Artigo Original
Análise da redução em internações pediátricas por doenças respiratórias devido ao isolamento social
Analysis of the reduction in pediatric hospitalizations for respiratory diseases due to social isolation
Sofia Toss Toss1; Karoline Silva Zeni1; Frederico Manoel Marques2
DOI:10.31365/issn.2595-1769.v22i2p108-112
1. Universidade do Planalto Catarinense, Medicina - Lages - Santa Catarina - Brasil
2. Hospital Infantil Seara do Bem, Medicina - Lages - Santa Catarina - Brasil
Endereço para correspondência:
Recebido em: 03/10/2021
Aprovado em: 09/11/2021
Resumo
INTRODUÇÃO: A infecção causada pelo SARS-CoV-2 também acomete a população pediátrica. O isolamento social (associado ao fechamento de creches/escolas) tornou-se essencial no enfrentamento ao coronavírus.
OBJETIVO: Relatar a relação entre o isolamento social e a diminuição das internações hospitalares pediátricas por doenças respiratórias durante um período da pandemia, no ano de 2019, comparando-o ao mesmo período no ano subsequente.
MÉTODO: Estudo quantitativo, descritivo, retrospectivo e documental, que analisou prontuários eletrônicos, coletados em um hospital pediátrico da Serra Catarinense, de internações de pacientes entre 0-15 anos diagnosticados por doenças respiratórias de 19/03/2020 a 30/06/2020, comparando com o mesmo período no ano de 2019.
RESULTADOS: O número de internações em 2019 entre março a junho por doenças respiratórias foi aproximadamente 10 vezes maior do que em 2020. Nota-se que, em ambos os anos, a doença com maior incidência foi pneumonia; hospitalizações por bronquiolite em 2019 corresponderam a 28,5% dos casos; já em 2020, esse número caiu (5,8%). Entre os anos de 2019-2020, a faixa etária mais acometida foi de 1-5 anos, seguida de 0-6 meses, 6 meses a 1 ano, 5-10 anos e por último 10-15 anos. O número de internações em 2019 de crianças que frequentavam creches/escolas foi de 92; e em 2020 foi de 5.
CONCLUSÃO: Houve, entre 2019-2020, correlação significativa entre hospitalização por doenças respiratórias, e crianças que frequentavam escolas/creches em comparação com as não frequentadoras devido ao isolamento social causado pela pandemia. Tal fato foi evidenciado devido à queda no número de internamentos.
Palavras-chave: Criança. Pediatria. Hospitalização. Covid-19. Isolamento Social.
Abstract
INTRODUCTION: The infection caused by SARS-CoV-2 also affects the pediatric population. Social isolation (associated with the closure of daycare centers / schools) has become essential in the face of the coronavirus.
OBJECTIVE: To report the relationship between social isolation and the decrease in pediatric hospital admissions for respiratory diseases during a pandemic period, in 2019, comparing it to the same period in the following year.
METHOD: Quantitative, descriptive, retrospective and document study, which analyzed electronic medical records, collected in a pediatric hospital in the Serra Catarinense, of hospitalizations of patients between 0-15 years old diagnosed with respiratory diseases from 03/19/2020 to 06/30/2020, compared to the same period in 2019.
RESULTS: The number of hospitalizations in 2019 between March and June for respiratory diseases was approximately 10 times greater than in 2020. It is noted that, in both years, the disease with the highest incidence was pneumonia; hospitalizations for bronchiolitis in 2019 corresponded to 28.5% of cases; in 2020, that number dropped (5.8%). Between the years 2019-2020, the most affected age group was 1-5 years, followed by 0-6 months, 6 months to 1 year, 5-10 years and finally 10-15 years. The number of hospitalizations in 2019 of children attending daycare/schools was 92; and in 2020 it was 5.
CONCLUSION: There was, between 2019-2020, a significant correlation between hospitalization for respiratory diseases, and children who attended schools/day care centers compared to those who did not attend due to the social isolation caused by the pandemic. This fact was evidenced due to the drop in the number of hospitalizations.
Keywords: Child. Pediatrics. Hospitalization. Covid-19. Social isolation.
INTRODUÇÃO
No Brasil, as doenças respiratórias são responsáveis por 22,3% de todas as mortes entre crianças de 1 a 4 anos.1 Dentre as etiologias, as pneumonias e broncopneumonias (51%), a asma (18%) e as doenças agudas e crônicas das vias aéreas superiores (10%) respondem pela maior parte das internações.2 Ademais, dentre os fatores de risco para as doenças respiratórias na infância, salientam-se: diferenças regionais, clima, tabagismo, poluição urbana e aglomerações. A permanência de crianças em creches e escolas tem forte influência no adoecimento infantil pelas doenças respiratórias, principalmente de causas virais.3
Em 31 de dezembro de 2019, as autoridades da República Popular da China relataram à Organização Mundial da Saúde (OMS) vários casos de pneumonia de etiologia desconhecida na cidade de Wuhan. Uma semana depois, eles confirmaram que era causada por um novo coronavírus, chamado SARS-CoV-2, denominando a doença Covid-19. Posteriormente, no dia 11 de março de 2020, a OMS decretou a doença Covid-19 como pandemia, em função do aumento expressivo dos casos e da disseminação da mesma em praticamente todos os países do mundo.4
Após o aparecimento dos primeiros casos no Brasil no início de março, o Ministério da Saúde (MS) decidiu seguir os protocolos internacionais e as próprias recomendações da OMS, cujo foco de ação é voltado à contenção da curva de crescimento do contágio epidêmico.4 Diante disso, o Estado de Santa Catarina foi uma das primeiras unidades da federação a adotar as medidas recomendadas pela OMS, decretando então o fechamento de escolas/creches como uma das principais ações do isolamento social.5
A infecção causada pelo SARS-CoV-2 inclui diferentes manifestações clínicas, desde casos assintomáticos até quadros de síndrome gripal, podendo em alguns casos evoluir para pneumonia e/ou síndrome respiratória aguda grave. Na população pediátrica, as descrições de casos mostram um perfil de doença leve, com poucos relatos de complicações e hospitalizações, e raríssimos casos com desfechos fatais; discute-se, entretanto, que as crianças sejam um importante vetor para a transmissão do vírus.4 Logo, o isolamento social, associado ao fechamento de escolas e creches, tornou-se essencial no enfrentamento ao coronavírus, afetando também a incidência das principais doenças do aparelho respiratório na faixa pediátrica.
OBJETIVO
Relatar a relação entre o isolamento social e a diminuição das internações hospitalares por doenças respiratórias na esfera pediátrica, de um município da Serra Catarinense durante um período da pandemia por Covid-19.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo quantitativo, descritivo, retrospectivo e documental, realizado a partir da análise de dados coletados em um hospital pediátrico da Serra Catarinense, em prontuários eletrônicos de internações hospitalares por convênio e pelo SUS, de crianças de 0-15 anos que tiveram como diagnóstico doenças respiratórias (asma, bronquiolite, pneumonia, entre outras), no período de 19/03/2020 a 30/06/2020, comparando-se com o mesmo período no ano de 2019. Foram utilizadas variáveis correspondentes ao sexo, idade, diagnóstico da doença, se frequentava ou não escola/creche e se a internação hospitalar era por convênio ou SUS. Os dados colhidos foram anexados através de um formulário do Google, com a formação de gráficos para análise. Serão assegurados os aspectos éticos, que garantirão o sigilo e a impessoalidade previstos nas Resoluções 196/96 e 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde e complementares, registrado sob o CAAE 36817820.9.0000.5368.
RESULTADOS
Realizou-se a comparação do número de internações hospitalares por doenças respiratórias entre os anos de 2019 e 2020. O número total de pacientes internados entre os meses de março a junho (Gráfico 1) por asma, bronquiolite, pneumonia ou infecção de vias aéreas superiores (IVAS) no ano de 2019 foi de 168, quase 10 vezes maior do que o número de internamentos no mesmo período no ano de 2020 (17 internações).
De acordo com o agrupamento de doenças respiratórias que mais acometem crianças na faixa etária de 0-15 anos, para esse período com maior incidência de hospitalizações, nota-se na Figura 1 que a primeira causa foi pneumonia de qualquer origem (viral, bacteriana e fúngica), totalizando 45,8% das internações, seguida de bronquiolite viral que corresponde a 28,5%; asma em terceiro lugar, com 14,8%; e IVAS em último lugar, com 11,3%.
Comparando-se com o ano subsequente, é visto também, na Figura 1, que pneumonia segue em primeiro lugar com 82,3% das internações, como segunda causa IVAS (11,7%) e terceira e última causa bronquiolite (5,8%); nota-se que em 2020 não teve nenhuma internação por asma e o número de pacientes internados por bronquiolite viral caiu substancialmente.
Considerando as idades avaliadas, mostra-se, na Figura 2, que no ano de 2019, 29% das internações corresponderam a crianças entre 1-5 anos, seguidas de 0-6 meses (26,7%), 6 meses a 1 ano (23,2%), 5-10 anos (14,2%) e 10-15 anos (7,1%). Observou-se que a faixa etária de maior prevalência correspondia à doença mais prevalente - pneumonia.
Já em 2020 observa-se, na Figura 2, o mesmo padrão: idades entre 1-5 anos (52,9%), 6 meses a 1 ano (17,6%), 0-6 meses (11,7%), 5-10 anos (11,7%) e 10-15 anos (5,8%).
Observando-se a Figura 3, nota-se que cerca de 53,5% das crianças internadas no ano de 2019 frequentavam escolas ou creches, 32% não frequentavam e 14,2% não foram avaliadas devido à falta de dados em prontuário. Em contraponto, avaliando-se o ano subsequente, também na Figura 3, 41% das crianças hospitalizadas frequentavam escolas ou creches, 35,2% não frequentavam e em 23,5% este era um dado desconhecido. Analisando ambos os gráficos, houve redução do número de internações no período estudado, devido ao isolamento social pela pandemia.
Dois dados analisados em prontuários - sexo do paciente e condição de internamento (SUS ou outro plano de saúde particular) - para o estudo em questão não se alteraram no resultado esperado, tornando-se um dado irrelevante no contexto da pesquisa. Todavia, nota-se que o sexo feminino prevaleceu sobre o masculino em ambos os anos - 2019 (51%) e 2020 (53%) - e observa-se que hospitalizações pelo SUS prevaleceram sobre internações por convênios - 2019 (94%) e 2020 (87,5%).
DISCUSSÃO
Devido à rápida emergência da pandemia de Covid-19 no mundo, muitas das medidas de controle foram introduzidas de diferentes maneiras nos países. No Brasil, uma série de intervenções para reduzir a transmissão do vírus e frear a rápida evolução da doença foi executada. Dentre as medidas, no estado de Santa Catarina, priorizaram-se o isolamento de casos, o incentivo à higienização das mãos, a adoção de etiqueta respiratória, o uso de máscara facial e medidas de distanciamento social, como o fechamento de escolas e universidades.6
Como as doenças transmitidas por gotículas respiratórias exigem certa proximidade física para ocorrer o contágio, o isolamento social permite reduzir essa transmissão. Dessa maneira, outras doenças respiratórias agudas, que também são transmitidas da mesma forma que a SARS-Cov-2, têm sua incidência diminuída.6 Neste estudo epidemiológico, identificou-se uma redução de 89,9% do número de internamentos por doenças respiratórias agudas (principalmente pneumonia) no período de implantação das medidas de distanciamento social no Brasil, comparadas ao ano anterior.
Ademais, as doenças respiratórias agudas representam, habitualmente, um importante quantitativo do total de atendimentos no âmbito pediátrico, sobretudo entre meados de março e julho, nos quais prevalecem os vírus respiratórios como os principais agentes infecciosos.7 Um importante fator de risco da infecção pelo vírus sincicial respiratório (VSR) - principal agente responsável pela bronquiolite viral aguda - é o contato da criança com um colega de escola/creche contaminado.8 Logo, o fechamento de escolas foi eficaz também na diminuição da propagação do VSR, como demonstrado pela diminuição de 100% dos casos de internamentos em 2020, no período de maior circulação do vírus, segundo dados deste estudo.
Além disso, a crise asmática é desencadeada pela exposição a um agente externo, sendo os mais comuns as infecções virais e os alérgenos.9-10 Dessa forma, o uso de máscaras faciais e medidas de distanciamento social também influenciaram na diminuição da porcentagem de casos de crise asmática no ano de 2020, comparado com 14,8 % no ano de 2019.
Com isso, os internamentos pediátricos por doenças respiratórias tiveram, em curto prazo, redução de até 10 vezes com a implantação dessas medidas de isolamento social no ano de 2020, demonstrando que as crianças estão em constante contato com os agentes infecciosos respiratórios no cotidiano.
CONCLUSÃO
Por fim, evidencia-se que a pandemia de Covid-19 no período avaliado no presente estudo teve grande influência na diminuição dos casos de internamentos por doenças respiratórias agudas na esfera pediátrica, pois medidas de fechamento de escolas, distanciamento social e uso de máscara facial / álcool em gel afetaram indiretamente a prevenção de outras doenças virais e a exacerbação de doenças crônicas, como asma. Logo, é evidente que o isolamento social associado a essas outras ações - higiene das mãos e uso de máscara facial - contribuiu como fator protetor na transmissão de doenças infecciosas virais.
REFERÊNCIAS
1. Passos S et al. Doenças respiratórias agudas em crianças brasileiras: os cuidadores são capazes de detectar os primeiros sinais de alerta? Revista Paulista de Pediatria. 2017 [Acesso 13 jun 2020]; Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rpp/v36n1/0103-0582-rpp-2018-36-1-00008.pdf
2. Martins R et al. Perfil de internações hospitalares por doenças respiratórias em crianças e adolescentes da cidade de São Paulo, 2000-2004. Revista Paulista Pediatria [publicação online], 2011 [Acesso 13 jun 2020]; Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-05822011000400018&script=sci_abstract&tlng=pt
3. Prato M et al. Doenças respiratórias na infância: uma revisão integrativa. Revista Soc. Bras. Enferm. Ped. Julho/2014 [Acesso 13 jun 2020]; Disponível em: https://sobep.org.br/revista/images/stories/pdf-revista/vol14-n1/v14_n1_artigo_revisao_1.pdf
4. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA (SBP). Medidas para o Pediatra relacionadas com a Pandemia do Covid-19. Departamento Científico de Infectologia, março/2020.[Acesso 11 jun 2020]; NOTA DE ALERTA. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/22426b-Infectologia__NAlerta__Medidas_p_Pediatra_relacionadas_Covid-19.pdf
5. Mattei L. A importância de se manter o isolamento e o distanciamento social como instrumentos para controlar a expansão do novo coronavírus em Santa Catarina. Núcleo de Estudos de Economia Catarinense-NECAT, Abril 2020 [Acesso 13 jun 2020]; Disponível em: https://noticias.paginas.ufsc.br/files/2020/04/texto-na-%C3%ADntegra.pdf
6. Aquino E et al. Medidas de distanciamento social no controle da pandemia de Covid-19: potenciais impactos e desafios no Brasil. Ciênc. saúde coletiva. Junho/2020 [Acesso 30 out. 2021]; Disponível em: <//https://www.scielo.br/j/csc/a/4BHTCFF4bDqq4qT7WtPhvYr/?lang=pt/>
7. Silva R et al. Influência do distanciamento social causado pela pandemia da Covid-19 no número de atendimentos de emergência e internações em pediatria. Revista de pediatria SOPERJ. Junho/2021 [Acesso 29 out 2021]; Disponível em: http://revistadepediatriasoperj.org.br/detalhe_artigo.asp?id=1158/
8. Burns D et al. Tratado de Pediatria, 4° edição. Sociedade Brasileira de Pediatria. 2017, Seção 21, págs 1720-1730, editora Manole/ SP.
9. Kuhn I et al. ASMA BRÔNQUICA - CONDUTA NA EMERGÊNCIA PEDIÁTRICA, 2018 [Acesso em: 30 out. 2021]; Disponível em: https://docs.bvsalud.org/biblioref/2018/04/882934/37-asma.pdf/
10. Franceus D et al. Doenças respiratórias em crianças e adolescentes: um perfil dos atendimentos na atenção primária em Vitória/ES. [publicação online], Revista Brasileira de Medicina da Família e Comunidade. Jan/Dez 2017 [Acesso 13 jun 2020]; Disponível em: http://docs.bvsalud.org/biblioref/2018/03/848837/1450-8781-1-pb.pdf