Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 25(3) - Setembro 2025

Artigo Original

Perfil epidemiológico de pacientes com excesso de peso atendidos no ambulatório de um hospital público de Joinville e sua distribuição por bairros

Epidemiological profile of overweight patients assisted in the ambulatory of a public hospital in Joinville and their distribution by neighborhood

 

Talita Anilda Ebeling1; Suely Keiko Kohara2

 

DOI:10.31365/issn.2595-1769.v25i3p90-96

1. Universidade da Região de Joinville, Discente do curso de Medicina, Joinville, SC, Brasil
2. Universidade da Região de Joinville, Departamento de Medicina, Joinville, SC, Brasil

 

Endereço para correspondência:

talitaebeling@hotmail.com

Instituição: Universidade da Região de Joinville, discente do curso de Medicina, Joinville, SC, Brasil

Recebido em: 10/06/2024
Aprovado em: 07/09/2024

 

Resumo

INTRODUÇÃO: A obesidade infantil é um estado multifatorial associado como ao risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, ortopédicas, distúrbios metabólicos, câncer e sofrimento psicológico. O sobrepeso e obesidade são mais comuns em crianças que vivem na pobreza ou em comunidades de baixa renda.
OBJETIVO: Este artigo tem como objetivo abordar o perfil epidemiológico de pacientes com excesso de peso atendidos em um hospital público de Joinville, bem como sua distribuição por bairros, relacionando-os com o perfil demográfico socioeconômico.
MÉTODOS: Trata-se de um estudo transversal retrospectivo de revisão de prontuários de pacientes com diagnóstico de obesidade exógena atendidos entre janeiro de 2012 a julho de 2019 no Ambulatório de Endocrinologia Pediátrica de um hospital público de Joinville, Santa Catarina, Brasil.
RESULTADOS: Observou-se alta prevalência de hipertensão sistólica, hiperinsulinismo e hipertrigliceridemia, porém poucos pacientes tinham valores compatíveis com intolerância à glicose e apenas um paciente apresentou diabetes mellitus. Não se observou correlação de maior número de pacientes nos bairros de menor renda.
CONCLUSÃO: O estudo demonstrou o aparecimento precoce das complicações da obesidade na infância, porém sem mostrar correlação de maior número de pacientes nos bairros de menor renda.

Palavras-chave: Obesidade infantil. Saúde pública. Epidemiologia. Nutrição.


Abstract

INTRODUCTION: Obesity has a multifactorial etiology (environmental, socioecological and genetic influences), and is considered a risk factor for cardiovascular, orthopedic and metabolic diseases and cancer, also leading to psychological suffering. Overweight and obesity are more common in children who live in poverty or in under-resourced communities.
OBJECTIVE: This article aims to address the epidemiological profile of overweight patients treated at a public hospital in Joinville, as well as to correlate their distribution and the socioeconomic characteristics of each neighborhood. Methods: Retrospective cross-sectional study of patients diagnosed with exogenous obesity treated between January 2012 and July 2019 at the Pediatric Endocrinology Ambulatory of a public hospital in Joinville, Santa Catarina, Brazil.
RESULTS: A high prevalence of systolic hypertension, hyperinsulinism and hypertriglyceridemia was observed, but few patients had values compatible with glucose intolerance and only one patient had diabetes mellitus. The correlation between a higher number of patients in lower-income neighborhoods was not demonstrated.
CONCLUSION: The study showed early start of childhood obesity complications, however, there was no correlation between a higher number of patients in lower-income neighborhoods.

Keywords: Pediatric Obesity. Public health. Epidemiology. Nutrition.

 

INTRODUÇÃO

A obesidade infantil é um estado multifatorial associado como fator de risco para o desenvolvimento de inúmeras patologias como doenças cardiovasculares, doenças ortopédicas, distúrbios metabólicos, câncer e sofrimento psicológico.1,2 No curto prazo, destacam-se os efeitos psicossociais com perturbação da imagem corporal, baixa autoestima, isolamento social, sintomas depressivos, transtornos alimentares e discriminação, tendo importantes consequências no desenvolvimento da criança. Além disso, pode contribuir para o aparecimento de patologias ortopédicas que influenciam na mobilidade, alterações respiratórias como apneia do sono, alterações gastrointestinais como doença hepática gordurosa não alcoólica.2,3 No longo prazo, não só existe maior predisposição para comorbidades como hipertensão, diabetes mellitus tipo 2, doença coronariana, acidente vascular cerebral e câncer, aumentando a morbi-mortalidade, como há correlação com a persistência da obesidade na vida adulta.3 Torna-se, assim, uma grande questão para a saúde pública, devido ao aumento significativo da prevalência mundial e, consequentemente, do elevado custo para a saúde.1,2

Segundo o Atlas da Obesidade da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2020, 175 milhões de crianças e adolescentes estavam acima do peso, e a projeção é de haver 400 milhões em 2035.4 Em relação ao Brasil, dados do Ministério da Saúde de 2019 afirmam que 3 em cada 10 crianças entre 5 e 9 anos estavam acima do peso, sendo 18,9% menores de 2 anos, 14,3% entre 2-4 anos e 29,3% entre 5-9 anos.5 Ainda, a previsão para 2030 é de 22,8% para crianças entre 5-9 anos e 15,7% para crianças e adolescentes entre 10-19 anos com sobrepeso e obesidade, fazendo com que o Brasil ocupe o quinto lugar no ranking de países com o maior número de crianças e adolescentes obesos.6

Na prática clínica, um dos métodos diagnósticos mais utilizados para estimar o excesso de gordura corporal é o cálculo do índice de massa corporal (IMC), por sua facilidade e baixo custo. A OMS classifica a obesidade infantil conforme curvas de percentis de IMC para idade e sexo específicos. Na faixa etária pediátrica, valores de IMC entre o percentil 85 e 95 (escore z acima de +1) são considerados sobrepeso; acima do percentil 95 (escore z acima de +2) são considerados obesos; e acima do percentil 99 (escore z acima de +3) como obesidade grave (2, 7). A definição de obesidade grave inclui obesidade classe 2 (≥120% a <140% do 95° percentil ou IMC entre 35 e 39 kg/m², o que for menor baseado na idade e sexo) e classe 3 (≥140% do 95° percentil ou IMC ≥40 kg/m², o que for menor baseado na idade e sexo).8

Estudos observacionais demonstram que alguns fatores peri e pós-natais podem influenciar no desenvolvimento da obesidade tanto no início da vida quanto na vida adulta. Em relação à obesidade infantil, os fatores relacionados foram tabagismo materno no período gestacional, ganho excessivo de peso durante o período da gravidez, diabetes mellitus gestacional (DMG), amamentação materna exclusiva, uso de fórmula, ganho de peso infantil acelerado, história familiar.2,3,9 Outro fator analisado é o ambiente obesogênico caracterizado pelas condições socioeconômicas, acesso aos alimentos, práticas de atividades físicas e características da vizinhança.2,9

O ambiente obesogênico é caracterizado por um conjunto de fatores que promovem o aumento do consumo de calorias e a diminuição do gasto de energia, como a dinâmica e os hábitos familiares, que proporcionam, por exemplo, aumento de consumo de alimentos demasiadamente calóricos e de baixa qualidade nutricional, aumento do tempo de tela, seja em redes sociais, seja com jogos eletrônicos, seja em plataformas de filmes, diminuição do gasto de energia no cotidiano por tecnologias facilitadoras como meio de transporte automotivo e o uso de elevadores.10

Em relação às características da vizinhança, o conceito de caminhabilidade tem sido cada vez mais utilizado para descrever as características do bairro e a influência na prática de atividade física. Considera-se a densidade demográfica, conectividade das ruas, disponibilidade de destinos caminháveis e ciclovias, índice de criminalidade, segurança no trânsito e acesso a espaços para a prática de atividade física como parques.1 Dessa forma, necessita-se de infraestrutura desportiva, segurança, integração social da comunidade e avaliação do nível socioeconômico para a construção de um ambiente saudável.10

Estudos mostram que o nível de escolaridade dos pais é um dos principais indicadores das condições socioeconômicas, e que se relaciona com a maior prevalência da obesidade infantil em populações com menor nível socioeconômico.10,11 Crianças dessa população têm maior probabilidade de desenvolver comportamentos sedentários, pela falta de práticas esportivas extracurriculares, pelo ambiente social desfavorecido e a insegurança da área de residência. Assim, tais populações são mais vulneráveis e moram em regiões mais carentes em que há falha dos meios de promoção de saúde.10 Por outro lado, também há afirmativas de que a prevalência da obesidade infantil é maior nas populações com melhor escolaridade e renda, em países desenvolvidos.11

Conclui-se, portanto, que a multiplicação, interação e sobreposição dos fatores de risco, tanto individuais quanto coletivos, tendem a agravar os resultados em saúde pública.10

Tanto para a prevenção quanto para o tratamento, a mudança do estilo de vida (MEV) é a principal abordagem para a obesidade infantil. As mudanças comportamentais envolvem a nutrição e atividade física para reequilibrar o balanço energético, ou seja, é necessário modificar a ingestão desproporcionalmente alta de calorias em comparação ao gasto de energia. Tal abordagem deve ser baseada na família ou cuidadores com aconselhamento familiar. Além da abordagem centrada na pessoa, também deve-se intervir na comunidade, seja por meio da influência da equipe médica na comunidade, seja por meio de políticas públicas. Ainda, o tratamento farmacológico pode ser indicado em casos graves de obesidade com comorbidades associadas em que a MEV tenha falhado na redução de peso.2

O objetivo deste estudo foi avaliar o perfil de crianças e adolescentes com sobrepeso e obesidade atendidos em um hospital público de Joinville-SC e sua distribuição por bairros, relacionando-os com o perfil demográfico socioeconômico.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal retrospectivo de revisão de prontuários de pacientes com diagnóstico de obesidade atendidos no período de janeiro de 2012 a julho de 2019, no Ambulatório de Endocrinologia Pediátrica de um hospital público de Joinville, Santa Catarina, Brasil. A coleta de dados teve início após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa. O projeto foi aprovado pelo CAAE 30963320.3.0000.5366 pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Educacional da Região de Joinville, Univille.

Os critérios de inclusão foram pacientes com diagnóstico de sobrepeso ou obesidade acompanhados no Ambulatório de Endocrinologia Pediátrica no período de janeiro de 2012 a julho de 2019. Foram excluídos prontuários incompletos ou com causa endógena de obesidade. Os dados foram coletados do próprio sistema do hospital, digitados em planilha eletrônica (Microsoft Excel), conferidos e transportados para o programa Graph Pad Prism 4.0.

Os dados clínicos coletados dos prontuários foram referentes a sexo, data de nascimento, idade na primeira consulta, endereço, altura dos pais, peso e comprimento ao nascer, prática de atividade física, dados antropométricos na primeira consulta, IMC, pressão arterial e exames laboratoriais ao primeiro atendimento (glicemia, insulina basal, perfil lipídico, transaminases). A partir desses dados, foram calculados os escores de desvio-padrão (z-score) da altura, do peso e do IMC do paciente.

A classificação do grau de excesso de peso foi baseada nos critérios propostos pela OMS, de acordo com o IMC corrigido para idade e sexo: entre o percentil 85 e 97 (sobrepeso), acima do percentil 97 (obesidade) e acima do percentil 99 (obesidade grave). Foi considerada hipertensão sistólica e/ou diastólica quando os valores da pressão arterial sistólica e/ou diastólica estivessem iguais ou superiores ao percentil 95 para sexo, idade e percentil de altura.12 Os valores dos exames laboratoriais foram considerados alterados nas seguintes situações: glicemia de jejum (GJ) acima de 100mg/dL (entre 100 e 126mg/dL como intolerância a glicose e acima de 126mg/dL como diabetes mellitus); insulina basal acima de 15µIU/mL; colesterol total acima de 200mg/dL, LDL acima de 130mg/dL, HDL inferior a 40mg/dL, triglicérides acima de 130mg/dL; transaminase oxalacética (TGO/AST) acima de 40UI/L e transaminase pirúvica (TGP/ALT) acima de 56UI/L. Além disso, as características socioeconômicas de cada bairro foram coletadas de acordo com dados da Prefeitura Municipal de Joinville.

Não houve financiamento externo para realização deste estudo.

 

RESULTADOS

Foram analisados prontuários de 845 pacientes diagnosticados com sobrepeso e obesidade exógena atendidos no Ambulatório de Endocrinologia Pediátrica de um Hospital Público de Joinville, sendo 426 (50,4%) do sexo feminino com média de idade de 9,8 anos e 419 (49,5%) do sexo masculino com média de idade de 10 anos (± 3,6) na primeira consulta. Destes, 97 (11,5%) apresentavam sobrepeso e 746 (88,5%) apresentavam obesidade. A média do escore Z do IMC foi de 3,0 (± 0,9), sendo a média feminina 2,8 (± 0,8) e a masculina 3,2 (± 1,0). No grupo, apenas 277 (32,8%) pacientes relataram praticar atividade física extracurricular (Tabela 01).

 

 

Na amostra, havia informação de medida de pressão arterial em 793 pacientes, dos quais 272 (34,3%) apresentavam hipertensão sistólica, sendo 147 (54,0%) do sexo masculino, e 49 (6,2%) pacientes com hipertensão diastólica, sendo 30 (61,2%) do sexo masculino (Tabela 1). Não foi possível caracterizar a hipertensão arterial sistêmica (HAS), por ser um estudo retrospectivo no qual nem todos os pacientes apresentavam mais de uma aferição de PA e as medidas foram feitas na triagem, sem padronização do método de aferição.

A média do colesterol total (CT) foi de 162,6mg/dL (± 31,8), sendo que 86 (11,8%) pacientes de 731 possuíam colesterol >200mg/dL; a média da lipoproteína de baixa densidade (LDL) foi de 96,7 (± 38,1) e 79 (11,4%) pacientes de 695 possuíam LDL >130mg/dL; a média da lipoproteína de alta densidade (HDL) foi de 46,4 (± 11,9) e 206 (28,8%) pacientes de 714 possuíam HDL <40mg/dL; a média dos triglicerídeos (TGL) foi de 111,6 (± 72,4) e 186 (26,6%) pacientes de 699 possuíam triglicérides >130mg/dL. A média dos valores de insulina foi de 17,6 (±12,05) e 135 (46,1%) pacientes de 293 possuíam insulina >15µIU/mL; a média da glicemia de jejum (GJ) foi de 86,6 (±8,9), sendo que 45 (6,3%) pacientes de 711 apresentavam glicemia de jejum entre 100 e 126mg/dL e apenas 1 paciente possuía GJ >126mg/dL. A média da TGO/AST foi de 30,1 (± 10,66) e da TGP/ALT 30,3 (± 19,6) (Tabela 2).

 

 

Como o número de paciente por bairro era pequeno, analisou-se a distribuição dos pacientes nas regiões da cidade de Joinville: 132 (15,6%) pacientes moravam na região Centro/Norte, com 131.032 habitantes (22,0%); 180 (21,3%) pacientes na região Leste, com 109.831 habitantes (18,5%); 125 (14,8%) pacientes na região Nordeste, com 69.670 habitantes (11,7%); 72 (8,5%) pacientes na região Oeste, com 40.298 habitantes (6,8%); 164 (19,4%) pacientes na região Sudeste, com 102.907 habitantes (17,3%); 46 (5,4%) pacientes na região Sudoeste, com 30.949 habitantes (5,2%); e 126 (14,9%) pacientes na região Sul, com 109.360 habitantes (18,4%) (Gráfico 1).

 

 

Para identificar os bairros com menor índice socioeconômico, estes foram divididos conforme o percentual de habitantes com baixa renda (renda inferior a um salário-mínimo) e posteriormente agrupados por região da cidade. Foi feita a correlação do número de pacientes/número de indivíduos menores de 18 anos de cada região com o percentual de habitantes com baixa renda. Não houve, entretanto, significância estatística (p=0,42; intervalo de confiança de -0.7910 a 0.7096; R²=0,008741).

 

DISCUSSÃO

Não se observou diferença de gênero na amostra do presente estudo e a média de idade foi semelhante em meninas e meninos. Embora, na população pediátrica geral, a prevalência de sobrepeso seja maior que a de obesidade,13 a maioria dos pacientes do estudo apresentava obesidade (88,5%), provavelmente devido à característica terciária do serviço.

É comprovado que a prática de atividade física promove maior gasto energético, tendo como consequência a diminuição do IMC, além dos benefícios cardiometabólicos.14 Assim, essa é a primeira linha de tratamento da obesidade infantil, associada à reeducação alimentar.2 Apesar de o estudo ter sido realizado em um ambulatório especializado, com reforço da importância desse gasto energético, menos da metade dos pacientes (32,8%) praticava atividade física extracurricular. Nossos resultados são concordantes com o de Nogueira e colaboradores, que demonstraram que as crianças do grupo socioeconômico mais baixo têm uma probabilidade 82,3% menor de praticar atividades desportivas.10

O estudo ERICA, realizado no Brasil, demonstrou que 9,6% dos adolescentes participantes do estudo apresentavam hipertensão arterial, sendo que a prevalência de HAS foi maior entre os adolescentes com obesidade quando comparado com os de peso adequado, e nos meninos.15 Outros estudos demonstram que, quanto maior o IMC, maior a prevalência de PA elevada,16,17 que crianças e adolescentes com excesso de peso possuem risco duas vezes maior de desenvolver HAS e que crianças gravemente obesas apresentam risco quatro vezes maior.18 Na amostra estudada, foram observados poucos casos de hipertensão diastólica, porém maior prevalência no sexo masculino (61,2%).

No presente estudo, foi observada prevalência relativamente alta de pacientes com alterações significativas do perfil lipídico: 11,8% dos pacientes apresentavam aumento do CT, 11,4% evidenciaram aumento do LDL, 28,8% diminuição do HDL e 26,6% aumento de TGL. Em concordância, um relatório técnico da Academia Americana de Pediatria destaca que o perfil cardiometabólico varia de acordo com a classificação de peso, no qual a dislipidemia ocorre entre crianças e adolescentes com sobrepeso e obesidade, principalmente quando há distribuição central de gordura, com um padrão típico de concentrações elevadas de CT, LDL e TGL e concentração diminuída de HDL.16,19

Em relação ao perfil glicêmico, observou-se que 46,1% dos pacientes possuíam hiperinsulinemia, porém apenas 6,5% apresentavam aumento da GJ, com baixa prevalência de DM2 na população estudada, apesar do conhecido risco aumentado de desenvolvimento de intolerância à glicose e DM2 nesses pacientes. Entretanto, vários estudos demonstram que jovens com excesso de peso apresentam prejuízo na secreção de insulina em relação a sensibilidade à insulina, mesmo com tolerância à glicose normal.20 Ainda, há evidência de aumento da prevalência de valores de GJ anormal conforme aumento do IMC.16

Vários estudos mostram aumento do risco de obesidade em crianças de baixo nível socioeconômico.21 Em relação a um ambiente obesogênico e às condições socioeconômicas, estudos expõem maior prevalência de obesidade infantil em populações com menor nível socioeconômico pela falta de prática de atividade física extracurricular, pelo ambiente social desassistido e pelas características da vizinhança.1,10,11 No artigo de Lakes e Burkart, foi demonstrado que a distribuição espacial da obesidade infantil foi mais elevada no centro da cidade, onde havia uma concentração maior de crianças imigrantes e de restaurantes fast-food.1 Entretanto, o presente estudo não confirmou a hipótese inicial de que haveria um número maior de pacientes provenientes de regiões de menor nível socioeconômico na cidade de Joinville.

A falta de correlação pode ser explicada por alguns vieses da pesquisa, como o tamanho da amostra e o desenho do estudo, porque apesar de ser o único hospital pediátrico público da cidade, ele não atende à totalidade da população infantil. A cidade de Joinville possui muitas indústrias, e a maioria oferece planos de saúde complementar aos seus funcionários. Portanto, muitas crianças, apesar de morarem em regiões mais empobrecidas, procuram atendimento médico em hospitais ou clínicas privadas. Outro fator pode ter sido a dificuldade de acesso da população com menor nível socioeconômico ao hospital, devido a vários fatores: baixa disponibilidade de vagas para atendimento oferecidos pelo serviço público frente à demanda populacional, dificuldade de comparecimento à consulta pela distância e custo de transporte ou à falta de disponibilidade de um acompanhante adulto. Além disso, sabemos que os encaminhamentos aos especialistas estão sujeitos à decisão de cada profissional da atenção primária, e existe carência desses profissionais em muitas Unidades Básicas de Saúde da cidade. A falta de compreensão dos riscos da obesidade na infância e a importância do seu tratamento também pode ter contribuído para que muitas famílias não dessem seguimento ao acompanhamento das crianças com excesso de peso.

 

CONCLUSÃO

A maioria dos pacientes do estudo apresentava obesidade e não houve diferença de gênero. Apenas um terço dos pacientes referia a prática de atividade física extracurricular. Observou-se prevalência relativamente alta de pacientes com dislipidemia, porém baixa de intolerância à glicose ou diabetes. Não houve correlação estatisticamente significativa entre o número de pacientes atendidos com as regiões de nível socioeconômico mais baixo da cidade de Joinville. O ideal seria um estudo do nível socioeconômico de cada paciente ou ainda, avaliar a distribuição geográfica dos pacientes com obesidade infantil na cidade de Joinville e assim associar essa distribuição com a condição socioeconômica de cada bairro.

 

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