Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 13(2) - Dezembro 2012

Sem Seçao

Anafilaxia

 

Suzana Tschoepke Aires

Especialista em pediatria pela SBPEspecialista em alergia e imunologia pela ASBAI. Médica do CBMERJ. Mestre Clinica Medica pela UFRJ. Área de Concentração: Saúde da Criança e do Adolescente Asma em crianças e Adolescentes

 

Resumo

A prevalência da anafilaxia vem aumentando mundialmente; por isso, a identificação de agentes desencadeantes, a presença de fatores de risco inerentes ao paciente e a gravidade da reação são de extrema relevância para a condução clínica desse caso. O diagnóstico da anafilaxia é clínico, embora os exames laboratoriais possuam limitações, pois, mesmo durante o episódio, podem estar dentro dos limites de normalidade. O teste cutâneo positivo para hipersensibilidade imediata e a elevação da dosagem da IgE específica no sangue para possíveis alérgenos indicam sensibilização a esses. Entretanto, não confirmam a anafilaxia, uma vez que a sensibilização assintomática é comum na população em geral. Nesse caso, as terminologias "anafilactoide" e "pseudoanafilaxia" não mais são recomendadas, e a imediata administraç ão de adrenalina continua sendo a primeira linha de tratamento do episódio agudo.

Palavras-chave: anafilaxia, diagnóstico, adrenalina.


Abstract

The number of cases of anaphylaxis is increasing worldwide. Identifying triggering factors and risk factors related to the patients is an issue of concern. Anaphylaxis diagnosis is based on clinical criteria. Laboratory tests have limitations because they may be within normal levels even during the acute episode. Positive skin tests and increased IgE level in the blood sample indicate sensitization, but they may not reflect the presence of anaphylaxis. Known terms as anaphylactoid and pseudoanaphylaxis are no longer used. Prompt intramuscular epinephrine continues to be the first line therapy for the treatment in the acute episode.

Keywords: anaphylaxis, epinephrine.

 

INTRODUÇÃO

A anafilaxia é uma reação alérgica de início e evolução rápidos, com potencial risco de vida, cujo tratamento envolve não somente o controle dos sinais e dos sintomas da fase aguda, mas também o manejo clínico a médio e longo prazos, a fim de evitar recorrências.1

Até 2006, não havia consenso sobre essa definição, o que dificultava a obtenção de dados epidemiológicos precisos. Por esse motivo, essa e outras questões, como, por exemplo, hábitos culturais, faixa etária e confusão com outros quadros clínicos, explicam a grande diferença estatística entre os diversos trabalhos já realizados sobre o assunto.

Nesse mesmo ano, um grupo de estudos publicou os resultados do II Simpósio sobre definição e manejo da anafilaxia, a fim de uniformizar a conduta frente a esta situação clínica. Apesar de o conceito sofrer algumas modificações posteriormente, tratou-se de uma importante iniciativa para padronizar o assunto e, assim, permitir pesquisas mais uniformes.1

A anafilaxia é uma emergência médica que interessa ao pediatra, ao clínico geral e, principalmente, ao socorrista, de cuja ação rápida pode depender a vida do paciente. O quadro clínico dessa reação alérgica caracteriza-se pelo aparecimento súbito e progressivo de pápulas eritematosas e pruriginosas e de angioedema de lábios, língua e úvula. Esses sinais e sintomas podem ocorrer concomitantemente a: (i) sintomas gastrointestinais, como, por exemplo, cólica, vômito e diarreia; (ii) sintomas respiratórios, com a presença de respiração ruidosa (estridor, rouquidão), dificuldades na fala, tosse e taquipneia; e (iii) sintomas cardiovasculares, como, por exemplo, hipotensão, hipotonia e hipóxia. Além disso, pode-se observar a perda de consciência.2

No entanto, é preciso estar atento, pois os sinais cutaneomucosos podem estar ausentes em 10 a 20% dos casos em crianças, além de o início da reação alérgica não ser tão imediato após a exposição ao agente desencadeante. Assim, outros critérios auxiliam no diagnóstico e devem ser observados cuidadosamente, principalmente quando o paciente chega à emergência com história de contato com substâncias às quais já teve algum tipo de reação.3

O reconhecimento do agente etiológico, embora nem sempre fácil, é fundamental para o acompanhamento desses pacientes, a fim de que novos episódios sejam evitados e de que o tratamento adequado seja instituído em um curto período de tempo. Convém lembrar que certas situações, como, por exemplo, asma ou uso de bloqueadores beta-adrenérgicos, são importantes fatores de risco para quadros fatais.3

A medicação de urgência baseia-se na aplicação imediata de adrenalina IM pelo próprio paciente ou pelo acompanhante, em casos específicos, principalmente quando se esperam reações intensas e os serviços de emergência não estão disponíveis.4

 

EPIDEMIOLOGIA

De acordo com diferentes estudos, a prevalência de anafilaxia varia de 0,05 a 2% e vem aumentando, principalmente, na população jovem.5 Trabalhos realizados na Austrália, entre 1993 e 1994 e mais tarde entre 2004 e 2005, com pacientes de todas as idades, demonstraram que as admissões hospitalares cresceram, na segunda verificação, em todas as faixas etárias, embora sejam mais comuns em menores de 4 anos. Nessa faixa, a taxa passou de 4,1 para 19,7 por 100.000 no período de 12 anos.6

A obtenção de dados precisos relativos às estatísticas de anafilaxia é difícil, uma vez que é subdiagnosticada na população, além de a falta de um consenso até 2006 sobre o diagnóstico permitir diferenças metodológicas.

A presença de prurido, urticária e angioedema contribui para a suspeita do diagnóstico; entretanto, em até 20% dos casos, alterações cutâneas podem estar ausentes, o que dificulta a formulação de suspeição de anafilaxia.4

A aquisição de informações, muitas vezes subjetivas, fica prejudicada quando a anafilaxia acomete lactentes e pré-escolares. Em casos de anafilaxia fatal, a história clínica detalhada sobre as circunstâncias em que o episódio ocorreu é escassa, principalmente se a vítima esteve sozinha. Mais adiante, serão descritos os critérios clínicos necessários para o diagnóstico da anafilaxia.

 

AGENTES DESENCADEANTES

Entre os agentes mais comuns desencadeantes da anafilaxia estão os alimentos (principalmente em crianças), as medicações e os aditivos. Em muitos levantamentos realizados em diversas partes do mundo, os alimentos lideram as estatísticas, variando de 30 a 50% nos Estados Unidos, na Europa, na Ásia e na Austrália. Entre as crianças, os alimentos respondem, em alguns estudos, por mais de 80% dos casos.2 Em relação a esses agentes, as variações geográficas estão em consonância com os hábitos característicos de cada região. Todavia, é interessante observar que, com a facilidade atual de informação e obtenção de alimentos de diferentes regiões do globo, muitos desses difundem-se de tal forma que podem surgir reações a substâncias diversas daquelas normalmente consumidas em determinadas localidades, em geral, as primeiras a serem consideradas. Nesse sentido, os alimentos mais estudados são leite, ovo, frutos do mar, peixe, amendoim, castanha, noz e gergelim; porém, qualquer alimento pode ser um desencadeante em potencial. Além disso, a mudança de hábitos alimentares de algumas populações contribui para o aparecimento de novos alérgenos. Já existem relatos de sensibilização a, por exemplo, carne de foca e de baleia.7 Na França, a difusão do uso do grão da quinoa, planta cultivada na América do Sul, também tem sido responsável por casos de alergia, conforme relatos recentes.8

Faz necessário observar as reações cruzadas entre os alimentos comuns e aqueles que contêm os contaminantes do alérgeno implicado na anafilaxia. Um indivíduo altamente sensível a camarão, por exemplo, pode desenvolver reações graves ao ingerir outro alimento preparado no mesmo recipiente em que fora feito um prato com esse fruto do mar, sem o devido cuidado de higienização. Por outro lado, as reações cruzadas podem existir entre camarão, caranguejo e lagosta.9

Adicionalmente, os aditivos, como, por exemplo, pimentas, gomas vegetais e corantes (carmim), tão utilizados na indústria alimentícia, também funcionam como desencadeantes em pacientes suscetíveis.1

A anafilaxia desencadeada por medicações são relativamente comuns, entre as quais se destacam os antibióticos beta-lactâmicos e os anti-inflamatórios não esteroidais, incluindo a aspirina e o ibuprofeno, como agentes etiológicos mais frequentes. Os relatos de anafilaxia relacionada ao uso de quimioterápicos também adquiriram importância, de acordo com a literatura. Além disso, convém mencionar os quadros que aparecem em procedimentos cirúrgicos, em que vários agentes podem desencadear a anafilaxia, desde os anestésicos até o látex da borracha.10 Outros agentes possíveis são algumas vitaminas e alérgenos utilizados em imunoterapia, bem como o uso cada vez mais frequente de anticorpos monoclonais (infliximab, omalizumab, cetuximab) como forma de tratamento de diversas doenças.4,11

Especificamente para a população pediátrica, cabe também ressaltar os excipientes e os meios de preparação das vacinas, como, por exemplo, a gelatina ou o ovo na vacina contra a febre amarela.

Venenos de abelhas, vespas e formigas podem deflagrar anafilaxia e são um problema para os indivíduos que moram em zonas rurais, não somente pela maior exposição, mas também pela dificuldade em obter socorro, o que exige cuidados especiais de intervenção precoce.

A utilização de substâncias ditas naturais, como, por exemplo, aquelas empregadas em alguns tratamentos florais, também pode ocasionar sensibilização e reações de várias intensidades.12

Alterações não imunológicas de mastócitos e basófilos deflagram quadros de anafilaxia. Tais situações ocorrem mediante a realização de atividade física, a exposição ao sol, ao calor ou ao frio, o contato com a água, os meios de radiocontraste e algumas medicações, como, por exemplo, opioides, vancomicina e inibidores da ciclo-oxigenase tipo 1 (COX-1).4,13

Em casos de sintomas de reação alérgica após a realização de atividades físicas, é bom considerar os quadros que apenas se manifestam após a ingestão de certos tipos de alimentos - anafilaxia por exercício dependente de alimentos. Embora não muito comum em crianças, leva-se em conta essa possibilidade sempre que uma reação acontecer durante ou logo após o exercício físico, havendo ingestão de alimentos pouco antes. Para esse diagnóstico, que nem sempre é fácil, é preciso um alto grau de suspeição, pois o quadro pode não se manifestar com a simples ingesta do alimento, não seguida do exercício físico.14

O termo "anafilaxia idiopática" é utilizado para indicar os casos em que não é possível identificar o agente desencadeante, mesmo após história clínica minuciosa de exposição a agentes conhecidos, sejam desencadeantes de origem imunológica ou não. Além disso, os exames laboratoriais, como, por exemplo, os testes cutâneos de hipersensibilidade imediata e a dosagem de IgE específica no sangue, são negativos para diferentes antígenos. Nesses casos, antes de estabelecer o diagnóstico, consideram-se outras situações, como, por exemplo, a mastocitose.15

 

CLASSIFICAÇÃO E FISIOPATOLOGIA

A anafilaxia de origem imunológica envolve a produção de anticorpos da classe IgE ou mais raramente outros mecanismos relacionados aos elementos do sistema imune.16 No primeiro caso, pacientes suscetíveis por razões genéticas, quando expostos ao alérgeno, produzem anticorpos dessa classe, que, por sua vez, se fixam a receptores de alta afinidade à IgE na superfície dos mastócitos e dos basófilos. A reexposição ao alérgeno a que o paciente se sensibilizou resulta em ativação celular e liberação de vários mediadores, os quais acarretam uma reação de intensidade variável, que pode remitir espontaneamente ou evoluir para quadros de maior gravidade, havendo risco de vida para o paciente.

Mecanismos imunológicos não ligados à IgE são mais raros e não tão bem estudados, uma vez que estariam relacionados aos complexos IgG-antígenos e à ativação do sistema do complemento.16 É preciso lembrar ainda os casos em que não há envolvimento do sistema imune: a realização de exercício físico, a exposição ao frio e o contato com medicamentos (opioides, por exemplo).

Não obstante o mecanismo ser, ou não, imunologicamente mediado, os mastócitos e os basófilos exercem importante função no início e na amplificação da resposta. Uma vez deflagrada a sinalização, diferentes mediadores da inflamação são formados e liberados, entre os quais participam histamina, triptase, carboxipeptidase A, proteoglicanas, leucotrienos, prostaglandinas, fator de ativação de plaquetas (PAF), interleucinas (IL-6, IL-33), fator de necrose tumoral alfa (TNF-α).17

 

FATORES DE RISCO PARA A ANAFILAXIA SEVERA E FATAL

A anafilaxia fatal ocorre em menos de 1% dos casos; porém, é sempre causa de grande expectativa por parte do paciente e dos familiares, principalmente por se tratar de crianças e por ser ainda uma causa teoricamente evitável. Pesquisas demonstram a participação expressiva de alimentos nesses casos e a rapidez com que os sintomas começam a aparecer. O tempo decorrido entre a exposição ao agente desencadeante e o aparecimento dos sinais e dos sintomas pode variar de minutos a horas, mas, em geral, ocorre na primeira hora. Já os quadros fatais decorrentes da injeção de medicamentos ou venenos de insetos costumam ser mais rápidos, de 5 a 12 minutos após a exposição.18

A faixa etária do paciente interfere na severidade da anafilaxia. Em lactentes, por exemplo, a dificuldade de obtenção de informações pode resultar no retardo do início do tratamento. Exemplo disso são as reações anafiláticas ao leite de vaca em lactentes de baixa idade, cuja mãe relata palidez e hipotonia logo após a ingesta da primeira mamadeira. A criança pode passar algum tempo nesse estado e, quando chega à emergência, está relativamente bem. Contudo, é sempre um sinal de alerta, uma vez que, nesses casos, a sensibilização pode ter acontecido pelo próprio leite materno, por que passam pequenas quantidades de proteínas do leite de vaca, insuficientes para provocar quadros mais graves. A exclusão desse alimento da dieta materna é essencial, bem como a substituição do leite de vaca por fórmulas especiais para a criança.

As crianças pequenas muitas vezes são incapazes de expressar sintomas de anafilaxia quando não são muito graves e acontecem em um primeiro episódio, passando despercebidos ou não sendo valorizados. Em outro momento, no entanto, pode haver uma reação severa. Por outro lado, mesmo se conhecendo o agente desencadeante, crianças podem ingeri-lo inadvertidamente na escola, em atividades de lazer ou mesmo em casa. Já os adolescentes, por não levar consigo adrenalina autoinjetável e não evitar exposição a situações de risco, tornam-se mais vulneráveis.

Pacientes com historia de asma, rinite e eczema severos estão mais suscetíveis a quadros graves de anafilaxia. Todavia, a asma tem sido sistematicamente apontada como um fator extremamente importante em um grande número de trabalhos, chamando a atenção para a importância ainda maior na condução desses pacientes em relação ao perigo de quadros anafiláticos. Além disso, mastocitose ou desordens clonais dos mastócitos também são causas agravantes.18

Embora qualquer alimento possa ser responsável por quadros alérgicos anafiláticos, o amendoim e os frutos secos, como, por exemplo, as nozes, são frequentemente apontados como agentes desencadeantes de reações severas.19

 

DIAGNÓSTICO

Para fins práticos, o diagnóstico da anafilaxia divide-se em dois momentos. Em um primeiro instante, diante de um quadro agudo sugestivo, que exige pronto atendimento por parte do médico, realizam-se uma anamnese sumária, para tentar ajudar no diagnóstico, e um exame físico rápido, para que se evidenciem alterações frequentes. Uma vez regredido o quadro agudo, torna-se de extrema importância um acompanhamento cuidadoso, a fim de tentar esclarecer a causa e, assim, evitar novos episódios. Nesse segundo momento, faz-se uma anamnese detalhada, com a obtenção do maior número de informações possíveis sobre a história patológica do paciente. Relatam-se sintomas ou sinais que possam ter passado despercebidos por terem sido leves, mas que já sugeririam alguma sensibilização alérgica. Cabe destacar que a história é um elemento essencial no diagnóstico e que nada deve ser colocado em segundo plano, dada a possibilidade de as reações decorrerem dos mais variados desencadeantes. Além disso, a realização de exame físico minucioso complementa o procedimento, embora, nesses casos, talvez já seja negativo para qualquer sinal sugestivo.

Segue-se, então, a pesquisa complementar por meio de testes cutâneos, quando indicados, e exames in vitro, com os quais se testa um número maior de antígenos. Esse tipo de atendimento não deve ser realizado muito depois do quadro agudo, pois perdem-se informações preciosas, já esquecidas, sobre possíveis agentes desencadeantes (relatório detalhado dos acontecimentos que precederam, de minutos a horas, o evento anafilático).

São diversas as manifestações clínicas da anafilaxia, entre as quais se destacam: prurido, urticária, rash morbiliforme, angioedema, eritema conjuntival, lacrimejamento, rinorreia, bloqueio nasal, espirros, dispneia, rouquidão, tosse seca, estridor, aperto no peito, sibilância, náuseas, dor abdominal, vômitos, diarreia, dor torácica, palpitação, taquicardia, hipotensão, perda do controle esfincteriano, cefaleia, tonteira, letargia, disfagia, gosto metálico na boca.

O tempo decorrido entre a exposição ao agente desencadeante e o aparecimento dos sinais e dos sintomas deve ser considerado e varia de minutos a horas, principalmente na alergia alimentar, mas, geralmente, ocorre na primeira ou na segunda hora. Em caso de alimentos, quanto mais rápido o início dos sintomas, mais severas as reações, evoluindo, muitas vezes, para casos fatais.20 Como as reações a medicamentos costumam ser mais rápidas, torna-se necessária a observação de qualquer criança que receba medicação injetável, principalmente de drogas que são reconhecidamente suspeitas.

Um quadro anafilático possui três formas de evolução: (i) resolve-se com a medicação instituída com relativa rapidez; (ii) demora-se mais a remitir; ou (iii) decorre-se um período variável de tempo em que os sinais e os sintomas desaparecem para reaparecerem horas mais tarde. Essa última é a chamada reação anafilática bifásica, definida como a "recorrência de sintomas 1 a 72 horas após o evento inicial, sem nova exposição ao agente desencadeante". Embora não seja muito comum, deve sempre ser considerada, a fim de se tomar a atitude correta após o controle dos sintomas.21

A probabilidade de anafilaxia é alta se qualquer um dos três critérios listados a seguir estiverem presentes:

1. Aparecimento de sinais e sintomas (de minutos a horas), com envolvimento da pele ou da mucosa, havendo urticária generalizada, prurido ou flush, edema de lábios, língua ou úvula e, pelo menos, um destes:

a. Comprometimento respiratório (dispneia, sibilância, broncoespasmo, estridor, diminuição do pico de fluxo expiratório [PEF], hipoxemia).

b. Redução da pressão arterial (PA) ou sintomas associados à disfunção de órgãos (hipotonia, colapso, síncope, incontinência).

2. Aparecimento de dois ou mais sintomas e sinais a seguir, que ocorrem logo após a exposição a um provável desencadeante (de minutos a horas):

a. Envolvimento da pele ou da mucosa (urticária generalizada, prurido ou flush, edema de lábios, língua ou úvula).

b. Comprometimento respiratório (dispneia, sibilância, broncoespasmo, estridor, diminuição do PEF, hipoxemia).

c. Redução da pressão arterial ou sintomas associados à disfunção de órgãos (hipotonia, colapso, síncope, incontinência).

d. Persistência de sintomas gastrointestinais (cólica, dor abdominal, vômito).

3. Redução da pressão arterial após exposição a um alérgeno conhecido pelo paciente (de minutos a horas):

a. Para lactentes e crianças, pressão sistólica baixa de acordo com idade específica, ou redução maior do que 30% na pressão sistólica.

b. Para adultos, pressão sistólica menor do que 90 mmHg ou redução maior do que 30% do valor basal do paciente.

Na fase aguda da anafilaxia, a histamina e a triptase podem estar elevadas; porém, não são específicas e, mesmo quando normais, não afastam o diagnóstico de anafilaxia. Portanto, na prática clínica, têm pouca utilidade.

No que diz respeito ao diagnóstico laboratorial, o mais importante é identificar o agente desencadeante da anafilaxia, a fim de prevenir futuras exposições. Testes cutâneos de hipersensibilidade imediata podem ser realizados 3 a 4 semanas após o evento desencadeante; e a dosagem da IgE específica, durante ou em qualquer momento após o episódio anafilático. Se os testes laboratoriais forem negativos para um agente desencadeante altamente suspeito, realiza-se nova realização semanas ou meses após o evento. Por outro lado, o teste positivo para determinado alérgeno confirma a sensibilização; porém, é necessário haver correlação clínica para afirmar se é realmente o responsável pela anafilaxia. Em resumo, a sensibilização a um alérgeno não implica reatividade clínica. Além disso, na prática, em torno de 60% de adultos jovens possuem positividade para um ou mais alimentos no teste cutâneo sem nunca terem vivenciado reação anafilática.

O teste de provocação possui grande valor, pois objetiva reproduzir a situação vivida pelo paciente diante de uma história de anafilaxia por alimentos. No entanto, é contraindicado pelas possíveis complicações que podem surgir, sendo realizado apenas diante de quadro clínico duvidoso e anamnese pouco consistente. Dado o elevado risco que esse teste oferece ao paciente, deve ser conduzido em ambiente hospitalar, por equipe de saúde com treinamento em reanimação, e seguir protocolos bem estabelecidos.

 

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Várias são as entidades que podem simular a anafilaxia, desde doenças graves de origem tumoral até situações emocionais. Nesses casos, o médico deve ser bastante detalhista, a fim de não se equivocar diante de tantas possibilidades diagnósticas, a saber asma, síndrome vaso-vagal, crise de pânico, aspiração de corpo estranho, infarto agudo do miocárdio, embolia pulmonar, crise convulsiva, mastocitose, leucemia basofílica, síndrome carcinoide, carcinoma medular de tireoide, disfunção das cordas vocais, síndrome de Munchausen, feocromocitoma, síndrome do homem vermelho (vancomicina), choque cardiogênico, choque séptico, choque distributivo (lesão da medula espinhal).20

 

TRATAMENTO

A medicação mais importante no tratamento da anafilaxia é a adrenalina,22 cuja pronta administração possui implicações significativas no prognóstico. Reduz as chances de mortalidade, uma vez que possui efeito vasoconstritor e broncodilatador, diminui o edema, alivia, assim, a obstrução das vias respiratórias superiores, aumenta a força de contração do coração e reduz a liberação de mediadores, como, por exemplo, a histamina e a triptase.21 A ampola de adrenalina (1:1000 ou 1 mg/ml) é aplicada na porção média antero-lateral da coxa, na dose de 0,01 mg/kg. A absorção é rápida quando a via intramuscular é utilizada, pois a adrenalina causa vasodilatação no músculo esquelético. A dose máxima é de 0,5 mg para adultos e de 0,3 mg para crianças. Se necessário, uma dose pode ser repetida de 5 a 15 minutos depois.

Ao prestar o primeiro atendimento ao paciente com anafilaxia, o profissional de saúde deve proceder à administração da adrenalina, posicionar a vítima em decúbito dorsal, com os membros inferiores elevados, administrar oxigênio e obter acesso venoso calibroso, a fim de repor fluidos quando necessário. Em relação às demais medicações, os consensos afirmam haver pouca evidência de benefícios com o uso de anti-histamínicos, broncodilatadores e glicocorticoides nessa fase.

Os anti-histamínicos H1, como, por exemplo, difenidramina, clorfeniramina e prometazina, são de pouca ajuda, mas minimizam a urticária e diminuem o desconforto. Os agonistas beta 2 adrenérgicos de curta duração por via inalatória aliviam a dispneia provocada pelo broncoespasmo, enquanto os glicocorticoides são administrados para prevenir e reduzir efeitos da anafilaxia bifásica. A adrenalina intramuscular, quando aplicada na fase inicial da anafilaxia, constitui a substância de maior impacto na sobrevida do paciente, permanecendo as demais em segundo plano.22

A resposta inicial ao tratamento varia conforme o tempo, portanto, a observação constante é necessária. Alguns pacientes respondem rapidamente à administração da adrenalina, enquanto outros já apresentam ou evoluem para sintomas respiratórios e cardiovasculares que exigem terapia mais agressiva. De qualquer forma, uma vez diagnosticado um quadro de anafilaxia, o serviço de emergência deve ter disponível o material para intubação e providenciar contato com a unidade de tratamento intensiva (UTI) para atendimento dos casos mais graves. Esses serão tratados segundo os protocolos do ABC (airway, breathing and circulation) e receberão suporte para hipotensão e outros sintomas.3 Uma vez controlada a situação, e estando o paciente bem, é preciso definir os critérios para a alta hospitalar.

Contudo, ainda existe a possibilidade de uma reação mais tardia, depois de o quadro inicial ter sido controlado. Esse momento é conhecido como anafilaxia bifásica e compreende o reaparecimento dos sintomas após o controle inicial do quadro, sem nova exposição ao agente desencadeante. O intervalo de tempo entre o desaparecimento do quadro inicial e o surgimento de novos sintomas é uma questão ainda em aberto e tem implicações práticas, pois definiria a alta do paciente. As estatísticas variam bastante, e alguns autores relatam reaparecimento em até mais de 24 horas após a estabilização do quadro.23

 

CONSCIENTIZAÇÃO DO PACIENTE COM RISCO DE ANAFILAXIA

Pacientes, cuidadores e familiares da criança devem estar aptos a reconhecer, prontamente, os sinais e os sintomas da anafilaxia, bem como devem estar munidos de adrenalina autoinjetável ou de ampolas de adrenalina.24. Recomenda-se, ainda, o uso de pulseiras de identificação do fator desencadeante. Adolescentes devem ser capacitados a proceder à autoaplicação de adrenalina. Além disso, solicitar ambulância ou dirigir-se, o mais rápido possível, ao hospital após a utilização de adrenalina são medidas relevantes durante o episódio agudo.

 

MANEJO DOS PACIENTES COM RISCO DE ANAFILAXIA

A maneira mais eficiente de evitar um quadro anafilático é excluir a possibilidade de contato com o agente desencadeante. No entanto, essa orientação, embora possa salvar vidas, nem sempre é possível, além de as recomendações dependerem do tipo de desencadeante.

Em casos de anafilaxia desencadeada por alimentos, a mais frequente na infância, a conscientização do paciente e, sobretudo, da família e dos cuidadores acerca dos alimentos que possuem o alérgeno em questão, bem como das chances de possíveis reações cruzadas e contaminações, é de fundamental importância.

Entre as recomendações para prevenir futuras exposições, estão a leitura de rótulos de produtos e o cuidado em restaurantes e comemorações, uma vez que, nessas situações, o controle da ingesta do agente desencadeante pode ser difícil. Embora estudos avancem no sentido de tentar uma dessensibilização com imunoterapia oral alérgeno-específica, ainda não constitui uma prática clínica.

Outras questões em relação aos alimentos são, na grande maioria, a quantidade mínima capaz de desencadear o quadro alérgico, a via de exposição possível e a possibilidade de remissão da sensibilização. Sabe-se, por exemplo, que a alergia a amendoim e a frutos do mar não costuma desaparecer; já crianças com alergia ao leite de vaca têm grande chance de superar o problema. A dúvida é quando e como deve ocorrer uma nova exposição ao alimento, embora já existam protocolos sobre o assunto.

Quando a anafilaxia é deflagrada por medicamento, opta-se pela substituição por aquele de classe diferente. Entretanto, caso não haja substituto no mercado, utilizam-se protocolos de dessensibilização que existem para antibióticos beta-lactâmicos, anti-inflamatórios não esteroidais, insulina e alguns quimioterápicos. Diante de casos de anafilaxia a veneno de himenópteros (vespas, abelhas e formigas), preconiza-se o uso de imunoterapia subcutânea por 3 a 5 anos, o que reduz significativamente o risco de anafilaxia e confere proteção de longa duração.

Em casos de história de anafilaxia decorrente de imunização e IgE específica negativa para a vacina ou seus componentes, procede-se à vacinação em ambiente hospitalar, seguida de 1 hora de observação. Uma vez que a IgE específica é positiva para a vacina à qual o paciente tem anafilaxia, procede-se à imunização em ambiente hospitalar, segundo o protocolo de administração com doses crescentes. Já em caso de alergia a ovo, alguns países dispõem de imunização para H1N1 livre da proteína do ovo.

Pacientes que apresentam anafilaxia induzida por alimento após a realização de atividade física devem excluí-lo nessa situação. Convém lembrar que, em geral, tolera-se o alimento, caso o exercício físico não seja realizado após a exposição ao alimento em questão.

Quando o caso é desencadeado pela exposição ao frio, devem ser alertados quanto ao perigo, por exemplo, de atividades em águas frias (banhos de mar, lagos, lagoas ou cachoeiras em que a água apresenta baixa temperatura).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma vez diagnosticada a anafilaxia, o paciente necessita ser avaliado pelo especialista (alergista ou imunologista), a fim de identificar os fatores desencadeantes, prevenir futuras exposições e propor tratamento adequado (imunoterapia, dessensibilização, prevenção do contato com desencadeante). A conscientização do paciente sobre a severidade do problema e sobre como proceder à administração da adrenalina autoinjetável pode salvar sua vida.

 

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19. 19. Wang J, Sampson HA. Food anaphylaxis. Clin Exp Allergy. 2007;37:651-60.

20. 20. Keet C. Recognition and management of food induced anaphylaxis. Pediatr Clin North Am. 2011;58(2):377-88.

21. 21. Ellis NK, Day JH. Incidence and characteristics of biphasic anaphylaxis: a prospective evaluation of 103 patients. Ann Allergy Asthma Immunol. 2007;98:64-9.

22. 22. Kemp SF, Lockey RF, Simonns FER. On behalf of the World Allergy Organization ad hoc Committee on Epinephrine in Anaphylaxis. Allergy. 2008;63:1061-70.

23. Mehr S, Liew WK, Tey D, Tang ML. Clinical predictors for biphasic reactions in children presenting with anaphylaxis. Clin Exp Allergy. 2009; 39(9):1390-6.

24. 24. Australasian Society of Clinical Immunology and Allergy (ASCIA). ASCIA EpiPen prescription guidelines 2007. Disponível em http://www.allergy.org.au.content/view/11/1

 

 

AVALIAÇÃO

19. Uma criança de 8 anos apresentou urticária generalizada meia hora após ter ingerido um prato que continha camarão. Ao chegar à emergência, também passou a apresentar tosse rouca. A conduta imediata é:

a) Garantir um acesso venoso.
b) Intubação orotraqueal.
c) Adrenalina IM.
d) Prometazina IM.

20. Após 4 horas de observação e com as condutas iniciais adotadas, a paciente estava aparentemente melhor, sendo cogitada alta para o domicílio. A recomendação mais importante agora é:

a) Manter corticoides já iniciados no atendimento.
b) Suspender toda medicação.
c) Utilizar um anti-H2 por uma semana.
d) Evitar ingesta de frutos do mar.

21. Em crianças, a principal causa de anafilaxia é:

a) Alimentar.
b) Medicamentosa.
c) Por exercícios físicos.
d) Idiopática.

22. Não é anafilaxia de etiologia imunológica aquela ocasionada por:

a) Penicilina.
b) Leite de vaca.
c) Opioides.
d) Amendoim.

23. O broncoespasmo das reações anafiláticas deve ser tratado com:

a) Aminofilina IV.
b) Hidrocortisona IV.
c) Agonista beta 2 de curta duração inalatório.
d) Anti-histamínicos de primeira geração.

24. Que fator é o mais importante para a evolução fatal em casos de anafilaxia?

a) Idade menor que 6 meses.
b) História de asma.
c) Parentes atópicos.
d) Alergia à picada de mosquitos.