ARTIGOS ORIGINAIS
Comparação dos critérios de classificação da obesidade infantil e sua associação com a asma
Comparison of childhood obesity classification criteria and their association with asthma
Sílvia Paschoalini Azalim de Castro1; Joel Alves Lamounier2
1 Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente - Professora Faculdade de Medicina UNIPAC - Juiz de Fora
2. Doutor em Saúde Pública - Professor Orientador - Universidade Federal de São João del-Rei, Centro de Ciências da Saúde, Programa de Pós graduação em Ciências da Saúde, Divinópolis - Brasil
Endereço para correspondência:
Sílvia Paschoalini Azalim de Castro
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
Av Pres. Itamar Franco, 4001 sala 308E Cascatinha
36033-318 - Juiz de Fora - MG
silviaazalim@gmail.com
Resumo
OBJETIVOS: verificar a prevalência de asma e obesidade em escolares e adolescentes na cidade de Juiz de Fora - Minas Gerais, estudar quatro diferentes parâmetros antropométricos para definição da obesidade infantil e identificar a diferença entre os mesmos quanto à associação com a asma e a asma grave.
MÉTODOS: estudo observacional do tipo transversal. Utilizou-se do questionário ISAAC e dados antropométricos. O trabalho foi realizado com escolares (6 a 8 anos) e adolescentes (13 a 15 anos). Nas escolas, selecionadas aleatoriamente, eram realizadas as medidas antropométricas. As comparações foram realizadas a partir do teste t-student ou Mann-Whitney. A concordância da classificação da obesidade entre os diferentes parâmetros estudados foi analisada através do coeficiente Kappa.
RESULTADOS: 394 estudantes 58,1% tinham entre 6 a 8 anos e 54,3% eram do sexo feminino. A prevalência de asma ativa nos escolares foi de 18,6 % e de 12,7% nos adolescentes. A prevalência da obesidade foi de 24% e de 28% respectivamente. Houve boa concordância da circunferência abdominal (coeficiente Kappa 0,68) e da razão cintura-altura (coeficiente Kappa 0,71) em relação ao escore Z IMC na comparação entre os parâmetros antropométricos de classificação da obesidade. Observou-se associação da relação cintura-altura (p = 0,044) e do escore Z IMC (p= 0,017) com a asma e da circunferência do pescoço com a asma grave ( p= 0,004).
CONCLUSÃO: A relação cintura-altura e a medida da circunferência do pescoço são importantes medidas antropométricas na definição da obesidade infantil associada à asma, sendo medidas de fácil execução na prática clínica.
Palavras-chave: Asma, Obesidade infantil, Índice de massa corporal, Relação cintura-altura, Circunferência abdominal.
Abstract
OBJECTIVES: To check the prevalence of asthma and obesity in school-age children and adolescents in the city of Juiz de Fora, state of Minas Gerais, study four different anthropometric parameters for the definition of childhood obesity, and identify the difference between them regarding their association with asthma and severe asthma.
METHODS: An observational cross-sectional study. The ISAAC questionnaire and anthropometric data were used. The study was conducted with school children (aged 6-8) and adolescents (aged 13-15). Antropometric measurements were made at randomly selected schools. Comparisons were made with the Student's t-test or Mann-Whitney test. The correlation in the classification of obesity among the different parameters was analyzed using the Kappa coefficient.
RESULTS: 394 students (58.1%) were between 6-8 years old, and 54.3% were female. The prevalence of active asthma in school children was 18.6%, and 12.7% in adolescents. The prevalence of obesity was 24% and 28%, respectively. There was a good correlation between waist circumference (Kappa coefficient 0.68) and waist-to-height ratio (Kappa coefficient 0.71) compared to the BMI Z-score when comparing the anthropometric parameters for obesity. There was an association of waist-to-height (p = 0.044) and the BMI Z-score (p = 0.017) with asthma and of neck circumference with severe asthma (p = 0.004).
CONCLUSION: Waist-to-height ratio and neck circumference are important anthropometric measures to define asthma-related childhood obesity, and they are also easy to implement in clinical practice.
Keywords: Asthma, Childhood obesity, Body mass index, Waist-to-height ratio, Waist circumference
INTRODUÇÃO:
Nas últimas décadas temos observado o aumento da prevalência da asma e da obesidade infantil consideradas doenças crônicas prioritárias em saúde pública1. A prevalência da asma no Brasil, após nove anos da fase I do Estudo Internacional de Asma e Alergias em Crianças (ISAAC), mostra-se elevada, com aumento do número de casos de asma diagnosticado por médico entre os adolescentes (14,3% v.s. 17,6%) e queda na prevalência de asma ativa (18,5% v.s. 17,5%)2. A obesidade também teve aumento de prevalência nos últimos 17 anos, o que pode ser comprovado pelo estudo de Silveira et al, que avaliaram a tendência secular do excesso de peso em crianças de dois a cinco anos no período de 1989 a 2006-7 e observaram um aumento de 129% na prevalência do sobrepeso neste grupo no período de 1996 a 20063. No período de 2008 a 2009, de acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ocorreu um aumento em mais de 300% do sobrepeso e da obesidade em crianças de 5 a 9 anos4.
O aumento paralelo da prevalência da asma e da obesidade poderia sugerir a associação entre as duas doenças. Trabalhos na literatura apontam a associação da asma e da obesidade, com aumento de sua prevalência ou até de sua gravidade, com maior número de exacerbações e respostas diferentes aos tratamentos habituais para asma5 e ainda trabalhos que demonstram alteração da função pulmonar em crianças obesas6. Outros estudos demonstram esta associação relacionada ao gênero7, porém os dados ainda são conflitantes8,9 e de difícil comparação, uma vez que se utilizam de definições e metodologias de estudo diferentes.
Uma das dificuldades é a classificação da obesidade infantil através do índice de massa corporal (IMC)10. Um dos métodos mais utilizados para se avaliar a obesidade, contudo, pode não refletir de forma adequada a distribuição de gordura corporal10. Outros parâmetros antropométricos também são utilizados em trabalhos, como: a relação cintura-altura e a circunferência abdominal ainda com poucos estudos na literatura com relação à asma11, apesar da associação com outras doenças crônicas ser demonstrada de forma mais relevante com estes parâmetros12,13. Sugerese que outras medidas antropométricas, que não o IMC, que reflitam melhor a distribuição da gordura corporal possam ser utilizadas para identificar crianças obesas com risco de desenvolver asma11,14.
O presente trabalho teve como objetivo verificar a prevalência da asma e da obesidade em escolares e adolescentes na cidade de Juiz de Fora - Minas Gerais, estudar quatro diferentes parâmetros antropométricos para definição da obesidade infantil e identificar a diferença entre os mesmos quanto à associação com a asma e a asma grave.
MÉTODO
Foi realizado um estudo observacional do tipo transversal, de base populacional, na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, com população de cerca de quinhentos mil habitantes, no período de setembro de 2014 a fevereiro de 2015. Utilizou-se o banco de dados da Secretaria Municipal de Educação de 2013, da Prefeitura Municipal de Juiz de Fora, para seleção das escolas participantes entre as 94 do município. Foram selecionadas 13 escolas por amostragem aleatoriamente representativa. Como critério de inclusão utilizou-se crianças na faixa etária de 6 e 8 anos e 13 a 15 anos, matriculados na rede municipal de ensino da cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais. O critério de exclusão foi crianças com presença de outras comorbidades, exceto asma e obesidade.
Foi utilizado um questionário auto-aplicável dividido em duas partes. A primeira parte, respondida pelos pais e/ou responsáveis das crianças de 6 a 8 anos e respondida pelos próprios adolescentes com o auxílio dos pais ou responsáveis, com questões referentes às condições de habitação como presença de mofo ou infiltração nas paredes, presença de animais domésticos, condições sócio-econômicas, contato com tabagismo domiciliar, tipo de parto, peso de nascimento e aleitamento materno.
Na segunda parte referente aos quadros respiratórios, as informações foram obtidas por meio do questionário do International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC)2 padronizado e amplamente aceito pela literatura para o estudo da prevalência da asma. As crianças foram consideradas asmáticas com pelo menos uma resposta positiva às perguntas "Alguma vez na vida você teve sibilos (chiado no peito)?", "Nos últimos 12 meses você teve sibilos (chiado no peito)?", "Alguma vez na vida você teve asma?», "Nos últimos 12 meses você teve chiado no peito após exercícios físicos?" e "Nos últimos 12 meses você teve tosse seca a noite, sem estar gripado ou com infecção respiratória?" que compõem este questionário. 2 Para a classificação de asma grave adotou-se resposta positiva à pergunta "Nos últimos 12 meses, seu chiado foi tão forte a ponto de impedir que você conseguisse dizer mais de 2 palavras entre cada respiração?" 2.
Os questionários foram distribuídos nas salas de aula das escolas selecionadas, com prévia autorização da Secretaria Municipal de Educação e autorização das Diretoras das respectivas escolas. O trabalho foi explicado aos alunos nas salas de aula, em horário oportuno, de modo a não comprometer o rendimento das atividades dos estudantes. Para aquelas crianças de 6 a 8 anos, os questionários eram levados para que seus pais ou responsáveis pudessem preenchê-los. Já os adolescentes eram orientados a preencherem o questionário, devendo recorrer a seus pais ou cuidadores naquelas questões que não soubessem corretamente os dados questionados. Todos recebiam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para preenchimento, inclusive os adolescentes e, os escolares, o Termo de Assentimento.
Nas escolas foram realizadas as medidas de peso e utilizou-se balança digital (Welmy®, Santa Bárbara D´Oeste, São Paulo, Brasil) com capacidade de 200 Kg e precisão de 100 g. Os participantes foram pesados em locais de privacidade, vestindo roupas leves e descalços. Ainda foram realizadas com fita métrica inextensível, medidas da circunferência abdominal e medida da circunferência do pescoço. Para a medida da estatura, utilizou-se da régua antropométrica da balança digital (Welmy®, Santa Bárbara D´Oeste, São Paulo, Brasil), com escala de um mm e com as crianças colocadas em posição vertical, com os pés e calcanhares paralelos. A partir destes dados fora calculado o índice de massa corporal (IMC) por meio da fórmula [IMC = peso /estatura 2], sendo o peso dado em quilogramas (Kg) e a estatura em metros(m)15. Para a classificação nutricional foram utilizadas as curvas de escore Z de acordo com o padrão da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2007, através do software AntroPlus (World Health Organization - WHO AntroPlus software, Geneva, Switzerland) de 200916. Desta forma, pôde-se classificar como sobrepeso aquelas crianças que tiveram escore Z entre +1 e +2 e obesidade aquelas com escore z maior que + 2, conforme os pontos de corte do Ministério da Saúde15. Para análise dos dados, as crianças classificadas como sobrepeso e como portadoras de obesidade foram agrupadas. Assim, foram consideradas crianças com excesso de peso aquelas acima do percentil 85, ou acima do escore Z +1. Pela medida da circunferência abdominal (WC) foram consideradas obesas aquelas crianças com medidas acima do percentil 80, para idade e sexo17. Definiu-se obesidade pela circunferência do pescoço (NC) através da construção da curva ROC (reveiver operator characteristic), para idade e sexo, avaliada a sensibilidade e especificidade, de forma a definirmos o melhor ponto de corte.
Através da medida da circunferência abdominal e da altura pôde-se calcular a relação cintura-altura (WHtR) por meio da fórmula [ WHtR = WC / H], onde WC é a circunferência abdominal em centímetros (cm) e H é a medida da altura em centímetros (cm). Assim, definiu-se a obesidade com valores da relação cintura-altura maior que 0,5 segundo Ashwell18. Todos os procedimentos e as medidas foram realizados pela própria pesquisadora.
De acordo com a variação da prevalência da asma e da obesidade pôde-se determinar o tamanho amostral levando em consideração margem de erro de 5% e intervalo de confiança de 95%. Desta forma, o tamanho amostral estimado foi de 385 participantes. Contudo, foram recrutados 394 estudantes que foram distribuídos entre as 13 escolas municipais selecionadas de forma aleatória.
Foram calculadas as prevalências da asma, asma grave e obesidade infantil. Dentro de cada faixa etária (6 a 8 anos e de 13 a 15 anos) e de cada gênero, as medidas antropométricas foram comparadas em relação à classificação da obesidade e da asma. As comparações foram realizadas a partir do teste t-student ou Mann-Whitney após avaliação da normalidade e da homocedasticidade. A primeira através do teste Shapiro-Wilk e a segunda pelo teste de Levene. A associação entre a obesidade e o sexo, estratificado pela característica asma foi avaliada por meio do teste Qui-Quadrado de Pearson.
A concordância da classificação da obesidade avaliada pelo Escore Z IMC entre a circunferência abdominal, a relação cintura-altura e a circunferência do pescoço foi analisada através do coeficiente Kappa.
As análises foram realizadas nos programas R versão 3.1.1 (R Development Core Team, Viena, Áustria, 2014)19 e SPSS versão 18.0.( SPSS Inc. PASW Statistic for Windows, Chicago, EUA, 2009)20.
O protocolo, Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e Termo de Assentimento obtiveram pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pela Plataforma Brasil, parecer aprovador (759.583/2014), baseado nas diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos (Resolução CNS nº 466/12).
RESULTADOS
A amostra se constituiu de 394 crianças, sendo 229 (58,1%) com idade de 6 a 8 anos e 165 (41,9%) de 13 a 15 anos. Houve um predomínio do sexo feminino em 54,3% da amostra. A prevalência de asma entre os escolares foi de 18,6% (IC 95% 13,4 - 23,7) e entre os adolescentes de 12,7% (IC 95% 7,6 - 17,8). Para a asma grave, a prevalência foi de 3,5% (IC 95% 1,1 - 5,9) entre os escolares e de 3,6% (IC95% 0,8 - 6,5) nos adolescentes. Quanto à prevalência da obesidade, de acordo com os parâmetros antropométricos adotados, os dados podem ser encontrados na Tabela 1.
IC 95%: intervalo de confiança 95%
Observa-se na amostra geral uma semelhança da prevalência da obesidade utilizando os diferentes parâmetros, exceto para a circunferência do pescoço, cuja prevalência foi maior que as demais (36%). No grupo de escolares as taxas de prevalência foram semelhantes utilizando os diferentes parâmetros, porém no grupo dos adolescentes, a taxa de prevalência da obesidade através da circunferência do pescoço foi muito acima que as demais, sendo de 44%.
Na comparação das medidas antropométricas em crianças asmáticas e não asmáticas, pode-se observar diferença quanto aos grupos relacionada à estatura, onde as crianças asmáticas tinham estatura menor que as não asmáticas e o escore Z IMC, maior no grupo de crianças asmáticas (p< 0,05). Quando avaliado os dados antropométricos nas crianças obesas todas as medidas antropométricos estavam associadas à obesidade com significância estatística (p<0,05). (Tabela 2). Porém, quando estratificado para o sexo e a idade, não se observou significância estatística quanto à estatura dos adolescentes.
Para avaliar a concordância entre os diferentes parâmetros antropométricos estudados foi calculado o coeficiente Kappa, com seu respectivo intervalo de confiança, fazendo o cruzamento da classificação da obesidade pelo escore Z IMC com a obesidade definida pela circunferência abdominal (WC), circunferência do pescoço (NC) e pela relação cintura-altura (WHtR). Diante da análise observou-se boa concordância na classificação da obesidade pelo escore Z IMC com a classificação da obesidade pela circunferência abdominal e relação cintura altura (coeficiente Kappa de 0,68 e 0,71 respectivamente), com significância estatística (p < 0,001). Ao avaliar a circunferência do pescoço e escore Z IMC obteve-se concordância moderada (Kappa igual a 0,53) (Tabela 3).
A associação da asma com a obesidade em cada definição pode ser vista na tabela 4. Observa-se associação entre o escore Z IMC e a asma grave, e as crianças obesas têm quase quatro vezes a chance de asma grave do que as crianças não obesas (p= 0,017). O valor da relação cintura-altura maior que 0,5 foi considerado fator de risco para o desenvolvimento da asma, porém sem relação com a gravidade, sendo significativa esta associação principalmente no grupo dos meninos de 6 a 8 anos, com OR = 2,8 (IC 95% 1,02 - 7,90, p = 0,040). Quanto à circunferência do pescoço, houve associação com a asma grave com OR = 6,9 (IC 95% 1,84 - 25,85) em relação às crianças com asma e OR = 7,02 (IC 95% 1,9 - 25,86) quando comparado aos estudantes sem asma.
DISCUSSÃO
A prevalência da asma é crescente nas últimas décadas e os trabalhos publicados até o momento mostram valores semelhante ao que foi encontrado no presente trabalho2, tornando esta doença de grande importância em saúde pública, visto o impacto que possui na vida das crianças e suas famílias além do importante impacto sócio-econômico com gastos referentes a internações, medicamentos e absenteísmo escolar21 .
A obesidade infantil, por sua vez, mostra aumento importante nas suas taxas de prevalência como observado nos últimos dados do IBGE, e semelhantes aos valores encontrados no presente trabalho. Esta elevação na prevalência da obesidade infantil poderá repercutir no aparecimento de doenças crônicas relacionadas, de maneira mais frequente e mais precoce 4,13.
Diversos trabalhos na literatura apontam uma possível associação entre a asma e a obesidade infantil. Contudo, deve-se buscar o melhor parâmetro antropométrico ou definição a ser utilizada que reflita esta possível associação com maior aplicabilidade clínica.
Após revisão da literatura observou-se que os estudos utilizam diferentes parâmetros e conceitos nas definições de obesidade infantil e asma, além de metodologias diferentes, o que possivelmente dificulta a comparação entre os trabalhos11, 22,23. Observa-se questionamentos quanto ao valor do IMC para interpretação da obesidade infantil, mostrando não ser um parâmetro antropométrico adequado, pois pode subestimar ou superestimar a obesidade em crianças, uma vez que existe uma grande variação de gordura corporal para um mesmo percentil de IMC10. Assim, indivíduos classificados como obesos pelo IMC podem não ser classificados como obesos quando avaliados por outros métodos para estudo da gordura corporal. Na literatura, pode ser encontrada forte associação entre risco da saúde e a obesidade mais associada com a distribuição da gordura corporal do que o peso em si, e associada principalmente com risco de doenças cardiovasculares e síndrome metabólica.13,24. Sugere-se que outras medidas antropométricas que reflitam melhor a distribuição da corporal também possam ser utilizadas para identificar crianças obesas com risco de desenvolver asma.
Em estudo, na Grécia, com 3.641 crianças de 2 a 5 anos e de 9 a 13 anos, os autores avaliaram a gordura corporal, medida por índices de adiposidade, como IMC, circunferência abdominal, prega cutânea biceptal, triceptal, subescapular e suprailíaca, além de análise por bioimpedância no grupo de 9 a 13 anos e definiu-se asma através do questionários ISAAC. Os resultados mostraram associação da gordura corporal com a prevalência de asma (p<0,05), porém o IMC não se correlacionou com a asma no grupo de pré-escolares, sugerindo que o IMC não seria eficaz para estudo da asma neste grupo etário25, dado este semelhante ao encontrado no presente estudo, pois a asma não esteve associada à obesidade infantil definida através do escore Z IMC. Contudo, quando comparada à asma grave, crianças obesas pelo escore Z IMC, tinham quase quatro vezes a chance de ter asma grave do que crianças não obesas (p = 0,017). Quando estratificado para a idade e sexo, observou-se associação entre obesidade definida pela relação cintura-altura e asma, no grupo dos meninos de 6 a 8 anos, mostrando ser um bom parâmetro para avaliar esta associação, contrário a trabalhos na literatura que apontam essa diferença envolvendo principalmente fatores hormonais no sexo feminino26.
Em outro estudo, os autores avaliaram o IMC, circunferência abdominal e relação de cintura-altura comparado com asma definida pelo ISAAC, em crianças de 6 a 12 anos e os resultados sugeriram que o excesso de gordura corporal na região abdominal ou qualquer parte do corpo aumentaria do risco de asma11,14. Dados semelhantes ao encontrado no presente estudo, que observou associação da relação cintura-altura com a asma, demonstrando ser este parâmetro útil na avaliação da obesidade relacionada à asma. A relação cintura-altura nos trabalhos já publicados tem uma associação semelhante ou maior que o IMC às doenças cardiovasculares em crianças e adolescentes27. Segundo Ashwell et al, a relação cintura-altura é um método rápido e efetivo de indicador global para risco de obesidade e seu uso pode simplificar o cuidado e estudos internacionais sobre a obesidade17. Contudo, não se observou associação entre a asma e a circunferência abdominal no presente trabalho.
Na busca de um parâmetro antropométrico de fácil execução, aplicabilidade clínica e comparabilidade, destacamos a circunferência do pescoço, que mostrou forte associação com a chance de asma grave entre os estudantes obesos (p = 0,001). Este parâmetro antropométrico já foi motivo de estudos para avaliar sua concordância com o IMC e obtiveram-se resultados significativos, mostrando que a circunferência do pescoço é uma medida útil para avaliação da obesidade infantil 28. No entanto, até o momento com poucos trabalhos relacionados à asma infantil29.
O presente estudo tem as limitações de um estudo transversal em se estabelecer causalidade entre os fatores encontrados e o desenvolvimento das doenças em estudo, assim como não conseguir estabelecer relação de temporalidade. De outra forma, trata-se de um estudo transversal, com estudo de crianças de escolas públicas da rede municipal, selecionadas de forma aleatória, onde a utilização do questionário ISAAC, padronizado e validado em nosso país, permite estabelecer a prevalência da asma de forma a permitir comparabilidade à outros trabalhos. Os marcadores inflamatórios e medidas de gravidade da asma ou de função pulmonar, contudo, não foram pesquisados neste trabalho. Desta forma, a influência da obesidade na gravidade e controle da asma poderá ser mais bem avaliada em estudos longitudinais.
CONCLUSÕES
Diante do aumento observado da prevalência da asma e da obesidade infantil, os resultados deste trabalho, trazem contribuição em saúde pública, alertando para a necessidade de diagnóstico correto e medidas de prevenção para diminuir o seu impacto sócio-econômico. Enfatiza a necessidade de orientações adicionais no plano de tratamento dos pacientes asmáticos quanto a abordagem do peso ideal e incentivo a alimentação e hábitos de vida saudáveis.
Baseado nos dados apresentados, outras medidas antropométricas, como a relação cintura-altura e a circunferência do pescoço, podem também ser utilizadas na prática clínica pediátrica, pois conseguem identificar melhor os pacientes com risco de desenvolver asma, sendo ferramenta de fácil execução, prática e de baixo custo para aplicação clínica.
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