Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 22(1) - Março 2022

Artigo de Revisao

Complicações neurológicas de sinusite em pacientes pediátricos: revisão da literatura dos últimos cinco anos

Neurological complications of sinusitis in pediatric patients: literature review of the last five years

 

Kamila Magalhães Sampaio1; João Vitor Santa Maria Magalhães2; Ingrid Kandler1

 

DOI:10.31365/issn.2595-1769.v22i1p29-34

1. Sociedade Universitária Redentor, IKAT Instituto De Pós-graduação Kandler e Coutinho - Vitória - Espírito Santo - Brasil
2. Universidade Federal do Sul da Bahia, Centro de Formação em Ciências da Saúde - Teixeira de Freitas - Bahia - Brasil

 

Endereço para correspondência:

kamila.magalhaes@hotmail.com

Recebido em: 18/05/2020
Aprovado em: 23/02/2022


Instituição: Sociedade Universitária Redentor, IKAT Instituto De Pós-graduação Kandler e Coutinho - Vitória - Espírito Santo - Brasil

 

Resumo

INTRODUÇÃO: Sinusite é um termo amplo que inclui várias subdivisões de inflamação sinusal, podendo ser aguda, subaguda e crônica. Estes termos são comumente usados para descrever infecções bacterianas, mas também existem infecções fúngicas crônicas, bem como a sinusite alérgica. As complicações intracranianas são sequelas comuns de sinusite, quando há comprometimento dos seios frontais ou etmoidais, e o risco de infecção intracraniana é acentuadamente aumentado. Apesar de sua relativa raridade, as complicações intracranianas permanecem clinicamente importantes, devido à alta morbimortalidade associada à doença.
OBJETIVO: Revisar retrospectivamente a literatura, a fim de obter uma síntese das complicações neurológicas de sinusite mais comuns em pacientes pediátricos, para fornecer dados adicionais ao pequeno corpo de literatura que existe sobre este tópico.
FONTE DE DADOS: Esta revisão se baseia em estudos publicados na base de dados PubMed nos últimos 5 anos. Para tal, foram utilizados os descritores "sinusite", "complicações" e "pediatria".
SÍNTESE DE DADOS: Grande parte dos estudos apresentam empiema epidural e subdural, complicações intracranianas supurativas e não supurativas, além de comprometimentos orbitais. Complicações intracranianas secundárias à rinosinusite, embora apenas esporadicamente observadas, são potencialmente fatais, e pacientes com sinusite que desenvolvem complicações mais graves são comumente crianças.
CONCLUSÃO: Complicações neurológicas decorrentes de sinusite bacteriana são eventos raros, mas que exigem atenção do pediatra, pelo fato de suas manifestações clínicas serem inespecíficas, como febre, cefaleia, náuseas ou vômitos, mas com a grande possibilidade de morbidade nos pacientes.

Palavras-chave: Pediatria. Complicações. Sinusite.


Abstract

INTRODUCTION: Sinusitis is a broad term that includes several subdivisions of sinus inflammation, and may be acute, subacute and chronic. These terms are commonly used to describe bacterial infections, but there are also chronic fungal infections as well as allergic sinusitis. Intracranial complications are common sequelae of sinusitis, when there is compromise of the front or ethmoidal sinuses, and the risk of intracranial infection is markedly increased. Despite its relative rarity, intracranial complications remain clinically important due to the high morbidity and mortality associated with the disease.
OBJECTIVE: Retrospectively review the literature in order to obtain a synthesis of the neurological complications of more common sinusitis in pediatric patients, to provide additional data to the small body of literature that exists on this topic.
DATA SOURCE: This review is based on studies published in the PubMed database in the last 5 years. To this end, "sinusitis", "complications", and "pediatrics" descriptors were used.
DATA SYNTHESIS: Most studies presented epidural and subdural empyema, supurative and non-supporative intracranial complications, as well as orbital commitments. Intracranial complications secondary to rhinosinusitis, although only sporadically observed, are potentially fatal, and patients with sinusitis developing more severe complications are commonly children.
CONCLUSION: Neurological complications arising from bacterial sinusitis are rare events, but require pediatrician's attention, since their clinical manifestations are nonspecific, such as fever, headache, nausea or vomiting, but with the great possibility of morbidity in patients.

Keywords: Pediatrics. Complications. Sinusitis.

 

INTRODUÇÃO

Sinusite é um termo amplo que inclui várias subdivisões de inflamação sinusal: a aguda é definida como uma infecção que dura menos de 4 semanas; a sinusite subaguda consiste em sintomas por 4-12 semanas; e sinusite crônica é uma infecção que persiste por mais de 12 semanas. Estes termos são comumente usados para descrever infecções bacterianas, mas também existem infecções fúngicas crônicas, bem como a sinusite alérgica.1

A rinosinusite na infância é quase sempre sequela de uma infecção de vias aéreas superiores (IVAS). Elas são mais frequentes na criança por uma série de fatores, entre eles, a imaturidade imunológica, e exposição a fatores ambientais, como frequência a escolas e creches, que facilitam a transmissão infecciosa de uma criança para outra. As IVAS provocam edema da mucosa respiratória, obstruindo a ventilação sinusal, ao mesmo tempo que dificultam a drenagem das secreções e alteram o sistema de defesa da mucosa, facilitando a instalação de uma infecção bacteriana.43

Embora complicações intracranianas permaneçam sequelas comuns de sinusite, elas foram relatadas em 0,5% a 24% dos pacientes gerais hospitalizados com sinusite. Quando há comprometimento dos seios frontais ou etmoidais, o risco de infecção intracraniana com complicações é acentuadamente aumentado.2,3

A cavidade nasal, na realidade, é formada por duas cavidades paralelas que se estendem das narinas até a faringe, separadas entre si por uma parede cartilaginosa. Em seu interior, existem dobras chamadas conchas nasais, que têm a função de fazer o ar rotacionar, ou seja, girar. No teto das fossas nasais existem células sensoriais, responsáveis pelo sentido do olfato.40 Os seios paranasais são cavidades ou túneis pequenos. Eles são assim denominados porque estão localizados em torno ou próximos do nariz. A cavidade nasal se abre para uma rede de seios: seios maxilares, seios frontais, seios esfenoidais, seios etmoidais.41 Normalmente, essas cavidades são preenchidas de ar. Quando o paciente tem um resfriado ou sinusite, a cavidade óssea pode ser preenchida por muco e pus, muitas vezes ficando obstruída e provocando sintomas desconfortáveis.42

Até 24% dos pacientes gerais hospitalizados com rinosinusite aguda apresentam uma complicação intracraniana incluindo meningite, trombose do seio cavernoso ou sagital, abscessos intraparenquimatosos e peridurais ou empiema subdural.2,3 O envolvimento intracraniano na rinosinusite aguda complicada é uma doença rara, mas potencialmente fatal. Estima-se que aproximadamente 3% dos pacientes pediátricos internados por sinusite têm uma complicação intracraniana.3,4

Apesar de sua relativa raridade, as complicações intracranianas permanecem clinicamente importantes devido à alta morbimortalidade associada à doença.2 Apesar dos avanços no diagnóstico por imagem, os indivíduos afetados continuam sendo ignorados, o que atrasa a instituição de drenagem cirúrgica apropriada e tratamento médico.2

Esta revisão bibliográfica tem como objetivo apresentar as principais complicações neurológicas decorrentes de inflamação sinusal aguda, destacando a necessidade de uma vigilância contínua dos pediatras quanto ao potencial de envolvimento intracraniano em paciente com história de sinusite. Assim, o presente estudo visa revisar retrospectivamente a literatura, a fim de obter uma síntese das complicações neurológicas de sinusite mais comuns em pacientes pediátricos, para fornecer dados adicionais ao pequeno corpo de literatura que existe sobre esse tópico.

 

METODOLOGIA

Esta revisão bibliográfica se baseou em um levantamento de estudos publicados na base de dados PubMed (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/) nos últimos 5 anos. Para tal, foram utilizados os descritores "sinusite", "complicações" e "pediatria". Foram utilizados como critérios de inclusão: artigos publicados dos últimos 5 anos; estudos realizados com pacientes pediátricos; artigos que tratavam do tema delimitado.

No banco de dados PubMed, realizou-se uma busca utilizando os descritores supramencionados, sendo obtido um total de 731 artigos; após a adição do filtro de data, restaram 191 artigos. Após a análise das informações básicas, notou-se que alguns deles não preenchiam os critérios de inclusão definidos e, portanto, foram excluídos da amostra. Foram selecionados 38 artigos para a revisão neste estudo.

Ademais, foi realizada uma busca exploratória na base de dados PubMed, visando obter uma bibliografia complementar para o banco de dados, a fim de que estes suprissem a necessidade conceitual da revisão literária e, enfim, fosse composto um estudo completo e que fornecesse dados ampliados ao escasso corpo literário.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nos 31 estudos analisados, as supurações intracranianas mostraram-se com as principais complicações decorrentes de inflamação sinusal, sendo o empiema epidural apresentado em 19% dos artigos5,9,10,23 e empiema subdural em 19% dos casos estudados.5,9,12 Outra complicação secundária à sinusite foi a trombose do seio cavernoso, amplamente relatada nos estudos.9,14 Complicações intracranianas não supurativas, como meningite, foram relatadas em 6% dos artigos,7 e complicações intracranianas supurativas, como abcessos cerebrais, em 29% dos casos.7,8,10

Celulite periorbitária, abscesso orbital e outros comprometimentos orbitais, embora raros em pacientes pediátricos, foram descritos com maior frequência na literatura, sendo encontrados em 35% dos estudos analisados.5,6,8,10,13,14,16-21 Outrossim, outras complicações ainda foram relatadas, mas com menos frequência do que as outras, dentre as quais se destacam o abcesso intraparenquimoso e o tumor inchado de Pott.5,9,10,22,25

Complicações intracranianas secundárias à rinosinusite, embora apenas esporadicamente observadas, são potencialmente fatais, apesar do uso adequado de antibióticos de amplo espectro.2 Pacientes com sinusite que desenvolvem complicações mais graves são comumente crianças; no entanto, complicações intracranianas podem ocorrer em um paciente de qualquer idade.2

A incidência de complicações intracranianas da sinusite paranasal diminuiu durante a era dos antibióticos.28 Apesar da redução na frequência, essas complicações ameaçam a vida e requerem atenção imediata.28 As complicações intracranianas mais sérias da sinusite incluem meningite, epidural, subdural ou abscessos cerebrais e trombose do seio cavernoso ou sagital. Quando tais complicações ocorrem, uma taxa de mortalidade de 10 a 20% é relatada, apesar das terapias utilizadas. 28 O seio frontal é a fonte mais comum de complicação por infecção intracraniana. Os sinais mais prementes são febre e dor de cabeça.11,28

Os sintomas de empiema intracraniano em crianças mais comuns incluem dor de cabeça, febre, náuseas e vômitos, sendo altamente inespecíficos.29 Como os sintomas nasais típicos de sinusite não são observados na maioria dos pacientes, um alto grau de suspeita deve estar sempre presente, devendo-se sempre avaliar minuciosamente as crianças que não exibem a apresentação neurológica clássica.29 Exames de imagem confirmam o diagnóstico quando as complicações da sinusite são suspeitas.30 Mesmo com a melhora do cuidado e terapia agressiva, as complicações intracranianas de rinosinusite aguda continuam a ter uma taxa de mortalidade de 10 a 20%, e as infecções orbitárias ainda permanecem como uma ameaça à visão.31

O envolvimento do seio frontal e do parênquima cerebral,32,33 leucocitose, marcadores inflamatórios aumentados - observados a partir da coleta de hemograma -,34 culturas polimicrobianas ou com patógenos anaeróbios ou presença de Fusobacterium são fatores que predizem uma infecção mais grave, exigindo mais intervenções cirúrgicas, antibioticoterapia endovenosa prolongada e maior tempo total de permanência hospitalar.32 A resistência bacteriana não parece desempenhar papel importante na condução dos casos. Surpreendentemente, as culturas sinusais positivas foram mais preditivas de um pior curso clínico em comparação com culturas intracranianas, o que sugere importância de um desbridamento completo do seio e obtenção de culturas.32 Os adolescentes do sexo masculino são o grupo mais comumente relatado.35

Há uma falta de diretrizes internacionais sobre o tratamento de abscessos cerebrais; no entanto, existem algumas recomendações sobre o manejo da infecção, que pode ser apenas clínico ou clínico e cirúrgico. De acordo com estas recomendações, o tratamento clínico pode ser considerado em pacientes sem doença neurológica grave, sem deficiência neurológica na admissão (Glasgow > 12), com um pequeno abscesso (<2,5 cm) ou com múltiplos abscessos, com etiologia diagnosticada e em caso de contraindicação à cirurgia; além disso, os antibióticos representam uma terapia adjuvante após a cirurgia de grandes abscessos ou naqueles que causam efeito de massa.5 Nos estágios iniciais de cerebrite, o tratamento com antibióticos pode prevenir abscesso; entretanto, após a formação de abscessos maiores, a drenagem cirúrgica é mandatória, associada a um longo curso de antibióticos.36

Os dados da flora microbiana na rinosinusite em crianças são resultados de estudos realizados em diferentes estágios da doença. De uma forma geral, os germes mais prevalentes nos casos com duração entre 10-120 dias têm sido o Streptococcus pneumoniae, seguido de Haemophylus influenzae e Moraxella catarrhalis. Também têm sido isolados, com menor frequência, Streptococcus Grupo A e C, S. viridans e Peptoestreptococcus. Em cerca de 10% dos pacientes, vírus respiratórios têm sido identificados, incluindo adenovírus, parainfluenza, influenza e rinovírus.44

Os antibióticos utilizados no tratamento da rinosinusite aguda na criança devem ser preferencialmente eficazes contra S. pneumoniae, H. influenzae e Moraxella catarrhalis. De forma geral, a antibioticoterapia deve ser iniciada empiricamente, sendo comum o uso de amoxicilina e azitromicina, considerando sua segurança e efetividade na maioria dos casos,9 sendo depois ajustada de acordo com os resultados das culturas. A escolha da terapia empírica deve se basear nas condições predisponentes e, consequentemente, sobre o microrganismo que se pensa estar envolvido, usando moléculas que podem ultrapassar a barreira hematoencefálica e suficientemente seguras para serem administradas em doses adequadas, mesmo por um longo tempo.36,37

Apesar de complicações simultâneas envolvendo os espaços orbitais e intracranianos serem extremamente raras, elas representam uma fonte significativa de morbidade se não forem manejadas de forma rápida e intensiva,38 embora a terapia intensiva com antibióticos e a drenagem cirúrgica reduzam a taxa de morbidade no longo prazo.34,35 Casos de hipertensão intracraniana podem ser tratados com manitol, hiperventilação ou dexametasona; no entanto, os esteroides podem retardar o processo de encapsulamento, aumentar a necrose, reduzir a penetração de antibióticos no abscesso e alterar a tomografia computadorizada. A terapia com esteroides também pode produzir um efeito rebote quando descontinuado; portanto, caso seja usada para reduzir o edema cerebral, a terapia deve ser de curta duração.36 O uso de anticonvulsivantes é comum, devido à alta frequência de convulsões.38

O tempo médio de internação para os pacientes com sinusite no hospital é de 4,2 dias. Outrossim, Patel et al., em outros estudos, sugerem que o tempo médio de permanência aumenta para um média de 5,8 dias em pacientes com complicações orbitárias graves e 10 a 21 dias em casos de complicações intracranianas.39

A prevenção das recorrências pode ser feita utilizando vacinas e imunoterapia inespecífica. A vacina contra o Haemophilus influenzae tipo B diminuiu drasticamente o número de infecções provocadas por esse agente, assim como o número de complicações graves. A vacina antipneumocócica conjugada pode ser vantajosa na prevenção de rinosinusites provocadas pelas 7 estirpes contidas nesta vacina. Em um estudo analisado, feito com uma mistura de lisados bacterianos de estirpes que causam mais frequentemente infecções respiratórias superiores e administrada por via oral, demonstrou uma redução em 50% do número de infecções em comparação com um grupo controle num período de 56 semanas.45

 

CONCLUSÃO

Diante da revisão descrita, podemos inferir que as complicações intracranianas de rinosinusite são quadros raros, mas extremamente graves e que podem evoluir com morbidade em um grande número de pacientes. Apesar da gravidade do caso, a maioria dos quadros são oligossintomáticos ou se apresentam com sintomas inespecíficos, afebril na admissão, mesmo em quadros graves.

Diante disso, nota-se tanto a importância do diagnóstico precoce, como a importância da vacinação adequada e escolha correta de antibiótico, além da vigilância clínica por parte dos profissionais. Portanto, o pediatra deve estar sempre alerta e manter um alto grau de suspeita clínica, estando apto a tratar os pacientes de maneira agressiva e indicando intervenção cirúrgica sempre que necessário.

 

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10. Din-Lovinescu C, Mir G, Blanco C, Zhao K, Mazzoni T, Fried A, El Khashab M, Lin G. Intracranial complications of pediatric rhinosinusitis: Identifying risk factors and interventions affecting length of hospitalization. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2020 Apr;131:109841. doi: 10.1016/j.ijporl.2019.109841. Epub 2019 Dec 19. PMID: 31901485.

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