Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 23(3) - Setembro 2023

Relato de Caso

Teratoma sacrococcígeo imaturo fetal: relato de caso

Immature fetal sacrococcygeal teratoma: a case report

 

Julia Costa Linhares1; Samya Hamad Mehanna2; Rafaela Sacoman Kszan3; Raiane Alvarenga Ranieri3

 

DOI:10.31365/issn.2595-1769.v23i3p102-105

1. Hospital Universitário Evangélico Mackenzie, Serviço de Anatomia Patológica - Curitiba - Paraná - Brasil
2. Faculdade Evangélica Mackenzie do Paraná, Serviço de Anatomia Patológica - Curitiba - Paraná - Brasil
3. Faculdade Evangélica Mackenzie do Paraná, Escola de Medicina - Curitiba - Paraná - Brasil

 

Endereço para correspondência:

juliaclinhares@yahoo.com.br

Recebido em: 12/11/2022
Aprovado em: 25/07/2023

 

Resumo

INTRODUÇÃO: O teratoma sacrococcígeo é um tumor de células germinativas com desenvolvimento extragonadal derivado de células pluripotentes. Essa neoplasia tem a capacidade de originar diversos tecidos humanos maduros ou permanecer indiferenciado - nestes casos, há maior potencial de malignidade.
Objetivo: Relatar caso de teratoma sacrococcígeo fetal com desfecho desfavorável e posterior revisão da literatura baseada nos achados.
DESCRIÇÃO DO CASO: Gestante de 38 anos, previamente hígida, com ecografia obstétrica de rotina constatando massa heterogênea grande, cística, em região coccígea fetal sugestiva de teratoma. Em consulta na 25ª semana gestacional, não foram identificados batimentos cardíacos fetais e, após o parto, o natimorto foi encaminhado para necropsia. As análises macro e microscópica corroboram o diagnóstico de teratoma sacrococcígeo gigante, revelando ser imaturo, tipo I de Altman, associado a múltiplas malformações congênitas.
DISCUSSÃO: O teratoma sacrococcígeo congênito é comumente associado a outras anomalias, especialmente alterações de linha média. Os principais preditores prognósticos são o grau de diferenciação celular, momento do diagnóstico e localização tumoral de acordo com a classificação de Altman. O correto diagnóstico e o tratamento precoce são de fundamental importância para o prognóstico dos pacientes

Palavras-chave: Diagnóstico Pré-Natal. Neoplasias Embrionárias de Células Germinativas. Teratoma.


Abstract

INTRODUCTION: Sacrococcygeal teratoma is an extragonadal germ cell tumor that arises from pluripotent stem cells. This neoplasm has the ability to display a wide array of mature human tissues or it can remain undifferentiated, the latter having a greater malignant potential.
OBJECTIVE: This article aims to report a case of fetal sacrococcygeal teratoma with poor outcome including literature review based on the findings.
CASE DESCRIPTION: 38 years-old female pregnant patient with routine obstetric ultrasound showing a large heterogeneous fetal coccygeal mass, with cystic aspects, for which the radiology suggested the diagnostic hypothesis of a teratoma. Fetal heartbeat was absent by the 25th gestational age with the stillborn was sent for autopsy. Gross and microscopic examination endorsed the giant sacrococcygeal fetal teratoma diagnosis, displaying immature components, classified as an Altman type I, associated with multiple congenital anomalies.
DISCUSSION: Congenital sacrococcygeal teratoma is most commonly associated with other anomalies, in particular midline ones. Differentiation grade, tumor site and Altman classification are bad outcome indicators. A well-made diagnosis linked to an early treatment are essential to improve patient outcomes.

Keywords: Pre-natal diagnosis. Embryonic germ cell neoplasms. Teratoma.

 

Introdução

O teratoma sacrococcígeo (TS) é considerado a neoplasia de células germinativas mais comum na infância, incidindo em cerca de 1 entre 40.000 nascidos vivos. A apresentação neoplásica pode ser externa, interna ou mista, uma vez que o desenvolvimento é derivado de ecto, meso e endoderme. A diferenciação celular pode formar tecidos maduros - cabelos, unhas, dentes - ou estes podem permanecer indiferenciados, compostos por células imaturas e potencialmente malignas. Por ter comumente alta vascularização, costuma apresentar crescimento acelerado.

Manifesta-se mais frequentemente em crianças maiores de um ano e prevalece no sexo feminino em relação ao masculino na proporção de 4:1.1 Não é rara a associação neoplásica a malformações congênitas, principalmente as decorrentes de alterações na linha média. De maneira geral, 75% dos tumores sacrococcígeos apresentam bom prognóstico e os principais preditores de pior evolução incluem o momento do diagnóstico, a localização de acordo com a classificação de Altman 2 (Tabela 1) e o grau de diferenciação celular.

 

 

O objetivo deste trabalho é relatar um caso de teratoma sacrococcígeo gigante imaturo tipo I de Altman, revisando sua etiologia e diagnóstico.

 

Descrição do caso

Paciente feminina gestante com 38 anos sem comorbidades conhecidas. Ao exame ultrassonográfico (USG) obstétrico de rotina na 18ª semana, observou-se no feto a presença de massa sólida heterogênea grande (7,4 x 4,6 cm) em região coccígea, com componente cístico, tendo como principal hipótese diagnóstica teratoma sacrococcígeo. Em reavaliação ecográfica realizada na 23ª semana, foi relatado que a massa tumoral atingia as dimensões de 17,2 x 12,5 cm, associada a polidrâmnio e malformações sistêmicas, incluindo: cardiomegalia, hipoplasia pulmonar e hepatomegalia. O feto era considerado grande para idade gestacional, pesando 927g.

Na 25ª semana, a paciente deu entrada no hospital com queixa de movimentos fetais reduzidos e saída de líquido de aspecto esverdeado por via vaginal. Foi admitida em centro obstétrico, na avaliação os batimentos cardíacos fetais eram ausentes; gestante encontrava-se em período expulsivo e, por impossibilidade de extração por via vaginal, devido ao tamanho da lesão, foi realizada uma cesariana de emergência para retirada do feto. O natimorto era do sexo masculino, pesando 2.355g e placenta de 400g.

No exame pós-mortem, foi diagnosticado o teratoma sacrococcígeo, sendo classificado pelas dimensões macroscópicas (18,3 cm no maior eixo - Figura 1)1 como gigante, além de conter elementos pouco diferenciados de neuroepitélio a microscopia (Figura 2)2 que permitiam categorizá-lo como imaturo, sendo tipo I na escala de Altman, pelo predomínio externo (Figura 1)3.

 


Figura 1. O teratoma imaturo é composto por tecidos derivados de três folhetos embrionários. A quantidade e detecção de tecido neuroectodérmico (A) é crucial, inclusive evidencia-se o componente neural imaturo com formação de roseta (B).

 

 


Figura 2. Natimorto do sexo masculino com Teratoma sacroccocígeo.

 

A necropsia também detectou outras anormalidades viscerais, incluindo cardiomegalia, hipoplasia pulmonar, hepatoesplenomegalia acentuada, genitália externa indiferenciada e ânus imperfurado. Na análise da placenta, pode-se observar o dismorfismo vilositário, associado a dismaturidade e sinais de vasculopatia.

 

Discussão

O caso relatado pode ser considerado raro por diversos aspectos. Epidemiologicamente, é um tumor de baixa incidência, com distribuição semelhante entre sexos, sendo mais incidente na população pediátrica. Além disso, em infantes de até quatro meses de idade, o tumor geralmente apresenta componentes maduros, de curso benigno.² Lesões com componentes imaturos cursam com maior potencial de malignidade proporcional ao grau de elementos não diferenciados e apresentam-se geralmente em crianças mais velhas. No presente relato, observou-se uma neoplasia com características imaturas, em feto masculino e evolução desfavorável. Aliando essas características, relacionadas ao grau de imaturidade celular somado ao momento de apresentação, que foi antenatal, observou-se uma lesão de comportamento mais agressivo, convergindo com dados da literatura pesquisada, figurando entre 25% dos tumores sacrococcígeos com prognóstico reservado.²

Sabe-se, ainda, que o tipo histológico de Altman mais prevalente é o do tipo I. Os pacientes que apresentaram TS classificado como tipo I apresentaram menor número de complicações gastrointestinais baixas, quando comparados aos outros tipos.1

A presença de cardiomegalia, hematoesplenomegalia e hidropsia fetal em casos de teratomas sacrococcígeos com diagnóstico no período antenatal indica insuficiência cardíaca no feto, que costuma estar relacionada à sobrecarga cardíaca resultante de estados de alto débito cardíaco. Volumes tumorais elevados, crescimento tumoral acelerado e predominância de componente tumoral sólido altamente vascularizados também podem ser citados como fatores que influenciam em prognóstico desfavorável, por corroborarem o desvio do fluxo sanguíneo ao tumor.8

A presença de malformações anorretais em associação com massas pré-sacrais pode indicar a ocorrência da síndrome de Currarino. Essa síndrome é caracterizada por um defeito ósseo sacral, malformação anorretal e a presença de uma massa pré-sacral. A causa dessa síndrome são mutações no gene HLXB9, também conhecido como MNX1, que desempenha papel crucial no desenvolvimento embrionário e na formação adequada do cólon, reto e sacro.8,11

O diagnóstico precoce é importante nas neoplasias como um todo e permite intervenções profiláticas; contudo, a apresentação do teratoma sacrococcígeo durante a gestação pressupõe elevado risco ao feto. A ultrassonografia (USG) é utilizada como triagem no pré-natal e a ressonância magnética (RM) fetal determina extensão tumoral, complicações e possibilidade de planejamento futuro, tanto do parto quanto para indicar as intervenções necessárias.³ Portanto, nesse contexto, a abordagem pré-natal deve ser cuidadosamente realizada, de forma individualizada e com monitorização ecográfica.³

O tratamento padrão para TS permanece sendo a ressecção completa pós-natal, apresentando resultados favoráveis.6 Quimioterapia adjuvante é utilizada nos casos de malignidade ou recorrência, por isso, o diagnóstico histopatológico é de suma importância para a decisão terapêutica.7 A classificação de Altman não se correlaciona com a escolha da abordagem cirúrgica ou quimioterápica.5 No caso apresentado, por se tratar de um feto natimorto, nenhuma das técnicas propostas pode ser empregada.

Após a excisão cirúrgica, o seguimento do caso e controle de cura é realizado por meio das dosagens séricas de alfafetoproteína (AFP). A AFP é um importante marcador tumoral, sendo altamente específico na detecção de recidivas de neoplasias malignas.7 A taxa de recorrência é de cerca de 15%, e não apresentou relação significativa com a classificação proposta, diferentemente do que foi observado em relação a ressecção incompleta do tumor, histologia maligna e tamanho do tumor, que foram considerados fatores de risco para recorrência.3,4,6

Técnicas como citorredução tumoral e ablação das artérias tumorais estão sendo desenvolvidas como opções de tratamento intrauterino, para a melhora das condições fetais.6 Intervenções intrauterinas realizadas e descritas em estudo de Heurn LJ (2021) podem ser necessárias, como transfusões sanguíneas para tratamento de anemia fetal (4), drenagem do líquido amniótico (2), punção do conteúdo cístico do TS (4) e combinação de drenagem de líquido amniótico e punção do TS (1).4

Todas essas intervenções intrauterinas têm como objetivo proporcionar melhores condições ao feto e otimizar o prognóstico dos pacientes diagnosticados no período antenatal. O principal impacto das técnicas é para o sistema cardiovascular, devendo-se minimizar as chances de falência cardíaca - principal causa de morte neste contexo.9

 

Conclusão

O diagnóstico antenatal de TS indica piores prognósticos pelo elevado risco de complicações associadas. O grau de diferenciação celular, a classificação de Altman, presença complicações relacionadas à presença do tumor, como cardiomegalia e hidropisia fetal, indicativos de insuficiência cardíaca fetal, são aspectos essenciais a serem analisados para a correta decisão terapêutica.

Como demonstrado no presente relato, a ultrassonografia pré-natal é importante tanto no diagnóstico quanto no acompanhamento dos teratomas sacrococcígeo, a fim de detectar aqueles que podem apresentar alto risco de complicações perinatais, como insuficiência cardíaca, evitando-se óbito intrauterino quando possível. Essa avaliação é importante, ainda, para emprego do tratamento adequado através de abordagem multidisciplinar.

 

Referências

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2. Kumar V, Abbas A, Fausto N. Robbins e Cotran - Patologia - Bases Patológicas das Doenças. 8 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

3. Wang Y, Wu Y, Wang L, Yuan X, Jiang M, Li Y. Analysis of Recurrent Sacrococcygeal Teratoma in Children: Clinical Features, Relapse Risks, and Anorectal Functional Sequelae. Medical Science Monitor. 2017 jan 2. 23(1): 17-23.

4. Yadav DK, Acharya SK, Bagga D, Jain V, Dhua A, Goel P. Sacrococcygeal teratoma: Clinical characteristics, management, and long-term outcomes in a prospective study from a Tertiary Care Center. Journal of Indian Association of Pediatric Surgeons. 2019 nov 27. 25(1): 15-21.

5. Phi JH. Sacrococcygeal Teratoma: A Tumor at the Center of Embryogenesis. J Korean Neurosurg Soc. 2021 mar 10. 64 (3): 406-413.

6. Santos VN, Coelho SO, Vieira AA. Sacrococcygeal teratoma: evaluation of its approach, treatment and follow-up in two reference children cancer centers in Brazil / Rio de Janeiro. Rev Col Bras Cir. 2022 jul 6.

7. Heurn LJ, Knipscheer MM, Derikx JPM, Heurn LWE. Diagnostic accuracy of serum alpha-fetoprotein levels in diagnosing recurrent sacrococcygeal teratoma: A systematic review. J Pediatr Surg. 2020 sep, 55(9): 1732-1739.

8. Heurn LJ, Coumans ABC, Derikx JPM, Bekker MN, Bilardo KM, Duir LK, Knapen MFCM, Pajkrt E, Sikkel E, Heurn LWE, Oepkes D. Factors associated with poor outcome in fetuses prenatally diagnosed with sacrococcygeal teratoma. Prenatal Diagnosis, 2021 jul, 41(11): 1430-1438.

9. Pace E, Johnson TS, Kao SC, Parikh AK, Qi J, Rajderkar DA, Reid JR, Towbin AJ, States LJ. Imaging of pediatric extragonadal pelvic soft tissue tumors: A COG Diagnostic Imaging Committee/SPR Oncology Comittee White Piper. Pediatr Blood Cancer. 2022 Dec 8:e29966. doi: 10.1002/pbc.29966. Epub ahead of print. PMID: 36482882.

10. Altman PR, Randolph JG, Lilly JR. Sacrococcygeal Teratoma: American Academy of Pediatrics Surgical Section Survey - 1973. Journal of Pediatric Surgery. 1974 Jun, 9 (3): 389-398. PMID: 4843993

11. Dworschak GC, Reutter HM, Ludwig M. Currarino Syndrome: A Comprehensive Genetic Review of a Rare Congenital Disorder. Orphanet J Rare Dis. 2021 Apr 9. 16 (1):167. doi: 10.1186/s13023-021-01799-0.