Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 21(2) - Junho 2021

Artigos de Revisao

Acidentes com álcool em tempos de pandemia de COVID-19

Alcohol accidents in times of the COVID-19 pandemic

 

Adriana Rocha Brito1,2,3; Cecy Dunshee de Abranches1,4,5; Maria Cristina do Valle Freitas Serra1,6,7; Michel Wassersten1,8; Gabriella Lucas Dolavale1,9; Adriana Burla Klajman1,10

 

DOI:10.31365/issn.2595-1769.v21i2p67-72

1. Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro (SOPERJ), Grupo de Trabalho de Segurança e Prevenção da Violência, Rio de Janeiro - RJ, Brasil
2. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Departamento Científico de Segurança, Rio de Janeiro - RJ, Brasil
3. Universidade Federal Fluminense, Neuropediatra e Professora Adjunta de Pediatria, Niterói - RJ, Brasil
4. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira/Fundação Oswaldo Cruz, Terapeuta de família e servidora pública aposentada, Rio de Janeiro - RJ, Brasil
5. Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro, Departamento Científico de Saúde Mental, Rio de Janeiro - RJ, Brasil
6. Sociedade Brasileira de Queimadura, Diretora Científica, Rio de Janeiro - RJ, Brasil
7. Hospital Federal do Andaraí, Pediatra do Centro de Tratamento de Queimados, Rio de Janeiro - RJ, Brasil
8. Faculdade de Medicina Estácio de Sá, Pediatra, Especialista em Medicina de Adolescentes e Professor da Disciplina de Saúde da Criança e Adolescente, Angra dos Reis - RJ, Brasil
9. Hospital Real D'Or, Pediatra, rotina da Emergência Pediátrica, Rio de Janeiro - RJ, Brasil
10. Hospital Central do Exército, Pediatra, Cardiologista Infantil e Coordenadora da Residência Médica, Rio de Janeiro - RJ, Brasil

 

Endereço para correspondência:

adri.r.brito@gmail.com

Recebido em: 16/09/2020

Aprovado em: 24/02/2021


Instituição: Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro (SOPERJ), Rio de Janeiro - RJ, Brasil

 

Resumo

INTRODUÇÃO: Acidentes envolvendo álcool têm sido noticiados com frequência desde o início da pandemia, quando o nosso país adotou medidas de isolamento social e impôs uma mudança nos hábitos de higiene como forma de conter a rápida propagação do vírus, que incluiu o uso frequente de álcool 70%, produto altamente inflamável.
OBJETIVO: Fornecer ao pediatra informações úteis para orientar as famílias na prevenção de acidentes com álcool.
FONTE DE DADOS: Este artigo é baseado na revisão de publicações sobre o tema. Foi realizada pesquisa de artigos através das bases de dados Medline, na interface U. S. National Library of Medicine and National Center for Biotechnology Information (PubMed), Cochrane Library e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e também buscou-se por publicações em Sociedades Médicas reconhecidas.
SÍNTESE DOS DADOS: São apresentados os principais acidentes relacionados ao álcool 70%, as medidas preventivas e orientações sobre os primeiros socorros.
CONCLUSÕES: A higienização das mãos com água e sabão é a mais recomendada, pois sua eficiência é equivalente ao álcool em gel 70% no controle da disseminação do SARS-CoV-2, além de evitar exposição desnecessária ao álcool. Crianças somente devem utilizar álcool em gel quando água e sabão não estiverem disponíveis e sempre sob a supervisão de um adulto responsável.

Palavras-chave: Acidentes Domésticos; Etanol; Queimaduras; Intoxicação Alcoólica; Pandemias; Infecções por Coronavírus.


Abstract

INTRODUCTION: Accidents involving alcohol have been reported frequently since the beginning of the pandemic, when our country adopted measures of social isolation and imposed a change in hygiene habits as a way to contain the rapid spread of the virus, which included the frequent use of alcohol 70%, a highly flammable product.
OBJECTIVE: To provide pediatricians with useful information to guide families in preventing alcohol accidents.
DATA SOURCE: This article is based on the review of publications on the topic. Research of articles was carried out through the Medline databases, in the interface US National Library of Medicine and National Center for Biotechnology Information (PubMed), Cochrane Library and Latin American and Caribbean Literature in Health Sciences (LILACS) and also searched by publications in recognized Medical Societies.
DATA SYNTHESIS: The main accidents related to alcohol, preventive measures and guidance on first aid are presented.
CONCLUSIONS: Hand hygiene with soap and water is the most recommended, as its efficiency is equivalent to 70% gel alcohol in controlling the spread of SARS-CoV-2, in addition to avoiding unnecessary exposure to alcohol. Children should only use alcohol gel when soap and water are not available and always under the supervision of a responsible adult.

Keywords: Accidents, home; Ethanol; Burns; Alcoholic Intoxication; Pandemics; Coronavirus Infections.

 

INTRODUÇÃO

Os diversos meios de comunicação têm noticiado uma série de acidentes envolvendo o álcool1-7 desde o início do surto pelo novo coronavírus, o SARS-CoV-2,8,9 quando nosso país adotou o isolamento social como forma de conter sua rápida propagação. Impôs-se uma mudança nos hábitos de higiene de crianças, adolescentes e de suas famílias,9,10 que incluiu o uso frequente de álcool 70%, tanto em gel quanto na sua forma líquida, para higienização das mãos, superfícies e compras vindas da rua.8-11

Em virtude da pandemia da COVID-19 no dia 19 de março, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) revogou a Resolução que limitava o acesso ao álcool etílico líquido a 70%,12 um agente virucida eficiente,13 flexibilizando sua fabricação e liberando a comercialização no nosso país,12 que estava proibida desde 2002 devido ao grande número de queimaduras documentadas em crianças.14 O produto está atualmente disponível para venda nos estabelecimentos comerciais e já há inúmeros relatos de injúrias por combustão de álcool,6,7,15-17 assim como casos de intoxicação por álcool.2,3,18-21 A Sociedade Brasileira de Queimaduras está monitorando e registra um aumento dos casos de internação por queimadura relacionadas ao uso de álcool 70% desde o início da pandemia em todo o país.1 Especialistas relatam que, após o início da pandemia, houve aumento de 25% deste tipo de acidente.5

Como ainda não estão disponíveis medicamentos para tratar a COVID-19 e a vacinação está em fase inicial no nosso país, a implementação de ações de prevenção rigorosas para evitar a contaminação pelo novo vírus e minimizar sua disseminação é a prioridade atual.9,10,13,22 O distanciamento social é uma medida necessária para evitar a infecção, mas que exige atenção redobrada na supervisão de crianças e adolescentes, que não estão podendo ir à escola, nem ter encontros presenciais com seus amigos e estão se adaptando às aulas virtuais. Além disso, muitos pais estão sobrecarregados devido ao acúmulo de tarefas domésticas, trabalho on-line, cuidados com os filhos, e alguns também estão responsáveis pelos cuidados de idosos e de doentes crônicos, sem ajuda externa de outras pessoas.21

Tem sido observado aumento significativo da utilização indiscriminada de álcool 70%, apesar de a lavagem das mãos com água e sabão ser suficiente para matar os vírus e evitar sua transmissão.2,5,9,15,22 Neste contexto de pandemia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) recomendam a lavagem das mãos com água e sabão após tossir/espirrar/assoar o nariz, visitar um local público, tocar superfícies fora de casa e cuidar de alguém doente, bem como antes de comer, de tocar o rosto, depois de usar o banheiro e tocar em animais.22,23 Quando sabão e água não estão disponíveis, podem ser usados produtos à base de álcool. São orientadas ainda a limpeza e desinfecção diária de superfícies que são frequentemente tocadas, o que em geral abrange mesas, maçanetas, interruptores de luz, bancadas, puxadores, telefones, teclados, torneiras e pias.23

 

METODOLOGIA

Este artigo é baseado na revisão de publicações sobre o tema. Foi inicialmente realizada pesquisa de artigos através das bases de dados Medline, na interface U. S. National Library of Medicine and National Center for Biotechnology Information (PubMed), Cochrane Library e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), utilizando os seguintes descritores "Accident" OR "Accidents", "Alcohol" OR "Ethanol" OR "Hand sanitizer", "Burns", "Intoxication" e "Pandemic". Fendo encontrados cinco artigos, e todos foram incluídos. Em um segundo momento, buscou-se por publicações a partir de fontes abalizadas como a Organização Mundial da Saúde, a American Association of Poison Control Centers, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Sociedade Brasileira de Queimaduras, a Sociedade Brasileira de Pediatria, a ONG Criança Segura, entre outras. Por fim, foram também incluídas referências da mídia inclusive entrevistas com especialistas.

 

OS PERIGOS DO ÁLCOOL

O álcool 70%, tanto em gel quanto na apresentação líquida, é produto altamente inflamável.11,15,17,24 Especialistas têm advertido que é indispensável um cuidado redobrado com a presença do álcool 70% na residência em função do risco de acidentes,5,11,14 especialmente com crianças, e destacam o fato de a chama ser praticamente invisível após a combustão do álcool em gel, o que faz com que só se perceba a queimadura quando ela já está ocorrendo.4-6,16,17,21

Não se pode deixar de mencionar o risco de incêncios24, e um alerta importante deve ser feito em relação à limpeza das compras com álcool 70%, uma necessidade atual devido ao momento em que vivemos, e que em geral é realizada na cozinha. Recomenda-se utilizar água e sabão para compras que vêm em embalagens plásticas, reservando o uso cauteloso de álcool líquido 70% para produtos que não podem ser lavados e precaução no uso em ambiente como a cozinha, mantendo-o afastado do fogão, fogo e calor.2,3,6,7,11,18,24

Um grave problema em nosso país é a venda de produtos falsificados à base de álcool ou produção caseira de saneantes, que além de constituir risco à saúde, representam um sério risco para acidentes,6,13,14,25,26 indicando que os órgãos reguladores e de saúde pública são fundamentais e devem ter papel ativo (supervisionar) para garantir a segurança e a qualidade dos produtos comercializados.13,25-27 É preciso ressaltar que a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e a OMS nunca orientaram ou divulgaram nenhuma receita para produção caseira de álcool em gel.9

 

TIPOS DE INJÚRIAS DECORRENTES DE ACIDENTES PROVOCADOS PELO ÁLCOOL

Queimadura

As queimaduras são classificadas de acordo com a profundidade e sua extensão.21,28-30 Uma queimadura é considerada de 1º grau quando acomete apenas a epiderme, podendo causar calor, hiperemia e dor, mas não há formação de bolha. A lesão de 2º grau afeta a derme, podendo atingir níveis mais ou menos profundos. As de 2º grau superficiais atingem toda a epiderme e porção da derme, conservando uma razoável quantidade de folículos pilosos e glândulas sudoríparas. Caracteriza-se pela presença das flictenas (bolhas) íntegras que, quando rompidas, podem deixar à mostra uma superfície rósea e úmida. É muito dolorosa. Evoluem para a restauração total da pele em 14 dias, com mínima formação de cicatrizes, como por exemplo, a lesão por líquido superaquecido. As queimaduras de 2º grau profundas envolvem a destruição de quase toda a derme. Clinicamente, têm coloração mais pálida e são menos dolorosas, acarretando maior repercussão sistêmica. Podem evoluir para restauração após três semanas, porém o epitélio neoformado é muito friável, com forte tendência à cicatrização hipertrófica e formação de contraturas. Como exemplos, lesão por líquido superaquecido, imersão, chama direta e combustão de álcool. Já nas injúrias de 3º grau, há lesão de toda a derme, que pode atingir o tecido subcutâneo, incluindo músculo e até osso. Apresenta um aspecto esbranquiçado ou marmóreo e é indolor.21,28-30

Em relação à extensão, avalia-se a percentagem de superfície corporal queimada,21,30 recomendando-se a utilização do diagrama de Lund-Browder.28,29 A criança apresenta superfícies corporais parciais diferentes dos adultos, e a "regra dos 9", frequentemente usada nas salas de emergência para adultos, não deve ser aplicada em crianças, sobretudo naquelas abaixo de quatro anos, o que pode induzir a erros grosseiros.

É preciso lembrar que as crianças apresentam pele mais delgada e delicada,15 maior superfície corporal em relação ao peso, com tecido celular subcutâneo menos espesso, propiciando queimaduras mais profundas e graves.15,21,28

Têm sido também documentadas queimaduras causadas pelo contato direto do álcool em gel com os olhos, que podem produzir desde irritação até lesões mais extensas na córnea.4,31,32 Muitos dos acidentes noticiados têm como causa o uso do totem de álcool gel, que tem sido adotado por muitos estabelecimentos comerciais e, dependendo da altura da criança, o jato de álcool pode espirrar diretamente no rosto e nos olhos quando o pedal é acionado.

Intoxicação

A toxicidade aguda do álcool pode ocorrer através da ingestão oral de produto doméstico para higiene à base de álcool.2,4,17-20 A ANVISA publicou uma nota técnica em maio deste ano alertando sobre o aumento expressivo dos casos de intoxicação pelo álcool em gel durante a pandemia e orientou ações preventivas que devem ser adotadas e especialmente direcionadas às crianças, que são as principais vítimas.2,18

A Associação Americana do Centro de Controle de Envenenamentos também informou aumento crescente da exposição tóxica e relatou que mesmo uma pequena quantidade de álcool pode causar intoxicação em crianças, podendo causar vômitos e alteração do estado mental e, em casos graves, parada respiratória e morte.19,20

Assistência e cuidados imediatos em caso de acidentes

• Orientação imediata para presença de fogo na roupa → instruir o indivíduo a deitar e rolar no chão.17,30,33,34 O ideal é abafar a roupa, envolvendo-a com um casaco ou toalha e ensinar que nunca se deve sair correndo, pois essa atitude aumenta as chamas.

• É essencial que os cuidadores procurem se acalmar para que consigam passar confiança para a criança e ter a ação necessária para minimizar o impacto da injúria.

• No caso de queimaduras na pele:

• Resfriar a superfície queimada com água corrente fria (e não gelada) por vários minutos.29,30,34

• NUNCA colocar nenhuma substância ou produto na área queimada,24,30 como manteiga, pó de café, pasta de dente, gelo etc e nunca estourar/romper as bolhas,30,34 pois elas exercem a função de um curativo natural.

• Retirar qualquer objeto que esteja em contato e/ou que possa comprimir a região em caso de edema,29,30 como joias, bijuterias, roupas, órteses.

• Alívio da dor - fornecer analgésico o quanto antes.29-30

• Não toque na área lesada, proteja-a com um pano limpo e busque auxílio médico.7,24,28,30,34

• Se atingir os olhos - lavar a área abundantemente com água e levar imediatamente a uma unidade de emergência para o primeiro atendimento.

• No caso de ingestão acidental:

• Não provoque vômitos.2,3,18

• Tenha em mãos o número do Disque-Intoxicação2,3,19,33,35 da ANVISA - 0800-722-6001 (ligação gratuita).2,18 No Estado do Rio de Janeiro, as referências são o Centro de Controle de Intoxicações, localizado no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - (21) 2573-3244 -e o Centro de Controle de Intoxicações de Niterói, localizado no Hospital Universitário Antônio Pedro - (21) 2717-0521 / 2717-0148 - R. 4 / (21) 2717-9783 / 2629-9255. Estes centros estão preparados para receber ligações 24 horas por dia, sete dias por semana, durante todo o ano.

• É fundamental priorizar os cuidados com o conforto da criança, sempre explicando a ela os procedimentos que serão realizados.

 

RECOMENDAÇÕES PARA PREVENÇÃO DE ACIDENTES ENVOLVENDO ÁLCOOL

• Ensine as crianças a lavar corretamente as mãos com água e sabão,9,15,17,23 reservando o álcool em gel para uso em locais públicos.2,4,5,15,17,18,24

• Dê exemplo! Crianças aprendem observando as ações dos adultos!21,34

• Produtos para higienizar as mãos à base de álcool só devem ser usados com a supervisão de um adulto2,7,18,19 e quando não for possível o acesso a água e sabão para lavagem das mãos.2,4,6,7,11,15,17-19

• Não instalar totens com álcool em gel em ambientes frequentados por crianças, como as escolas, e os pais devem ficar atentos àqueles instalados em lojas comerciais e shoppings, devido ao alto risco de acidentes.

• Não levar as mãos aos olhos, boca e nariz imediatamente após usar um produto à base de álcool, pois pode causar irritação.22

• Guardar produtos inflamáveis e tóxicos fora do alcance de crianças.2,5,14,15,17,18,22,24,33-36

• Produtos à base de álcool devem ser armazenados em local fresco e seco, longe do fogo e de fontes de calor.2,3,7,14,18,24

• Só compre produtos certificados pelo Inmetro.21

• Jamais aplicar álcool em gel e manusear fogão, churrasqueira, lareira, velas, cigarros, fósforo ou isqueiro em seguida.2-4,6,7,15,18,22

• Não usar álcool para limpeza doméstica cotidiana.4,17,33 Dê preferência ao hipoclorito de sódio, que é um saneante eficaz contra o coronavírus e não é inflamável.4,5,8,13,14,21,23,24

• Não compre produtos clandestinos,14,35 especialmente os que são vendidos em embalagens PET coloridas, sem qualquer controle de qualidade e que as crianças podem facilmente confundir com refrigerante. Só adquira produtos regularizados e siga as instruções contidas nos rótulos.14,26

• Mantenha os produtos tóxicos nas suas embalagens originais.2,17,18,33,35 Não reutilize embalagens de produtos de limpeza.35

 

LIMITAÇÕES DESTE ARTIGO

A principal limitação deste artigo diz respeito ao número reduzido de publicações científicas encontradas sobre o tema, embora inúmeros acidentes envolvendo especialmente o álcool em gel estejam sendo noticiados desde o início da pandemia e várias entrevistas com especialistas tenham abordado o tema na mídia e alertado para os riscos do álcool a 70%.

Outra importante limitação é que ainda não há dados estatísticos publicados sobre acidentes com álcool no período de pandemia. Encontramos observações de centros de tratamento e de especialistas, mas sem números precisos. Incluímos no texto o que foi divulgado por especialistas. A Sociedade Brasileira de Queimaduras está monitorando e coletando dados de pacientes enviados pelos Centros de Tratamentos de Queimados do país, e em breve deverá divulgar os dados desse estudo. Outro ponto é que, segundo dados do Ministério da Saúde, queimaduras não são contabilizadas em separado, mas englobam todas as causas, e não há dados de queimaduras relacionadas ao álcool pelo DataSUS.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A taxa de infectados pelo coronavírus vem aumentando exponencialmente em nosso país, e até a presente data não há medicamento cientificamente comprovado para tratar a doença. A vacinação está apenas em fase inicial em nosso país, o que reforça a importância das ações preventivas para evitar a contaminação pelo novo vírus e conter sua propagação.10,20 As evidências mostram que os cuidados com a higiene são as principais medidas preventivas, corroborando as recomendações das principais organizações de saúde do mundo.9,10,20 No entanto, tem sido observado aumento da incidência de acidentes relacionados ao álcool, substância amplamente utilizada para a higienização de mãos, superfícies e compras ou objetos que chegam da rua.5,6,7,16,20,24

É importante ressaltar que em casa a higienização das mãos com água e sabão é a mais recomendada, pois sua eficiência é equivalente ao álcool em gel 70% no controle da disseminação do SARS-CoV-2,2,6,14 além de evitar exposição desnecessária ao álcool.2,4,7,14,15,18 Crianças somente devem utilizar álcool gel sob a supervisão de um adulto responsável.2,7,18,19 No caso de acidentes, devem receber explicações simples e adequadas a sua idade sobre os cuidados que irá receber.

Atentos ao fato de que muitos acidentes acontecem por falta de informação, entendemos ser fundamental a conscientização sobre os perigos envolvendo o álcool. Neste momento pandêmico, em que a utilização do produto é indispensável, enfatizamos a relevância de o pediatra esclarecer os pais, desaconselhar seu uso indiscriminado e orientar medidas para minimizar os potenciais riscos. O uso do álcool sem a supervisão de um adulto deixa as crianças vulneráveis a acidentes, como queimaduras e intoxicações.

 

REFERÊNCIAS

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