Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 21(4) - Dezembro 2021

Relato de Caso

Hemangioma infantil: 17 casos tratados com propranolol

Infantile hemangioma: 17 cases treated with propranolol

 

Gesmar Volga Haddad; Ciro Denevitz de-Castro-Herdy; Marianna Corrêa Moraes Barbosa; Adauto Dutra Moraes Barbosa

 

DOI:10.31365/issn.2595-1769.v21i4p230-232

Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense, Departamento Materno-Infantil - Niterói - RJ - Brasil

 

Endereço para correspondência:

adautodutra@id.uff.br

Recebido em: 05/04/2021

Aprovado em: 17/05/2021


Instituição: Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense, Departamento Materno-Infantil - Niterói - RJ - Brasil

 

Resumo

INTRODUÇÃO: Hemangioma infantil é um tumor benigno e autolimitado, embora a lesão possa ser gravemente invasiva ou muito deformante.
OBJETIVO: Relatar a evolução de hemangioma infantil tratado com propranolol oral.
PACIENTES E MÉTODOS: Entre março de 2010 e fevereiro de 2017, foram acompanhadas crianças portadoras de hemangioma infantil, no ambulatório de um hospital universitário, que tivessem recebido propranolol oral na dose de 1 mg/kg/dia, em duas tomadas e que, posteriormente, tivessem a dose de propranolol aumentada para 2 mg/kg/dia. Foram excluídas as crianças com asma brônquica e rinite alérgica.
RESULTADOS: Nos 17 casos estudados, a idade em que se observou o aparecimento do hemangioma variou entre 1 e 12 meses, com uma mediana de 3 meses. A idade de início do tratamento variou entre 1 e 18 meses, com uma mediana de 4 meses. Os pacientes foram acompanhados até a diminuição acentuada ou resolução da lesão, que durou entre 2 e 38 meses, com uma mediana de 28 meses. Não houve nenhuma complicação durante a evolução.
CONCLUSÃO: o propranolol oral mostrou-se seguro e eficaz na resolução do hemangioma infantil visível à ectoscopia.

Palavras-chave: Hemangioma. Criança. Propranolol.


Abstract

INTRODUCTION: Hemangioma of infancy is a benign and self-limiting tumor; however the lesion can be severely invasive or very deforming.
OBJECTIVE: To report the evolution of hemangioma of infancy treated with oral propranolol.
PATIENTS AND METHODS: Between March 2010 and February 2017, children with hemangioma of infancy who had used propranolol at a dose of 1 mg/kg/day, in two doses and who, subsequently, had the propranolol dose increased to 2 mg/kg/day were followed up at an outpatient clinic of a university hospital. Children with bronchial asthma and allergic rhinitis were excluded.
RESULTS: In the 17 cases studied, the age of diagnosis varied from 1 to 12 months old (median: 3 months old). The age of onset of treatment varied between 1 and 18 months old (median: 4 months old). The patients were followed up until marked decrease or resolution of the lesion, which lasted from 2 to 38 months (median: 28 months). There were no complications during the evolution.
CONCLUSION: oral propranolol proved to be safe and effective in resolving hemangioma of infancy visible to ectoscopy.

Keywords: Hemangioma. Child. Propranolol.

 

INTRODUÇÃO

O hemangioma é o tumor benigno mais comum na infância e geralmente tem um curso autolimitado. Entretanto, em alguns casos, as lesões podem afetar funções orgânicas ou dar aspecto deformante. Pode ocorrer dentro de vísceras, como no caso do hemangioma hepático, geralmente assintomático e único, mas pode ser múltiplo e estar associado com anemia e trombocitopenia.1 Até 2005, o tratamento consistia em usar corticosteroides, alfa-interferon e vincristina, na tentativa de inibir o crescimento do tumor.2

Sabe-se que os hemangiomas capilares na infância resultam da mistura de células endoteliais e células clonais, associada aos pericitos, às células dendríticas e aos mastócitos, porém o mecanismo de crescimento das lesões não está bem esclarecido. Dois grandes fatores pró-angiogênicos estão envolvidos: fator básico de crescimento dos fibroblastos (bFGF) e o fator de crescimento endotelial vascular (VEGF).2 Estudos histológicos demonstraram que células endoteliais e intersticiais se dividem ativamente nessa fase. A explicação do mecanismo de ação do propranolol é a vasoconstrição (visível já nas primeiras semanas de tratamento pelo clareamento da cor da lesão) e diminuição dos genes VEGF e bFGF, desencadeando apoptose das células endoteliais capilares.3 Recentemente, Yao et al. sugeriram que a via de apoptose de células endoteliais do hemangioma induzidas pelo propranolol é via apoptose mitocondrial e é regulada pela sinalização do regulador de apoptose (BAX) do antígeno da célula tumoral p53.4

Objetivo

Relatar a evolução de hemangioma infantil tratado com propranolol oral.

Descrição dos casos

No período de março de 2010 a fevereiro de 2017 foram acompanhados, no ambulatório de cardiopediatria do Hospital Universitário Antônio Pedro, 17 casos de portadores de hemangioma infantil. Foram anotados dados de anamnese e história familiar. O exame físico detalhado incluía contagem da frequência cardíaca e medida da pressão arterial. Foi realizada ultrassonografia da região da lesão para as medidas da mesma e de sua profundidade. Foram afastadas outras comorbidades associadas, através do eletro e da ecocardiografia, além da ressonância magnética (RM), quando a lesão era na face. Foram excluídas as crianças com relato de asma brônquica ou rinite alérgica.

Após consentimento esclarecido apresentado e concordância dos pais, conforme TCLE e termo de assentimento, cada uma das crianças do estudo foi acompanhada pelos pesquisadores até que se desse o desaparecimento total da lesão hemangiomatosa observada, iniciando-se o tratamento com propranolol oral, na dose de 1mg/kg/dia, dividida em duas tomadas. Após duas semanas, o paciente retornava à consulta para que fosse verificada a tolerância ao medicamento e eram repetidos os exames clínicos de rotina. Em seguida, aumentava-se gradualmente a dose até 2mg/kg/dia. O tratamento foi realizado até a resolução completa da lesão. A média de idade de início da lesão foi de 3,4 ± DP 2,9 meses (IC95% 1,9 a 4,9), máximo de 12 meses, mínimo de 1 mês, e mediana de 3 meses. A média de idade de início do tratamento com propranolol foi de 5,5 ± DP 3,9 meses (IC95% 3,4 a 7,5), máximo de 18 meses, mínimo de 1 mês, e mediana de 4 meses. A média de tempo de tratamento com propranolol foi de 27,4 ± DP 8,1 meses (IC95% 23,2 a 31,6), máximo de 38 meses, mínimo de 2 meses, e mediana de 28 meses. A distribuição das lesões da nossa casuística foi: face (n= 8; 47,1%); face e tronco (n =3; 17,6%); tórax (n = 3; 17,6%); tórax e membro superior (n= 2; 11,8%); subpalpebral e palpebral (n = 1; 5,9%).

As 17 crianças que foram acompanhadas mostraram resposta gradativa e eficaz ao tratamento. Selecionamos o caso de número 1, para exemplificar. Tratava-se de um lactente com um mês de idade, com a lesão que apresentava crescimento progressivo, abrangendo parte da hemiface direita, região subpalpebral, que se estendia às pálpebras, obliterando a fenda palpebral direita (aos 3 meses de idade) (figura 1). Iniciou-se o tratamento com propranolol (1mg/kg/dia 2 semanas e a seguir 2mg/kg/dia), e após quatro semanas a lesão se estava menos volumosa, mais clara e menos profunda (figura 2). Ao final de 38 meses de tratamento, a lesão havia regredido completamente.

 


Figura 1. Lactente com 3 meses de idade apresentando hemangioma de região subpalpebral direita se estendendo às pálpebras que surgiu no 1º mês de vida.

 

 


Figura 2. Lactente com 4 meses de idade apresentando hemangioma de região subpalpebral direita que se estendia às pálpebras, mostrando clareamento com redução do tamanho da lesão, após uso de propranolol oral.

 

Em nenhum caso houve queixa de broncoespasmo ou crise de rinite, secundários ao uso do propranolol, e em nenhum caso observamos comprometimento visceral do hemangioma. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da UFF sob o número CAAE:79905817.2.0000.5243, parecer nº 2.702.933.

 

DISCUSSÃO

O diagnóstico dos nossos casos foi realizado através do exame físico e foram afastadas outras lesões com comprometimento em outros órgãos diferentes da pele através de RM. Lesões pequenas que ou que mostrem parada de crescimento devem ser investigados para que sejam afastadas lesões mais graves concomitantes, como as cerebrovasculares, os defeitos cardíacos e a coarctação da aorta.5 A história natural do hemangioma infantil é que, em geral, surge nos primeiros meses de vida e é autolimitado, involuindo ordinariamente após 3-4 anos;6 entretanto, o uso de propranolol oral permite redução em menor tempo, como observado nos nossos casos. Várias formas de tratamento para hemangioma cutâneo vêm sendo tentadas, algumas sem bons resultados, como mostram relatos com o uso de captopril.7 Embora não tenhamos instituído o uso de propranolol associado ao corticoide, essa associação parece resultar em diminuição das dimensões da lesão em menor tempo do que outros esquemas.8

Apesar de os potenciais efeitos sistêmicos serem mais raros, quando o propranolol oral é usado adequadamente, recentemente outras condutas terapêuticas simultâneas têm sido utilizadas, a fim de diminuir a dose e o tempo de uso do betabloqueador. O uso de atenolol, por exemplo, tem mostrado bom resultado, pois apresenta menos efeito colateral do que o propranolol oral.9 Outras terapias adjuntas têm sido utilizadas, tais como solução de maleato de timolol a 0,5% e laser de corante pulsado10, propranolol tópico,11 e timolol tópico.12

 

CONCLUSÃO

As 17 crianças acompanhadas, que foram tratadas com propranolol, apresentaram redução acentuada ou desaparecimento visual das lesões. Não houve caso de complicação com o uso da medicação. O uso de propranolol mostrou-se efetivo na redução e posterior desaparecimento de hemangioma cutâneo visível à ectoscopia.

 

REFERÊNCIAS

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2. Frieden IJ, Haggstrom AN, Drolet BA, Mancini AF, Friedlander SF, Boon L, et al. Infantile hemangiomas: current knowledge, future directions. Proceedings of a research workshop on infantile hemangiomas. Pediatr Dermatol. 2005(5);22: 383-406.

3. Smith SSK, Smith DM. Beta blockade induces apoptosis in cultured capillary endothelial cells. In Vitro Cell Dev Biol Anim. 2002;38(5):298-304.

4. Yao TH, Pataer P, Regmi KP, Gu XW, Li QY, Du JT, et al. Propranolol induces hemangioma endothelial cell apoptosis saw p53 BAX mediated pathway. Mol Med Rep. 2018 May 14. DOI: 10.3892/mmr.2018.9013

5. Ma EH, Robertson SJ, Chow CW, Bekhor PS. Infantile hemangioma with minimal or arrest growth. Further observations on clinical and histopathologic findings of this unique but underrecognized entity. Pediatr Dermatol. 2017;34(1): 64-71.

6. Buckmiller L, Dyamenahalli U, Richter GT. Propranolol for airway hemangiomas: case report of novel treatment. Laryngoscope. 2009;119(10):2051-4.

7. Zaher H, Rasheed H, El-Komy MM, Hegazy RA, Gawdat HI, Abdel Halim DM, et al. Propranolol versus captopril in the treatment of infantile hemangioma: A randomized controlled trial. J Am Acad Dermatol. 2016;74(3): 499-505.

8. Aly MM, Hamza AF, Abdel Kader HM, Saafan HA, Ghazy MS, Ragab IA. Therapeutic superiority of combined propranolol with short steroids course over propranolol monotherapy in infantile hemangioma. Eur J Pediatr. 2015; 174(11):1503-9.

9. Ballona R, Zevallos J, Nunez J. Clinical evaluation of infantile hemangiomas treated with atenolol. Dermatol Online J. 2020;26(12): 13030/qt0xf7g59m.

10. Zhang L, Wu HW, Yuan W, Zheng JW. Propranolol therapy for infantile hemangioma: our experience. Drug Des Devel Ther. 2017; 11:1401-1408.

11. Price A, Rai S, Mcleod RWJ, Birchall JC, Elhassan HA. Topical propranolol for infantile haemangiomas: a systematic review. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2018;32(12):2083-2089.

12. Mannschreck DB, Huang AH, Lie E, Psoter K, Puttgen K. Topical timolol as adjunct therapy to shorten oral propranolol therapy for infantile hemangiomas. Pediatr Dermatol. 2019. DOI: 10.1111/pde.13816.