Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

Logo Soperj

Número atual: 21(4) - Dezembro 2021

Relato de Caso

Flebectasia da veia jugular interna em criança: Relato de caso

Internal Jugular Vein Flebectasia In Child: A Case Report

 

Murilo Henrique Berto; João Carlos Cervelin; Josiani Berto; Pablo Rodrigo Knihs

 

DOI:10.31365/issn.2595-1769.v21i4p206-210

Universidade do planalto catarinense, curso de medicina - lages - santa catarina - Brasil

 

Endereço para correspondência:

muriloberto@gmail.com

Recebido em: 05/04/2021

Aprovado em: 17/05/2021


Instituição: universidade do planalto catarinense, curso de medicina - lages - santa catarina - Brasil

 

Resumo

As massas cervicais são uma entidade incomum em pediatria. A flebectasia da veia jugular interna é uma dilatação fusiforme desse vaso que surge como uma massa amolecida, indolor e compressível no pescoço durante o esforço físico ou após a manobra de Valsalva. Descrevemos o caso de um menino com flebectasia da veia jugular interna. Sexo masculino, branco, 6 anos, natural de Correia Pinto-SC. A mãe do menino foi à Unidade Básica de Saúde da sua cidade para investigar uma massa cervical percebida duas semanas antes, quando ele realiza esforços (espirros, tosse e brincando), além da queixa de disfagia durante as refeições, engasgo, dispneia e rouquidão. Não há antecedentes de traumas, cirurgias ou patologias cervicais. A investigação de uma massa cervical começa com a anamnese detalhada e exame físico completo, incluindo a avaliação otorrinolaringológica. A flebectasia da veia jugular interna congênita é uma entidade rara considerada uma anormalidade benigna que afeta predominantemente o lado direito, sendo mais comum nos meninos.

Palavras-chave: Dilatação Patológica. Manobra de Valsalva. Veias Jugulares.


Abstract

Cervical masses are an uncommon entity in pediatrics. Phlebectasis of the internal jugular vein is a fusiform dilation of this vessel that appears as a soft, painless and compressible mass in the neck during physical effort or after the Valsalva maneuver. We describe the case of a boy with phlebectasis of the internal jugular vein. Male, white, 6 years old, born in Correia Pinto, state of Santa Catarina, Brazil. The boy's mother went to the Basic Health Unit in his city to investigate a cervical mass perceived two weeks earlier, when he made efforts (sneezing, coughing and playing), in addition to the complaint of dysphagia during meals, choking, dyspnea and hoarseness. There is no history of trauma, surgery or cervical pathologies. The investigation of a cervical mass begins with a detailed anamnesis and a complete physical examination, including otorhinolaryngological evaluation. Phlebectasis of the congenital internal jugular vein is a rare entity considered as a benign abnormality that predominantly affects the right side, being more common in boys.

Keywords: Dilatation, Pathologic. Valsalva maneuver. Jugular veins.

 

INTRODUÇÃO

As massas cervicais são uma afecção incomum em pediatria1. A flebectasia da veia jugular interna (FJI) é uma dilatação fusiforme desse vaso que se apresenta como uma massa flácida, indolor e compressível no pescoço durante o esforço físico ou após a manobra de Valsalva.1 Localiza-se na borda anterior do músculo esternocleidomastoideo e comumente é assintomática.2,3 A relação entre homem e mulher é 2:1 e a predominância é pelo lado direito (5:1), provavelmente devido à localização mais lateral da veia braquiocefálica direita.4,5 Existem casos mais raros de flebectasia jugular bilateral e à esquerda.4

São classificadas, de acordo com a etiologia, em inflamatórias, congênitas e neoplásicas. Do nascimento aos 15 anos, as causas inflamatórias predominam sobre demais. A partir dos 15 até os 40 anos, as causas neoplásicas se assemelham às inflamatórias em nível de importância. Destaca-se que nem mesmo no período infantil a causa congênita tem destaque.1 Outras causas possíveis de FJI podem ser por compressão mecânica, trauma cervical e idiopáticas.6,4

A região cervical é composta por estruturas vasculares, musculares, nervosas e linfáticas. As patologias que afetam essas estruturas podem gerar sinais e sintomas semelhantes, como massa cervical espontânea ou induzida pelo esforço físico, disfagia e dispneia.1

As veias jugulares internas, externas e anterior podem ter malformações. O termo "flebectasia" indica dilatação da veia sem tortuosidade. Difere do termo ''variz'', que implica dilatação com tortuosidade.7,8 Embora a maioria delas seja de natureza benigna, representam um desafio tanto para o pediatra quanto para o radiologista chegar ao diagnóstico definitivo.1 Devido à sua raridade, essa entidade é frequentemente desconhecida ou mal diagnosticada, levando a criança a exames desnecessários.2,8

 

DESCRIÇÃO DO CASO

Descrevemos o caso de um menino com flebectasia da veia jugular interna, sexo masculino, branco, 6 anos de idade, natural de Correia Pinto, estado de Santa Catarina. Filho de pais sem consanguinidade. História obstétrica: pré-natal de baixo risco iniciado no primeiro trimestre, com 8 consultas realizadas. O parto ocorreu naturalmente, a termo, sem intercorrências. Nasceu com 3,5 quilogramas e 46 centímetros de comprimento.

Sua mãe procurou atendimento médico em Unidade Básica de Saúde da sua cidade para investigar uma massa cervical percebida duas semanas antes, quando ele realizava esforços (espirros, tosse e brincando), além de queixa de disfagia nas refeições, dispneia e rouquidão. Sem antecedentes de traumas, cirurgias ou patologias cervicais. Após a consulta, o menino foi encaminhado ao Hospital Pediátrico de referência da região para realizar exames complementares.

Na avaliação hospitalar, a criança se apresentava em bom estado geral, sinais vitais estáveis e sem assimetrias visíveis no pescoço durante o repouso. Oroscopia, rinoscopia e otoscopia não apresentaram alterações. A palpação do pescoço não evidenciou alterações anatômicas. Porém, quando solicitamos que o menino realizasse a manobra de Valsalva, observamos abaulamento da região cervical ânterolateral inferior direita, localizado na zona II do pescoço (entre a cartilagem cricoide e o ângulo da mandíbula), de aproximadamente 6 cm de comprimento e 4 cm de largura, com limites imprecisos, que retorna à posição original após o fim da manobra. O abaulamento era de consistência amolecida, sem sinais flogísticos ou de nodulações fixas, indolor e sem pulsação. Em virtude desse achado clínico, levantamos hipóteses de laringocele ou FJI.

Foi solicitada tomografia computadorizada (TC) de pescoço, que demonstrou ectasia da veia jugular interna à direita. Posteriormente, requeremos o auxílio da ultrassonografia (USG) cervical, que demonstrou aumento do tamanho e do fluxo da veia jugular interna à direita na manobra de Valsalva (Figura 1). Confirma-se, portanto, o diagnóstico de flebectasia da veia jugular interna.

 


Figura 1. USG demonstrando a Veia Jugular Interna antes (A) e após a Manobra de Valsalva (B). Percebe-se aumento do calibre do vaso.

 

Após explicarmos o significado dessa patologia para a mãe do menino e levando em consideração os sinais e sintomas referidos, além da insegurança dos pais quanto ao prognóstico do menino, optou-se pelo tratamento cirúrgico.

 

DISCUSSÃO

A investigação de uma massa cervical começa com a anamnese detalhada e exame físico completo, incluindo a avaliação otorrinolaringológica.1 Os sintomas mais comuns são a percepção de uma massa amolecida na região inferior do pescoço ao se fazer atividades que aumentam a pressão abdominal, como brincar, tossir, engolir ou chorar. É possível examiná-la no consultório quando se pede para a criança fazer a manobra de Valsalva. Geralmente não causa dificuldade para deglutição ou respiração, mas costuma ser a preocupação dos pais, além do efeito estético da massa cervical.

Suspeita-se de FJI através da anamnese e exame físico e confirma-se a hipótese com a USG com doppler.6,7,9 A TC de pescoço geralmente é realizada para se analisar a extensão do acometimento vascular.7 Alguns diagnósticos diferenciais são edema cervical cístico, laringocele, hemangioma cavernoso e massa mediastinal superior.6

Nossa criança em estudo foi levada ao atendimento médico devido a queixa de massa cervical aos esforços associada com disfagia de condução, dispneia e rouquidão. Nos relatos de caso analisados, a maioria das crianças se apresenta com pouca sintomatologia, porém são queixas semelhantes, evidenciando que essa patologia causa o sintoma típico de percepção de massa cervical ao esforço e sintomas menos comuns como dispneia ou disfagia. A queixa de rouquidão em nossa criança é única até o momento. Alguns estudos trazem peculiaridades.

Dois relatos que fazem contraponto referem como queixa principal o edema cervical indolor, levando em consideração o diagnóstico diferencial com causas inflamatórias. Foi necessária a USG para afastar outras causas e o auxílio do doppler para se suspeitar de FJI. A conduta foi expectante e os pacientes mantidos em acompanhamento regular.6,7

Outro relato que chama atenção é o caso de FJI com extensão intracraniana em menino de oito anos com massa cervical intermitente em lado direito do pescoço há dois anos. O exame físico em repouso revela uma massa móvel do lado direito do terço inferior do pescoço. A laringoscopia com fibra óptica não encontrou anormalidades. Foi feito raio X de pescoço e tórax para diagnóstico diferencial com outras causas estruturais, mas foi a USG com doppler que definiu FJI. A TC de pescoço demonstrou extensão intracraniana, sendo este o melhor exame para avaliação intracraniana. A conduta também foi expectante e manteve-se acompanhamento regular.8

Apenas um relato cita disfagia de condução esofágica durante a alimentação, sendo um menino de sete meses de vida. A USG com doppler e a TC de pescoço com reconstrução em 3D confirmaram o diagnóstico. Foi realizada cirurgia devido aos sintomas.10

Encontramos o relato de caso de uma adolescente de 17 anos com queixa de edema submandibular direito nos últimos seis meses, que aumentava de tamanho durante a manobra de Valsalva e apresentava sopro na ausculta do edema. Nesse relato suspeitou-se de malignidade, porém não encontramos motivos específicos que corroboraram esse diagnóstico sindrômico. Suspeita-se de malignidade quando, além do abaulamento da região cervical, há fadiga, hematoma e dor local, febre, perda de apetite ou peso inexplicável acima de 10% do peso total em menos de seis meses. A recomendação é prosseguir com a punção aspirativa com agulha fina (PAAF) ou diretamente a biópsia da massa palpável.1,11 Para essa adolescente, realizou-se a citologia aspirativa por agulha fina, obtendo resultado negativo para malignidade. O diagnóstico definitivo de FJI foi obtido através da TC de pescoço.11

Um menino de 10 anos, gêmeo monozigoto, é atendido com queixa de aumento de volume em lado direito do pescoço, mais evidente aos esforços, nos últimos três anos. Antecedente de ressecção de hemangioma cervical esquerdo aos nove anos. A USG com doppler durante a manobra de Valsalva demonstrou FJI à direita e confirmou-se com a TC de pescoço. Optou-se pela cirurgia corretiva.5

Destacamos que outros defeitos congênitos podem produzir sintomatologia semelhante, como o relato de um menino de quatro anos com sintomas de massa cervical ao esforço. Na USG, foi detectado timo ectópico. Isso ocorre porque essa glândula tem desenvolvimento embriológico na região cervical e migra ainda no período fetal para o mediastino. Contudo, essa migração pode falhar e o timo se manter na região cervical, sendo em sua maioria assintomático, representando um achado incidental.1 Nesse caso, a criança apresentou sintomas e o tratamento cirúrgico foi escolhido.

Apesar da escassez de relatos publicados na população adulta, encontramos a descrição de um homem de 23 anos com a percepção de massa cervical ao esforço no lado esquerdo do pescoço nos últimos seis meses. Na TC de pescoço, percebeu-se aneurisma de veia jugular externa esquerda. O tratamento foi cirúrgico por questões estéticas;12 e outro homem de 27 anos, sem doenças prévias com edema indolor no pescoço desde os 15 anos, não apresentou tosse, disfagia, dispneia ou rouquidão. À manobra de Valsalva percebeu-se edema na região anterior esquerda do pescoço medindo 5×3 cm. A USG revelou aumento da veia jugular interna esquerda durante a deglutição. Já a TC do pescoço não encontrou nenhuma anormalidade estrutural. Fez-se o diagnóstico de ectasia jugular interna. Como o paciente era assintomático, optou-se pelo manejo conservador.15

Devido à raridade dessa condição, que gera desconhecimento da sua história natural ou complicações, atualmente não existe um consenso sobre a melhor modalidade de tratamento.9 Sabe-se, porém, que ela pode regredir espontaneamente, indicando preferência pelo tratamento conservador.6 Opta-se pela resolução cirúrgica quando os sintomas prejudicam a qualidade de vida ou por questões estéticas.7 Por outro lado, se a suspeita for de malignidade, procede-se a uma PAAF ou biópsia.1

A quase totalidade dos relatos de FJI causa sintomas típicos de percepção de massa cervical ao esforço.1 Essa alteração anatômica costuma causar preocupação nos pais, por isso é comum a escolha pelo tratamento cirúrgico.5 A mãe da criança que atendemos relatou insegurança e preocupação com a alteração congênita encontrada no filho e com os sintomas observados, por isso optou-se pelo tratamento cirúrgico.

Complicações, como trombose venosa e síndrome de Horner, são eventos raros e não justificam a cirurgia, sendo mais frequentes em adultos. A ruptura da FJI não foi relatada na literatura até o momento.7

Percebemos que em alguns relatos realizaram procedimentos iniciais como esofagograma,5 angioressonância magnética,13 raio x torácico,7 endoscopia nasal7 e nasofibrolaringoscopia.4 Todos foram normais. Dessa forma, todas as crianças desses relatos tiveram que se submeter novamente aos exames de imagem USG com doppler e TC de pescoço. A única exceção foi uma angiografia com reconstrução em 3D, que demonstrou FJI,14 o que denuncia a falta de consenso sobre o método diagnóstico e a supervalorização dos exames complementares em relação ao método clínico.

As laringoceles são dilatações anômalas dos sáculos dos ventrículos laríngeos. Podem causar rouquidão e obstrução das vias aéreas e originar massa palpável no pescoço. Devido à semelhança clínica e fisiopatológica com FJI, levamos esse diagnóstico em consideração. Ressaltamos que a TC de pescoço é o exame de imagem indicado para diferenciação dessas patologias.

Portanto, a flebectasia da veia jugular interna congênita é uma entidade rara considerada como uma anormalidade benigna que afeta predominantemente o lado direito do pescoço, sendo mais comum nos meninos. Suspeita-se do diagnóstico quando a criança ou os pais percebem massa cervical ao esforço ou sintomas menos comuns, como dispneia ou disfagia. A confirmação se dá por exames de imagem como a USG com doppler ou TC de pescoço. Atualmente, o tratamento conservador é preferido para pacientes pediátricos, e a cirurgia é indicada na presença de complicações ou por fim estético. A queixa de rouquidão em nossa criança é única até o momento.

 

REFERÊNCIAS

1. Álvarez LS, Sepúlveda CR, Espinoza AG, Gómez MG. Timo cervical aberrante: Masa cervical pediátrica inusual, revisión bibliográfica y reporte de caso. Rev. Otorrinolaringol. Cir. Cabeza Cuello. 2020;80(1):69-74.

2. Lévano VJ, Muñoz MR, Campos SA, Martínez-Villasante AA, Arias NB. Flebectasia de la vena yugular interna. Rev Pediatr Aten Primaria. 2017;19(73): 63-66.

3. Miares CG, Carretero SF, Serna JMP, Díaz EA. Flebectasia yugular interna. Arch Argent Pediatr, Leon. 2018; 116(6):810-815.

4. Ferreira LMBM, Haguette EF. Ectasia Jugular Interna Bilateral. Arq. Int. Otorrinolaringol. 2007; 11(2): 220-223.

5. Urueta PJ, Garcia RA, Grijalva JEG, Mata BF. Flebectasia de la vena yugular interna en niños. Acta Pediátrica de México. 2005; 26(3): 1-4.

6. Kasim S; Hassan AM; Hassan HI; Al-Mughairi SM; Yassin FE; Rashad EA. Internal Jugular Vein Phlebectasia in a Child: a case report. Oman Medical Journal. 2019; 34(5):469-471.

7. Kesarwani A, Goyal A, Kumar A. Internal Jugular Vein Phlebectasia in a Child: A Case Report. Amber Kesarwani, Jodhpur. 2019; 31(105): 239-242.

8. Malik V; Murthy TVSP; Kumari A. Unusual case of focal neck swelling: phlebectasia of internal jugular vein with intracranial extension. International Journal Of Applied And Basic Medical Research. 2015;5(1):58-60.

9. Figueroa-Sanchez JÁ, Ferigno AS, Benvenutti-Regato M; Caro-Osorio E; Martinez HR. Internal jugular phlebectasia: a systematic review. Surgical Neurology International. 2019; 10:1-10.

10. Sunduram J, Memon P, Thingnum SK, Rao KLN. Dysphagia because of unilateral internal jugular vein phlebectasia in an infant. Journal of Pediatric Surgery. 2016;51(7):1216-1219.

11. Mehta R, Kamble P, Nagarkar NM. Varied Presentation of Venous Ectasia Head and Neck: case series and review of literature. Indian Journal of Otolaryngology And Head & Neck Surgery. 2018;71(1):647-651.

12. Nana P, Korais C, Mpouronikou A, Lachanas V, Spanos K, Kouvelos G. Management of an external jugular vein aneurysm in a young patient. Journal of Vascular Surgery: Venous and Lymphatic Disorders. 2020; 8(5):861-863.

13. Girón-Vallejo Ó, Benítez-Sanchez MC, Villamil V, Hernandéz-Bernejo JP. Una rara (e intermitente) masa cervical: flebectasia de la vena yugular externa. Revista Chilena de Pediatría, 2017;88(5):688-690.

14. Atalar MH, Yilmaz G. Double fenestration of the ipsilateral internal jugular vein. Cumhuriyet Medical Journal. 2017;39(3):637-638.

15. CHEAH, Siew Chung; WONG, Hui Tong; LAU, Chin Yee. Rare left-sided presentation of internal jugular vein ectasia in an adult. Annals Of Saudi Medicine, [S.L.], v. 38, n. 5, p. 381-382, set. 2018. King Faisal Specialist Hospital and Research Centre. http://dx.doi.org/10.5144/0256-4947.2018.381.