Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 15(1) - Fevereiro 2015

Artigos de Revisao

Adolescência e autonomia: conceitos, definições e desafios

Adolescence and autonomy: concepts, definitions and challenges

 

Mariana Malheiros Caroni1; Olga Maria Bastos2

1. Mestre em Saúde da Criança pelo Instituto Fernandes Figueira da Fundação Oswaldo Cruz (IFF/FIOCRUZ) Boulevard 28 de setembro, 109, Vila Isabel, Rio de Janeiro, RJ, CEP: 20551-030 Telefone: 2868-8456. Email:
2. Doutora em Saúde da Criança pelo IFF/FIOCRUZ

 

Endereço para correspondência:

Mariana Malheiros Caroni
Boulevard 28 de setembro, 109, Vila Isabel
Rio de Janeiro, RJ, CEP: 20551-030
telefone: 2868-8456

 

Resumo

OBJETIVO: Este artigo tem como objetivo apresentar algumas definições e alguns conceitos acerca do fortalecimento da autonomia durante a adolescência, assim como discutir o papel dos profissionais de saúde nesse processo.
FONTES DE DADOS: A presente pesquisa foi realizada nas bases de dados Medline, Lilacs e Scielo, além de livros referentes ao tema abordado e informações disponibilizadas por fontes institucionais na Internet.
SÍNTESE DOS DADOS: De acordo com a revisão da literatura, foi possível identificar que as definições de autonomia são amplamente variáveis conforme as diferentes áreas de conhecimento. Para a compreensão do fortalecimento da autonomia durante a adolescência, um conceito bastante utilizado baseia-se na perspectiva desenvolvimental. Sob essa ótica, a autonomia é a capacidade de pensar, sentir, tomar decisões e estabelecer metas de acordo com os próprios valores. Nesse cenário, alguns fatores têm importância significativa e podem interferir positiva ou negativamente na aquisição de maior autonomia. Entre eles, podem ser destacados a família, as relações sociais, as condições de saúde e o contexto sociocultural. Além disso, é importante ressaltar que o fortalecimento da autonomia, mais do que um aspecto do desenvolvimento do adolescente, é uma questão crucial durante a segunda década de vida.
CONCLUSÕES: É fundamental que o profissional que atua na assistência a essa faixa etária esteja familiarizado com todo o processo, para que possa reconhecer possíveis obstáculos, estimular a busca por maior autonomia e garantir um atendimento de maior qualidade a essa população.

Palavras-chave: adolescência; autonomia; conceitos; definições; desafios.


Abstract

OBJECTIVE: In this paper, we aim to present some definitions and concepts regarding the development of autonomy during adolescence and the role of healthcare professionals in this process.
DATA SOURCE: The data we used in this paper was provided by Medline, Lilacs and Scielo sources, including books and information by institutional sources in websites.
DATA SYNTHESIS: According to the literature review, the definition of autonomy is widely variable, regarding to different areas of knowledge. The concepts based on the developmental perspective are frequently used to explain autonomy acquisition in adolescence. According to these concepts, autonomy is defined as the ability to think, feel, make decisions and establish goals based on personal moral values. In this scenario, family, social relations, conditions of health and sociocultural context are important factors which can interfere positively or negatively in this process. The development of autonomy is a crucial element of the second decade of life.
CONCLUSIONS: It is important that health professionals who work with teenagers are familiar with these concepts, in order to stimulate the adolescents in their search for autonomy and to identify obstacles in this process, ensuring a higher quality of care for this population.

Keywords: adolescent; autonomy; concepts, definitions; challenge.

 

INTRODUÇÃO

Estudos que se propõem a discutir políticas e práticas de saúde têm ressaltado a importância dos pacientes e da comunidade no processo de tomada de decisão.1-3 Segundo Giordan,4 a saúde é o resultado do encadeamento de interações em diferentes níveis de complexidade interdependentes que têm a cooperação e a autonomia como pontos centrais. Já Soares e Camargo1 vão além e afirmam que a autonomia é uma precondição para a saúde.

Assim, ao enfrentar um problema, é de suma importância que as formas de resolução não sejam impostas por instituições e profissionais de saúde. Para que as ações de saúde, no âmbito individual ou coletivo, sejam eficazes, é fundamental que se discutam as propostas em parceria.3

Com relação aos adolescentes, vale lembrar que o direito à escolha, elemento fundamental para o exercício pleno da autonomia, é característica importante da atenção à saúde no que se refere a essa faixa etária.5

O Ministério da Saúde, ao propor as diretrizes do atendimento a adolescentes, estabeleceu, como princípios norteadores, a ética, a privacidade e a confidencialidade ou o sigilo. Esses elementos reconhecem os adolescentes como sujeitos capazes de tomar decisões de forma responsável e diferenciam a consulta do adolescente da consulta pediátrica, na qual a família é o principal interlocutor.5

Ademais, a capacidade ou não de tomar decisões influencia a condução de uma série de situações, incluindo aquelas que envolvem dilemas éticos. Conforme o Código de Ética Médica,6 ao lidar com essas questões, sempre devem ser respeitadas a opinião dos adolescentes e a manutenção do sigilo profissional, desde que haja capacidade de avaliar os problemas e conduzir-se pelos próprios meios para solucioná-los.

A partir dessas orientações, fica claro que é papel dos profissionais de saúde contribuir para o fortalecimento da autonomia dos adolescentes. Portanto, o atendimento a esse grupo etário deve estimular a individualidade, oferecer apoio sem emitir juízo de valor e propiciar a aquisição de maior autonomia e o vínculo com o serviço de saúde.5

Entretanto, nem sempre é uma tarefa fácil, pois, conforme alertam Soares e Camargo Júnior,1 é difícil "pensar autonomia no campo da saúde sem ter autonomia no campo mais geral da política e da vida" (SOARES e CAMARGO JÚNIOR, 2007, p. 74).

Sendo assim, o objetivo deste artigo de revisão é apresentar e discutir os principais conceitos e particularidades referentes ao fortalecimento da autonomia nessa etapa do desenvolvimento, para que o profissional que se dedica à atenção aos adolescentes esteja familiarizado com esses termos e seja capaz de identificar possíveis obstáculos nesse processo.

Para alcançar esse objetivo, foram utilizados como fontes de dados artigos de periódicos, teses e dissertações disponíveis nas bases de dados Medline, Lilacs e Scielo, abarcando o período de 1997 a 2012, bem como livros publicados acerca do tema e informações disponíveis em sites de órgãos oficiais.

 

ADOLESCÊNCIA E PRINCIPAIS ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO

De acordo com a definição proposta pela Organização Mundial de Saúde (OMS),7 a adolescência é o período que vai dos 10 aos 19 anos de idade. O Estatuto da Criança e do Adolescente,8 por sua vez, considera adolescentes indivíduos entre 12 e 18 anos de idade. Atualmente, estima-se que haja 1,2 bilhão de adolescentes em todo o mundo, o que corresponde a um quinto da população mundial.9 A maior parte cerca de 88% vive em países em desenvolvimento, com dificuldade de acesso a serviços de saúde adequados a suas necessidades.10

Essas definições são importantes do ponto de vista organizacional e de saúde pública; no entanto, é importante ressaltar que a adolescência não se resume apenas a uma delimitação etária. Mais do que isso, é um período da vida que se caracteriza por intensas transformações, que vão desde as mudanças corporais, influenciadas por um complexo processo de reorganização estrutural cerebral,11 até a elaboração da identidade.12

Durante a adolescência, ocorre a puberdade, que se caracteriza por alterações anatômicas e fisiológicas. Ao término da puberdade, o indivíduo perde as características do corpo infantil e passa a conviver com formas adultas. Essas mudanças contribuem para que o adolescente experimente, de forma constante e intensa, sensações ambíguas, que incluem, entre outros aspectos, a perda do corpo infantil.13 No entanto, conforme afirmam Leal e Saito,13 o crescimento traz uma série de ganhos, fazendo com que o sofrimento causado por essa perda seja sobrepujado pela alegria resultante das novas aquisições.

As transformações do corpo possuem efeitos também sobre o comportamento. A maneira como o adolescente vê a si e aos outros e como é percebido pelos outros modifica-se, gerando alterações nas atitudes e nas relações sociais. Esse processo envolve a necessidade de autoafirmação, com contestação dos padrões vigentes e busca de novos modelos. Nessa busca, os adolescentes experimentam diferentes papéis e avaliam a reação provocada no meio.13

Segundo Radzik et al.,12 para o melhor entendimento desse processo, a adolescência pode ser dividida em fases que correspondem a diferentes estágios do desenvolvimento psicossocial, a saber:

(i) adolescência inicial (10 a 13 anos);

(ii) adolescência média (14 a 16 anos);

(iii) adolescência tardia (mais de 17 anos).

Conforme explicam os autores,12 na adolescência inicial, é comum haver perda do interesse nas atividades familiares, intensas oscilações de humor, grande preocupação com as mudanças corporais decorrentes da puberdade e dificuldade de controlar impulsos. Ao mesmo tempo em que se intensificam as relações com grupos de pares, os adolescentes têm grande necessidade de privacidade. Além disso, o desenvolvimento cognitivo permite a identificação dos primeiros projetos vocacionais, em geral idealistas.

Na adolescência média, ocorre melhor aceitação do corpo, com grande preocupação em torná-lo atraente. Nesse período, é comum haver maior envolvimento com o grupo de pares, aumento do interesse sexual e experimentações. Observam-se, ainda, incremento nas habilidades intelectuais, exacerbação dos conflitos familiares e sensação de onipotência, que pode expor os adolescentes a situações de maior vulnerabilidade.12

Por fim, na adolescência tardia, ocorre uma reaproximação com os pais, com melhor aceitação dos seus valores, assim como maior entendimento das mudanças decorrentes da puberdade. O grupo de pares torna-se menos importante, e maior tempo é dispensado a relações íntimas. O planejamento vocacional é voltado para objetivos práticos e realistas, e os adolescentes adquirem, finalmente, a capacidade de se comprometer e estabelecer limites.12

Embora a divisão da adolescência em fases seja interessante didaticamente, na prática, encontra-se grande dificuldade de estabelecer marcos do amadurecimento pessoal por meio de parâmetros cronológicos, já que, muitas vezes, o contexto no qual o adolescente está inserido vai influenciar, de maneira significativa, o seu desenvolvimento. Sendo assim, os limites entre infância, adolescência e juventude período entre 15 e 24 anos de idade14 são muito imprecisos. Essas categorias e sua duração são discutíveis e sujeitas a constantes revisões, redefinições e reinterpretações.15

 

O FORTALECIMENTO DA AUTONOMIA NA ADOLESCÊNCIA

Ao longo da adolescência, o indivíduo deve adquirir habilidades e desenvolver competências que contribuam para a aquisição de maior autonomia. De acordo com Fleming,16 todas as sociedades esperam que seus membros adultos sejam autossuficientes e que seus membros adolescentes se tornem mais autônomos durante o período de maior crescimento, desenvolvimento e socialização. Sendo assim, o fortalecimento da autonomia, mais do que uma tarefa importante durante a adolescência, é considerado por diversos autores uma questão crucial para a compreensão da segunda década de vida.16,17

Embora a palavra "autonomia", do grego auto (próprio) e nomos (norma, regra, lei),18 seja corriqueiramente utilizada, sua definição é ampla e variável, de acordo com as perspectivas de diferentes áreas do conhecimento.

Sociologicamente, autonomia é definido como a condição de uma coletividade determinar as leis às quais se submete. Sob essa ótica, refere-se ao poder de um grupo, em especial um grupo político, de se organizar e se administrar, dentro de certas condições e limites.19,20

Dentro da perspectiva filosófica, por sua vez, a definição de autonomia é atrelada às ideias de liberdade e capacidade de exercício ativo de si, da decisão dos indivíduos sobre suas próprias ações e às possibilidades e habilidades para construírem sua trajetória na vida. Segundo Fleury-Teixeira et al.,18 é possível identificar, dentro dessa concepção, traços do conceito clássico de felicidade na tradição filosófica grega, que reúne a perspectiva da eudamonia (felicidade, boa fortuna) com a capacidade de decisão do indivíduo sobre suas próprias ações.

Já a bioética considera a autonomia uma propriedade constitutiva da pessoa humana, uma vez que o indivíduo é o responsável pela escolha dos valores e das normas que servirão de guia para suas ações, tomada de decisões e realização de projetos. Dentro desse conceito, a autonomia estaria associada à liberdade individual, embasada na vontade.21

Contudo, para compreender o processo de fortalecimento da autonomia durante a adolescência, frequentemente, utiliza-se o conceito de autonomia segundo a perspectiva desenvolvimental. A partir dessa perspectiva, Fleming,22 adotando as ideias de Steinberg, define autonomia como a habilidade para se comportar de maneira independente, pensar, sentir e tomar decisões conforme os próprios valores morais.

Noom et al.,23 por sua vez, consideram que a autonomia é a habilidade necessária para a direção da própria vida, para a definição de metas, sentimentos de competência e habilidade para regular as próprias ações. A partir desses conceitos, Noom et al.24 desenvolveram a teoria de que a autonomia na adolescência pode ser concebida a partir de três dimensões: atitudinal, emocional e funcional.

A autonomia atitudinal, sob esse prisma, é a habilidade de identificar diferentes opções, tomar decisões e definir metas. Essa dimensão diz respeito aos elementos cognitivos necessários no processo de avaliação de possibilidades e desejos, no desenvolvimento de valores pessoais e na definição de objetivos próprios. Quando os adolescentes são capazes de definir suas metas pessoais, pode-se dizer que alcançaram essa dimensão da autonomia.24

Quanto à autonomia emocional, refere-se à convicção em relação às próprias escolhas e objetivos. Essa dimensão, que está relacionada ao desenvolvimento emocional do adolescente, envolve a percepção de independência emocional em relação aos pais e ao grupo de pares. O momento em que se sente confiante para definir suas metas, independente do desejo dos pais ou dos pares, determina a aquisição dessa dimensão da autonomia.24.

Finalmente, a autonomia funcional é definida como a habilidade de desenvolver estratégias para o alcance de metas. Essa habilidade incorpora processos regulatórios, como, por exemplo, as percepções de competência (disponibilidade de diferentes estratégias para atingir um objetivo) e controle (habilidade de escolher a estratégia que se mostre mais eficaz para o alcance da meta). É alcançada quando o adolescente é capaz de encontrar formas para atingir seus objetivos.24

Embora haja grande fortalecimento da autonomia durante a adolescência, é importante ressaltar que esse é um processo que se desenrola desde os períodos mais remotos da existência humana.16 A conquista da autonomia, portanto, é um processo paulatino e diário.25

Entretanto, para o exercício pleno da autonomia, é necessário que sejam aperfeiçoadas determinadas habilidades que são adquiridas ao longo do desenvolvimento. Leone26 destaca a teoria de Piaget, segundo a qual a capacidade de operar o pensamento concreto e estendê-lo à compreensão do outro, assim como às possíveis consequências de seus atos, é aperfeiçoada na idade escolar, a partir dos seis anos de vida.

Esse amadurecimento completa-se na adolescência, período no qual a capacidade de abstração se desenvolve de maneira significativa. Consequentemente, poder-se-ia admitir que, na segunda metade da adolescência, geralmente a partir de 15 anos de idade, o indivíduo teria as condições necessárias para o exercício concreto de sua autonomia. Todavia, conforme Leone,26 é importante que a autonomia da criança e do adolescente seja respeitada mesmo antes dessa fase.

Ao longo do complexo processo de desenvolvimento da autonomia, existem diversos aspectos que influenciam sua evolução. Sem dúvida, um dos fatores de maior influência é a família. Durante todo o período de crescimento e desenvolvimento e, em maior grau, na adolescência, são necessárias mudanças na dinâmica familiar que possibilitem maior independência e autonomia aos jovens. Essas mudanças dizem respeito a autoridade, disciplina, estilo de vida, estilo de educação, de comunicação e, principalmente, de adaptação. Adaptação essa que vai possibilitar que o adolescente consiga enfrentar novos desafios e demandas e que vai fazer com que os pais permitam que ele assuma novos papéis.25

Contudo, ao afirmar que existe a necessidade de se adaptar, é preciso deixar claro que esse não é um movimento unilateral. Nesse processo, tanto os adolescentes quanto seus familiares são protagonistas. Conforme Fleming,16 o fortalecimento da autonomia envolve pais e filhos em uma teia complexa em que a problemática psicológica de ambas as partes se sobrepõe e se emaranha.

Além dos pais e dos demais familiares (irmãos, avós, entre outros), o grupo de pares, os vizinhos, os professores e os profissionais de saúde que lidam com o adolescente terão importante participação no processo de construção da autonomia. Por isso, como sugerem Reichert e Wagner,25 para conhecer o potencial autônomo de um sujeito, deve-se atentar para as conexões que ele estabelece na vida social, uma vez que o desenvolvimento da autonomia ocorre por meio da relação do mundo interno do sujeito com as condições externas em que ele se desenvolve.

Outro fator de extrema importância são as condições de saúde. Conforme Grossman,27 deficiências ou enfermidades crônicas podem gerar repercussões em diversos âmbitos da vida do adolescente. As doenças crônicas, definidas pela OMS como aquelas de longa duração e, geralmente, de progressão lenta,28 muitas vezes levam a alterações no crescimento e no desenvolvimento que afetam, entre outros aspectos, a imagem corporal, provocando sentimentos de desvalorização e inferioridade.

Além disso, em alguns casos, pode haver restrições na realização de atividades da vida diária, sobretudo nos casos em que a doença ou a deficiência cursam com limitações na mobilidade, bem como prejuízos na socialização, na escolarização e, muitas vezes, no exercício da sexualidade.27

Ademais, de acordo com a mesma autora,27 as consequências da enfermidade nas atividades cotidianas e nos projetos futuros fazem com que os adolescentes vivam de forma diferenciada o processo de fortalecimento da autonomia, podendo deparar-se com alguns obstáculos. Entretanto, vale lembrar que, além das limitações físicas impostas pela doença, as dificuldades encontradas também podem ser decorrentes do impacto gerado pelo adoecimento no adolescente e na família, despertando sentimentos ambivalentes nos dois grupos.27

É importante ressaltar que não apenas as doenças crônicas, mas outros eventos adversos ao longo do crescimento e do desenvolvimento, podem ter influência sobre o fortalecimento da autonomia. Estudo recente realizado com adolescentes nascidos prematuros apontou dificuldades enfrentadas pelos participantes em situações que exigem tomada de decisão, com implicações na autonomia emocional e na autonomia funcional. Nessa pesquisa, percebeu-se que, mais do que as sequelas clínicas, a maneira como a família lida com essas questões é fator crucial na aquisição de maior independência e autonomia na adolescência.29

Por fim, é importante destacar a significativa influência do contexto sociocultural no desenvolvimento dos adolescentes e lembrar que o fortalecimento da autonomia é um processo dinâmico, que se transforma e ocorre em diferentes níveis de realidade. Conforme Novaes,30 jovens com idades iguais vivem juventudes desiguais. Assim, situações que impliquem um contexto de vida perpassado pela precariedade de serviços de infraestrutura, violência e ausência de perspectivas acadêmicas e profissionais funcionam, muitas vezes, como fator limitante na consolidação de projetos de vida e no desenvolvimento pleno da autonomia.31

 

CONCLUSÕES

A partir das propostas do Ministério da Saúde voltadas ao atendimento a adolescentes e jovens, entende-se que não é possível propor ações de saúde sem levar em conta a autonomia dos indivíduos a quem essas ações se dirigem. Dessa forma, para que uma ação terapêutica seja considerada eficaz, é preciso que o paciente conheça todas as possibilidades existentes e que tenha a liberdade de escolher, entre essas, aquela que considera mais interessante para si.

Embora o desenvolvimento da autonomia tenha início ainda nos primeiros anos de vida, inegavelmente, é na adolescência que a capacidade autônoma do sujeito se consolida. Sendo assim, é preciso que aqueles que atuam no cuidado a adolescentes estejam atentos, para que quaisquer situações que possam interferir direta ou indiretamente nesse processo sejam prontamente identificadas.

Portanto, é fundamental que os profissionais responsáveis pela assistência a esse grupo etário busquem estimular o fortalecimento da autonomia dos adolescentes, não apenas em relação aos cuidados de saúde, mas também em outras áreas da vida. Para isso, é de suma importância que aqueles que atuam no cuidado aos adolescentes e suas famílias saibam identificar e lidar com essas questões, o que exige, além do conhecimento de conceitos teóricos, um olhar diferenciado, permitindo uma atenção mais qualificada a essa população.

 

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