Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 20(3) - Setembro 2020

Relato de Caso

Metachromatic leukodystrophy: case report of child with late infantile form

Leucodistrofia metacromática: relato de caso de criança com forma infantil tardia

 

Murilo Henrique Berto; João Carlos Cervelin; Rafael Frizon; Josiani Berto

 

DOI:10.31365/issn.2595-1769. v20i3p106-110

Universidade do Planalto Catarinense, Curso de Medicina - Lages - Santa Catarina - Brasil

 

Endereço para correspondência:

muriloberto@gmail.com

Relato de caso Recebido em: 14/11/2020

Aprovado em: 29/07/2020


Instituição: Universidade do Planalto Catarinense, Curso de Medicina - Lages - Santa Catarina - Brasil

 

Resumo

Leucodistrofia metacromática (LDM) é uma doença neurológica desmielinizante causada por um erro inato do metabolismo, resultando em deficiência da enzima arilsulfatase A. Os primeiros sinais da doença se iniciam com perda dos marcos do desenvolvimento e regressão motora.
OBJETIVO: relatar o caso de uma criança com LDM, destacando as crises convulsivas e déficit visual no início da doença.
MÉTODOS: estudo observacional, transversal e retrospectivo. A pesquisa foi realizada em um hospital estadual de Santa Catarina. As informações da paciente foram obtidas através de revisão do prontuário eletrônico, consultas ambulatoriais, visita domiciliar e exame físico.
RESULTADOS: a criança se desenvolvia normalmente até o início dos sintomas. A partir do segundo ano de vida, surgiram episódios agudos de febre associados a convulsões generalizadas frequentes. Durante a internação, teve regressão do desenvolvimento neuropsicomotor e, posteriormente, déficit visual. Com o passar dos anos apresentou postura em opistótono, incapacidade de comunicação e total dependência dos pais. A criança era internada com frequência devido a pneumonia e estava em cuidados paliativos. O óbito ocorreu aos 7 anos de idade.
CONCLUSÕES: o quadro clínico da menina é semelhante à literatura. As crises convulsivas generalizadas e o déficit visual súbito foram singulares em comparação aos outros relatos.

Palavras-chave: Leucodistrofia metacromática, comprometimento, deficiência.


Abstract

Metachromatic leukodystrophy (LDM) is a demyelinating neurological disease caused by an inborn error of metabolism, resulting in deficiency of the enzyme arylsulfatase A. The early signs of disease begin with loss of developmental milestones and motor regression.
OBJECTIVE: report a case of a child with LDM, highlighting the seizures and visual deficit at the onset of the disease.
METHOD: observational, cross-sectional and retrospective study. The research was carried out at the state hospital of Santa Catarina. Patient information was obtained through electronic medical record review, outpatient visits, home visit and physical examination.
RESULTS: the child developed normally until the onset of symptoms. From the second year of life, acute episodes of fever associated with frequent generalized seizures arose. During hospitalization, she had regression of neuropsychomotor development and, later, visual deficit. With the passing of the years she presented opistonous posture, incapacity of communication and total dependence of the parents. The child was hospitalized frequently due to pneumonia and was in palliative care. The death occurred at 7 years old.
CONCLUSION: the girl's clinical condition is similar to the literature. Generalized seizures and sudden visual deficit were unique in comparison to other reports.

Keywords: Metachromatic leukodystrophy, impairment, deficiency.

 

INTRODUÇÃO

As leucodistrofias são um grupo de mais de 30 doenças genéticas heterogêneas causadas por defeitos na síntese ou metabolismo de mielinas que levam à hipomielinização. A leucodistrofia metacromática (LDM), um dos tipos mais comuns de leucodistrofia, é uma doença neurológica desmielinizante causada por um erro inato do metabolismo, com uma prevalência de 1:40.000 a 1:160.000 nascidos vivos.1,2 A LDM ocorre por uma mutação autossômica recessiva do cromossomo 22q, que resulta na deficiência da enzima arilsulfatase A (ARSA), uma enzima lisossomal que degrada diversos lipídios com grupos sulfato (sulfatídeos).3,4,5 Os sulfatídeos são os principais lipídios da mielina e são essenciais para sua estrutura e função.

No entanto, na falta dessa enzima, grande quantidade de ésteres sulfúricos acumula-se no sistema nervoso central, com ações biológicas que podem inibir a diferenciação de oligodendrócitos e gerar uma resposta pró-inflamatória da micróglia e dos astrócitos, causando instabilidade da mielina e desmielinização central, simétrica e progressiva.6 Além disso, os sulfatídeos são levados da corrente sanguínea para outros tecidos, formando depósitos nos nervos periféricos, com consequente desmielinização nos neurônios periféricos.7 O acúmulo de sulfatídeos também pode ocorrer em outros tecidos do corpo, como rins, bexiga e vesícula biliar.3 Essas características possibilitaram o diagnóstico mediante biópsias que revelam os acúmulos de sulfatídios no tecido biopsiado. A urina pode ser examinada para verificação de corpos metacromáticos, além do sangue, líquido cefalorraquidiano e a saliva.7

Clinicamente, as alterações neurológicas ocorrem devido a processos de dismielinização quanto de desmielinização, com predominância da última.8 Característica comum das doenças dismielinizantes é a formação inadequada da bainha de mielina. Ocorre degeneração primária das fibras nervosas no sistema nervoso central, independentemente de lesões das células nervosas ou dos vasos. A desmielinização, perda da mielina previamente formada, tende a ser segmentada ou localizada, afetando múltiplas áreas de forma simultânea ou sequencial. Pode ser dividida em primária, de etiologia desconhecida ou mecanismo autoimune após uma infecção viral, ou secundária a doenças isquêmicas, metabólicas ou hereditárias ou toxinas.8

A classificação da doença é feita de acordo com a idade de início dos sintomas, podendo variar de 18 meses até a vida adulta.9 A forma infantil tardia corresponde à maioria dos casos, com prevalência de 50 a 60%. Esta forma se mostra-se a de pior prognóstico, com manifestações anteriores a 30 meses de vida.10 Os sintomas iniciais são a perda dos marcos do desenvolvimento, dificuldade de marcha, disartria e disfagia. Posteriormente, ocorre evolução inexorável para disfunção motora, descerebração, tetraparesia e, em alguns casos, paralisia bulbar e atrofia do nervo óptico.8,11 O quadro evolui para perda total de realização de qualquer atividade, estimando uma sobrevida de 6 meses a 8 anos após o surgimento dos sintomas iniciais.9 A forma juvenil corresponde a 30% dos casos e manifesta-se entre 2-16 anos com anormalidades de postura, emocionais e comportamentais. Pode haver quadriparesia espástica e regressão da linguagem. Por fim, a forma adulta corresponde a 10% dos casos e é o subtipo mais raro, com início variando amplamente entre 15-60 anos. Apresenta deterioração cognitiva no início do quadro com posterior transtorno de marcha, ataxia e neuropatia periférica.8 A progressão tende a ser mais lenta que nas outras formas.10

Não existe tratamento eficaz para LDM.12 Buscam-se controlar os sintomas com analgésicos e anti-inflamatórios e prevenir condições associadas. É essencial o acompanhamento multiprofissional, com médicos, fisioterapeutas, nutricionistas e terapia ocupacional10.

Devido à escassez de casos descritos no Brasil, nosso objetivo foi relatar o caso de uma criança com LDM, destacando suas crises convulsivas e déficit visual no início da doença.

 

METODOLOGIA

Estudo observacional, transversal e retrospectivo, realizado em um hospital estadual de Santa Catarina. A paciente era uma menina de 7 anos, diagnosticada com LDM de forma infantil tardia. Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Planalto Catarinense em agosto de 2019, sob CAAE nº 15635019.1.0000.5368.

As informações da paciente foram obtidas através de revisão do prontuário eletrônico, consultas ambulatoriais e visita domiciliar no ano de 2019, nas quais avaliamos as primeiras manifestações clínicas, internações hospitalares, resultados de exames, idade do diagnóstico, patologias associadas, cirurgias realizadas, início e manutenção do tratamento. Os pais da paciente permitiram registro fotográfico dos laudos de exames realizados pela paciente para o diagnóstico da patologia. Realizou-se semiologia neurológica para avaliar o equilíbrio, pares cranianos, marcha, força, tônus, coordenação, reflexos motores e sensibilidade. Foi feita ainda semiologia osteoarticular de extremidade superior, inferior e coluna vertebral devido às deformidades ósseas e contraturas presentes. A semiologia ocular foi realizada para avaliar a acuidade visual. Comparamos ainda os dados obtidos nas entrevistas com os pais e no exame físico com os registros anteriores do prontuário eletrônico da paciente.

 

DESCRIÇÃO DO CASO

Descrevemos o caso de uma menina com LDM infantil tardia. Sexo feminino, branca, natural de Lages-SC. Filha de pais sem consanguinidade, veio a óbito aos 7 anos de idade. História obstétrica: pré-natal iniciado no primeiro trimestre, com realização de 10 consultas, baixo risco gestacional, sem exposição a teratógenos ou infecções. O parto aconteceu naturalmente, a termo, sem intercorrências em um hospital da cidade, em 21/05/2012. Nasceu com 3 kg, 47 cm de comprimento e Apgar 8 e 9. História pediátrica: desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM) evoluindo com a idade. História patológica pregressa: acrocianose, forame oval patente e displasia do desenvolvimento do quadril (DDQ) congênitos. Sua DDQ foi a subluxação do quadril. Apresentou meningite aos 3 meses e esofagite grau B (classificação de Los Angeles).

Aos nove meses de vida, mantinha-se sentada sozinha com a coluna ereta. Iniciou movimento de pinça com o indicador e polegar e falava algumas palavras aos 12 meses. Sempre apresentou distúrbio de marcha devido a DDQ.

Aos dois anos, falava algumas frases curtas com sentido, boa acuidade visual e auditiva, alimentava-se independentemente. Porém, nessa idade, surgiram episódios agudos de febre associados a convulsões generalizadas frequentes, justificando a internação em leito de unidade de terapia intensiva em um hospital local. Durante a internação, apresentou regressão do desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM), e após melhora parcial dos sintomas, no sétimo dia de internação recebeu alta hospitalar, sendo encaminhada para referência em neurologia pediátrica, em um hospital do Estado de Santa Catarina. A primeira consulta no serviço especializado demorou cerca de um ano para acontecer devido à falta de vagas para consultas com especialistas pelo serviço público de saúde.

Aos três anos, apresentou dificuldade em falar, deglutir, choro excessivo, perda da acuidade visual e déficit cognitivo. Suspeitou-se de déficit visual pelo fato de a criança não levar a mão para pegar objetos, não estabelecer contato visual e ter perdido o reflexo palpebral bilateralmente. Após consultas ao serviço de neurologia infantil, foram realizados exames laboratoriais e de imagem. Os laudos revelaram baixa atividade de arilsulfatase A nos leucócitos; ressonância magnética (RM) revelou áreas difusas hiperintensas na substância paraventricular e centros semiovais, relacionando-se a gliose ou leucomalácia. Dessa forma, com as manifestações clínicas e os resultados dos exames, chegou-se ao diagnóstico de LDM da forma infantil tardia. O próprio serviço especializado fez a referência à Unidade Básica de Saúde (UBS) do município de Lages. A UBS encaminhou a criança para a APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) e ao PAPS (Programa de Atenção Psicossocial) para receber atenção especializada.

Aos quatro anos, desenvolveu hipertonia apendicular e hipotonia axial, encurtamento muscular, deformidades osteomusculares, afasia, afonia, tetraplegia e postura em opistótono. Manteve episódios de crises convulsivas generalizadas. Devido a impossibilidade de alimentação via oral e perda de peso constante, necessitou de gastrostomia para regularizar a alimentação e hidratação. Fez uso contínuo de ácido valproico e fenobarbital para tratamento das crises convulsivas generalizadas.

Aos cinco anos, a menina já estava restrita ao leito domiciliar. Apresentou profunda regressão neuropsicomotora, não demonstrava expressão facial, incapacidade de expressar qualquer forma comunicação, sendo totalmente dependente dos pais para alimentação e higiene. Notou-se comprometimento do sistema respiratório, com dificuldade para tossir e deglutir secreções nasofaríngeas, causando pneumonia aspirativa de repetição. Os pais foram orientados a oferecer cuidados paliativos.

Aos seis anos, devido à situação clínica, os pais optaram por não rematriculá-la na APAE e na creche. Porém, foram mantidos os tratamentos de fisioterapia respiratória domiciliar. Nesse ano conhecemos a paciente e seus pais, e realizamos consultas e visitas domiciliares. Em nosso exame físico neurológico, observamos crânio e coluna sem alterações em inspeção e palpação, membros superiores e inferiores em flexão e hipertonia generalizada, inclinação lateral da cabeça à esquerda, sinal de Babinski no pé direito, reflexo motor presente ao estímulo doloroso e reflexos profundos abolidos. O exame osteoarticular evidenciou quadriparesia espástica com deformidade estruturada dos tornozelos e punhos, e incapacidade de alternar as posições de decúbito. E o exame ocular mostrou que a paciente tinha pupilas não fotorreagentes, não realizava movimentos oculares por confrontação, não seguia objetos, não exibia reação de acomodação visual, com reflexo palpebral ausente bilateralmente, não apresentando nistagmo.

Aos 7 anos, no dia 31 de julho de 2019, a menina apresentou desconforto respiratório agudo, tosse e febre, sendo levada à UBS do seu bairro. No entanto, os médicos constataram parada cardíaca e iniciaram a reanimação. Acionaram o SAMU, porém sem resultados. A criança veio a óbito, sendo broncopneumonia a causa da morte.

 

DISCUSSÃO

A LDM pode manifestar-se clinicamente em várias idades, de forma bastante heterogênea.8 Nossa paciente apresentou DNPM normal até atingir o segundo ano de vida. Em seguida, surgiram os primeiros sintomas de disfunção neurológica e somente aos 3 anos foi feito o diagnóstico definitivo. Pesquisas descrevem variação de início dos sintomas entre 11 meses de vida até 27 anos e demora de até quatro anos para diagnóstico.1,15 Esse tempo é explicado pelas manifestações clínicas inespecíficas e numerosos diagnósticos diferenciais. Em relação ao início da manifestação clínica, a paciente apresentou episódios agudos de febre, convulsões generalizadas e déficit visual súbito, características incomuns no início da doença.

A crise convulsiva manifesta-se por contrações musculares anormais e excessivas, devido a descargas neuronais desordenadas e paroxísticas de um grupo de neurônios corticais. As principais causas em crianças incluem crises febris, epilepsia, infecções do sistema nervoso central (SNC), distúrbios eletrolíticos, erros inatos do metabolismo, traumatismo cranioencefálico, entre outros.16 A atrofia óptica geralmente está presente na resposta pupilar diminuída a estímulos luminosos, caracterizando falência visual.17

De acordo com estudos, os primeiros sinais da doença iniciam-se com regressão motora e perda dos marcos do desenvolvimento, sendo estes os maiores motivos de busca por consultas em serviços especializados.1,6,10,18,19,20 Em um relato de caso catarinense, meninas gemelares iniciaram quadro de febre com posterior déficit motor, mas sem a ocorrência de convulsões.21 Outro estudo descreveu uma paciente com mudanças comportamentais aos 16 anos, isolamento acentuado, desempenho e comportamento ruim na escola, padrão de sono alterado, alucinações e comportamento desorganizado. Isso levou a um diagnóstico inicial de esquizofrenia paranoide.3 Além disso, um relato de quatro pacientes revela quadros de agressividade, desinibição, delírios e síndrome de Asperger antes do diagnóstico de LDM.15 Quando a função motora está intacta, os sintomas podem ser similares a esquizofrenia, depressão, dificuldade no aprendizado e transtorno do espectro autista.15

A idade de início dos sintomas tende a ser semelhante nos casos familiares. A paciente descrita neste estudo possui um irmão de 16 anos que não apresentou sinais da doença. Como a LDM é herdada de forma autossômica dominante, cada irmão de um indivíduo com LDM terá 25% de chance de ser afetado, 50% de chance de ser portador assintomático e 25% de não ser afetado e não ser portador.9 Avaliamos estudo de duas crianças brasileiras de um casamento consanguíneo de primos de primeiro grau.18 Nesse caso, os pais são portadores e todos os filhos desenvolveram a doença.

Na investigação complementar da doença, exames de imagem, como a RM em ponderações T2 e FLAIR, são úteis para o diagnóstico, facilitando inclusive o diagnóstico diferencial.8,11 A RM demonstra desmielinização de forma simétrica e confluente. Acredita-se que as primeiras alterações ocorram no corpo caloso, seguido das áreas periventriculares e centro semioval, corroborando o laudo do exame de nossa paciente. Além disso, o comprometimento na forma infantil tardia ocorre inicialmente nos lobos occipitais, seguindo direção anterior, ao contrário das outras duas formas com início frontal e progressão antero-posterior.8 Em nossa paciente, assim como em outras pesquisas, analisou-se a RM antes da detecção da deficiência de ARSA.1,3,20,22. Em todas as crianças estudadas, a atividade da ARSA em leucócitos foi testada para diagnóstico, exceto em uma pesquisa, na qual a análise urinária revelou aumento dos sulfatídeos, diagnosticando LDM.22

O aconselhamento genético familiar é fundamental quando a LDM é diagnosticada, podendo prevenir novos casos. Não foram realizados testes genéticos para avaliar a suscetibilidade familiar devido ao alto custo e à falta de recursos dos pais, mas em pesquisas estrangeiras realizou-se o exame, revelando heterozigose dos pais.1,3,15,20 Não encontramos relatos brasileiros com testes genéticos.

A necessidade de cirurgia nas crianças com LDM é comum, sobretudo por disfunção da musculatura lisa e da estriada esquelética. Nossa paciente foi submetida a tratamento da DDQ e gastrostomia. Estudo goiano relata duas crianças com LDM que também realizaram cirurgias como a de refluxo gastroesofágico, gastrostomia, traqueostomia e de tenotomia de adutores dos quadris para melhorar a qualidade de vida.18 Chama atenção o relato de papilomatose da vesícula biliar em portadora de LDM, necessitando de cirurgia de emergência devido a hemorragia digestiva alta e choque hipovolêmico.23

O comprometimento do sistema respiratório na LDM é comum devido a dificuldade em tossir, deglutir e engasgos frequentes. Nossa paciente foi internada por pneumonias de repetição e broncopneumonia por aspiração. As duas crianças do estudo goiano foram internadas em UTI devido à insuficiência respiratória, e seus prognósticos de vida são desfavoráveis mesmo com o acompanhamento multidisciplinar (ortopedista, fisiatra, pneumologista, neurologista) desde o início do quadro.18 Geralmente a causa do óbito é a broncopneumonia.6

Por outro lado, é notável que a sobrevida dos pacientes com LDM vem aumentando consideravelmente. A sobrevida de 5 anos após o diagnóstico, nos casos relatados após o ano de 1990 é significativamente maior do que os casos de 1970. Os dados demonstram sobrevida de 52% para a forma infantil tardia, 100% para juvenil e 95% para a adulta, entre 1990 a 2006. Em contraste, foi de 14%, 46% e 67% respectivamente, no período de 1970. Percebe-se que a forma infantil tardia é a mais letal, mas houve melhoras significativas de todas as formas clínicas da doença nos últimos anos.21

A LDM é uma doença sem cura atualmente. A forma infantil tardia, da nossa paciente, é a de prognóstico mais desfavorável. O tratamento é paliativo e as limitadas opções terapêuticas disponíveis visam retardar o curso clínico da doença. Deve-se oferecer medidas de suporte para melhorar a qualidade de vida, envolvendo médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, nutricionistas e psicólogos, a fim de atenuar as complicações da doença, maximizar as funções intelectuais e neuromusculares e trazer conforto para a paciente.

 

CONCLUSÃO

Descrevemos um relato de caso da forma infantil tardia da LDM. Segundo a literatura médica, é a apresentação clínica mais comum e a de pior prognóstico da doença. No entanto, a sobrevida desses pacientes vem aumentando pela melhor abordagem prognóstica.

O quadro clínico da nossa paciente é compatível às descrições científicas. Porém, pelo fato de as crises convulsivas generalizadas e o déficit visual súbito antecederem a regressão clínica, nota-se singularidade em comparação aos outros relatos.

 

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