Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 22(4) - Dezembro 2022

Artigos de Revisao

Repercussões de práticas da unidade básica de saúde na completude vacinal de crianças de 0 a 5 anos: revisão integrativa

Repercussions of basic health unit practices on vaccination completeness in children aged 0 to 5 years: an integrative review

 

Dara Kretchsmer Amorim; Alice de Castro Algayer; Etienny de Brito Dias Fernandes; Carolina Roberta Ohara Barros e Jorge da Cunha

 

DOI:10.31365/issn.2595-1769.v22i4p174-183

Universidade do Estado de Mato Grosso, Curso de Medicina - Faculdade de Ciências da Saúde - Cáceres - Mato Grosso - Brasil

 

Endereço para correspondência:

carolinaohara@unemat.br

Recebido em: 23/12/2021

Aprovado em: 23/09/2022

 

Resumo

INTRODUÇÃO: A vacinação é um dos pilares da prevenção da morbimortalidade infantil. No Brasil, há vários fatores que corroboram a incompletude vacinal, como as diferentes condições socioeconômicas da população e sua dificuldade de acesso aos centros de saúde. Objetivos: A presente revisão integrativa tem por objetivo discorrer sobre os impactos na completude vacinal em crianças de 0 a 5 anos, por meio de práticas da atenção básica à saúde.
MÉTODOS: As buscas nas bases BVS, LILACS, SciELO, Cochrane, ScienceDirect e Periódicos CAPES (dezembro/2020) recuperaram 10 produções predominantemente quantitativas e publicadas em periódicos nacionais.
RESULTADOS: Evidenciou-se que os serviços que precisam ser otimizados na Unidade Básica de Saúde, no contexto da Equipe de Saúde da Família, pertencem a três eixos principais, apontados como causas da incompletude pelos estudos selecionados. Em síntese, sugere-se que as equipes foquem na busca ativa e na redução das perdas de oportunidade, o que se relaciona, em última análise, à capacitação dos profissionais. Tal formação continuada tem impacto sobre o segundo eixo causal, que envolve a desinformação da equipe e orientação das famílias acerca da temática.
CONCLUSÃO: O estabelecimento do vínculo da família com o serviço mostrou-se indispensável na prática da ESF, com o propósito de minimizar as lacunas na vacinação infantil ofertada na rede pública.

Palavras-chave: Cobertura vacinal. Centros de Saúde. Atenção Básica à Saúde.


Abstract

INTRODUCTION: Vaccination is one of the pillars of prevention of infant morbidity and mortality. In Brazil, there are several factors that contribute to vaccination incompleteness, such as the population's different socioeconomic conditions and the difficulty of access to health centers.
OBJECTIVE: This integrative review aims to discuss the impacts of primary health care practices on vaccine completeness in children aged 0 to 5 years.
METHODS: The searches in BVS, LILACS, SciELO, Cochrane, ScienceDirect and CAPES Journals (December/2020) databases retrieved 10 predominantly qualitative, nationally published productions. Data synthesis: Services that need to be optimized in the Basic Health Unit, in the context of the Family Health Team, belong to three main axes, pointed out as causes of incompleteness by the selected studies. In summary, it is suggested that teams focus on active search and on reducing missed opportunities, which is ultimately related to the training of professionals. Such continued training has an impact on the second causal axis, which involves the team's lack of information and the families' lack of guidance on the subject. In view of this, the establishment of the link between the family and the service has proven to be indispensable in the practice of the FHS, in order to minimize the gaps in childhood vaccination offered by the public network.
CONCLUSIONS: It is fundamental to emphasize the importance of the service provided and to stimulate strategies that have repercussions on the mentioned three axes.

Keywords: Vaccine Coverage. Health Centers. Primary Health Care.

 

INTRODUÇÃO

Em um contexto de políticas públicas de atenção à saúde no Brasil, é válido ressaltar a importância da saúde da criança, sendo que sua sobrevivência, proteção, crescimento e desenvolvimento são bases fundamentais para o desenvolvimento humano.1 Por essa razão, a temática é considerada prioritária em debates sobre saúde e desenvolvimento, tendo sido inserida nos Objetivos do Milênio e nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.2

No Brasil, isso refletiu na criação, em 2015, do Programa Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC), que em conjunto com o Programa Nacional de Imunizações (PNI), teve impactos positivos nos indicadores de saúde relacionados à redução da mortalidade infantil, ampliação do acesso aos serviços de saúde, avanços nos índices de aleitamento materno, redução da desnutrição, bem como o aumento da cobertura vacinal.3

O Programa Nacional de Imunizações (PNI) atende às expectativas da Organização Mundial da Saúde ao disponibilizar os imunobiológicos previstos no calendário a todas as crianças. Sendo assim, esse programa regulamenta, implanta e fiscaliza as políticas e ações de imunização no país.4,5 Cabe às equipes multidisciplinares da Estratégia de Saúde da Família (ESF) implementar a puericultura. Esta consiste no acompanhamento regular e minucioso das crianças para avaliação do crescimento e desenvolvimento, sobretudo até os cinco anos de idade, além de instruir sobre o aleitamento materno, prevenção de acidentes, introdução alimentar e higiene individual e ambiental.6 É dentro desse conjunto de ações da atenção básica que se insere a vacinação infantil, um dos pilares da prevenção da morbimortalidade infantil no país.7,8

A imunização infantil corresponde a um processo ativo que requer, essencialmente, a iniciativa do cuidador. Em um estudo multicêntrico, por exemplo, fatores pertinentes aos atrasos e não vacinação divergiram segundo região e condição socioeconômica. Isto é, em localidades mais desfavorecidas, nas quais convergem impasses culturais, educacionais e estruturais, há menor adesão e, consequentemente, menor completude vacinal.9

Botucatu (SP), por exemplo, foi objeto de um estudo que buscou analisar determinantes concatenados ao atraso vacinal. Seus resultados ilustram essa propensão em famílias maiores, sobretudo quando a quantidade de filhos é maior, por pulverizar e reduzir a renda per capita.10 A associação entre a baixa escolaridade e a incompletude vacinal foi apresentada em outra pesquisa.11 Todavia, percebe-se que, nas localidades em que a ESF é estruturada, há melhor cobertura vacinal, independentemente dos princípios socioeconômicos elencados, salientando-se a correlação entre a completude vacinal das crianças e as intervenções da atenção básica à saúde.12

Dentro das políticas públicas, são condutas para a completude vacinal de crianças e, portanto, redução da morbimortalidade infantil, a efetivação das atividades de puericultura dentro das Unidades Básicas de Saúde (UBS).10,12,13 Esta se concretiza por meio de consultas periódicas e, ainda, visitas domiciliares, que cumprem as avaliações e os esquemas vacinais exigidos na Caderneta de Saúde da Criança, além da promoção de campanhas de vacinação, de orientação em saúde e parcerias da UBS com pré-escolas da área de abrangência.14,15

Ademais, é imprescindível que os profissionais das salas de vacinação e os beneficiários estejam informados acerca das indicações de adiamento de vacinas e contraindicações, visando reduzir a perda de oportunidade de vacinação.5

Diante do cenário nacional exposto, que evidencia as dificuldades de cobertura vacinal infantil perante diferenças socioeconômicas presentes no país e a dificuldade de acesso aos centros de saúde pela população, objetiva-se discorrer sobre a repercussão de ações da atenção básica à saúde na completude vacinal de crianças de 0 a 5 anos.

 

MÉTODOS

O presente estudo consiste em uma revisão integrativa da literatura científica, por meio de evidências consolidadas acerca do impacto de ações da atenção primária à saúde na completude vacinal infantil. Para tanto, adotaram-se seis estágios propostos por Mendes, Silveira e Galvão:16 (1) identificação do tema e da questão norteadora; (2) estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão; (3) categorização dos estudos; (4) avaliação dos estudos; (5) interpretação dos resultados; e (6) síntese do conhecimento.

Em consonância com protocolos internacionais para estudos de revisão integrativa, segundo Santos, Pimenta & Nobre,17 a questão norteadora foi definida pelo método PICO (P: participantes. I: intervenção. C: comparação. O: resultado/desfecho), ficando redigida como: qual o impacto (O) de ações da Unidade Básica de Saúde na completude vacinal (I) de crianças de 0 a 5 anos (P)? Como esse estudo não almejou instituir uma comparação entre área de atuação e os cenários de atuação, o critério C não foi utilizado na redação do questionamento, fato já previsto na metodologia PICO para algumas situações.

A revisão fundamentou-se no formulário internacional para estudos de revisão sistemática e metanálises, o PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses). Esse sistema foi empregado para orientar o delineamento do presente estudo em termos de sua execução e escrita a partir de 27 tópicos de verificação para avaliação de revisões sistemáticas da literatura.18 Dois avaliadores equânimes realizaram a seleção dos trabalhos. Em situações de divergência, consultou-se um terceiro avaliador.

 

BASES INDEXADORAS E UNITERMOS EMPREGADOS

De modo a ampliar as fontes de evidência científica, foram consultadas as seguintes bases/bibliotecas: BVS, LILACS, SciELO, Cochrane, ScienceDirect e Periódicos CAPES. Os unitermos utilizados na pesquisa, consultados previamente no DeCS (Descritores em Ciências da Saúde), foram "Cobertura vacinal/Vaccination Coverage", "Centros de saúde/Health Centers", "Atenção primária à saúde/Primary Health Care".

Somente o primeiro unitermo foi utilizado isoladamente, consistindo em uma combinação de busca. As demais foram: "Cobertura vacinal/Vaccination Coverage" AND "Centros de saúde/Health Centers"; "Cobertura vacinal/Vaccination Coverage" AND "Atenção primária à saúde/Primary Health Care"; "Centros de saúde/Health Centers" AND "Atenção primária à saúde/Primary Health Care"; e "Cobertura vacinal/Vaccination Coverage" AND "Centros de saúde/Health Centers" AND "Atenção primária à saúde/Primary Health Care".

 

CRITÉRIOS DE INCLUSÃO E DE EXCLUSÃO

Foram incluídas produções científicas completas, indexadas nas bases selecionadas, nos idiomas português e/ou inglês, publicados entre janeiro de 2011 a dezembro de 2020, que tiveram a temática relacionada com o objetivo do estudo e possibilitaram responder à questão norteadora predefinida. O recorte temporal buscou a inclusão de evidências mais recentes, a fim de constituir uma revisão científica contemporânea sobre o tema. Assim, incluíram-se artigos completos de todas as tipologias, exceto os que eram estudos de revisão de literatura e/ou meta-análise. Além disso, excluíram-se produções que se relacionaram com o tema, mas que não responderam à questão norteadora - por exemplo, estudos que não se relacionavam ao Sistema Único de Saúde ou que abordaram a temática de modo tangencial somente.

 

PROCEDIMENTO

A pesquisa dos dados foi realizada no mês de dezembro de 2020. Os descritores foram combinados e os resultados tiveram seus títulos lidos. Dois avaliadores separaram os artigos pertinentes ao tema, ambos acadêmicos de medicina. Por conseguinte, realizou-se a leitura dos resumos, e aqueles em concordância com os critérios estabelecidos foram elencados. Essa etapa foi realizada por três juízes independentes. Os textos listados foram analisados na íntegra pelos três avaliadores. Repetidamente, foram aplicados os critérios de inclusão ou exclusão, de modo que os artigos que restaram compuseram a amostra final desta revisão.

Para apresentação dos resultados obtidos a partir da seleção de artigos, foram elaborados três eixos temáticos de abordagem, consensuados entre os autores, visando agrupá-los por semelhança em: Eixo 1. Capacitação/formação dos profissionais da saúde e perda de oportunidades; Eixo 2. Importância da orientação/informação da família; Eixo 3. Interação equipe de saúde e família, que inclui o número de visitas domiciliares, número de consultas de puericultura e pré-natal, cartão espelho, efetividade do contato e busca ativa.

 

RESULTADOS

Os processos de busca, seleção e categorização dos estudos estão resumidos no fluxograma (Figura 1). Os artigos são em idioma português, devendo-se isso ao enfoque da pesquisa nas Unidades Básicas de Saúde do SUS. O ano de maior evidência foi 2015, com 30% das publicações, seguido pelo ano 2016 com 20%. A maior parte das referências que compuseram o corpus tiveram como método a abordagem quantitativa (9 estudos) e somente um artigo é relato de experiência. No que se refere aos periódicos nos quais essas pesquisas foram publicadas, são todos nacionais, e tal fato pode estar relacionado com a relevância dos textos para a saúde pública e no âmbito do SUS.

 


Figura 1. Fluxograma da metodologia de pesquisa.

 

A tabela 1 resume os artigos selecionados neste trabalho de revisão integrativa de literatura.

 

 

Há um padrão, segundo o Ministério da Saúde, de ações empregadas pelas UBSs com a finalidade de cumprir com as metas de cobertura do Programa Nacional de Imunizações. Entre estas, podemos citar: estratégias básicas de vacinação de rotina com equipe plenamente capacitada a conferir o cartão e realizar acolhimento, triagem e instrução, conduzir dentro dos períodos adequados às campanhas anuais, que ocorrem de maneira hierarquizada e descentralizada, o planejamento, gestão e disponibilização dos insumos e materiais, capacitação de técnicos responsáveis pelo registro de dados em sistemas informatizados para cadastro definitivo, três ou mais consultas de puericultura na UBS, adotando plenamente a Estratégia de Saúde da Família.19-20.

De acordo com os resultados encontrados, foram criados três eixos temáticos, discutidos e estabelecidos a critério dos autores, para melhor apreciação dos resultados, sendo: Eixo 1 - Capacitação/formação dos profissionais da saúde e perda de oportunidades; Eixo 2 - Importância da orientação/informação da família; Eixo 3 - Interação equipe de saúde e família, que inclui o número de visitas domiciliares, número de consultas de puericultura e pré-natal, cartão espelho, efetividade do contato e busca ativa. Esses alicerces serão apresentados a seguir.

EIXO 1. Capacitação/formação dos profissionais da saúde e perda de oportunidades

Este eixo demonstra como a capacitação, ações em busca ativa e formação permanente de profissionais de saúde podem influenciar os índices de cobertura vacinal, minorando assim as perdas de oportunidade.

Barros et al.22 realizaram um estudo com 33 vacinadores, dos quais apenas dois profissionais afirmam não ter recebido capacitação. Todavia, afirmou que 9 trabalhadores julgaram erroneamente situações caracterizadas como contraindicação da vacinação e também constataram situações de falsa contraindicação.

Quanto à conduta dos vacinadores diante do responsável pela criança sem portar o cartão de vacinas, segundo Barros et al.,22 21 exigiram o cartão como pré-requisito para vacinação, 8 basearam-se no cartão-espelho e 4 recorreram ao agente comunitário de saúde. Dessa forma, nota-se que o uso do cartão-espelho não está consolidado nas UBS, o que amplia a taxa de perda de oportunidade de vacinação.

Não somente isso, no que se refere ao conhecimento acerca de eventos adversos pós-vacinação, 6 dos vacinadores os desconhecem ou os descrevem de forma incompleta. A maioria dos profissionais (31/33) instruiu quanto aos períodos adequados para as futuras vacinações e 22 realizavam a busca ativa dos faltosos.22

Vale ressaltar, no contexto de capacitação profissional, a importância da gestão adequada do Programa de Imunização do município. O estudo de Rodrigues21 levantou causas da incompletude entre os profissionais entrevistados. A falta de vacinação de rotina na USF, ingerência ou mudança de responsável pelo Plano de Imunização e negligência em nível municipal ao não solicitar imunobiológicos à Regional de Saúde resultaram em desabastecimento nas datas de campanha e cenários de perda de oportunidade os quais não podem ser isoladamente atribuídos à ESF.

EIXO 2. Orientação/informação da família

No estudo seccional de Fernandes et al.,23 analisando a situação vacinal de crianças no município de Teresina (PI), apenas 67,3% dos cuidadores receberam orientações em saúde na UBS, reconhecendo-se um déficit na orientação em saúde por parte dos profissionais, que resulta em desconhecimento e desinformação sobre a vacinação.

Em outra pesquisa, de caráter transversal, referente às crianças com atraso vacinal no município de Barbacena (MG), de um total de 112 crianças com atraso vacinal, motivos como desconhecimento (16,83%) e esquecimento (15,81%) por parte dos cuidadores e familiares obtiveram percentual significativo, o que evidencia a deficiência de ações de orientação em saúde na atenção primária que visem informar os cuidadores sobre a vacinação e o calendário infantil.24 Resultados semelhantes foram demonstrados pela pesquisa de Barros et al.,22 que apontou como razões da IC a falta de tempo (20%) e o esquecimento (30%).

Outro aspecto que pode estar relacionado ao conhecimento dos pais ou responsáveis são fatores sociais e econômicos. Em estudo realizado em Cuiabá (MT), dos recém-nascidos vivos nascidos em 2011, com atraso na Caderneta de Saúde da Criança, 41,4% das mães eram menores de 18 anos, gestantes adolescentes com renda entre 1 a 2 salários mínimos. Destes, 65,5% dos bebês tinham mais de uma vacina atrasada, 100% apresentavam baixo peso e 69,0% apresentaram episódio de doença nos seis primeiros meses de vida.25 Esses resultados demonstram que, além da piora da cobertura vacinal, essas crianças podem estar sujeitas a condições de saúde adversas, como pior estado nutricional e risco de infecções. Em contrapartida, outro estudo aponta que a incompletude vacinal infantil de famílias com maior renda per capita (40,7%) se compara àquelas em situação de pobreza extrema (37,7%).26

Ainda no estudo de Lopes et al.,25 os autores relatam que 75,9% dos recém-nascidos de risco em 2011 com carteira de vacinação incompleta eram acompanhados em seu crescimento e desenvolvimento pela Unidade de Saúde, ou seja, uma maioria que esteve presente na unidade e, como não obtiveram o imunobiológico, perdeu-se a oportunidade de imunização. Além disso, o estudo de Silva et al.27 evidenciou que as vacinas introduzidas mais recentemente possuem menores taxas de completude vacinal, o que se supõe que seja pela falta de informação. Cardoso et al.28 reiteram que os extremos de idade materna, maior número de irmãos, além da baixa escolaridade materna, são fatores de influência da incompletude. Neves et al.29 referem ainda a falta de cobertura da segunda dose de meningocócica C, sendo o reforço mais negligenciado que outros imunobiológicos, levantando questionamentos sobre a desigualdade em saúde e enfatizando a necessidade de ações educativas e políticas de alcance do público alvo.

Sobre esses apontamentos, os autores alertaram que essa falha na informação às famílias das crianças contribuiu para a ocorrência da perda de oportunidade de vacinação, resultado da falta de planejamento das unidades básicas e do déficit na formação e capacitação dos profissionais da atenção básica à saúde, visto que, durante o estudo, relatou-se escassa divulgação das campanhas de vacinação, das datas de início e término e dos horários de funcionamento das UBS.24

EIXO 3. Interação equipe de saúde e família: número de visitas domiciliares, número de consultas de puericultura e pré-natal, cartão espelho, efetividade do contato e busca ativa

É consenso entre os autores a importância do vínculo com a ESF. Em um grupo amostral de 2.637 crianças, constatou-se maior cobertura em crianças com cadastro definitivo, atendidas pelo SUS, registrando-se pelo menos 3 consultas de puericultura além daquelas que aderiram à política de acompanhamento pela ESF.19

Segundo Silva et al.,27 considerando as crianças que estavam com o calendário vacinal incompleto, 80,9% das famílias não possuem cadastro da ESF. Isso evidencia a ausência de vínculo entre as famílias com crianças com IC e a unidade de saúde. Além disso, 29,1% das mães iniciaram o pré-natal no segundo ou terceiro trimestre da gestação e 30,5% tiveram menos de 6 consultas durante o período. Em relação à assistência da ESF, 67,5% relataram não ter recebido visitas do ACS durante a gestação da criança em estudo e 88,5% afirmaram não terem sido atendidas pela ESF nesse mesmo período, dados que corroboram a relação entre o acompanhamento da gestante e a IC, pois o vínculo com a puérpera proporciona oportunidades de vacinação.

No estudo de Fernandes et al.,23 a taxa de atraso vacinal ou não vacinação obtida foi de 24,9%. As visitas domiciliares ocorreram em 63,7% dos casos e sua média foi de 8,8 (± 5,1) por ano, sendo que 62% recebem visitas, no mínimo, mensalmente, o que ressalta a relação positiva entre o número de visitas domiciliares e a vacinação infantil.

Entretanto, no estudo de Maciel et al.,26 que analisou a cobertura vacinal de crianças menores de três anos em Fortaleza (CE), apenas 47,2% da amostra residente em áreas cobertas por ACS apresentou registros de 9 a 10 vacinas, índice comparável ao identificado em localidades descobertas por esses profissionais, que foi de 41,4%. A presença do ACS sem uma estratégia de ação voltada para a imunização infantil pode não fazer diferença comparada a áreas sem a cobertura desse profissional. Essa informação também foi demonstrada por Fernandes et al.,23 segundo os quais, embora o ACS tenha feito explicações sobre imunização em 76,2% das residências, somente em 51,3% dos casos analisou-se o cartão de vacinação da criança. Com isso, evidencia-se a importância não só da presença do ACS nas áreas de abrangência, como também a efetividade do trabalho de busca ativa e orientação em saúde quanto à vacinação infantil.

Outra ferramenta para garantir uma CV infantil satisfatória é a associação do trabalho de acadêmicos da área de saúde no processo de educação em saúde dentro das unidades, com o desenvolvimento de atividades informativas sobre vacinação.26

 

DISCUSSÃO

Em análise dos resultados do eixo 1 (Capacitação/formação dos profissionais da saúde e perda de oportunidades), outros estudos concordam com os resultados apresentados. Circunstâncias caracterizadas como contraindicação da vacinação erroneamente e situações de falsa contraindicação também são reconhecidas no estudo de Yokokura et al.30 Este apresenta a existência de um processo de supervalorização das contraindicações por parte dos profissionais de saúde que resulta em um adiamento desnecessário e perda de oportunidade de vacinação.30

Em contrapartida, com o fito de minimizar as perdas de oportunidade de vacinação, nota-se que alguns profissionais estão administrando vacinas distantes do intervalo de janela imunológica ideal, o que resulta em menor eficácia da vacina. Isto posto, nota-se que o conhecimento dos intervalos preconizados é essencial.30 Outro estudo aponta que a atuação dos enfermeiros ainda se direciona para o processo de doença, sobretudo por não haver um dia direcionado para o atendimento de puericultura. Sendo assim, o processo curativo, e não de prevenção e promoção à saúde infantil, pode contribuir para a piora dos índices de cobertura vacinal.31

Diante do exposto, tem-se a imprescindibilidade de uma formação continuada de qualidade dos profissionais de saúde como forma de evitar perda de oportunidades de vacinação e consequente aumento dos índices de cobertura vacinal.

Em relação às contribuições da ciência no que diz respeito ao eixo 2 (Orientação/informação da família), observou-se que o conhecimento materno acerca das doenças imunopreveníveis influencia positivamente na completude vacinal de seus filhos. Não somente isso, qualquer contato com a equipe de saúde deve ser utilizado para conscientizar sobre a importância da vacinação.32 Em consonância, tem-se que a orientação deficitária dos profissionais de saúde implica a não compreensão do processo de vacinação e sua imprescindibilidade - fator determinante para a cobertura vacinal.9 Isso ilustra a necessidade de ações de educação em saúde como meio de se atingir maiores índices de abrangência vacinal.

Assim, informações sobre gravidade das doenças, composição da vacina e possíveis reações adversas, bem como o calendário vacinal infantil, determinaram, em pesquisa, mudança significativa frente à tomada de decisão dos cuidadores em não vacinar.33 Isso demonstra a importância do conhecimento no processo de adesão e continuidade da vacinação infantil e reforça a necessidade da orientação e educação em saúde por parte da equipe da atenção básica.

Visando melhorar os índices de cobertura vacinal, um ensaio clínico randomizado foi realizado com o objetivo de avaliar uma intervenção escalonada de lembrete das consultas de puericultura e vacinação por meio de cartões postais, telefonemas e visitas domiciliares. Seus resultados indicaram que crianças que receberam essa intervenção apresentaram melhor status vacinal e maior propensão de ter 5 ou mais consultas de puericultura.12

Considerando as contribuições da literatura relacionadas ao eixo 3 (Interação equipe de saúde e família: número de visitas domiciliares, número de consultas de puericultura e pré-natal, cartão espelho, efetividade do contato e busca ativa), pesquisa realizada no Rio de Janeiro demonstrou que as visitas domiciliares na frequência adequada são fator de proteção (OR 0,49 - IC 95% 0,259 - 0,933) com significância estatística na análise multivariada para qualquer atraso/incompletude vacinal, e que as mesmas reduzem em 2 vezes o risco de atraso/não cumprimento vacinal.34 Além disso, destacou-se o papel da visita como ferramenta para busca ativa na estratégia de vigilância em saúde, o que está em concordância com a literatura, que mostra o efetivo impacto das mesmas sobre as taxas de internação e morbidade das doenças-alvo na infância devido às ações de imunização.35,36 Diferentemente do estudo do estudo de Maciel et al.,26 outra pesquisa evidenciou o trabalho efetivo dos agentes comunitários de saúde na busca ativa de crianças faltosas por meio da avaliação das carteiras de vacina durante as visitas domiciliares.23

A efetivação da presença do ACS com as visitas domiciliares, aliada ao atendimento da equipe multiprofissional da atenção básica, decorre de atividades de treinamento e motivação para busca ativa de crianças não vacinadas.37 Isso compreende atividades de sensibilização das famílias sobre a temática, vacinação domiciliar nas épocas de campanhas governamentais, vacinação sistemática de usuários, uso do cartão espelho e avaliação mensal da cobertura vacinal.38,39 Faz-se necessária, assim, uma orientação para as equipes na UBS sobre como realizar a busca ativa de crianças que comparecem à unidade para outras demandas, e não apenas quando buscam o procedimento de vacinação.40

É possível considerar, diante da presente discussão, que o contato e o vínculo da equipe da ESF com o cuidador da criança se fazem imprescindíveis para que a orientação em saúde seja efetivada e haja confiança e credibilidade no processo de vacinação. Assim, além das campanhas de conscientização e educação em saúde que deverão ser desenvolvidas pela equipe da atenção básica, o cuidador deverá receber a orientação das vacinas que serão realizadas na criança, as possíveis reações e o que fazer quando ocorrem, bem como a explicação clara das enfermidades prevenidas com a vacina. Há de se reforçar continuamente, ademais, a importância da manutenção do cartão vacinal.41

 

CONCLUSÕES

O esforço para que haja maior proteção infantil, principalmente contra doenças imunopreveníveis, vai ao encontro da otimização de recursos e serviços do Sistema Único de Saúde. Destaca-se, após a análise documental, a organização de três eixos que envolvem práticas das UBS na incompletude vacinal na rotina de saúde da criança. Primeiramente, a capacitação, bem como a formação continuada dos profissionais da saúde e estratégias de superação das perdas de oportunidade de vacinação. Também, a orientação contextualizada e o acesso à informação dos responsáveis, pois houve consistente desconhecimento do tema por parte de famílias entrevistadas e queixas quanto à falta de orientação em saúde nos artigos aqui apresentados. E, por fim, o último eixo comum, destacado pela maioria dos autores, foi a necessidade de interação entre a equipe de saúde e a família, o que pode ser constatado pelos melhores índices de cobertura quanto maiores os números de visitas, de consultas de puericultura e pré-natal, uso de cartão espelho, efetividade do contato, busca ativa e outros instrumentos que consolidam vínculo com a ESF. É fundamental salientar a importância do serviço prestado e estimular estratégias que repercutam nos três eixos apontados.

 

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