Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

Logo Soperj

Número atual: 3(1) - Junho 2002

Revisoes em Pediatria

Doença péptica gastroduodenal por Helicobacter Pylori em crianças

 

Danielle Plubins Bulkool1; Rafael Del Castillo2; Adauto Dutra Moraes Barbosa3

1. Professora Substituta de Pediatria da UFF. Mestre em Pediatria
2. Professor Adjunto-Mestre de Pediatria da UFF. Chefe do Setor de Gastroenterologia Pediátrica do HUAP.
3. Professor Adjunto-Doutor de Pediatria da UFF

 

 

1. INTRODUÇÃO

A doença péptica causada pelo Helicobacter pylori é um importante problema de saúde. Estudos epidemiológicos têm demonstrado que sua prevalência é maior nos países em desenvolvimento e em pessoas de baixo nível sócio-econômico, ocorrendo em cerca de 40% da população nos países desenvolvidos e em 70% nos países em desenvolvimento atingindo taxas de até 85% na África.

Nos países desenvolvidos, a infecção pelo Helicobacter pylori é menos comum em crianças abaixo de 10 anos de idade, variando de 3,5 a 10%. Nos adultos, a prevalência da infecção varia de 15,5 a 33,4%, atingindo cerca de 40-60% em torno dos 60 anos. Em contraste, nos países em desenvolvimento a prevalência do Helicobacter pylori é elevada tanto em adultos quanto em crianças, provavelmente devido ao baixo nível sócio-econômico onde a transmissão do patógeno pode ser facilitada por precárias condições de higiene, aglomerados humanos, e por contato mais íntimo entre as crianças e os adultos com alta prevalência da infecção, com um conseqüente aumento no risco de contaminação infantil.

 

2. MODO DE TRANSMISSÃO

O modo de transmissão ainda é controverso, dificultando medidas de prevenção. Muitos investigadores acreditam que o Helicobacter pylori seja transmitido diretamente de pessoa a pessoa, tendo sido relatada transmissão intra-familiar entre cônjuges, e de pais para filhos. A prevalência de anticorpos anti-Helicobacter pylori em famílias numerosas e em grupos de pacientes institucionalizados sugere esta forma de transmissão.

As principais formas de transmissão propostas são a fecal-oral, a oral-oral e a gastro-oral. As possíveis fontes de contaminação são a água, as fezes e a saliva .

A transmissão fecal-oral deve-se ao contato ambiental com fezes e água contaminada, porém não explica o padrão de infecção nos países desenvolvidos, que é mais freqüente em adultos, além da pequena concentração do Helicobacter pylori fecal quando comparada a outros agentes.

Estudos relatam a presença do Helicobacter pylori nas placas dentárias e saliva proporcionando apoio indireto para a transmissão oral-oral.

A via de transmissão gastro-oral está relacionada a prática de mastigação de alimentos pelos pais e a possível transmissão iatrogênica por endoscopia, devido a dificuldade de limpeza dos equipamentos endoscópicos. A presença de refluxo gastroesofágico em pacientes Helicobacter pylori positivo, constitui um fator de risco adicional para transmissão do mesmo.

É possível que a via oral-oral seja o principal modo de transmissão nos países desenvolvidos e a fecal-oral nos países em desenvolvimento, nos quais a prevalência da infecção em crianças é semelhante à dos adultos.

 

3. MICROBIOLOGIA DO HELICOBACTER PYLORI

MARSHAL & WARREN (1983) introduziram um novo fator patogênico ao isolarem pela primeira vez bactérias espiraladas em biópsias gástricas de pacientes com gastrite crônica em atividade, sendo os primeiros a correlacioná-la com o processo inflamatório.

O gênero Helicobacter é constituído por bacilo gram negativo, curvo ou helicoidal, medindo 2,4 a 4 mm de comprimento por 0,5 a 1 mm de largura, formato espiralado em S ou U, móvel, unipolar e poliflagelado com quatro a seis flagelos e com extremidades arredondadas e rombas. Seu crescimento ocorre à uma atmosfera com microaerofilia (5% a 15% de oxigênio), com adição de gás carbônico e uma temperatura ideal de 37ºC.

 

4. PATOGÊNESE

A inflamação da mucosa gastroduodenal é o resultado final do desequilíbrio entre os fatores citoprotetores da mucosa e os fatores agressores. O grau de desequilíbrio entre estes, determina a gravidade da lesão, desde simples inflamação até franca ulceração da mucosa.

Fatores de Proteção da Mucosa

No estômago, o muco é a primeira linha de defesa contra agentes exógenos agressores, entretanto não há dados sugerindo alguma anormalidade na quantidade ou qualidade do mesmo em pacientes com doença gastroduodenal. Ele é secretado pelo epitélio gástrico e células cervicais das glândulas gástricas, e permite o fluxo unidirecional dos íons hidrogênio e do pepsinogênio no lúmen gástrico. O bicarbonato, secretado pelas células epiteliais, é retido proximalmente ao epitélio, junto à camada de muco, agindo como uma barreira de proteção mucosa adicional aos danos causados pelo ácido e pepsina.

Outros Fatores de Proteção

Entre outros fatores de proteção da mucosa gastroduodenal podemos citar a adequada microcirculação, a renovação celular, a prostaglandina E2 que inibe a secreção gástrica de ácido, e as imunoglobulinas IgG e IgA.

Fatores de Virulência

Os fatores de virulência podem ser agrupados naqueles que são comuns a todas as cepas para sua adaptação ao ambiente gástrico, e naqueles que estão presentes apenas em algumas, conferindo-lhes maior agressividade e determinando padrões clínicos diferentes da doença.

As adesinas, as flagilinas e a produção de urease são características comuns a todas as cepas e parecem ser os instrumentos de colonização do Helicobacter pylori no hospedeiro.

A urease catalisa a hidrólise da uréia presente no suco gástrico, gerando amônia e bicarbonato. Isto determina elevação do pH gástrico com alcalinização do meio, permitindo penetração

segura da bactéria no ácido clorídrico e na camada de muco. A urease ainda é responsável por estimular a produção de citotoxinas e lesar as células epiteliais da mucosa gástrica através e íons hidróxido. Portanto atua como fator de virulência e mantenedor da infecção.

Outros fatores aumentam a virulência e a patogenicidade do Helicobacter pylori. Sua morfologia em espiral e seus flagelos, lhe conferem a capacidade de mover-se ativamente através do suco gástrico e da camada de muco, alojando-se na superfície da células de revestimento.

A infecção por cepas que expressam os genes Cag A, Vac A e Ice A, aumenta o risco de desenvolvimento de doenças gastroduodenais como a úlcera péptica e o câncer gástrico. Entretanto, apesar da presença destes genes estar associada com inflamação mais grave, a natureza da doença clínica é determinada por fatores ambientais e do hospedeiro.

A célula epitelial tem um papel importante na resposta inflamatória do hospedeiro à infecção pelo Helicobacter pylori. Ela expressa moléculas na sua superfície, que servem como receptores para a aderência e acoplamento da bactéria, tais como os antígenos de Lewis, e o complexo maior de histocompatibilidade tipo II. A ativação das citocinas, tal como interleucina VIII IL-8, inicia a resposta inflamatória que envolve células mononucleares e fagócitos. O recrutamento e atuação dos neutrófilos resulta na liberação de substâncias óxido-reativas e outros mediadores da lesão tecidual. Os macrófagos agem como fontes liberadoras de substâncias óxido-reativas, substâncias nitrogenadas reativas e do fator de necrose tumoral, que contribuem para a injúria celular e manutenção do processo inflamatório. Os linfócitos T ativados, principalmente o linfócito helper tipo I (Th1), mediam a injúria através da liberação do interferon gama, e de forma indireta através da produção de anticorpos que formam complexos imunes, perpetuando a resposta inflamatória.

A produção de catalases e superóxido desmutase, conferem proteção a bactéria contra a atividade lítica de macrófagos e neutrófilos polimorfonucleares, impedindo desta forma uma resposta eficaz do hospedeiro.

A hipergastrinemia, presente em indivíduos infectados, está provavelmente relacionada aos produtos liberados pelo Helicobacter pylori como citotoxinas e amônia e diminuição da somatostatina. A liberação de substâncias como interleucinas e fator de necrose tumoral colaboram com a inibição das células parietais, sendo hoje, o Helicobacter pylori reconhecido como a principal causa de atrofia da mucosa gástrica. Entretanto os efeitos da infecção pelo Helicobacter pylori na secreção ácida dependem de uma série de variáveis. Ainda não está claro porque a bactéria leva a modelos diferentes de secreção ácida em diferentes indivíduos.

Estes diferentes mecanismos e a expressão genética dos marcadores Cag A, Vac A e Ice A, levam a diferentes manifestações clínicas da doença. Sua patogênese completa é uma resposta que permanece a ser estabelecida.

 

5. CLASSIFICAÇÃO

Historicamente, as doenças pépticas gastroduodenais têm sido classificadas em primárias e secundárias.

As gastrites ou úlceras que ocorrem primariamente na mucosa gastroduodenal de crianças ou adolescentes, acontecem freqüentemente na ausência de doença sistêmica subjacente. Nesses casos há geralmente história familiar de doença úlcero-péptica e as recidivas são freqüentes. A causa para este tipo de doença gastroduodenal era até recentemente desconhecida e por isso designada como primária .

As gastrites ou úlceras secundárias ocorrem como conseqüência de uma condição sistêmica ou de doença específica subjacente. Não tendem a recidivar e não costumam ter uma história familiar de doença péptica. Traumatismo crânio-encefálico, sepse, queimadura, ingestão de medicamentos, incluindo anti-inflamatórios não-esteróides e corticóides são considerados tradicionalmente como causas de úlceras secundárias. Mastocitose, doença de Crohn, síndrome de Zollinger-Ellison, hiperpepsinogemia I, fibrose cística, doença de células falciformes e o diabetes insulino-dependente são condições relatadas como capazes de aumentar a freqüência de doença úlcero-péptica secundária em crianças.

 

6. ACHADOS CLÍNICOS

Os sintomas clínicos da doença péptica gastroduodenal são dor e/ou queimação epigástrica, náuseas, vômitos, plenitude pós prandial, hematêmese, melena, dor abdominal recorrente, entre outros. A prevalência de cada sintoma varia de estudo para estudo.

Até o momento, nenhuma evidência demonstrou que a infecção pelo Helicobacter pylori esteja associada a um quadro clínico específico. Sua sintomatologia é muito variada e os achados são controversos.

Inicialmente a infecção pelo Helicobacter pylori desenvolve um quadro de gastrite aguda transitória, caracterizada pela presença de infiltrado polimorfonuclear. Há redução da secreção ácida, facilitando a multiplicação da bactéria. Os pacientes são geralmente assintomáticos ou com quadro clínico inespecífico, dificultando o diagnóstico nesta fase da doença. A infecção passa despercebida e evolui para quadro histológico de gastrite crônica.

Na infecção recente pelo Helicobacter pylori, a gastrite é mais prevalente no antro do que no corpo gástrico e com o passar dos anos a inflamação antral tende a decrescer.

Estudos sorológicos recentes vêm associando cepas citotóxicas (Cag A e Vac A) do Helicobacter pylori com úlcera duodenal e carcinoma gástrico. Fatores fisiopatológicos determinam dois modelos de infecção: o duodenal e o gástrico. Na úlcera duodenal, a bactéria coloniza predominantemente o antro, há aumento da secreção gástrica, sem atrofia na mucosa do corpo e nota-se a presença de metaplasia gástrica no bulbo duodenal. A úlcera gástrica está associada a alta prevalência de gastrite atrófica e metaplasia intestinal, com baixa secreção ácida. Essas condições levam à disseminação da bactéria no estômago com diminuição na colonização do antro, podendo este fator contribuir para resultados falso-negativos em seu diagnóstico. Portanto, a úlcera duodenal pode ser considerada uma conseqüência precoce da infecção, enquanto que doença ulcerosa gástrica e câncer gástrico podem aparecer tardiamente, quando já instalada a gastrite atrófica.

 

7. MÉTODOS DIAGNÓSTICOS

Existe uma ampla variedade de métodos para avaliar a presença do Helicobacter pylori, e estes podem ser agrupados em diretos e indiretos. Os primeiros se baseiam em biópsias obtidas por via endoscópica, tendo a vantagem de diagnosticar a infecção e observar a lesão péptica caso esta esteja presente. Estes métodos são basicamente a histopatologia, a cultura e a reação em cadeia de polimerase (PCR). Os métodos indiretos dependem da detecção de uma característica da bactéria. Entre estes estão, os testes sorológicos, anticorpos salivares, anticorpos urinários, antígeno fecal e os testes respiratórios. Alguns desses métodos são como muitos destes testes, realizados com auxílio da endoscopia, sendo divididos em métodos invasivos e não invasivos.

7.1. Métodos Invasivos

7.1.1 - Histopatologia

O exame microscópico direto é feito com preparações em lâminas ou em cortes histológicos fixados e corados. Podem ser usadas várias colorações sendo as mais utilizadas o Gram, a Hematoxilina-Eosina, Giemsa, Carbolfulcsina e a coloração pela prata de Warthen-Starry. A sensibilidade da técnica, depende da experiência do patologista e da qualidade do fragmento de biópsia. A coloração pelo Giemsa e Warthen-Starry tendem a ampliar a bactéria, tornando-a mais evidente. A sensibilidade pode variar de 93-99% e a especificidade de 95-99%.

7.1.2 - Cultura da Bactéria

A cultura é o método mais sensível para a detecção da bactéria, que pode se multiplicar e produzir uma população de bilhões. Se realizada adequadamente, tem sensibilidade de 77%-98% e especificidade de 100%. O crescimento pode ser observado dentro de três a sete dias. As bactérias adquirem aspecto dourado após adição de Tetrazolium ao meio de cultura. Apesar da alta especificidade, vários fatores podem interferir na sensibilidade do método, tais como a estocagem inadequada das biópsias, a sensibilidade do Helicobacter pylori aos antibióticos contidos no meio de cultura, o uso recente de antibióticos pelo paciente, a ingestão de anestésicos tópicos ou dimeticona durante o procedimento endoscópico e a contaminação da pinça de biópsia por outras bactérias.

7.1.3 - Reação em Cadeia de Polimerase

Este método amplifica o DNA da bactéria, obtida de cultura, através de técnicas moleculares. Também realiza a comparação entre a seqüência dos aminoácidos. Pode detectar a presença de Helicobacter pylori em fragmentos de biópsias gástricas ou em fluidos como saliva e fezes com alta sensibilidade e especificidade. Esta técnica é particularmente útil para avaliar a erradicação do Helicobacter pylori após o tratamento, quando a quantidade de bactérias encontradas é baixa.

7.1.4 - Teste Rápido da Urease

O teste rápido da urease oferece identificação rápida e indireta da presença da bactéria em amostras de tecido. O Helicobacter pylori tem a capacidade de produzir diversas enzimas e proteínas que favorecem a colonização do epitélio gástrico, entre elas a de maior importância é a urease que lhe permite reverter a acidez gástrica. Esta enzima, presente no espaço periplasmático e na membrana externa do Helicobacter pylori hidroliza a uréia presente no suco gástrico em bicarbonato e amônia que age como aceptor de íons de hidrogênio aumentando o pH ao redor da bactéria protegendo-a temporariamente dos efeitos do ácidos do estômago. Este teste baseia-se na atividade da urease através de um meio contendo uréia e um marcador de pH, detectando indiretamente a presença da bactéria. Ao hidrolizar a uréia e formar amônia e bicarbonato, produz-se um meio básico que provoca alteração na coloração (amarelo para róseo avermelhado). Os primeiros testes realizados, eram com o caldo de uréia de Christensen a 2%. Existem vários testes comerciais e outros com soluções caseiras preparadas com água, fenol vermelho e uréia.

O teste rápido de urease tem alta sensibilidade (89-90%) e especificidade (95-98%), é de baixo custo e rápida execução, sendo considerado exame invasivo, indireto de eleição para uso rotineiro. Entretanto este teste tem valor preditivo positivo baixo (< 50%) em crianças, mesmo quando o seu valor preditivo negativo é alto (97-98%).

A acurácia do teste depende do número de fragmentos de biópsia, do sítio da biópsia, da carga bacteriana, do uso prévio de antibióticos ou inibidores de bomba de prótons.

7.2. Métodos Não Invasivos

7.2.1 - Testes de Imunoensaios para detectar anticorpos anti-Helicobacter pylori

O Helicobacter pylori provoca resposta imunológica local e sistêmica. Os títulos de anticorpos contra o Helicobacter pylori, nos pacientes infectados são das classes IgG, IgA e IgM. Os maiores títulos são de IgG e IgA. Os títulos de IgM não diferenciam os pacientes infectados dos não infectados, sendo portanto mais freqüente o uso da dosagem de IgG e IgA.

Vários métodos sorológicos têm sido desenvolvidos e descritos na literatura, no entanto o método ELISA é o mais barato, sensível e específico.

7.2.2 - Testes Sorológicos em Saliva e Urina para pesquisa de Helicobacter pylori

Testes sorológicos similares ao ELISA, também já foram desenvolvidos para detectar a presença do Helicobacter pylori: Teste da saliva e Ensaios urinários. Estes testes são IgG específicos para Helicobacter pylori.

7.2.3 - Presença do Antígeno Fecal no Diagnóstico do Helicobacter pylori

A determinação imunoenzimática do antígeno nas fezes, é um novo método desenvolvido para detectar a presença do Helicobacter pylori. É conhecido como HpSAT (Helicobacter pylori Stool Antigen Test) encontraram sensibilidade de 89-100% e especificidade de 83-100% em pacientes sintomáticos não tratados.

7.2.4 - Teste Respiratório com Uréia Marcada com Isótopo de Carbono

O teste respiratório com uréia marcada por radioisótopos, determina a presença da atividade da urease produzida pela bactéria no trato gastrointestinal. A uréia marcada com carbono 13 ou 14 (13C, 14C) é hidrolizada no estômago pela ação da urease e convertida em amônia e bicarbonato contendo o isótopo. Este bicarbonato marcado é absorvido pela mucosa gástrica e liberado na expiração .

Os testes respiratórios são os que mais se aproximam do método não invasivo ideal para o diagnóstico e controle da erradicação da infecção pelo Helicobacter pylori. Possuem sensibilidade de 90-95% e especificidade de 90-100%, tanto em crianças quanto em adultos.

 

8. TRATAMENTO

Até 1910, o tratamento das "gastrites" era totalmente empírico, iniciando-se, a partir de então, tratamento utilizando antiácidos e uma dieta a base de leite, ovos e derivados, visando a neutralização da acidez gástrica. Em 1972, a descoberta dos receptores H2, marca o início da fase contemporânea e, finalmente, a fase atual, inicia-se com a identificação do Helicobacter pylori.

A terapia de erradicação é recomendada em crianças que tenham infecção ativa pelo Helicobacter pylori e doença gastroduodenal sintomática. A infecção ativa pelo Helicobacter pylori é definida, pela identificação da bactéria através do exame histopatológico ou cultura positiva do fragmento de biópsia gástrica.

8.1. Úlcera Gástrica e Duodenal

O tratamento de erradicação é recomendado para crianças que apresentem úlcera gástrica ou duodenal identificada pela endoscopia e a presença do Helicobacter pylori documentada pela histopatologia. Uma história anterior de doença ulcerosa gástrica ou duodenal é também indicação de tratamento, se infecção ativa pelo Helicobacter pylori for identificada.

8.2. Linfoma

Os raros casos de crianças com evidência de linfoma do tipo MALT e infecção pelo Helicobacter pylori, devem ser tratadas com esquema de erradicação. Entretanto, estudos com acompanhamento à longo prazo, devem ser realizados para monitorar a recorrência, a progressão ou a remissão do tumor após o tratamento.

8.3. Gastrite Atrófica e Metaplasia Intestinal

A terapêutica de erradicação é recomendada em crianças, com gastrite atrófica ou metaplasia intestinal associada a infecção pelo Helicobacter pylori, demonstrado por estudo histopatológico, segundo os critérios de Sydney modificado. Devido à natureza pré-neoplásica destas alterações, o acompanhamento endoscópico é recomendado, para confirmar que a erradicação foi alcançada, e que não existem evidências de progressão da doença na mucosa gástrica.

8.4. Gastrite Sem Doença Úlcero-Péptica

A gastrite associada ao Helicobacter pylori, na ausência de doença ulcerosa ao exame endoscópico, constitui um dilema terapêutico para o pediatra. Estudos em adultos, sobre os efeitos da erradicação nos sintomas abdominais, têm sido controversos. Não existem trabalhos randomizados em crianças. O impacto da erradicação do Helicobacter pylori e da cura da gastrite, sobre o desenvolvimento subsequente de úlcero péptica, adenocarcinoma ou linfoma é incerto. Embora, a associação entre a gastrite pelo Helicobacter pylori e doença ulcerosa péptica, seja bem estabelecido, não há estudos controlados demonstrando que a erradicação da bactéria, previna o desenvolvimento da úlcera. Também não existem dados demonstrando que a terapia de erradicação diminua o risco de desenvolvimento do câncer gástrico. Além disso, o tratamento com antibiótico pode resultar em reações adversas às drogas e resistência bacteriana. Portanto, até o momento não há consenso sobre a terapia de erradicação em crianças com gastrite, na ausência de doença úlcero péptica.

8.5. Esquemas Terapêuticos

O sucesso da terapia anti-Helicobacter pylori irá depender de vários fatores, como a escolha correta de um esquema terapêutico e a aderência do paciente a este.

O Helicobacter pylori parece ser resistente à cimetidina, ao sucralfato e aos antiácidos. Os inibidores da bomba de prótons (omeprazol, lansoprazol e pantoprazol), possuem discreto efeito bacteriostático sobre o Helicobacter pylori. Entretanto seu principal papel na terapêutica anti-Helicobacter pylori, consiste na inibição ácida, facilitando, assim, a ação dos antimicrobianos, que, de forma geral, agem melhor em pH neutro.

Os resultados de experiências clínicas utilizando monoterapia antimicrobiana, foram desapontadores.

Atualmente, a estratégia consiste na utilização de um anti secretor, usualmente um inibidor de bomba protônica, associado a dois ou três antibacterianos por um período de 7 a 17 dias, sendo a tendência mais atual tratar durante 7 dias.

Os esquemas terapêuticos recomendados em crianças estão na tabela 1.

 

REFERÊNCIAS

1. MÉGRAUD, F. et al. Seroepidemiology of Campylobacter pylori infection in various populations. J Clin Microbiol, v. 27, p. 1870-1873, 1989.

2. CAVE, D.R.; HOFFMAN, J.S. Management of Helicobacter pylori infection in ulcer disease. Hosp Pract, v. 31, p. 63-75, 1996.

3. FELDMAN, R.A.; ECCERSLEY, J.P.; HARDIE, J.M. Epidemiology of Helicobacter pylori: acquisition, transmission population prevalence and disease to infection ratio. BMB, v. 54, p. 38-53. 1998.

4. JONES, D.M. et al. Antibody to the Campylobacter - like organism ("Campylobacter pyloridis") - clinical correlations and distribuition in the normal population. J Med Microbiol, v. 22, p. 57-62, 1986.

5. FIEDOREK, S.C. et al. Factors influencing the epidemiology of Helicobacter pylori infection in children. Pediatrics, v. 88, p. 578-582, 1991.

6. MENDALL, M.A. et al. Childhood living conditions and Helicobacter pylori seropositivy in adulto life. Lancet, v. 339, p. 896-897, 1992.

7. MITCHELL, H.M. et al. Epidemiology of Helicobacter pylori in Southern China: identification of early childhood as the critical period for acquisition. J Infect Dis, v. 166, p. 149-153, 1992.

8. MÉGRAUD, F. et al. Transmission of Helicobacter pylori: faecal-oral versus oral-oral route. Aliment Pharmacol Ther, v. 9 (Suppl. 2), p. 85-91, 1995.

9. MAPSTONE, N.P. et al. Identification of Helicobacter pylori DNA in the mouths and stomachs of patients with gastritis using PCR. J Clin Pathol, v. 46, p. 540-543, 1993 a.

10. BANATVALA, N. et al. Helicobacter pylori in dental plaque. Lancet, v. 341, p. 380, 1993.

11. MARSHALL, B.J.; WARREN, J.R. Unidentified curved bacillus on gastric epithelium in active chronic gastritis. Lancet, v. 1, p. 1273-1275, 1983.

12. BUJANOVER, Y.; REIF, F.; YAHAV, J. Helicobacter pylori and peptic disease in the pediatric patient. Pediatr Clin North Am, v. 43, p. 213-229, 1996.

13. ERNST, P.B.; CROWE,S.E.; REYES, V.E. How does Helicobacter pylori cause mucosal damage? The inflamatory response. Gastroenterology, v. 133, p. 35-42, 1997..

14. BASSO, D. et al. Analysis of Helicobacter pylori vac A and cag A genotypes and serum antibody profile in bening and malignant gastroduodenal diseases. GUT, v. 43, p. 182-186, 1998.

15. NOACH, L.A. et al. Mucosal tumor necrosis factor-alpha, interleukin-1 beta, and interleukin-8 production in pacients with Helicobacter pylori infection. Scand J Gastroenterol, v. 29, p. 425-429, 1995.

16. BLASER, M.J. Hypothesis on the pathogenesis and natural history of Helicobacter pylori induced inflammation. Gastroenterology, v. 102, p. 720-727, 1992..

17. DIXON, M.F. et al. Classification and granding of gastritis. The update Sydney System. Am J Surg Pathol, v. 20, p. 1161-1179, 1996.

18. ANDERSEN, L.P. et al. Am Analysis of seven different methods to diagnose Helicobacter pylori infections. Scand J Gastroenterol, v. 33, p. 24-30, 1998.

19. GLUPCZYNSKI, Y. Microbiological and serological diagnostic tests for Helicobacter pylori: na overview. Acta Gastroenterol Belg, v. LXI, p. 321-326, 1998.

20. COELHO, L.G.V. et al. Azithromycin, furazolidone, and omeprazol: a promising, low-dose, low-cost, short-term, anti-H.pylori triple therapy. Gastroenterology ,v. 114,(part 2): A94, 1998.