Relato de Caso
Kerion celsi: relato de caso em lactente
Kerion celsi: case report on an infant
Rayane Merlly Gandolfi de-Araújo; Caroline Noda Sakai; Vânia Oliveira de-Carvalho; Camila Girardi Fachin; Amanda Satuti Alcure Pinto; Alanne Darcy Magalhães de-Holanda
DOI:10.31365/issn.2595-1769.v22i2p102-104
Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
Endereço para correspondência:
Recebido em: 02/10/2021
Aprovado em: 05/02/2022
Instituição: Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
Resumo
INTRODUÇÃO: A Tinea capitis é uma infecção causada por fungos dermatófitos que acomete o escalpo e os cabelos, ocorrendo predominantemente na infância. Sua apresentação clínica é variável e depende da resistência e da resposta inflamatória do hospedeiro. O padrão de manifestação mais grave é o Kerion celsi, uma inflamação supurativa do couro cabeludo.
OBJETIVO: Descrever e alertar sobre a importância do diagnóstico precoce e correto do Kerion celsi e diferenciá-lo de infecções bacterianas, visto que o tratamento tardio da lesão pode levar a alopecia cicatricial.
DESCRIÇÃO DO CASO: Paciente do sexo feminino, 1 ano e 11 meses, foi encaminhada a um hospital terciário por placa supurativa em couro cabeludo, associada a alopecia. Fez uso de antibiótico via oral e corticoide tópico na ocasião, sem melhora do quadro. Após a avaliação pelo serviço de dermatologia pediátrica do hospital, houve a suspeita de Kerion celsi. Foi realizada a cultura do material obtido através do raspado da lesão e o tratamento com griseofulvina 20 mg/kg foi iniciado. Após 15 dias, a cultura revelou o crescimento de Microsporum canis e o tratamento da griseofulvina foi continuado. Ao final do tratamento, a paciente apresentava melhora significativa da lesão e crescimento capilar.
DISCUSSÃO: Apesar da infecção por Tinea capitis ser comum na infância, sua manifestação mais grave, denominada Kerion celsi, é pouco conhecida e frequentemente confundida com lesões bacterianas. O reconhecimento da lesão e a suspeição diagnóstica são fundamentais para que o tratamento seja feito de forma correta e danos permanentes sejam evitados.
Palavras-chave: Tinha do Couro Cabeludo. Dermatomicoses. Microsporum. Trichophyton. Alopecia
Abstract
INTRODUCTION: Tinea capitis is caused by dermatophyte fungi that affects the scalp and hair, occurring predominantly in childhood. Its clinical presentation is variable and depends on the hosts resistance and inflammatory response. The most severe pattern of manifestation is Kerion celsi, a suppurative inflammation of the scalp.
OBJECTIVE: To describe and raise awareness about the importance of an early and accurate diagnosis of Kerion celsi, differentiating it from bacterial infections, as a late treatment of that lesion can lead to cicatricial alopecia.
CASE DESCRIPTION: Female patient, 1 year and 11 months, was referred to a tertiary hospital presenting scalp suppurative lesion, associated with alopecia. A previous attempt of treatment with oral antibiotics and topical corticosteroids showed no improvement. After evaluation, the hospitals service of pediatric dermatology considered the hypothesis of Kerion celsi. A superficial scraping of the lesion was gathered for culture samples and the treatment with griseofulvin 20 mg/kg was initiated. After 15 days, Microsporum canis was isolated from the fungal culture, supporting the maintenance of treatment with griseofulvin. By the end of the treatment, the patient presented improvement of the lesions and slight hair growth.
DISCUSSION: Despite Tinea capitis being a common occurrence in childhood, its most severe manifestation, named Kerion celsi, is not well known, being frequently mistaken for a bacterial infection. An early recognition of the lesion and suspicion to diagnosis are essential for the treatment to be carried out correctly and permanent damage to be avoided.
Keywords: Tinea Capitis. Dermatomycoses. Microsporum. Trichophyton. Alopecia
INTRODUÇÃO
A Tinea capitis é uma infecção causada por fungos dermatófitos que acomete o escalpo e os cabelos, ocorrendo predominantemente na infância. Entre as manifestações clínicas mais comuns, destaca-se a descamação do couro cabeludo, a presença de eritema, pústulas e placas de alopecia permeadas por fios de cabelos tonsurados.1-3 Os principais agentes etiológicos envolvidos são espécies zoofílicas de Trichophyton e Microsporum, mas agentes antropofílicos também podem causar Tinea capitis.2
A apresentação clínica da infecção é variável e depende da resistência e da resposta inflamatória do hospedeiro. O padrão de manifestação mais grave é o Kerion celsi, uma inflamação purulenta do couro cabeludo, associada a alopecia e linfadenopatia cervical e suboccipital.3 O tratamento preconizado é a griseofulvina de 6 a 12 semanas, podendo ser associado o uso de xampu antifúngico.4 Caso o diagnóstico e o tratamento da infecção sejam tardios, poderá resultar em alopecia cicatricial.
O presente relato alerta para a necessidade do diagnóstico precoce e tratamento adequado para minimizar o risco de lesão permanente no Kerion celsi.
2. Descrição do caso
Paciente do sexo feminino, 1 ano e 11 meses, encaminhada da atenção primária a um hospital terciário de Curitiba por lesão supurativa no couro cabeludo há 20 dias, associada a alopecia. Previamente saudável, sem febre ou trauma no local da lesão. Havia recebido durante 7 dias ceftriaxona via oral e dexametasona tópica, por suspeita de abscesso bacteriano. Por não apresentar melhora, foi encaminhada ao serviço de Cirurgia Pediátrica para drenagem da lesão. Ao exame físico, apresentava placa de alopecia de 9 por 8 cm, eritematosa e supurativa em região fronto-parietal à direita, recoberta por crostas melicéricas (figura 1A). A palpação da lesão era dolorosa e não havia linfadenopatia cervical e suboccipital.
Foi solicitada a avaliação da lesão pelo serviço de Dermatologia Pediátrica, que solicitou a cultura para fungos através do raspado da lesão, e iniciou o tratamento com 20 mg/dia de griseofulvina via oral.
Após 15 dias, houve o crescimento de Microsporum canis na cultura, a lesão apresentava melhora clínica, com diminuição do eritema e da supuração (figura 1B) e foi orientada a manutenção da medicação por mais 45 dias. Ao final dos 60 dias de tratamento, a paciente apresentava melhora significativa da lesão e repilação local.
DISCUSSÃO
Enquanto a Tinea capitis é uma dermatofitose prevalente na população pediátrica, geralmente relacionada aos fungos das espécies Trichophyton e Microsporum, a apresentação mais grave, denominada de Kerion celsi, é rara na infância.4-6 A prevalência dessa infecção fúngica é variável, visto que depende de características geográficas e socioeconômicas, além de particularidades de cada paciente.5 Acomete com maior frequência crianças de 5 a 10 anos e o sexo masculino.4,5 A infecção pode resultar de contato direto com indivíduos, animais ou fômites contaminados, na dependência da espécie envolvida.4
Kerion celsi representa uma reação de hipersensibilidade tardia em relação ao dermatófito, variando sua apresentação clínica segundo o agente, o nível de resistência e a resposta inflamatória do hospedeiro.2,3 É classificada como uma reação inflamatória e supurativa da Tinea capitis, resultando em uma placa escamosa e intenso processo reacional local, com edema, rubor e secreção purulenta.7 A área acometida apresenta alopecia permeada por fios de cabelo e é bem delimitada; no entanto, pode ocorrer a confluência das lesões, levando ao acometimento de uma grande área do couro cabeludo e à alopecia cicatricial nos casos em que o tratamento é inadequado ou retardado.2,7 A linfadenopatia cervical é frequente nesta forma clínica.2
Não existem critérios clínicos definidos para diagnosticar Kerion celsi.8 O método mais sensível para identificação do agente é a cultura do material coletado pelo raspado das áreas de alopecia. Caso esteja disponível, o exame microscópico direto do material obtido também pode auxiliar no reconhecimento da infecção, pela visualização de hifas e artrósporos. Em alguns países, é utilizada técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR) para a identificação dos dermatófitos, com a vantagem da precisão e agilidade no diagnóstico.2,9
Entre os principais diagnósticos diferenciais estão a alopecia areata, dermatite seborreica, foliculite bacteriana, foliculite decalvante, lúpus discoide e celulite dissecante.2,4 Uma das manifestações precoces do Kerion celsi é a foliculite supurativa, que pode levar ao diagnóstico errôneo de infecção bacteriana.2,4
O tratamento de primeira linha para a infecção por Kerion celsi consiste na administração de griseofulvina via oral, na dose de 10-20 mg/kg por 60 dias; a duração do tratamento pode ser maior conforme a espécie de dermatófito.2,4,8 Outras drogas, como terbinafina, itraconazol e fluconazol, também são utilizadas. Xampus com propriedades antifúngicas reduzem a propagação da infecção para outros indivíduos e são adjuvantes no tratamento. Há autores que recomendam que membros da família também façam o uso do xampu antifúngico de 2 a 3 vezes na semana, para que o risco de reinfecção seja diminuído, já que os portadores dos dermatófitos podem ser assintomático.4
É descrito que corticosteroides orais ou intralesionais reduzem a inflamação local e aceleram o processo de cicatrização da lesão, com menor possibilidade de evolução para alopecia cicatricial permanente.1
O seguimento clínico dos pacientes é necessário para garantir que o tratamento seja realizado de forma adequada. O prognóstico é excelente quando a terapêutica é indicada corretamente e a repilação no local da lesão tende a ocorrer na maioria das crianças. É importante haver o reconhecimento precoce do Kerion celsi e a instituição do tratamento apropriado para evitar danos permanentes, como a alopecia cicatricial (4).
REFERÊNCIAS
1. Mayser P, Nenoff P, Reinel D, Abeck D, Brasch J, Daeschlein G, et al. S1 guidelines: Tinea capitis. JDDG J der Dtsch Dermatologischen Gesellschaft. 2020 Feb 6;18(2).
2. Hay RJ. Tinea Capitis: Current Status. Mycopathologia. 2017 Feb 6;182(1-2).
3. Proudfoot LE, Higgins EM, Morris-Jones R. A retrospective study of the management of pediatric kerion in trichophyton tonsurans infection. Pediatr Dermatol. 2011;28(6).
4. James R Treat. Tinea capitis (UpToDate) [Internet]. Uptodate. 2021. Available from: www.uptodate.com
5. Silva CS da, Neufeld PM, Gouvêa EH, Abreu PA. Etiologia e epidemiologia da tinea capitis: relato de série de casos e revisão da literatura. Rev Bras Análises Clínicas. 2019;51(1).
6. Natalia Vargas-Navia, Geovanna A Ayala Monroy, Catalina Franco Rúa, Juan Pablo Malagón Caicedo, Juan Pablo Rojas Hernández. [Tinea capitis in children]. Rev Child Pediatr. 2020 Oct 28;91(5):773-83.
7. Veasey JV, Muzy G de SC. Tinea capitis: correlation of clinical presentations to agents identified in mycological culture. An Bras Dermatol. 2018 Jun;93(3).
8. John AM, Schwartz RA, Janniger CK. The kerion: an angry tinea capitis. Int J Dermatol. 2018 Jan;57(1).
9. Deng S, Zhou Z, de Hoog GS, Wang X, Abliz P, Sun J, et al. Evaluation of two molecular techniques for rapid detection of the main dermatophytic agents of tinea capitis. Br J Dermatol. 2015 Dec;173(6).