Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 20(4) - Dezembro 2020

Relato de Caso

Orientação domiciliar para as atividades funcionais em crianças hemiplégicas: relato de dois casos

Family orientation for functional activities in hemiplegic children: report of two cases

 

Adriana Montenegro Mandetta1; Tatiana Aline Carvalho2,3; Carolina Camargo Oliveira1; Fernando Augusto Lima Marson2,3

 

DOI:10.31365/issn.2595-1769.v20i4p145-150

1. Universidade São Francisco, Curso de Fisioterapia - Bragança Paulista - São Paulo - Brasil
2. Universidade São Francisco, Ciências da Saúde, Laboratório de Genética Humana e Genética Médica - Bragança Paulista - São Paulo - Brasil
3. Universidade São Francisco, Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Neonatal - Bragança Paulista - São Paulo - Brasil

 

Endereço para correspondência:

Fernando Augusto Lima Marson

Recebido em: 20/03/2020

Aprovado em: 29/06/2020


Instituição: Universidade São Francisco, Ciências da Saúde, Laboratório de Genética Humana e Genética Médica - Bragança Paulista - São Paulo - Brasil

 

Resumo

INTRODUÇÃO: As causas da hemiplegia são multifatoriais e sua reabilitação depende do déficit funcional decorrente da doença de base. Na literatura, a orientação domiciliar para executar atividades funcionais em crianças hemiplégicas é descrita, mas seus efeitos e repercussões precisam ser mais bem entendidos.
OBJETIVOS: Relatar os efeitos da orientação domiciliar nas atividades funcionais em crianças hemiplégicas e descrever a repercussão na qualidade de vida delas e de seus cuidadores.
DESCRIÇÃO DOS CASOS: Foram incluídos no estudo dois participantes do sexo masculino com cinco e 10 anos e, respectivamente, hemiplegia no hemicorpo à direita e esquerda. Na avaliação de funcionalidade, houve melhora em numerosos aspectos após a orientação domiciliar, sendo estes demonstrados por melhor pontuação nos seguintes marcadores: Children's Hand-use Experience Questionnaire, Pediatric Disability Assessment Inventory, Auto Questionnaire Qualité de Vie Enfant Imagé e World Health Organization Quality of Life (WHOQOL-bref). Não houve, entretanto, manutenção satisfatória da pontuação em alguns marcadores após um período de dois meses com a ausência de orientação domiciliar.
DISCUSSÃO: Encontrou-se, na avaliação e abordagem de dois casos de hemiplegia, que as orientações domiciliares resultaram em benefícios aos participantes e seus cuidadores. A manutenção dos benefícios dependerá, aparentemente, de uma orientação domiciliar periódica, uma vez que, após um período sem a realização desta orientação, alguns marcadores tiveram redução da pontuação. O estudo foi um relato de dois casos, e para que se tenha poder de inferência estatística, outros estudos devem ser realizados com maior casuística.

Palavras-chave: Cuidadores. Fisioterapia. Hemiplegia. Qualidade de vida


Abstract

INTRODUÇÃO: Hemiplegia is a multifactorial disease, and its rehabilitation depends on the functional deficit resulting from the underlying disease. In the literature, family orientation to perform functional activities in hemiplegic children is described, but its effects and repercussions need to be better understood.
OBJECTIVES: To report the effects of family orientation on functional activities in hemiplegic children and to describe the quality of life impact to patients and their caregivers.
CASE DESCRIPTION: Two male participants aged 5 and 10 years, and hemiplegia in the right and left hemi-bodies, respectively, were included. In the evaluation of functionality, there was an improvement in several aspects after family orientation, which were demonstrated by better scores on Children's Hand-use Experience Questionnaire, Pediatric Disability Assessment Inventory, Auto Questionnaire Qualité de Vie Enfant Imagé, and the World Health Organization Quality of Life (WHOQOL-Abreviado). However, the score in some markers was not kept after a period of two months with the absence of family orientation.
DISCUSSION: It was found, in the evaluation and approach of two cases of hemiplegia, that family orientation resulted in benefits for the participants and their caregivers. The maintenance of benefits, apparently, will depend on a periodic family orientation, since, after a period without this guidance, the score of some markers was reduced. The study was a report of two cases and to have power of statistical inference, other studies must be carried out with a larger sample.

Keywords: Caregivers. Hemiplegia. Physiotherapy. Quality of life.

 

INTRODUÇÃO

As causas da hemiplegia são multifatoriais e podem acontecer no período pré-natal, perinatal e pós-natal. A hemiplegia originada na infância decorre, frequentemente, da encefalopatia crônica não progressiva da infância (ECNPI), podendo ser associada ao comprometimento vascular, desde que ocorrido até os dois anos de idade, que pode ser caracterizado como acidente vascular cerebral (AVC)1.

A reabilitação na hemiplegia depende do grau de déficit funcional e da doença de base, enfatizando-se: coordenação motora; facilitação das respostas de endireitamento e de equilíbrio; integração dos estímulos sensoriais; desenvolvimento de habilidades funcionais.2 Atualmente, sabe-se da importância dos treinos funcionais que, quando associado às orientações aos cuidadores, favorece no melhor desempenho das habilidades funcionais e do nível de independência na ECNPI.3

A terapêutica em crianças hemiplégicas apresenta associação com a ação dos cuidadores. No entanto, as mães, principais responsáveis pelos cuidados de seus filhos, em geral possuem participação incipiente no tratamento.4 Nesse contexto, a orientação domiciliar é relevante para reabilitar os pacientes e auxiliar os cuidadores. Este estudo relata os efeitos da orientação domiciliar nas atividades funcionais de duas crianças com hemiplegia e descreve sua repercussão na qualidade de vida (QV) destas e de seus cuidadores.

 

MÉTODOS

Realizou-se ensaio clínico analítico e experimental, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (C.A.A.E:#1.774.366) e desenvolvido na Clínica Escola de Fisioterapia da Universidade e no domicílio, após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelo responsável do participante. Foram incluídas crianças com hemiplegia do Setor de Neuropediatria e com diagnóstico de ECNPI ou AVC por exame de neuroimagem.

A avaliação inicial (AI) foi realizada pela aplicação de questionários de análise funcional - Pediatric Disability Assessment Inventory (PEDI)5 e Children's Hand-use Experience Questionnaire (CHEQ)6 - e de avaliação da QV - Autoquestionnaire Qualité de Vie Enfant Imagé (AUQEI)7 e World Health Organization Quality of Life (WHOQOL-Abreviado).8 Posteriormente, foi agendada a primeira visita domiciliar para observar as atividades funcionais.

O PEDI é um método avaliativo que deve ser aplicado aos pais ou responsáveis do paciente, sendo preferencialmente aplicado ao cuidador que permanece maior parte do tempo com a criança. Os itens analisados no questionário estão distribuídos em três partes, que contemplam três áreas cada, a saber: habilidade funcional [inclui as seguintes áreas: autocuidado - 74 itens; mobilidade - 59 itens; função social - 64 itens; sendo que para cada item é atribuído uma pontuação de 0 (se incapaz) ou 1 (se capaz)]; assistência do cuidador [inclui as seguintes áreas: autocuidado - 8 itens; mobilidade - 7 itens; função social - 5 itens]; e modificações [inclui as seguintes áreas: autocuidado - 8 itens; mobilidade - 7 itens; função social - 5 itens]. A pontuação para assistência do cuidador e modificações ocorre de acordo com a dependência do paciente, sendo considerado: 0 (assistência total), 1 (assistência máxima), 2 (assistência moderada), 3 (assistência mínima), 4 (assistência com supervisão) e 5 (sem assistência). Pelo escore bruto (soma dos itens das três partes), chega-se ao escore normativo, que permite a comparação entre o desempenho do paciente com o de crianças sadias da mesma faixa etária. Por sua vez, o escore contínuo representa a porcentagem da habilidade funcional do sujeito naquela área e pode ser analisado em indivíduos de qualquer idade.5

O CHEQ é um questionário composto por 29 questões sobre as atividades bimanuais para crianças e adolescentes entre três e 18 anos (dividido em 3-6 anos e 6-18 anos, respectivamente, com a percepção da função motora sendo respondida pelo cuidador ou próprio paciente) que, por razões diversas, tiveram limitação funcional em uma das mãos. No questionário são avaliadas três escalas de eficácia (a saber, alcance manual, tempo e grau do incômodo) nas atividades desempenhadas com uma mão, com as duas mãos ou com a ajuda do cuidador. A percepção do cuidador em relação à função motora da criança (até 6 anos) ou da própria percepção funcional da criança (acima de 6 anos) são, assim, avaliados. Na literatura é recomendado que as crianças com idade inferior a 13 anos respondam ao questionário com o auxílio dos pais. O CHEQ pode ser utilizado para descrever a performance bimanual infantil, definir metas e avaliar os efeitos do tratamento. A estrutura interna das escalas foi confirmada por análise Rasch em unidade de 0-100 pontos.6

O AUQEI é um questionário utilizado em crianças com idade de quatro a 12 anos. O AUQEI possui 26 questões que abordam quatro fatores de vivência: autonomia, lazer, funções e família. A partir do ponto de vista da criança, o questionário pode ser respondido com o auxílio de quatro imagens que representam faces com diferentes emoções, sendo estas: muito infeliz (0), infeliz (1), feliz (2) e muito feliz (0). O valor máximo do escore bruto é de 78 pontos, sendo considerada como baixa QV a pontuação igual ou inferior a 48 pontos, e como boa QV a pontuação superior a 48 pontos.7

A QV dos cuidadores foi avaliada pelo WHOQOL-Abreviado, composto por 26 questões, sendo duas gerais sobre a QV e outras 24 que avaliam os domínios físico, psicológico, relação social e meio ambiente, tendo pontuação de 1 a 5. No WHOQOL-Abreviado, quanto maior for a pontuação, melhor será a QV.8

Em seguida, foi elaborado um protocolo de intervenção com seis atividades lúdicas funcionais, o qual deveria ser realizado diariamente, com base nas dificuldades de cada participante, sendo aplicado por visitas domiciliares quinzenais (uma hora/visita), durante dois meses, totalizando três visitas. Os cuidadores receberam uma agenda para realizar anotações diárias, contendo: data; realizou a orientação (sim/não); atividade realizada; e observação. Os itens eram compostos por múltiplas escolhas; exceto o item "observação", que apresentou resposta aberta. Os participantes foram reavaliados, após dois meses de intervenção (AFI) e dois meses após o término da intervenção (AF2) pelos mesmos instrumentos da AI.

 

DESCRIÇÃO DOS CASOS

Participaram do estudo duas crianças do sexo masculino; sendo eles:

Participante 1 (P1): natural de São Paulo e proveniente de Bragança Paulista-SP, com cinco anos de idade. Gestação não foi planejada, mas desejada. Mãe referiu que realizou quatro consultas de pré-natal, sem intercorrência; negou traumas, doenças ou uso de substâncias teratrogênicas. O participante nasceu por parto vaginal, com 32 semanas de idade gestacional; mãe não relatou Apgar. Aos três meses não movimentava o hemicorpo direito, e a mãe o levou para a consulta com um pediatra, que encaminhou o paciente a um ortopedista. Com um ano de idade, durante a consulta com um neurologista infantil, foi solicitado o exame de tomografia computadorizada, que apresentou alteração neurológica estrutural (AVC isquêmico fetal). Posteriormente, o participante foi encaminhado para tratamento fisioterapêutico; atualmente apresenta-se com hemiplegia em hemicorpo direito, marcha ceifante, déficit de equilíbrio em ortostatismo e cognitivo aparentemente adequado para idade. Como queixa principal, o participante relata dificuldades em atividades bimanuais escolares.

Participante 2 (P2): natural e proveniente de Bragança Paulista-SP com 10 anos de idade. Gestação não planejada, mas desejada. Mãe negou o uso de substâncias teratogênicas, porém relatou que durante a gravidez caiu duas vezes, sendo uma queda da escada (sem complicações). Participante nasceu por parto vaginal, com 31 semanas de idade gestacional, Apgar 9/10 e sem intercorrências. Aos oito meses de idade, o participante não manipulava brinquedos, não engatinhava e não permanecia sentado sem apoio. A mãe o levou ao pediatra, que solicitou o exame de tomografia computadorizada, que evidenciou lesão cerebral com diagnóstico de ECNPI. Aos dois anos de idade, o participante apresentava hemiplegia à esquerda de predomínio braquial, marcha ceifante, aparente déficit cognitivo e déficit de equilíbrio dinâmico. O participante foi encaminhado a fisioterapia, para avaliação e tratamento dos déficits funcionais apresentados.

Após a AI, foram realizadas orientações para ajustar a atividade lúdica com a funcionalidade no segundo dia da visita domiciliar: (P1) apresentou adequação nos exercícios "passar a manteiga no pão" e "fechar o zíper com a mão direita", sendo este último adaptado pelo uso de um pedaço de espuma vinílica acetinada (EVA) como suporte para fechar o zíper; (P2) exercício de "carregar a bandeja" foi substituído pela atividade de equilíbrio utilizando as duas mãos - andar em um corredor realizando o mesmo percurso por 10x ida e volta, carregando uma bandeja com um copo cheio de água, evitando que a água e/ou o copo caíssem.

Nas 29 atividades avaliadas pelo CHEQ, o P1 apresentou melhora nos quesitos avaliados, exceto nas "atividades desempenhadas com uma mão", que teve aumento entre AI e AFI. Na AFII, houve pior desempenho para "pensamento do cuidador sobre o funcionamento da mão da criança", "tempo de realização das tarefas" e "atividades desempenhadas com as duas mãos"; no entanto, houve melhora das "atividades desempenhadas com uma mão" (Tabela 1).

 

 

A "habilidade funcional" no PEDI do P1 teve acréscimo entre AI e AFI. Na AFII, o participante continuou evoluindo, exceto na "função social", onde teve decréscimo. Na "assistência do cuidador", P1 obteve aumento nos itens entre AI e AFI; e na AFII, a mobilidade foi o único item que teve acréscimo; "autocuidado" e "função social" sofreram decréscimo nesse período (Tabela 2). Em relação à QV, o P1 no AUQUEI apresentou escore de 50 pontos na AI e AFI, com melhora ainda do escore na AFII para 66 pontos. Pela avaliação do WHOQOL, seu cuidador apresentou redução no "domínio físico" na AFI e AFII em relação a AI. No "domínio psicológico" houve melhora entre AI e AFI, com piora na AFII, porém mantendo escore maior que na AI. No "domínio relações sociais", ocorreu melhora entre AI e AFI, com pequena redução na AFII.

 

 

O P2 obteve melhora no CHEQ entre a AI e AFI, exceto na "maneira como a criança se sente ao realizar as tarefas". O "pensamento sobre o funcionamento da mão da criança", "tempo de realização das tarefas" e "maneira como a criança se sente ao realizar as tarefas" apresentaram melhora na AFII. No estudo, o CHEQ foi respondido pelo cuidador do participante 1. Adicionalmente, o participante 2 respondeu o próprio questionário. Na avaliação realizada pelo questionário PEDI, P2 teve acréscimo na área de "autocuidado" entre AI e AFI, mantendo esse valor na AFII; nas demais áreas avaliadas, o participante manteve o mesmo escore entre AI, AFI e AFII.

Ao avaliar a QV do P2, houve melhora na pontuação passando de baixa QV para boa QV entre AI (46 pontos) para AFI (48 pontos); adicionalmente na AFII, a QV subiu para 50 pontos. A partir da avaliação pelo WHOQOL, seu cuidador obteve melhora no "domínio físico" e "domínio relações sociais" entre a AFI e AFII, com a manutenção deste último domínio na AFII; o "domínio psicológico" apresentou melhora apenas na AFII; e "domínio meio ambiente" obteve melhora entre a AI e AFI, com redução entre AFI e AFII (Tabela 2).

Dessa forma, ambos os participantes se tornaram mais independentes e aprenderam novas habilidades entre AI e AFI nas "habilidades funcionais". No entanto, a área de "assistência do cuidador/autocuidado" do P1 revelou interferência do cuidador nas atividades funcionais na AFII; e a do P2 revelou a participação do cuidador nas atividades funcionais entre o período das avaliações (Tabela 2).

A agenda para controlar as orientações do P1 foi preenchida corretamente. Dentre as observações, foi descrito que espátula para "passar a manteiga" e o zíper da mochila foram adaptados com EVA, mas o participante manteve a dificuldade nas tarefas de zíper após a adaptação. O participante utilizava o cotovelo para se levantar da cama e possuía dificuldades com os sapatos. O protocolo não foi realizado devido a virose em um dia, e apenas uma atividade específica ("passar a manteiga no pão") foi realizada um dia após a virose - período de recuperação. A agenda do P2 foi preenchida pelo cuidador até metade do protocolo, sendo posteriormente preenchida com a data. Nas observações, foi descrito que o participante conseguiu atingir a independência para sua higiene após realizar a evacuação a partir do segundo dia de orientação. Em alguns dias, não foi possível dar orientações relacionadas à manipulação de embalagens de alimentos, pelo não acesso às mesmas.

 

DISCUSSÃO

O estudo relata os efeitos das orientações domiciliares para as atividades funcionais em participantes hemiplégicos. A hipótese inicial era de que ocorressem benefícios funcionais e de QV aos participantes que repercutiriam na QV dos cuidadores.

O aumento da pontuação dos participantes em algumas atividades realizadas sem ajuda, concomitantemente à redução das atividades desempenhadas com ajuda e aumento do incômodo pela reduzida função durante a atividade, pode ser explicado pelo benefício motor. Este gera independência e insatisfação da criança ao realizar atividades de maneira independente, devido ao hábito de receber auxílio de seus cuidadores e por questões psíquicas. Nos relatos de casos, P1 aparentemente não apresentava déficit cognitivo. No entanto, P2 apresentou déficit cognitivo de acordo com avaliação durante a fisioterapia. A superproteção do cuidador às crianças com disfunções pode prejudicar o desenvolvimento motor funcional e influenciar emocionalmente, tendo impacto na QV das crianças e dos cuidadores.9 Adicionalmente, relata-se que mães que se engajam no tratamento, sobretudo neuropsicomotor, podem auxiliar na reabilitação.10

Na AFII onde os participantes permaneceram sem as visitas domiciliares, alguns quesitos obtiveram pontuação inferior ou se mantiveram sem alteração em relação a AFI. Uma explicação para o resultado é que entre AFI e AFII, época de férias escolares, as orientações propostas não foram realizadas diariamente. O fato de as orientações domiciliares propostas para P2 serem compostas por atividades funcionais e do seu dia a dia pode ter facilitado a frequência com que fossem realizadas no período pós-intervenção. Na AFI, os itens que sofreram redução demonstram interferência do cuidador nas habilidades funcionais, revelando que, apesar de o paciente ter aprendido novas funções, provavelmente as orientações não foram praticadas de maneira correta. Dessa forma, a orientação domiciliar e individualizada a cuidadores tem efeito direto no melhor desempenho funcional e nas atividades de vida diárias, nas áreas de "autocuidado", "mobilidade" e "função social".

Na literatura, relata-se que os cuidadores têm dificuldade para realizar o tratamento fisioterapêutico em casa e nos cuidados diários,11 sendo importante orientar e verificar, constantemente, a habilidade do cuidador por parte do profissional da saúde.

A QV dos participantes manteve-se adequada entre a AI e AFI, com evolução do P2 de baixa para boa. P1 apresentava comprometimento funcional maior do que P2, porém o comprometimento motor influenciou de maneira semelhante o AUQUEI, PEDI e CHEQ. Na literatura, estudo de corte transversal avaliou 33 crianças com paralisia cerebral, e após aplicar o AUQEI-modificado, demonstrou que o comprometimento motor influencia na QV independentemente do grau da disfunção neurológica.12

A QV dos cuidadores no WHOQOL oscilou com melhora e piora dos domínios durante as avaliações, sendo possivelmente influenciada por inúmeros fatores (intervenção terapêutica, eventos internos e externos da família e seus integrantes, fatores emocionais, relacionamento social e o meio em que se vive).13 O fator emocional atua nos familiares de acordo com a aceitação do diagnóstico e esclarecimento sobre a doença, exigindo orientação para otimizar a QV, melhorar a adaptação à situação vivida e, consequentemente, afetar positivamente o prognóstico.14

As orientações propostas foram direcionadas para as dificuldades dos participantes, relatados por estes ou analisadas pela agenda mensal. O tratamento fisioterapêutico deve ser baseado na confiança mútua, tanto relacionado à interação "terapeuta-paciente", quanto da criança com seus familiares. O sucesso da reabilitação irá depender, também, da troca de informações entre ambas as partes.15

Nosso relatado de casos descreve pontos fundamentais para planejar uma reabilitação adequada, otimizando a funcionalidade do participante. Limitar-se ao ambiente clínico pode esconder a condição do paciente, postergando a evolução terapêutica. A orientação domiciliar individualizada pode aperfeiçoar as características do paciente no meio em que se vive, tornando o ambiente domiciliar um facilitador, melhorando a QV e aproximando cuidador-paciente-terapeuta.

As orientações domiciliares possivelmente contribuem para o melhor desempenho das atividades funcionais na hemiplegia, otimizando as tarefas no domicílio e a independência dos participantes, que, consequentemente, podem ter melhor QV (bem como seus cuidadores). No entanto, para que tenhamos poder de inferência estatística, outros estudos devem ser realizados com maior casuística.

 

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