta base de dados é amplamente utilizada, contribuindo para a gestão locorregional do sistema de saúde, assim como na formulação e avaliação de políticas públicas.
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