Artigos de Revisao
Canabinoides sintéticos (cs) - novas drogas, novos riscos
Synthetic cannabinoids (cs) - new drugs, new risks
Rinaldo Fábio Souza Tavares
DOI:10.31365/issn.2595-1769.v22i2p135-142
Universidade Federal Fluminense - Faculdade de Medicina, Departamento de Patologia (MPT) -Disciplina de Toxicologia Clínica - Professor Assistente de Toxicologia Clinica - Niterói - RJ - Brasil
Endereço para correspondência:
Recebido em: 15/04/2022
Aprovado em: 06/09/2022
Resumo
Os canabinoides sintéticos (CS) compõem um grupo crescente das assim chamadas "designer drugs". Seu consumo tem aumentado em muitos países, inclusive o Brasil, com a expansão do comércio ilegal e a falsa percepção entre os jovens de que são compostos "naturais" ou "legais". Contribui para esse cenário a dificuldade de detecção desses novos compostos em testes de triagem convencionais. São abordadas neste artigo as principais manifestações clínicas e toxicológicas do uso dos CS. Atenção especial é dada a alguns riscos do uso desses produtos, incluindo alucinações, psicose, estados confusionais, convulsões, sintomas cardiovasculares, lesão renal e lesão pulmonar. O pediatra que atende adolescentes deve estar atento para o diagnóstico e manejo correto das novas situações de risco.
Palavras-chave: Canabinoides. Toxicidade. Drogas Ilícitas.
Abstract
Synthetic cannabinoids (CS) make up a growing group of so-called "designer drugs". Their consumption has increased in many countries, including Brazil, with the expansion of illegal trade and the false perception among young people that they are "natural" or "legal" compounds. The difficulty in detecting these new compounds in conventional screening tests contributes to this scenario. The main clinical and toxicological manifestations of the use of SC are discussed in this article. Special attention is given to some risks of using these products, including hallucinations, psychosis, confusional states, seizures, cardiovascular symptoms, kidney damage, and lung damage. Pediatricians who care for adolescents must be aware of the diagnosis and correct management of new risk situations.
Keywords: Cannabinoids. Toxicity. Illicit Drugs.
INTRODUÇÃO
Os canabinoides sintéticos (CS) são um grupo de substâncias que compõem as chamadas designer drugs (drogas sintéticas), que têm se tornado muito populares nos últimos anos. Avançam como um problema de saúde pública em muitos países desenvolvidos e, embora proibidos no Brasil, o comércio ilegal tem aumentado progressivamente.1,3
São bastante atrativos aos jovens adolescentes pelo fato de serem erroneamente associados ao seu composto natural, maconha. Canabinoide sintético (CS) não é maconha. Compõe um grupo de substâncias diversas que possuem efeitos similares ao do tetrahidrocanabinol (THC). Desde o aparecimento no mercado há alguns anos, têm se tornado muito populares. Compostos novos e cada vez mais potentes têm surgido. A identificação de usuários pode ser extremamente difícil, e o pediatra que tem sua prática em atendimento a adolescentes deve estar familiarizado com os quadros suspeitos de intoxicação por CS e seu manejo.2,3,6
Novas formas de consumo também surgiram como produtos manufaturados que se assemelham a resina ou óleo, que podem ser adicionados com a própria maconha ou outros produtos herbáceos, também cartuchos líquidos para uso em cigarros eletrônicos.3,4,5 Os CS estão associados a maior risco de efeitos adversos, que são mais severos que o da maconha. Seus efeitos adversos, diferentemente da maconha, podem perdurar por alguns dias.6,8,11 Alguns CS estão associados a quadros como convulsões, isquemia miocárdica e dano renal. Somando-se a este risco, existem efeitos psicoativos adversos como agressividade, confusão mental, crises de ansiedade e mesmo quadros psicóticos.7,8,17
O diagnóstico é essencialmente clínico, sendo necessário alto grau de suspeição para tal. O diagnóstico laboratorial na maioria das vezes não é possível, pelo surgimento cada vez maior de novos compostos que acabam fugindo da detecção clínica dos testes usuais.13,19
Os CS são geralmente fumados, apresentados como resinas naturais de maconha ou mesmo cartuchos líquidos para uso em cigarros eletrônicos, aproveitando um aumento no número de usuários desse tipo de dispositivo em todo o mundo. Também têm sido encontrados com misturas com outras drogas psicoativas como estimulantes, alucinógenos e sedativos.4,5,6,19 São vendidos num contexto errôneo de serem classificados como naturais e legais, pois fogem à detecção dos kits usuais de triagem.6,19 Essas preparações estão longe de serem naturais, consistindo numa mistura de produtos derivados de plantas aos quais são adicionados os CS em forma líquida, contendo inúmeros compostos não identificados.
Os CS são comercializados internacionalmente sob vários nomes, como Green Bhuda, Blonde, Summit, Standart, Blaze, Citron, Green Giant, AK-47, Spice, Special K, K2, Barely legal e Fake Weed entre outros. Seus efeitos adversos mais comuns relatados são taquicardia, agitação e vômitos. Para quadros mais leves de intoxicação, a duração tipicamente não ultrapassa cerca de 8 horas. Entretanto, os CS têm potencial de danos mais severos, conforme o relato de 277 casos de intoxicação de 2010 a 2015. Entre as manifestações mais frequentes encontradas neste estudo estão:8
FARMACOLOGIA
Os canabinoides podem ser classificados em fitocanabinoides, endocanabinoides e canabinoides sintéticos, de acordo com sua origem. THC é o fitocanabinoide encontrado na maconha e associado aos efeitos psicoativos da mesma. Endocanabinoides são substâncias endógenas relacionadas com a neurotransmissão no SNC e funções do sistema imune.
Os CS são substâncias sintéticas funcionalmente similares ao THC, exercendo seus efeitos através dos receptores CB1 localizados no córtex cerebral, gânglios da base e hipocampo. Os CS são agonistas plenos dos receptores CB1, enquanto o THC são agonistas parciais.4,8,12 Os CS podem se acoplar aos receptores CB1 com uma afinidade até 100 vezes maior que os canabinoides naturais (fitocanabinoides).8 Outros receptores que também podem ser estimulados com os CS são os da serotonina e NMDA, com efeitos ainda sendo objeto de estudo.
Concomitantemente, os CS não possuem canabidiol, encontrado na maconha, que possui efeitos ansiolíticos e antipsicóticos. Os CS, além de terem uma afinidade maior pelo receptor CB1, também possuem uma meia-vida muito mais longa. Esta combinação de aumento da afinidade pelo receptor, meia-vida mais longa e ausência de canabidiol pode representar a razão dos efeitos deletérios muito mais acentuados no uso dos CS, quando comparados ao uso da maconha.9,10,14 A toxicidade neuropsiquiátrica inclui alucinações, delírio e psicose. Estes e outros eventos potencialmente ameaçadores à vida, como agitação severa e convulsões, são bem mais comuns de acontecerem com usuários de CS.
Os CS são metabolizados no fígado, via mecanismos de conjugação e oxidação. Metabólicos ativos estão presentes e utilizam a via do citocromo P450, explicando a interação nefasta que pode ocorrer em usuários de CS que utilizam medicamentos comuns nesta via.10,14
Em 2019, mais de 180 canabinoides sintéticos conhecidos foram fabricados por laboratórios de drogas ilícitas, e há um potencial significativo para novos compostos aparecerem no futuro. Canabinoides sintéticos identificados se enquadram em muitos grupos estruturais importantes. Com base em sua classificação química, podem ser divididos em quatro grupos:
1. Canabinoides clássicos (dibenzopiranos): apresentam a estrutura tricíclica característica dos canabinoides. Os mais estudados são o Δ9-THC (Figura 1A), que atua como agonista parcial em receptores CB1 e CB2; canabinol (agonista fraco, Figura 1B), canabidiol (antagonista, Figura 1C) e diversos canabinoides sintéticos, como HU-210 (Figura 1D) e seu enantiômero HU-211 (dexanabinol). O canabinoide HU-210 é um forte agonista de receptores canabinoides, com potência entre 60 e 100 vezes maior que o THC, sendo o canabinoide mais potente descrito até o momento.
2. Ciclo-hexilfenóis: são análogos sintéticos bicíclicos ou tricíclicos dos canabinoides clássicos. Incluem os canabinoides sintéticos CP-55,940 (Figura 1E), um potente agonista não seletivo de CB1 e CB2, CP-47,497 e seus homólogos. CP47,497 (Figura 1F) possui uma afinidade em torno de 20 vezes maior que THC para receptores CB1.
3. Aminoalquilindóis: possuem uma estrutura química totalmente diferente dos anteriores, mas ainda com propriedades canabimiméticas. Incluem os canabinoides sintéticos WIN55,212-2 (Figura 1G), que possuem maior afinidade por CB2, JWH-015 (Figura 1H) e seu homólogo, JWH-018 (Figura 1I), que possui de quatro a seis vezes maior afinidade para os receptores canabinoides que o THC e o JWH-073 (Figura 1J).
4. Endocanabinoides: são compostos endógenos, sintetizados a partir de precursores fosfolipídicos das membranas celulares. A maioria é derivada do ácido araquidônico e possui elevada afinidade com os receptores. Os mais estudados incluem araquidoniletanolamida ou anandamida, com potência e afinidade por receptores semelhantes ao Δ9-THC, o 2-araquidonilglicerol (2-AG), que possui maior afinidade por receptores CB1, a oleamida e o 2-araquidonilgliceril éter (Figura 1).
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E TOXICIDADE
Os CS possuem um amplo espectro de sinais e sintomas, que variam de acordo com o usuário e com o composto utilizado. Usualmente, duram de 30 minutos a algumas horas, porém alguns sintomas podem persistir até o dia seguinte (ressaca). Evidências acumuladas indicam que os CS produzem efeitos clínicos similares a altas doses de cannabis.
Os principais efeitos clínicos adversos relatados com o uso de CS estão relacionados ao SNC (convulsões, agitação, irritação, perda de consciência, ansiedade, confusão e paranoia); ao sistema cardiovascular (taquicardia, hipertensão, dor no peito e isquemia cardíaca); ao sistema metabólico (hipocalemia e hiperglicemia); ao sistema gastrintestinal (náusea e vômito) e ao sistema nervoso autônomo (febre e midríase).
O quadro clínico do intoxicado com CS que mais comumente se apresenta nas emergências médicas é a tríade de agitação, taquicardia e vômitos. Esses casos considerados leves ou moderados geralmente se resolvem em até oito horas. Entretanto, alguns sintomas como agitação intensa, crises convulsivas, hipocalemia e quadros de náuseas e vômitos intensos que parecem ocorrer especificamente com os CS podem durar mais tempo. Também são preocupantes as descrições de crises convulsivas tônico-clônicas e mioclônicas, bem como relatos de infarto agudo do miocárdio e quadros de disfunção renal.6,8,20,22
Cardiovasculares
Os efeitos clínicos cardiovasculares mais frequentemente encontrados são taquicardia e hipertensão, causados pelo efeito estimulante dos CS e somado pela agitação psicomotora. Também pode ocorrer palpitações, desconforto torácico como sensação de aperto ou mesmo dor. Arritmias podem estar presentes. Alguns estudos têm demonstrado correlação com angina e mesmo infarto agudo do miocárdio mesmo em adolescentes. Especial atenção deve ser dada ao exame clínico e RX de tórax, que pode evidenciar como causa da dor ou desconforto um pneumotórax espontâneo, ocorrência não rara em usuários de drogas fumadas ou inaladas.
Gastrointestinal
Bem conhecido é o efeito de náusea e vômito após uso de CS - chamado de hiperêmesis. O uso de CS também pode causar sensação de boca seca ou xerostomia - típicos dos usuários de maconha.
A síndrome da hiperêmese canabinoide é uma desordem crônica que foi originalmente caracterizada entre usuários crônicos de cannabis que experimentaram episódios cíclicos de vômito e dor abdominal aliviados por tomar banho com água quente. No entanto, a síndrome da hiperêmese relacionada a cannabis tem-se tornado bastante incomum atualmente. Na medida em que CS podem ser mais propensos a causar náuseas e vômitos, tais sintomas poderiam ajudar a diferenciar a intoxicação entre os dois (maconha e CS).
Renal
Recentemente, vários casos de lesão renal aguda, geralmente associada a necrose tubular aguda, têm sido atribuídos ao uso de CS.6,8,22 A causa específica pode estar na associação de lesão renal por baixo fluxo, secundária a desidratação e efeitos cardiovasculares, que podem se somar, em alguns casos, a rabdomiólise com mioglobinúria. Não está descartado um possível efeito direto dos CS levando nefrotoxicidade. 22. Um composto em especial dentre os CS tem sido relacionado ao efeito renal adverso (Fubinaca).3
Neurológico
Um número de efeitos neurológicos tem sido associado ao uso dos canabinoide sintéticos, incluindo tremor, ataxia, miofasciculações, hipertonicidade, dificuldade em movimentos finos e coordenação motora. E ainda, algumas alterações sensoriais, como dormências em membros. Outros sintomas neurológicos são cefaleia e vertigem. Em alguns casos, os canabinoides sintéticos foram associados a efeitos como convulsões, perda de consciência e coma.7,8,12,21
Metabólicos
Assim como a maconha, os canabinoides sintéticos também têm sido associados ao aumento de apetite, embora esse efeito tenha sido menos importante que o encontrado na cannabis natural. Os canabinoides sintéticos também podem causar desarranjos metabólicos, como: hipocalemia, hiperglicemia e acidose metabólica.8
Oftalmológicos
Hiperemia conjuntival, assim como nos usuários de maconha, também é encontrada nos usuários de canabinoides sintéticos. Igualmente, borramento de visão e hipersensibilidade à luz.
Pulmonares
Muitos casos de sinais e sintomas respiratórios em usuários de CS são infiltrados pulmonares e pneumonias. Especial atenção tem surgido desde 2019 da associação de cigarros eletrônicos e lesão pulmonar aguda (EVALI - "e-cigarrets and vaping associated lung injury") - cujos compostos de canabinoides sintéticos e alguns de seus solventes têm sido associados a esses quadros.
EVALI foi inicialmente reconhecida como uma entidade distinta em 2019, quando mais de 2.800 casos foram reportados ao CDC americano, com um total de 68 casos fatais.24,26,30 Aproximadamente dois terços são do sexo masculino e cerca de 80% dos casos abaixo de 35 anos de idade. Asma parece ser um fator agravante, pois envolve 22% dos afetados.25,32,33 Embora os casos tenham diminuído desde o primeiro surto em 2019, casos esporádicos continuam sendo relatados, principalmente nos EUA e Europa.25,32,33
EVALI deve sempre ser suspeitada em pacientes usuários de cigarros eletrônicos que evoluem com sinais e sintomas respiratórios progressivos e hipoxemia progressiva.
Importante também tentar identificar o tipo de aparelho utilizado, substância utilizada e outras que possam ser adicionadas. Frequência de uso e quando foi utilizado pela última vez. E ainda saber de comorbidades, pois sabe-se que a maioria dos óbitos relacionados a EVALI têm sido relatados em maiores de 35 anos, asmáticos, com doenças cardiovasculares, DPOC e mesmo portadores de doenças mentais.37,40,47
Critérios diagnósticos sugeridos para evali:37,38,39,40
1. Quadro clínico sugestivo - (febre, tosse, dispneia, hipoxemia, sintomas gastrointestinais).
2. História de uso de cigarros eletrônicos nos últimos 90 dias.
3. Exames laboratoriais sugerindo alterações de fase aguda (leucocitose, transaminases alteradas, VHS e PCR).
4. Imagem radiológica sugestiva.
5. Exclusão de outros diagnósticos possíveis - principalmente quadros infecciosos, mesmo que necessário, lavado bronco-alveolar ou biópsia pulmonar.
Outras manifestações clínicas
Hipertermia, rabdomiólise, sintomas anticolinérgicos, tinido e insônia.
Efeitos psicoativos
Cognitivos
O efeito de cognição mais comum em usuários de CS são dificuldades de atenção, concentração e memória. Dificuldades em pensamento claro e confusão mental também são relatados.4,7,17
Afetivos
Embora o efeito principal relatado por usuários seja de euforia, emoções negativas também podem ocorrer com o uso de CS. Crises de ansiedade e pânico são relatadas frequentemente.17
Fala
Disartria, fala arrastada e lenta. Desorganização ao falar e risadas fora de contexto são comuns tanto nos usuários da maconha como nos CS.
Comportamental
Inquietude e agitação são os mais frequentes em intoxicações agudas. Em alguns casos, a confusão mental e os quadros psicóticos podem levar ao comportamento combativo e agressividade.8,17
Psiquiátricos
Alterações da percepção e do pensamento são comuns. Sintomas psicóticos como alucinações e delirium são comuns mesmo em pacientes sem antecedentes psiquiátricos.
A utilização de cannabis ou CS pode desencadear sintomas psicóticos e/ou transtorno psicótico. Os sintomas psicóticos incluem pensamento e fala desorganizados, delírios, alucinações e outras alterações na percepção. Transtorno psicótico, como a esquizofrenia, é uma condição caracterizada por sintomas psicóticos persistentes e acompanhada por déficits funcionais na maior parte das esferas da vida. Os sintomas da esquizofrenia incluem não somente sintomas psicóticos positivos como os descritos anteriormente, mas também sintomas negativos, como falta de motivação, retraimento social e embotamento afetivo, entre outros, e déficits cognitivos, como prejuízo na memória, na atenção e na função executiva.
A toxicidade grave relacionada aos CS que requer tratamento de emergência inclui convulsões, insuficiência renal aguda e infarto do miocárdio. Mortes foram relatadas com SC devido a um evento isquêmico cardíaco e extremo ansiedade, resultando em suicídio.
DEPENDÊNCIA E ABSTINÊNCIA
Objeto ainda de inúmeras pesquisas, parece haver em usuários crônicos de CS sinais e sintomas de dependência clínica e abstinência que demonstram ser mais acentuados que nos usuários crônicos de maconha.8,17
Crescentes evidências sugerem que a exposição precoce à cannabis (na adolescência) pode aumentar o risco de se desenvolver um transtorno psicótico como a esquizofrenia. A exposição à cannabis não é causa nem necessária nem suficiente para o desencadeamento da esquizofrenia. Mais provavelmente, é um componente ou uma causa contribuinte que interage com outros fatores, tanto conhecidos, como a herança genética ou o ambiente onde os usuários estão inseridos, quanto desconhecidos, culminando na esquizofrenia.
ORIENTAÇÕES GERAIS DE TRATAMENTO
Casos leves a moderados de alterações clínicas causadas pelos CS, como disforias e ansiedade, podem ser tratadas conservadoramente com diminuição dos estímulos do ambiente, repouso e benzodiazepínicos (Diazepam ou Lorazepam).5,8 Casos mais graves de intoxicações por CS devem ser tratados agressivamente, para evitar complicações e risco de morte.
Crises de grande agitação e psicose requerem sedação com benzodiazepínicos (Diazepam ou Lorazepam), que podem necessitar de doses repetidas. Muitas vezes, a contenção física é necessária para evitar riscos a equipe de atendimento e lesões auto infringidas. Nestas agitações graves, é comum encontrar hipertermia associada (>38,5°C) que deve ser combatida com métodos físicos (resfriamento).5,6,8,11
Nos casos mais graves de hipertermia (>40°C) e agitação que não respondem rapidamente a sedação e resfriamento e contenção, deve ser considerada a paralisia muscular e intubação traqueal para cessar a geração de calor pela atividade muscular intensa. Nesses casos, deve-se evitar drogas despolarizantes como a succinilcolina, para a intubação de sequência rápida. Há risco de hipercalemia grave, devido a rabdomiólise clínica ou suspeita que também contribui para o aumento do potássio.5,6,8,11
Os antipiréticos não possuem efeito clínico nos casos de hipertermia, sendo necessários métodos físicos para a diminuição da temperatura.
Para evitar as complicações da rabdomiólise, como evolução parainsuficiência renal aguda, deve-se proceder à hiper-hidratação para forçar uma diurese abundante e após diurese, iniciar a alcalinização com bicarbonato de sódio. A rabdomiólise é confirmada pela presença de urina escura (vermelho-amarronzada) e elevação nos níveis séricos de enzimas musculares (CK).6,8,22
Convulsões são tratadas com benzodiazepínicos e, se necessário, fenobarbital associado. Normalmente, os anticonvulsivantes com mecanismo de ação nos canais de sódio, como a fenitoína, não são eficazes. Todos os casos de convulsão merecem exames de imagem para avaliar a possibilidades de complicações, principalmente se com sinais neurológicos focais.5,6,8,11
Dor torácica aguda deve ser avaliada para pneumotórax espontâneo, comum em usuários de CS fumado. Isquemia miocárdica, embora rara, deve ser avaliada em casos individuais.20
Distonias também são comuns em intoxicações por CS - sendo mais bem tratados com benzodiazepínicos e como segunda opção à Difenidramina. Anticolinérgicos devem ser evitados pela possibilidade de agravar a agitação e delírio.8,11
A identificação em testes rápidos de rastreamento nas emergências, seja no sangue ou urina, geralmente tem resultado negativo para os CS. Podem ser positivos em usuários que também fazem uso da maconha. Quadro clínico compatível e negatividade em testes rápidos fazem suspeitar de uso dos CS, que normalmente só podem ser detectados em métodos mais sofisticados de cromatografia liquida, não disponíveis usualmente e não trazendo respostas rápidas a ponto de serem úteis na emergência. Análise de material trazido à emergência deve ser objeto de estudo da medicina forense, para tentativa de se identificar o composto.
O tratamento da EVALI, assim como muito de sua fisiopatologia e etiologia, ainda é desconhecido. Um dos passos mais importantes e fazer o diagnóstico diferencial com outros quadros, principalmente infecciosos, que são muito mais comuns que a EVALI. Tratamento empírico antibiótico para cobertura de agentes etiológicos usuais deve ser iniciado e reavaliado de acordo com a evolução do quadro e exames de apoio.
Os glicocorticoides sistêmicos têm sido usados como carro-chefe do tratamento dos quadros sugestivos de EVALI, mas sua verdadeira eficácia ainda está para ser comprovada. Como a própria EVALI parece representar um grupo de lesões distintas com variações em sua apresentação, assim são também os resultados com terapia dos corticoides.38,39,40 Os melhores resultados são descritos em tratamentos de adolescentes com quadro clínico e radiológico de EVALI.39,40
Devido à gravidade dos quadros clínicos, a maioria dos autores recomenda o uso de corticoides sistêmicos no tratamento da EVALI cujo quadro clínico se apresente com deterioração progressiva e/ou hipoxemia.37,38,39,40,47,48
Nos pacientes com quadros leves e mais estáveis, parece ser mais adequado não usar rotineiramente o corticoide, principalmente se ainda não afastada a etiologia infecciosa.
Caso a decisão seja de iniciar o corticoide, a maioria dos trabalhos sugere um curso de metilprednisolona 0,5 a 1 mg\kg\dia, ou equivalente, por cerca de 5 a 10 dias e redução gradual após.37,39,40 E ainda, tratamento de suporte com oxigenioterapia focando uma saturação entre 88 e 92%. Em caso de piora da hipoxemia, será necessário realizar intubação traqueal e ventilação mecânica.
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