Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

Logo Soperj

Número atual: 24(3) - Setembro 2024

Comunicaçao breve

Doenças coincidentes com características semelhantes na listagem oficial ampliada do rastreamento neonatal

Coincident diseases with similar characteristics in the expanded official neonatal screening list

 

Letícia Santiago da Silva Ferreira1; Gabriela Mateus Falcoeiras1; Manuela de Queiros Mattoso Mocelin1; Luiza Maria Alves Vieira1; Alda Maria V. L. Chiesse Coutinho1; Yasmin A Mansur1; Glaucia Macedo de-Lima2

 

DOI:10.31365/issn.2595-1769.v24i3p103-107

1. Faculdade Souza Marques - FTESM, Aluna do Programa de Iniciação Científica do Curso de Medicina - Rio de Janeiro - RJ - Brasil
2. Faculdade Souza Marques - FTESM, Professora Adjunta do Curso de Medicina - Rio de Janeiro - RJ - Brasil

 

Endereço para correspondência:

glauciamacedo@id.uff.br

Instituição: Faculdade Souza Marques - FTESM, Professora Adjunta do Curso de Medicina - Rio de Janeiro - RJ - Brasil

Recebido em: 14/05/2024

Aprovado em: 03/10/2024

 

Resumo

Em obediência à lei brasileira que determinou a ampliação do quantitativo de doenças a serem rastreadas nos recém-nascidos assistidos pelo Sistema Único de Saúde, o Ministério da Saúde autorizou a ampliação do "Teste do Pezinho", de seis para 60 doenças raras. O objetivo deste breve relato é registrar que, no estudo das 59 doenças listadas para rastreamento, verificou-se que algumas eram coincidentes, porém foram apresentadas com siglas diferentes. A vasta revisão bibliográfica permitiu identificar 53 doenças no total (46 novas patologias). Os autores ratificam a necessidade de abrangência sempre diversificada na busca do reconhecimento de doenças raras, devido à complexidade dos agravos que se apresentam na criança acometida, quando o diagnóstico é tardio.

Palavras-chave: Triagem neonatal. Doenças raras. Erros inatos do metabolismo dos aminoácidos. Galactosemia. Distúrbios congênitos do ciclo da ureia.


Abstract

In compliance with the Brazilian law that determined the number of diseases to be screened for in newborns assisted by the Unified Health System, the Ministry of Health authorized the expansion of the "Heel Prick Test" from six to 60 rare diseases. This brief report aims to record that, in the study of the 59 diseases listed for screening, some were coincidental but were presented with different acronyms. The extensive bibliographic review allowed the identification of 53 diseases in total (46 new pathologies). The authors confirm the need for a diversified scope in the search for recognition of rare diseases, due to the complexity of the problems in the affected child, when the diagnosis is late.

Keywords: Neonatal screening. Rare diseases. Inborn errors fatty acids. Galactosemia. Urea cycle disorders. Inborn.

 

INTRODUÇÃO

O teste de triagem neonatal metabólica - Teste do Pezinho - é um exame de triagem primordial para a saúde de recém-nascidos (RNs), por possibilitar diagnóstico precoce de diversas patologias e, oportunamente, a condução de fluxo de tratamento precoce, reduzindo eventuais sequelas relativas às comorbidades.

No Brasil, o exame contava, basicamente, com seis doenças: hipotireoidismo congênito, fenilcetonúria, anemia falciforme/hemoglobinopatias, fibrose cística do pâncreas, deficiência da biotinidase e hiperplasia adrenal congênita. Em julho de 2023, o Rio de Janeiro - que já possuía a toxoplasmose congênita, além das seis outras doenças básicas em sua triagem - absorveu, através do programa ampliado, a possibilidade de rastreamento total de 60 doenças, sendo 53 novas, pertencentes aos distúrbios de beta-oxidação de ácidos graxos, distúrbios dos ácidos orgânicos, aminoacidopatias / distúrbios do ciclo da ureia e galactosemias. 1-15

 

OBJETIVOS

Apresentar coincidências de doenças encontradas na lista oficial das novas doenças raras do Teste do Pezinho Ampliado, elencadas pelo Ministério da Saúde (MS), que foram percebidas na revisão bibliográfica, em estudo de Iniciação Científica em Faculdade de Medicina, a pedido e em cooperação com a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais do Rio de Janeiro (APAE-Rio), responsável por estes exames no Sistema Único de Saúde (SUS).

 

MÉTODOS

Por meio de ampla busca na literatura, durante o propósito de criação da linha de cuidados mínimos indispensáveis a RNs positivados na triagem das novas doenças da triagem ampliada, os autores apresentam e discorrem sobre aspectos errôneos e/ou repetidos encontrados na formulação da listagem das 53 novas doenças elencadas pelo MS.

 

RESULTADOS

Neste registro da primeira versão da Ampliação do Teste de Rasreamento Nenatal, 53 novas doenças seriam estimadas no Rio de Janeiro, onde já se encontrava incluída a toxoplasmose, por ocasião da ampliação do rastreamento a partir de 2023, e totalizariam 60 doenças na ampliação pelo SUS.

Como cinco destas 52 doenças apresentaram a mesma característica à consulta bibliográfica de outras doenças relatadas, elas foram excluídas e apenas 46 doenças novas foram elencadas em 2023, o que, somado às sete doenças que o rastreamento neonatal pelo SUS já contemplava em 2023, totalizou 53 doenças no total nesta etapa da ampliação do teste.

Das 52 doenças da listagem inicial, verificou-se que:

a) Das três "galactosemias": uma das listadas, não era "doença", mas sim o nome dado ao exame de identificação de galactosemias - "galactose total": enzima imuno-colorimétrico - papel filtro - Exame confirmatório é espectometria - plasma.

b) Dos 13 distúrbios de beta-oxidação de ácidos raxos, a MCAD deficiência de acil-coAdesidrogenase de cadeia média (MCAD) estava também incluída em outro grupo na listagem com igual nome, o que foi retirado.

c) Mais duas doenças se repetiam, em pares, com nomes diferentes nas 19 aminoacidopatias / distúrbio do ciclo da ureia: c1) Leucionose (MSDU) é a mesma doença da urina do xarope do bordo (MSUD); c2) tirosinemia tipo I (TYR I) - (das aminoacidopatias / distúrbio do ciclo da ureia) ou tirosinemia 1 succnilacetona (dos distúrbios da beta-oxidação dos ácidos graxos); c3) fenilcetonúria já é patologia incluída no rastreamento metabólico básico do recém-nascido há muitos anos (foi retirada como "nova doença").

d) Dos 15 distúrbios dos ácidos orgânicos / distúrbios da beta-oxidação dos ácidos graxos e das acidemias orgânicas: d1) deficiência de beta-cetotiolase (BKT) apresenta características da acidúria 2-metil-3-hidroxibutírica (2M3HBA).

Constatou-se que a ampliação da triagem neonatal, antes divulgada como abrangente a mais 53 doenças (totalizando 60), em função das características coincidentes encontradas na literatura, totalizou 46 novas doenças acrescentadas na prática, além das sete já contempladas no Rio de Janeiro.

 

CONCLUSÕES

O Ministério da Saúde anunciou 53 novas doenças que poderiam ser incluídas nos testes de ampliação do rastreamento metabólico neonatal no Rio de Janeiro, nos quais já se incluía a toxoplasmose. Sete doenças já estavam disponibilizadas para rastreamento em 2023, e das 52 listadas à primeira etapa, cinco foram descritas na literatura consultada com características coincidentes, totalizando 46 novas doenças. Estas, somadas às sete doenças já contempladas à ocasião, totalizaram 53 doenças a partir de 2023 (e não 60 doenças no total, como inicialmente anunciado).

Há necessidade de ampliar a pesquisa acerca de patologias raras, porque muitas não possuem estudos nem correta identificação, o que dificulta o acesso a informações. Algumas das características descritas foram encontradas em pesquisas australianas e alemãs, com informações duplicadas, provavelmente, em virtude inclusive da dificuldade de tradução. Ratifica-se aqui a necessidade de um olhar diferenciado para os nomes e siglas das doenças raras, na promoção de prognóstico oportuno aos pacientes.

 

REFERÊNCIAS

1. Sihoun HB, Rand EB. Galactosemia: Clinical features and diagnosis. UpToDate. Junho 2023. Disponível em: https://medilib.ir/uptodate/show/2928

2. CONITEC. Triagem neonatal para galactosemia. Relatório de recomendação. Publicado: maio/2018.Disponível 10 jul. 2023 em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/consultas/relatorios/2018/sociedade/resoc96_triagem_neonatal_galactosemia.pdf

3. Hospital Sant Joan de Déu. Unidade de Doenças Metabólicas. Deficiência de Acil-Coa Deshidrogenase Cadeia Média (MCAD). Guía Metabólica. Barcelona, 2023. Disponível em: https://metabolicas.sjdhospitalbarcelona.org/sites/default/files/mcad_portugues_provisorio.pdf

4. Andresen BS, Bross P, Jensen TG, Knudsen I, Winter V, Kølvraa S, Bolund L, Gregersen N. Molecular diagnosis and characterization of medium-chain acyl-CoA dehydrogenase deficiency. Scand J Clin Lab Invest Suppl. 1995;220: 9-25. PMID: 7652482.

5. Vargas CR, et al. O valor do jejum no diagnóstico da deficiência de acil-CoAdesidrogenase de cadeia média. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial, Scielo, v. 56, 2020. https://doi.org/10.5935/1676-2444.20200011

6. MCAD Deficiency (org.). Mayo Clinic. Foundation for Medical Education and Research. 2023. Disponível em 20 jun. 2023 em: https://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/mcad-deficiency/diagnosis-treatment/drc-20353747

7. CONITEC. Triagem neonatal por espectrometria de massas em tandem (MS/MS) para detecção da deficiência de acilCoA desidrogenase de cadeia média (MCADD). Brasília, 2022. Disponível em 2023: https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/relatorios/2022/20221228_Relatorio_792_tandem_mcadd.pdf

8. Chuang DT, Shih VE, Max Wynn RR. Doença da urina do xarope de bordo (cetoacidúria de cadeia ramificada). In: Valle DL, Antonarakis S, Ballabio A, Beaudet AL, Mitchell GA. edição. As bases metabólicas e moleculares on-line das doenças hereditárias. Educação McGraw-Hill; 2019. Acesso em: 10 maio 2024. https://ommbid.mhmedical.com/content.aspx?bookid=2709§ionid=225084607

9. Herber S. Doença da Urina do Xarope do Bordo no Brasil: Um panorama das duas últimas décadas. 2012. 88 f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Medicina, Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2012.

10. Disponível em jul. 2023: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5065493/mod_resource/content/1/Leucinose%20%20-%20Pediatric%20Nutrition%20Ekvall2005.pdf

11. Frazier DM, Allgeier C, Homer C, Marriage BJ, Ogata B, Rohr F, Splett PL, Stembridge A, Singh RH. Nutrition management guideline for maple syrup urine disease: an evidence- and consensus-based approach. Mol Genet Metab. 2014 Jul;112(3):210-7. doi: 10.1016/j.ymgme.2014.05.006. PMID: 24881969.

12. Abdelkreem E, Otsuka H, Sasai H, et al. Deficiência de beta-cetotiolase: resolvendo desafios no diagnóstico. Jornal de Erros Inatos de Metabolismo e Triagem. 2016;4. doi: 10.1177/2326409816636644

13. Australia. Government of Western Australia. Deficiência de beta-cetotiolase (BKT). [Western]: Department of Health. Disponível em: 26 jul. 2023. <https://www.health.wa.gov.au/Articles/U_Z/WA-Newborn-Bloodspot-Screening- Program/Conditions-screened-for-in-WA/Beta-ketothiolase-deficiency>.

14. Compêndio de doenças raras de A a Z. Instituto Vidas Raras/Sociedade Brasileira de Genética Médica. P.248-249; 2021. 5C50.11; Tyrosinaemia type I. ICD-11 for mortality and morbidity statistics. 2023.

15. Coelho JG. Efeito da administração aguda e crônica da L-tirosina sobre parâmetros de estresse oxidativo em fígado e em cérebro de ratos jovens. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), Porto Alegre, 2013.