Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 23(1) - Março 2023

Artigo de Revisao

Testículos não descidos e infertilidade: uma revisão bibliográfica

Undescended testicles and Infertility: a bibliographic Review

 

Renata Thomaz Katzenelson; Samela Nunes Alecrim; Cibele Maria Silva; Daniela Silvestre; Pedro Izzo

 

DOI:10.31365/issn.2595-1769.v23i1p26-28

Hospital Universidade São Francisco na Providência de Deus, Serviço de Cirurgia Pediátrica - Bragança Paulista - São Paulo - Brasil

 

Endereço para correspondência:

Renata Thomaz Katzenelson
renata.katzenelson@hotmail.com

Instituição: Hospital Universidade São Francisco na Providência de Deus, Serviço de Cirurgia Pediátrica - Bragança Paulista - São Paulo - Brasil


Recebido em: 02/05/2022
Aprovado em: 06/11/2022

 

Resumo

Os testículos não descidos são as anormalidades congênitas mais comuns do trato geniturinário. São classificados, em relação à ausência do testículo na bolsa testicular, como criptorquídeos, ectópicos, retráteis ou ausentes por agenesia. A etiologia ainda não está esclarecida. A descida espontânea ocorre em até três meses de idade em 90% dos casos. O tratamento para os testículos não descidos é quase sempre cirúrgico. Tal procedimento tende a minimizar possíveis danos decorrentes da exposição a altas temperaturas dos testículos fora da bolsa testicular. Para cada mês em que o testículo permanece ausente da bolsa, há uma depleção de 2% de células germinativas e de 1% de células de Leyding, o que corrobora a redução da fertilidade na vida adulta. Assim, é primordial salientar aos pais e pediatras a importância do seguimento e intervenção precoce dos testículos não descidos.

Palavras-chave: Distopia Testicular. Criptorquidia. Testículo não descido. Infertilidade.


Abstract

Undescended testicles are the most common congenital abnormalities of the genitourinary tract. They are classified, in relation to the absence of the testis in the testicular pouch, as cryptorchid, ectopic, retractable or absent by agenesis. The ethology is not yet declared. The occurrence of months occurs up to 3 months in 90% of the years. Treatment for undescended testicles is almost always surgical. This tends to minimize the potential damage caused by exposure to high temperatures of the testicles outside the testicular pouch. For each month that the testis remains absent from the scrotum, there is a 2% depletion of germ cells and 1% of Leyding cells, which corroborates the reduction of fertility in adulthood. Thus, it is essential to emphasize to parents and pediatricians the importance of follow-up and intervention of undescended testicles.

Keywords: Testicular dystopia. Cryptorchidism. Undescended testicle. Infertility.

 

Introdução

A distopia testicular é a anormalidade congênita mais comum do trato geniturinário. Os testículos podem ser criptorquídeos, quando estão ausentes da bolsa testicular porém localizados em seu trajeto ontogenético; ectópicos, quando estão fora do seu trajeto ontogenético; ausentes, devido a agenesia ou atrofia secundária devido ao comprometimento vascular intrauterino; ou retráteis, quando se situam na bolsa testicular, mas por reflexo cremastérico se retraem até o canal inguinal.1 Após o diagnóstico, é de extrema importância a correção da anormalidade, uma vez que o não tratamento acarreta sequelas significativas, como a infertilidade progressiva. Este artigo revisará diagnóstico, indicação cirúrgica e sequelas, com ênfase na infertilidade.2

 

Objetivo

O objetivo do presente estudo é realizar um levantamento bibliográfico de artigos publicados no PubMed, Europe PMC, de forma sistemática revisando o diagnóstico, indicação cirúrgica e sequelas com ênfase na infertilidade de pacientes com distopia testicular.

 

Discussão

A distopia testicular ocorre quando um ou ambos os testículos se encontram fora, ou mais de 50% do tempo fora da bolsa testicular. Geralmente a descida espontânea do testículo ocorre até três meses de idade em 90% dos casos nos recém-nascidos a termo, e até os seis meses de idade nos prematuros, sendo rara a descida espontânea após os seis meses. Sua incidência é de aproximadamente 3% a 5% entre os recém-nascidos a termo, sendo taxas mais altas em prematuros e/ou baixo peso ao nascimento. A etiologia ainda não está esclarecida, podendo estar relacionada a alterações endócrinas, mecânicas, genéticas ou anatômicas.3

O testículo não descido pode ser unilateral (66%) ou bilateral (10%), ocorrendo no lado direito em até 70% dos casos. Os testículos podem ser palpáveis quando localizados na região inguinal e supraescrotal; ectópicos, por exemplo, na raiz da coxa; ou retrátil e não palpáveis quando são intraabdominais, hipotróficos ou ausentes.4

Para o diagnóstico, o paciente deve ser examinado em sala com ar ambiente, posição decúbito dorsal e pernas fletidas. O escroto é observado para hipoplasia e examinado quanto à presença visível dos testículos. O primeiro passo é dedilhar o canal inguinal em direção ao escroto, empurrando estruturas subcutâneas em direção ao escroto, não devendo palpar a bolsa testicular de imediato para não estimular o reflexo cremastérico. O exame físico pode ser difícil em pacientes obesos e com cócegas.5 O complemento com exame de imagem não é recomendado, pela baixa sensibilidade.6

O tratamento para os testículos não descidos é quase sempre cirúrgico. Historicamente, a terapia hormonal foi tentada antes da cirurgia, mas não provou ser eficaz na descida testicular, sendo contraindicada pelos principais consensos e diretrizes internacionais. Alguns centros usam a terapia hormonal como adjuvante à terapia cirúrgica na tentativa de melhorar a fertilidade.7 Segundo as guidelines das Sociedades Americana e Europeia de Urologia, o tratamento cirúrgico como a orquidopexia para testículos palpáveis e exploração cirúrgica via inguinal, ou laparoscopia em testículos não palpáveis, estão indicados para todos os pacientes entre 6 a 18 meses de vida, com o objetivo de preservar o potencial de fertilização, salvo nos casos associados a hérnia inguinal, o que anteciparia a abordagem cirúrgica no ato do diagnóstico.8,9

Dentre as sequelas/complicações em relação à distopia testicular, temos: câncer de testículos (mais comum), infertilidade, traumas psicológicos e torção testicular. Um dos aspectos mais estudados é a associação da distopia ou ectopia testicular com a infertilidade, pois ao longo do tempo, tendem a causar uma série de alterações fisiológicas nos testículos, daí a importância do diagnóstico precoce.10,11

A temperatura média da bolsa testicular é de 33ºC, e quando o testículo se encontra fora da bolsa testicular, fica exposto a temperaturas mais elevadas, como na cavidade abdominal, 37ºC, e na região inguinal, 34 a 35ºC. Isso causa alterações na morfologia e nas funções fisiológicas testiculares (fibrose intersticial, redução do volume testicular, atrofia dos túbulos seminíferos e diminuição da vascularização) e acaba resultando na diminuição da espermatogênese.12

A lesão histológica do testículo não descido inicia-se a partir de seis meses de idade, e é irreversível. A partir dos dois anos, quando não corrigida cirurgicamente, há intensificação dessas alterações histológicas (atrofia tubular grave), com redução no número total de células germinativas e de Leydig.13 A postergação do tratamento cirúrgico está associada a depleção celular, que representa a perda em 2% por mês de células germinativas e de 1% por mês de células de Leyding por cada mês em que testículo permanece ausente da bolsa testicular, e um risco 50% maior de depleção de células germinativas em testículos criptorquídeos não palpáveis em relação aos criptorquídeos palpáveis.14

Faltam estudos que correlacionem a taxa de depleção de células germinativas após a orquidopexia com a diminuição da fertilidade.13,14 O acompanhamento pós-operatório deve ser realizado anualmente até o início da vida adulta.15 O seguimento com a medida do volume testicular por palpação clínica ou pelo uso de um orquidômetro são avaliações subjetivas e imprecisas. Vale lembrar que o volume testicular de testículos não descidos antes dos seis meses de idade já é menor quando comparado ao de testículos presentes na bolsa testicular.15

O espermograma deve ser realizado, depois da puberdade, para avaliar alterações histológicas e funcionais, a fim de determinar oligoespermia ou azooespermia, achados importantes para se definir eventual infertilidade.16 Deve-se sempre orientar os familiares quanto à possibilidade de infertilidade e a importância do seguimento.17

 

Conclusão

A distopia e ectopia testicular são uma doença progressiva. Por isso, deve-se salientar aos pais e pediatras a importância do seguimento e intervenção precoce em testículos não descidos. Há o risco contínuo e progressivo de perda de células germinativas e Leyding, o que corrobora para a diminuição da fertilidade.

 

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