Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 21(1) - Março 2021

Artigo de Revisao

Repelentes tópicos em pediatria: aspectos toxicológicos e de segurança

Topical insect repellents in pediatrics: toxicology and safety aspects

 

Rinaldo Fabio Souza Tavares1; 2

 

DOI:10.31365/issn.2595-1769.v21i1p16-19

1. Universidade Federal Fluminense - Uff, Departamento de Patologia - Disciplina de Toxicologia - Niterói - Rj - Brasil
2. Universidade Federal Fluminense - Uff, Departamento Materno-Infantil - Uti Neonatal - Niterói - Rj - Brasil

 

Endereço para correspondência:

rinaldotavares@id.uff.br

Recebido em: 01/11/2019

Aprovado em: 28/12/2020


Instituição: Universidade Federal Fluminense - Uff, Departamento de Patologia - Disciplina de Toxicologia - Niterói - Rj - Brasil

 

Resumo

O aumento no interesse por medidas preventivas frente às arboviroses, motivado pelas possíveis graves consequências de muitas delas, desde a concepção até a adolescência, tornou obrigatórios aos pediatras conhecimentos mínimos sobre uso e toxicidade dos repelentes cutâneos. Através de busca na plataforma MEDLINE-Bireme, dos artigos mais relevantes nos últimos 22 anos (1998-2020) em relação ao uso clínico, efeitos colaterais e toxicológicos dos repelentes cutâneos, foram selecionados 65 artigos, dos quais 11 serviram de base para este artigo. O presente estudo tem como objetivo analisar, de modo prático, os principais compostos presentes em diversos repelentes de insetos no mercado brasileiro, seus aspectos toxicológicos e orientações quanto ao uso adequado na população pediátrica. Conclui-se pela importância do uso correto dos mesmos, evitando exposição excessiva e ingestão acidental. O uso de métodos combinados, em muitos casos, pode oferecer maior proteção com menor risco toxicológico.

Palavras-chave: Repelentes de Insetos; Pediatria; Uso de Medicamentos.


Abstract

The growing interest in preventive measures against arboviruses, motivated by the possible serious consequences of many of them, from conception to adolescence, has made it mandatory for pediatricians to have minimal knowledge about the use and toxicity of skin repellents. Through a search on the MEDLINE-Bireme platform, of the most relevant articles in the last 22 years (1998-2020) in relation to clinical use, side and toxicological effects of skin repellents, 65 articles were selected, of which 11 served as the basis for this article. This study aims to analyze, in a practical way, the main compounds present in several insect repellents in the Brazilian market, their toxicological aspects and guidelines regarding the appropriate use in the pediatric population. It concludes that it is important to use them correctly, avoiding excessive exposure and accidental ingestion. The use of combined methods, in many cases, can offer greater protection with less toxicological risk.

Keywords: Insect Repellents; Pediatric Assistants; Administration, Topical.

 

INTRODUÇÃO

Com as recentes endemias de arboviroses, como dengue, zika vírus e chikungunya, e seus consequentes riscos à saúde, tornou-se imperativo ao pediatra conhecer as medidas de proteção contra a picada dos vetores transmissores dessas doenças. Entre estas medidas está o uso de repelentes cutâneos.

O objetivo deste estudo é descrever os principais aspectos farmacológicos e toxicológicos dos repelentes de insetos, de uso cutâneo, comumente encontrados no mercado, bem como suas orientações de uso mais adequado no paciente pediátrico.

 

MÉTODOS

Realizou-se levantamento, no sistema MEDLINE-Bireme, dos artigos mais relevantes em relação ao tema, nos últimos 22 anos (1998-2020), utilizando palavraschave como "toxicologia", "repelentes cutâneos" e "pediatria". Foram selecionados estudos clínicos descrevendo o uso de repelentes cutâneos em seres humanos, relatos de intoxicação, sua farmacologia e toxicologia, perfazendo um total de 65 estudos, dos quais 11 serviram como base para esta revisão.

 

RESULTADOS

Os repelentes cutâneos mais efetivos e utilizados no mundo todo são:

1. DEET (N, N-dietil-3metilbenzamida);

2. ICARIDINA (também chamada de picaridina ou KBR 3023);

3. PMD (P-menthae-3,8diol ou também conhecido como versão sintética dos óleos de limão e eucalipto);

4. BioUD (2-undecanona);

5. IR3535 (EBAAP ou Ethylbutylacetylaminopropionato);

6. Permetrinas.

 

COMENTÁRIOS

Repelentes de uso tópico são substâncias usadas sobre a pele com a finalidade de diminuir a possibilidade de picadas de insetos. Sabe-se que os repelentes interagem com os receptores olfatórios dos vetores, bloqueando ou mesmo inibindo o estímulo gerado pela pele humana.1,2 Devido à grande diversidade de receptores, o mesmo composto pode ter efeito nulo como repelente para espécies diferentes de insetos.1,2 Há relatos, inclusive, do desenvolvimento de mecanismos de tolerância aos compostos utilizados, com o tempo de uso.2

Abordaremos em seguida aspectos toxicológicos e farmacológicos dos compostos comumente usados como repelentes em diversos produtos comercializados em nosso país.

1. DEET (N, N-dietil-3metilbenzamida) ou simplesmente benzamidas/toluamidas

Efetivo contra mosquitos, moscas, pulgas e carrapatos. Utilizado há quase 80 anos e considerado por muitos como o padrão ouro dos repelentes, por seu amplo espectro de ação. Bastante efetivo, pode chegar a seis horas de cobertura, principalmente em formulações com microcápsulas de liberação prolongada.3,8,11

O DEET é encontrado em concentrações que variam de 10 a 75%. Concentrações em torno de 10 a 25% são bastante efetivas e menos tóxicas, podendo atingir um período de até cinco horas de ação.1,3 Sua absorção excessiva pela pele pode provocar dermatites, reações alérgicas e, raramente, neurotoxicidade.3,4,6,7 Não é carcinogênico, e reações mais graves são decorrentes de maciça exposição e/ou ingestão. Para alguns, sua cosmética oleosa causa desconforto, além do inconveniente de manchar roupas. Uso esporádico em ocasiões de risco e sobre superfícies descobertas.

Algumas apresentações em conjunto com protetor solar são comercializadas, porém não recomendadas para crianças, pois o uso de filtro solar requer aplicação mais frequente e pode ocasionar excesso de exposição ao repelente da formulação.

Evitar uso repetido e continuado por longos períodos, pela maior chance de absorção cutânea.1,3,5,6,7,11 Não deve ser utilizado em crianças menores de seis meses. Naquelas menores de um ano, seu uso dever ser cauteloso. Está liberado para crianças maiores, escolares e adolescentes, além de adultos e gestantes.

2. Picaridina - Icaridina

Composto piperidínico derivado de plantas, efetivo contra mosquitos e pulgas. Tem sido utilizado por muitos anos na Europa e Austrália. Normalmente comercializado em concentrações de 10 a 25%. Quanto à duração da ação, é semelhante ao DEET. São necessárias reaplicações frequentes, a cada 3-4 horas, em caso de exposição mais prolongada.1,2 Parece não ter toxicidade de longa exposição em humanos. Ao contrário do DEET, a ingestão acidental parece carecer de efeitos tóxicos.2,11 Tem maior aceitabilidade por ser inodoro e não oleoso.

Contraindicado apenas em crianças menores de seis meses. Liberado para as demais faixas etárias, seguindo as orientações de uso adequado.

3. PMD (P-menthano-3,8-diol)

PMD é o ingrediente ativo de formulações de óleo de eucalipto citrodora, também conhecido como lemon eucalipto. É muito utilizado na China como repelente de insetos. Efetivo contra mosquitos. Suas formulações variam de 10 a 65%.

Estudos mostram que sua potência é cerca de 1/3 da DEET, como repelente de insetos.3 Embora não seja comum, sua toxicidade advém de irritação ocular ou cutânea esporádica, principalmente após inalação ou uso prolongado.3,4,11 Por falta de maiores estudos, é contraindicado em muitos países para crianças menores de três anos.1,2

4. BioUD (2-undecanona)

BioUD é um repelente de insetos derivado do tomate. De todos os repelentes aqui descritos, é o de toxicidade mais baixa. Efetivo contra mosquitos e carrapatos. Soluções com concentração de 30% ou maiores parecem ser tão efetivas quanto o DEET.7 Também não é recomendado para menores de seis meses.1,2

5. IR3535 (EBAAP ou Ethylbutylacetylaminopropionato)

Presente em algumas formulações cosméticas nos EUA, carece ainda de mais estudos quanto à sua eficácia em concentrações menores. É um biopesticida sintético com estrutura química semelhante ao aminoácido alanina. Tem baixa toxicidade, mas pode desencadear irritações nos olhos e pele, geralmente benignas.11

6. Permetrina

Trata-se de um composto sintético (piretroide) utilizado como inseticida e acaricida encontrado normalmente em loções ou cremes cutâneos para tratamento de escabioses e pediculoses. Formulações em aerossol são úteis para aplicação sobre tecidos, sendo necessário deixar secar antes de se utilizar as roupas; possui duração de pelo menos duas semanas. Existem no mercado roupas repelentes já com o produto e que normalmente permanece ativo mesmo após lavagens usuais, por um período de tempo prolongado.10,11

Não se deve aplicar as formulações aerossois, formuladas para tecido, diretamente sobre a pele. Devese deixar o tecido secar completamente para usá-lo. Para causar sintomatologia, é normalmente necessária uma exposição cutânea maciça. A pele imatura de lactentes pode facilitar a absorção. Roupas com permetrina são reservadas para maiores de um ano de idade e uso somente quando da exposição aos mosquitos.

A absorção cutânea é mínima e irritações locais podem ocorrer, principalmente se usado inadequadamente. Deve-se evitar contato com os olhos e mucosas. Em casos acidentais de contato com olhos, é necessária lavagem abundante com solução fisiológica e consulta oftalmológica.2,3,11

Casos sintomáticos são geralmente causados por raros casos de ingestão acidental, quando podem causar quadros simpaticomiméticos com tremores finos, hiperreflexia e parestesias.2,3

 

RECOMENDAÇÕES GERAIS PARA USO DE REPELENTES CUTÂNEOS

• Deve-se utilizar somente a quantidade necessária para cobrir levemente a pele da criança.

• A aplicação deve ser feita somente na pele exposta.

• Para aplicação no rosto da criança, o responsável pela mesma deve, primeiro, colocar o repelente nas próprias mãos, esfregar uma na outra antes de proceder à aplicação.

• Não deixar cair nos olhos ou na boca da criança.

• Se o repelente cair acidentalmente nas mãos da criança, lavá-las com água corrente e sabão para evitar contato com olhos, boca e genitália.

• Não usar repelentes em áreas com ferimentos ou lesões. Somente em pele íntegra.

• Não inalar repelentes aerossois ou aplicá-los em locais confinados e perto de alimentos.

• Não deixar cair nos olhos.

• Não colocar o repelente nas mãos de crianças pequenas, que invariavelmente vão à boca.

• Não reaplicar o repelente além do estritamente necessário.

• As áreas de pele com repelente devem ser lavadas com água e sabão, tão logo não for mais necessária a proteção.

• Se houver também a necessidade de proteção solar, aplicar primeiro o protetor solar e esperar secar. Formulações individuais são mais adequadas, pois o protetor solar requer aplicações mais frequentes.

• Lembrar que a proteção do repelente diminui sensivelmente em casos de natação, banhos, sudorese excessiva, exercícios e chuva.

 

RECOMENDAÇÕES ESPECÍFICAS EM PEDIATRIA

• Não usar repelentes cutâneos em menores de seis meses. Preferir métodos físicos de proteção, como barreiras (mosquiteiros) e roupas.

• Naqueles menores de seis meses, somente é aceitável o uso em situações de exposição intensa e inevitável a insetos. Uso por menor período possível e seguido de retirada no banho após passada a situação de risco.

• Em crianças menores de dois anos, usar formulações de Icaridina ou BioUD, com os cuidados já descritos em relação à aplicação de repelentes em geral.

• Reservar o DEET (benzamidas/toluamidas) para situações especiais de elevado risco e em maiores de um ano.

• Em escolares, adolescentes e adultos, podem ser usados como coadjuvantes na proteção roupas com tecidos tratados com permetrinas.

• Usar preferencialmente concentrações de até no máximo 30%.

• O uso de repelentes não deve substituir outras medidas de controle dos vetores das arboviroses, como o controle de focos e criadouros dos mosquitos.

 

CONCLUSÕES

O uso de repelentes cutâneos na população pediátrica tem-se tornado cada vez mais frequente, impulsionado pela necessidade da prevenção das arboviroses e suas possíveis complicações. Torna-se necessário saber e difundir sua correta aplicação e cuidados, evitando as exposições maciças e/ou ingestão acidental. Atenção especial deve ser dada em relação ao uso em lactentes, cuja pele mais imatura favorece maior absorção.

De modo geral, deve-se evitar o uso de formulações com concentrações acima de 30% e exposição repetida e continuada. Em crianças maiores, o uso combinado de repelentes e roupas tratadas com permetrinas parece adequado e evita o uso abusivo desses produtos.

O uso de repelentes cutâneos é uma medida incidental e relacionada à exposição aguda. Para a proteção por longos períodos, recomendam-se medidas físicas e de controle de ambiente. Aguardamse mais e melhores estudos de segurança em relação ao seu uso continuado e possíveis efeitos no longo prazo.

 

REFERÊNCIAS

1. Agency USEP. Insect repellents, 2017. Disponível em:http:// wwwepa.gov/insect-repellents/deet.

2. Fradin MS. Mosquitos and mosquito repellents: A clinician's guide. Ann Intern Med 1998;128:931.

3. Fradin MS, Day JF. Comparative efficacy of insect repellents against mosquito bites. N Engl J Med 2002;347:13.

4. Garrettson L. Commentary. DEET: caution for children still needed. J Toxicol Clin Toxicol 1997;35:443.

5. Koren G, Matsui D, Bailey B. DEET-based insect repellents: safety implications for children and pregnant and lactating women. CMAJ 2003;169:209.

6. Morton R, Brooks M, Eid N. Hypersentivity pneumonitis in a child associated with direct inhalation exposure of an insect repelent containing DEET. Pedatr Asthma Allergy Immunol 2006;19:44.

7. Osimitz TG, Murphy JV, Fell LA, Page B. Adverse events associated with the use of insect repellents containing N,N-diethyl-m-toluamida (DEET). Reul Toxicol Pharmacol 2010; 56:93.

8. Pediatrics. AAo. AAP News. Follow safety precautions when using DEET on children. Vol 22:200399:The Academy; 2003.

9. Roberts JR, Reigart JR. Does anything beat DEET? Pediatr Ann, 2004 Jul;33(7):443-53.

10. Sudakin DL, Trevathan WR. DEET: a review and update of safety and risk in the general population. J Toxicol Clin Toxicol. 2003;41(6):831-39.

11. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Repelentes e outras medidas protetoras contra insetos na infância, 2020. Disponível em https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/22479d-GPA_-_Repelentes_e_medidas_protet_insetos_na_inf.pdf