Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 22(2) - Junho 2022

Artigo Original

Transfusão de concentrado de hemácias em prematuros de muito baixo peso e/ou idade gestacional inferior a 32 semanas

Red blood cell transfusion in preterm infants with very low birth weight and/or gestational age less than 32 weeks

 

Natália Piano Seben1; David Cavalcanti Ferreira1; Helen Zatti2; Júlia Piano Seben3

 

DOI:10.31365/issn.2595-1769.v22i2p58-64

1. Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça - Santa Catarina - Brasil
2. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis - Santa Catarina - Brasil
3. Hospital São Vicente de Paulo, Passo Fundo - Rio Grande do Sul - Brasil

 

Endereço para correspondência:

natyseben@gmail.com

Recebido em: 30/07/2021

Aprovado em: 31/12/2021


Instituição: Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça - Santa Catarina - Brasil

 

Resumo

OBJETIVO: Avaliar a taxa transfusional e o perfil clínico-laboratorial dos recém-nascidos prematuros (RNPTs) de muito baixo peso e/ou idade gestacional (IG) inferior a 32 semanas submetidos à transfusão de concentrado de hemácias na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) de um hospital público estadual de referência e descrever a evolução desses pacientes.
MÉTODOS: Estudo de coorte retrospectivo, observacional, no qual foram incluídos 117 RNPTs de muito baixo peso e/ou IG inferior a 32semanas, nascidos entre janeiro de 2017 e 30 de junho de 2019. As variáveis contínuas e categóricas foram analisadas conforme a realização de hemotransfusão.
RESULTADOS: Dos 117 RNPTs incluídos no estudo, 92,3% receberam transfusão, sendo as médias do peso e da IG ao nascimento deste grupo, respectivamente, de 1.192,08g e 29,33 semanas. Nos pacientes submetidos à transfusão, os valores médios de hemoglobina e hematócrito foram de 11,09g/dL e de 31,64%, e a média do número de concentrados de hemácias transfundidos foi de 4,12 unidades. A discrepância de tamanho dos grupos limitou a associação entre a apresentação de patologias neonatais, contudo, contatou-se que o número de transfusões foi significativamente maior em RNPTs com persistência do canal arterial, displasia broncopulmonar e retinopatia da prematuridade.
CONCLUSÃO: A UTIN apresenta uma alta taxa transfusional, a qual não pode ser justificada pelas características clínicas da amostra, sendo relacionada ao fato de não ser seguido um protocolo bem estabelecido para o adequado suporte transfusional neonatal.

Palavras-chave: Recém-Nascido Prematuro. Unidades de Terapia Intensiva Neonatal. Transfusão de eritrócitos. Anemia.


Abstract

OBJECTIVE: To evaluate the transfusion rate plus clinical and laboratory profile of very low birth weight (VLBW) preterm infants and/or gestational age less than 32 weeks after transfusion of red blood cells (RBC) in the Neonatal Intensive Care Unit (NICU) of a reference public hospital and describe the clinical course of these patients.
METHODS: Observational retrospective cohort study, in which 117 VLBW preterm infants and/or gestational ageless than 32 weeks, born between January 1st, 2017, and June 30th, 2019, were included. Continuous and categorical variables were analyzed according to blood transfusion.
RESULTS: From 117 preterm infants included in the study, 92.3% received transfusions, with the mean weight and gestational age at birth of this group being, respectively, 1,192.08g and 29.33 weeks. In patients undergoing transfusion, the mean hemoglobin and hematocrit values were 11,09g/dL and 31.64% and the average number of transfused RBC was 4.12 units. The group size discrepancy limited the association between the presentation of neonatal pathologies, however, it was found that the number of transfusions was significantly higher in VLBW preterm infants with patent ductus arteriosus, bronchopulmonary dysplasia and retinopathy of the prematurity.
CONCLUSION: The NICU has a high transfusion rate which cannot be justified by the clinical characteristics of the sample, being related to the fact that a well-established protocol for adequate neonatal transfusion support is not followed.

Keywords: Infant, Premature. Intensive Care Units, Neonatal. Erythrocyte Transfusion. Anemia.

 

INTRODUÇÃO

A transfusão de concentrado de hemácias é uma prática clínica frequente nas Unidades de Terapia Intensiva Neonatais (UTINs), sendo os principais gatilhos para a indicação de transfusão os valores reduzidos da concentração de hemoglobina e da taxa de hematócrito.1 Esses níveis de referência para hemotransfusão estão relacionados a casos com baixa suscetibilidade de melhora com tratamento conservador, afinal, até o momento, não há comprovações científicas que equilibrem riscos e benefícios de uma transfusão de rotina.2 Deve-se levar em consideração a presença de sintomas que possam indicar uma inadequada oxigenação tecidual, como dificuldade na amamentação, baixo crescimento, inadequado ganho de peso, apatia, taquicardia e taquipneia.3

Os critérios avaliados para a transfusão sanguínea em recém-nascidos devem ser diferenciados, devido a características específicas dessa faixa etária, como a imaturidade fisiológica de diversos sistemas e as modificações hematológicas características das primeiras semanas de vida.3 Entretanto, sempre houve dificuldade em estabelecer um protocolo ideal, com indicações absolutas, para avaliar a necessidade de transfusão de concentrado de hemácias em recém-nascidos prematuros (RNPTs),4 bem como a predileção por critérios mais liberais ou mais restritivos,5-7 pelo fato de os estudos serem baseados em experiências e consenso de opiniões, e não em pesquisas com alto nível de evidência científica.3,8

Como reflexo da heterogeneidade das diretrizes transfusionais adotadas pelas UTINs da Rede Brasileira de Pesquisa Neonatal, evidencia-se significativa variabilidade das taxas de transfusão de hemácias em prematuros, relacionada aos diferentes níveis de hematócrito utilizados como gatilhos transfusionais.9 Em âmbito mundial, dados da International Society of Blood Transfusion indicam que pelo menos 50% dos RNPTs com menos de 30 semanas de gestação necessitam realizar transfusão sanguínea durante a internação na unidade neonatal.10

Recentemente, foram publicados os resultados de dois grandes estudos randomizados, o ETTNO (Effects of Transfusion on Neurocognitive Outcomes of Extremely Low-Birth-Weight Infants) e o TOP (Transfusion of Prematures), que apresentaram informações mais robustas sobre a utilização de diferentes critérios transfusionais. Esses estudos foram analisados por Bell,11 o qual sintetizou que os limiares de transfusão de hemoglobina devem estar entre 11 e 13 g/dl para neonatos na primeira semana de vida que estejam criticamente doentes ou necessitando suporte ventilatório significativo, e entre 7 e 10 g/dl para neonatos mais velhos, estáveis, que não estejam criticamente enfermos ou necessitando suporte respiratório significativo. Ao analisar o desfecho primário dos estudos supracitados, identificado como o neurodesenvolvimento aos 2 anos de idade ou óbito antes da avaliação, em recém-nascidos de extremo baixo peso, não houve diferença ao considerar critérios mais restritivos ou liberais. Entretanto, considera que a utilização de critérios mais restritivos está associada à redução do número de transfusões, permitindo resguardar e priorizar as unidades de concentrado de hemácias aos pacientes com maior necessidade, além de reduzir diversos riscos que estão associados à prática transfusional.11

Evidencia-se a associação entre o ato transfusional e a transmissão de doenças infecciosas e a relação entre transfusão de eritrócitos em recém-nascidos de muito baixo peso (< 1500g) e o aumento do risco de apresentação de retinopatia da prematuridade (ROP),12-15 displasia broncopulmonar (DBP),12,15 sepse9,16,17 e óbito.13-14 Quando realizada precocemente, essa prática foi correlacionada a casos de hemorragia peri-intraventricular (HPIV) grave,14,18 principalmente se associada à necessidade de suporte ventilatório e menor idade gestacional.19 Apesar de existirem divergências científicas quanto à relação entre transfusão de hemácias e a apresentação de enterocolite necrosante (ECN), diversos estudos estão analisando uma possível associação a essa patologia, que é considerada uma das principais causas de morte em prematuros extremos.20-21

Frente a essa problemática, este estudo, realizado na UTIN de um hospital público de referência estadual no atendimento a recém-nascidos de alto risco, teve como objetivo avaliar a taxa transfusional e o perfil clínico-laboratorial dos RNPTs de muito baixo peso e/ou idade gestacional inferior a 32 semanas submetidos à transfusão de concentrado de hemácias aditivadas filtradas e irradiadas (CHIF) e descrever a evolução desses pacientes. Espera-se contribuir para o manejo adequado do suporte transfusional neonatal, melhorando a qualidade da assistência médica nas UTINs.

 

MÉTODO

Trata-se de estudo de coorte retrospectivo, observacional, desenvolvido na UTIN de um hospital terciário de referência para atendimento a recém-nascidos de alto risco, que atende exclusivamente o Sistema Único de Saúde (SUS) no estado de Santa Catarina.

A partir do livro de registros de nascimentos do hospital, a população foi composta por 128 RNPTs de muito baixo peso (< 1500g) e/ou idade gestacional (IG) inferior a 32 semanas, nascidos entre 1º de janeiro de 2017 e 30 de junho de 2019, sendo a IG estimada através da ultrassonografia obstétrica realizada, preferencialmente, no primeiro trimestre da gestação, ou pela data da última menstruação, sendo utilizado o método de New Ballard22 na ausência desses dados. Desta população, 11 recém-nascidos (8,6%) foram excluídos do estudo por evoluírem a óbito nas primeiras 24 horas de vida (n=9) ou por terem sido transferidos para outros hospitais antes de realizarem a primeira transfusão (n=2), resultando em uma amostra final de 117 pacientes.

As variáveis estudadas foram: sexo, peso e IG ao nascer, adequação do peso para a IG, Apgar no 1º e 5º minuto, patologias neonatais presentes [DBP, persistência do canal arterial (PCA), sepse, hemorragia pulmonar, ECN, HPIV e ROP], tempo de ventilação mecânica, tempo de oxigenoterapia, tempo total de internação e desfecho. Também foram avaliadas as variáveis transfusionais de cada paciente: número de transfusões, data, idade cronológica, IG corrigida e peso no momento da transfusão, motivo do ato transfusional, necessidade e tipo de suporte ventilatório e valor da hemoglobina e do hematócrito referentes à primeira transfusão.

A variável motivo do ato transfusional foi classificada em indicação clínica e/ou laboratorial conforme a justificativa do médico responsável no prontuário do paciente. No período estudado, eram adotadas no serviço as indicações de transfusão sugeridas pela Sociedade Brasileira de Pediatria de 2012,23 mas cabe ressaltar que os médicos tinham liberdade para não seguir as recomendações de acordo com a avaliação e prática clínica.

Quanto a análise estatística e comparação das variáveis estudadas entre os grupos de transfundidos e não transfundidos, foram utilizadas para as variáveis contínuas a média, o desvio padrão e os testes t de Student e de Mann-Whitney; e para as variáveis categóricas, as frequências simples e relativa, a análise com o qui-quadrado de Pearson e a estimativa de risco pela odds ratio com intervalo de confiança de 95%. Foi utilizado o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 18.0 (Chicago,IL) e adotado um nível de significância de 5%.

O estudo obedeceu a todos os critérios éticos aplicáveis, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Sul de Santa Catarina (CEP-Unisul) sob CAAE 16495019.9.0000.5369. Os riscos inerentes a esta pesquisa foram mínimos, uma vez que realizou-se a análise de prontuários e foram assegurados a privacidade e o anonimato das informações coletadas.

 

RESULTADOS

Foram avaliados 117 recém-nascidos, dos quais 92,3% (n=108) foram submetidos ao ato transfusional, enquanto apenas 7,7% (n=9) não o foram. As características demográficas, perinatais e neonatais foram associadas à realização de transfusão de concentrado de hemácias (Tabelas 1 e 2). Ressalta-se, entretanto, que os dados de comparação entre os grupos devem ser observados com cautela, em função do pequeno número de recém-nascidos não transfundidos.

 

 

 

 

As médias dos principais parâmetros transfusionais apresentados pelos 108 pacientes que receberam concentrado de hemácias foram 11,09 (±1,52) g/dL de hemoglobina e 31,64 (±4,23) % de hematócrito. A indicação de transfusão foi constatada no prontuário como critério clínico isolado em 25% e critério laboratorial (anemia) associado ou não a critério clínico em 75%. Observa-se, na Tabela 3, a associação entre as indicações de transfusão e as características clínicas e laboratoriais.

 

 

A Tabela 4 descreve a presença de patologias neonatais nos grupos de recém-nascidos transfundidos e não transfundidos, mas o número reduzido de pacientes que não receberam transfusão impossibilita a avaliação de uma possível associação entre estas patologias e a necessidade de transfusão.

 

 

Dos 108 pacientes submetidos à transfusão de concentrado de hemácias, 88 (81,48%) receberam mais de uma transfusão durante o período de internação na UTIN, sendo 4,12 (±3,2) unidades o número médio de concentrados de hemácias realizados. O número de transfusões foi significativamente maior (p<0,05) em RNPTs com PCA (média de 6,4 ± 4,1 em comparação com 3,3 ± 1,7 no grupo sem PCA), DBP (média de 8,3 ± 3,9 no grupo com e 3,3 ± 2,1 no grupo sem DBP) e ROP (6,2 ± 3,6 em comparação com 3,1 ± 2,7).

 

DISCUSSÃO

Ao avaliar 117 RNPTs de muito baixo peso e/ou IG inferior a 32 semanas, evidenciou-se uma taxa de transfusão de 92,3%. O estudo de Correia et al., realizado em Portugal, avaliou os prematuros com peso ≤ 1500g e IG ≤ 32 semanas, que apresentaram frequência de transfusão de 55% (88/160).24 Dos Santos et al. avaliaram os RNPTs com peso < 1.500g ao nascer e IG entre 22 e 36,9 semanas em 16 diferentes centros brasileiros que apresentaram frequência de transfusão de 51,6% (2208/4283).16 Jeon et al. avaliaram os RNPTs com peso ao nascer < 1.500g admitidos em uma UTIN da Coreia do Sul e observaram que 78% (39/50) dos pacientes receberam transfusão de concentrado de hemácias.25 Nesse contexto, ao comparar com os dados presentes na literatura,16,17,24,25 constata-se uma alta taxa de pacientes submetidos à transfusão durante sua permanência na UTIN. Essa taxa não pode ser justificada pelas características clínicas dos RNPTs, visto que as médias de IG e peso ao nascimento no presente estudo foram maiores em relação aos demais.

Dentre as informações presentes nos prontuários, que poderiam justificar uma maior taxa de transfusões, encontrou-se a necessidade frequente de recoleta de amostras de sangue por coagulação do material, e o fato de o resultado do exame ser considerado incompatível com a clínica. Destaca-se também que o laboratório não utiliza microtécnica, levando a maior espoliação sanguínea. Entretanto, serão analisadas a seguir somente as transfusões indicadas por anemia, avaliando se haveria indicação de realizá-las ao utilizar gatilhos transfusionais sugeridos em estudos já disponíveis no momento da coleta de dados. Embora os problemas descritos devam ser avaliados e corrigidos, fica evidente que o fato de não ser seguido um protocolo de indicação tem papel preponderante no excesso de transfusões, e que tal prática não pode ser aceita.

No estudo de Chen et al., diferentes níveis de referência para hemotransfusão foram adotados para pacientes em ventilação mecânica, em CPAP ou oxigenoterapia e em ar ambiente. Os critérios liberais foram, respectivamente, Ht≤45%; Ht≤40% e Ht≤30%, enquanto os critérios restritivos foram Ht≤35%; Ht≤30% e Ht≤22%.26 Ao utilizar esses critérios como gatilhos transfusionais no atual estudo, observa-se que, dos 81 pacientes transfundidos por critério laboratorial (anemia), 75 (92,59%) teriam recebido transfusão ao se avaliar os valores pertencentes aos critérios liberais, enquanto 40 (49,38%) teriam recebido transfusão considerando-se os critérios restritivos.

Kirpalani et al. compararam critérios mais liberais e restritivos de transfusão, considerando valores de referência de hemoglobina conforme a idade cronológica e a presença ou ausência de suporte ventilatório. Os critérios liberais foram: para RN entre 1-7 dias de vida, Hb≤12,2 com suporte ventilatório e Hb≤10,9 sem suporte ventilatório; entre 8-14 dias, Hb≤10,9 com suporte ventilatório e Hb≤9,0 sem suporte ventilatório e se idade cronológica ≥ 15 dias, Hb≤9,0 com suporte ventilatório e Hb≤7,7 sem suporte ventilatório. Os critérios restritivos foram, respectivamente, Hb≤10,4 e Hb≤9,0; Hb≤9,0 e Hb≤7,7 ou Hb≤7,7 e Hb≤6,8.27 Ao analisar os valores de hemoglobina dos pacientes do atual estudo que tiveram como indicação de transfusão o critério laboratorial (anemia) e ao adotar os critérios citados acima, dos 81 pacientes, 42 (51,85%) teriam sido transfundidos conforme os critérios liberais, e 12 (14,81%) conforme os restritivos. Nesse contexto, este estudo apresentou um número de transfusões acima do esperado, independentemente da adoção de critérios restritivos ou liberais e dos diferentes valores de hematócrito utilizados como gatilhos transfusionais.

Dados de um estudo realizado em 2012, que envolveu 1.018 neonatologistas de 11 países diferentes, demonstraram que somente 51,1% das UTINs apresentavam um protocolo escrito e bem definido com indicações de hemotransfusão, sendo possível identificar uma grande variação entre os valores de hemoglobina adotados como gatilhos.28 A inexistência de um protocolo de transfusão de concentrado de hemácias em neonatologia, com indicações absolutas baseadas em pesquisas com alto nível de evidência científica, reflete-se na heterogeneidade da frequência do ato transfusional,9 devido à utilização de diferentes critérios adotados pelos médicos, embasados em suas experiências,3,8.

Dos 108 pacientes submetidos à transfusão de concentrado de hemácias, 81,48% receberam mais de uma transfusão durante o período de internação na UTIN do HRSJ. Estudos semelhantes realizados por Jeon et al., na Coreia do Sul,25 e por Lookzadeh et al., no Irã,18 demonstraram, respectivamente, que 69,23% (27/39) e 50,59% (43/85) dos pacientes transfundidos receberam mais de uma transfusão durante a permanência na UTIN. A média do número de concentrados de hemácias transfundidos na UTIN do HRSJ (4,12±3,2) foi semelhante à apresentada por Correia et al. (4,3±0,4).24 Bell et al. identificaram que o número médio de transfusões foi significativamente maior ao utilizarem critérios liberais (4,8 ±4,1), em comparação a critérios restritivos (2,7±2,4).29 A média da idade cronológica no momento da primeira transfusão no presente estudo foi 8,62 (±9,67), enquanto no estudo de Correia et al., essa média foi de 9,6 dias de vida.24

Devido à discrepância entre o número de participantes de cada um dos grupos deste estudo e a apresentação de categorias com frequência zero, não foi possível avaliar a relação entre a apresentação de patologias neonatais e a realização ou não de transfusão sanguínea. O número de transfusões realizadas foi maior nos RNPTs com PCA, DBP e ROP, porém o estudo não foi delineado para avaliar esta associação, o que impede a extrapolação destes resultados. Diferentes estudos demonstram a associação de DBP com realização de transfusão24-25 e um aumento da incidência de acordo com o número de transfusões recebidas.13,30 Quanto à PCA, Correia et al. evidenciaram maior incidência nos pacientes transfundidos ao compararem com os não transfundidos.24 Entretanto, Whyte et al. relataram que, ao analisar três ensaios combinados, a frequência de apresentação dessa patologia foi semelhante ao utilizar critérios restritivos e liberais.8 Em relação à ROP, Wang et al. relacionaram o risco de desenvolver essa patologia ao número de transfusões realizadas até 30 dias de vida,14 e Dal Vecchio et al. descreveram associação entre a redução das taxas de transfusão e menor incidência de ROP.13 Outros autores não encontraram diferenças significativas na incidência de ROP ao adotarem critérios transfusionais mais restritivos ou mais liberais.26-27

Entre as limitações deste estudo, destaca-se que as comparações entre os grupos de pacientes transfundidos e não transfundidos foram limitadas pelo pequeno número de RNPTs que não foram submetidos à transfusão. Além disso, o fato de ser um estudo retrospectivo, utilizando dados obtidos em prontuários, reflete-se na ausência de algumas informações e impede a adequada avaliação e estratificação de algumas características. Apesar disso, este estudo demonstra que uma prática desregrada de hemotransfusões, ao permitir que as indicações sejam baseadas na experiência clínica, sem que seja seguido um protocolo transfusional bem estabelecido, pode repercutir em um grande aumento do número de transfusões realizadas.

 

CONCLUSÃO

Constatou-se alta taxa transfusional (92,3%) em RNPTs de muito baixo peso e/ou IG inferior a 32 semanas ao nascer na UTIN de um hospital público estadual de referência no atendimento a RNs de alto risco. Os pacientes submetidos à transfusão apresentaram menores médias de peso e IG ao nascer e maiores médias de tempo de oxigenoterapia e ventilação mecânica ao serem comparados aos pacientes não transfundidos.

A discrepância de tamanho dos grupos limitou a associação entre a apresentação de patologias neonatais ao comparar os pacientes transfundidos e não transfundidos.

Este estudo serve de alerta aos serviços de terapia intensiva neonatal, por demonstrar a importância e a necessidade da implantação de um protocolo bem estabelecido para o adequado suporte transfusional neonatal, bem como do monitoramento para garantir que seja seguido, evitando transfusões sanguíneas desnecessárias.

 

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