Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 20(2) - Junho 2020

Artigos de Revisao

Relação entre níveis séricos de vitamina D e alergia às proteínas do leite de vaca em lactentes: revisão sistemática baseada no método prisma

Relationship between serum vitamin D levels and cow's milk protein allergy in infants: a systematic review based on the prism method

 

Heloísa Toledo Garcia1; Dayane Pêdra Batista De Faria Batista-De Faria2

 

DOI:10.31365/issn.2595-1769.v20i2p59-66

1. Unifesp, Programa de Residencia Multiprofissional Saúde da Criança e Adolescente - São Paulo - SP - Brasil
2. Unifesp, Programa De Pós Graduação em Nutrição - São Paulo - SP - Brasil

 

Endereço para correspondência:

dayanefaria19@hotmail.com / dayane.faria@anhanguera.com

Recebido em: 12/12/2019

Aprovado em: 06/03/2020


Instituição: Unifesp, Programa de Pós Graduação em Nutrição - São Paulo, SP - Brasil

 

Resumo

INTRODUÇÃO: Alergia às proteínas do leite de vaca (APLV) se manifesta com mais frequência em lactentes. Dieta de exclusão das proteínas do leite de vaca pode levar a deficiências de energia e nutrientes como a vitamina D.
OBJETIVO: Verificar o desenvolvimento de APLV e sua relação entre níveis séricos de vitamina D em lactentes.
FONTES DE DADOS: Revisão sistemática de acordo com método PRISMA, nas bases de dados PubMed, Lilacs e Scielo entre março a julho de 2018. Selecionados para leitura ensaios clínicos realizados com lactentes que abordaram o tema da APLV e sua relação com níveis séricos de vitamina D. Consultada a lista de referência dos artigos selecionados e analisados por dois autores para a extração final das informações.
SÍNTESE DOS DADOS: Encontrados 115 artigos, sendo 12 selecionados para leitura e 4 incluídos para análise. Dois artigos avaliaram os níveis séricos de vitamina D em lactentes diagnosticados com APLV em comparação ao grupo controle saudável; um artigo avaliou o nível sérico de vitamina D do cordão umbilical de lactentes sensibilizados às proteínas do leite de vaca e um artigo avaliou o nível sérico de vitamina D em lactentes com dermatite atópica que apresentaram mono ou polissensibilização à alérgenos alimentares, entre eles, proteína do leite de vaca.
CONCLUSÃO: Poucos estudos investigaram a relação entre níveis séricos de vitamina D e desenvolvimento de APLV. Devido importância clínica desse quadro, é necessária a realização de mais estudos que relacionem essas variáveis, a fim de contribuir para melhores tratamentos para a população diagnosticada.

Palavras-chave: Hipersensibilidade a Leite; Lactente; Vitamina D; Luz Solar; Sistema Imunitário.


Abstract

INTRODUCTION: Cows milk protein allergy (CMPA) manifests most often in infants. Dietary exclusion of cows milk proteins may lead to energy and nutrient deficiencies such as vitamin D.
OBJECTIVE: To verify the development of CMPA and its relationship between serum vitamin D levels in infants.
DATA SOURCE: Systematic review according to the PRISMA method was performed in the PubMed, Lilacs and Scielo databases from March to July 2018. Selected clinical trials with infants addressing the theme of CMPA and their relationship with levels were selected for reading. vitamin D serum Consulted the reference list of the selected articles and analyzed by two authors for the final extraction of information.
DATA SYNTHESIS: We found 115 articles, 12 selected for reading and 4 included for analysis. Two articles evaluated serum vitamin D levels in infants diagnosed with CMPA compared to the healthy control group; an article evaluated the serum vitamin D level of the umbilical cord in infants sensitized to cows milk proteins and one article evaluated the serum vitamin D level in infants with atopic dermatitis who presented mono or polysensitization to food allergens, among them cow milk.
CONCLUSIONS: Few studies have investigated the relationship between serum vitamin D levels and CMPA development. Due to the clinical importance of this condition, further studies are required to relate these variables in order to contribute to better treatments for the diagnosed population.

Keywords: Milk Hypersensitivity; Infant; Vitamin D; Immune System; Sunlight.

 

INTRODUÇÃO

O termo "alergia alimentar" é utilizado para descrever as reações adversas a alimentos dependentes de mecanismos imunológicos que podem ser mediadas por imunoglobulina E (IgE), não mediadas por IgE ou mistas, quando envolvem os dois mecanismos.1,2

As reações mediadas por IgE são decorrentes da sensibilização a alérgenos alimentares com formação de anticorpos específicos dessa classe, que se fixam a receptores de mastócitos e basófilos. Após a sensibilização, os contatos subsequentes com esse mesmo alimento determinam a liberação de mediadores vasoativos que induzem manifestações clínicas de hipersensibilidade imediata, como urticária, angioedema, prurido de lábios, língua ou palato, broncoespasmo e até anafilaxia. As reações não mediadas por IgE são mediadas por células T e mecanismos imunológicos complexos que se caracterizam por resposta inflamatória no local da exposição ao alérgeno, com consequente lesão tecidual. As manifestações são tardias, e as principais apresentações clínicas são: dermatite herpetiforme e/ou de contato, enterocolite induzida por proteína alimentar e enteropatia induzida por proteína alimentar. Já nas reações mistas, as principais manifestações são: esofagite eosinofílica, gastrite eosinofílica, gastroenterite eosinofílica, dermatite atópica e asma.1,2,3,4

Os dados sobre prevalência de alergia alimentar, ao redor do mundo, são conflitantes e sofrem interferência de variáveis como idade, características populacionais, mecanismo imunológico envolvido, método de diagnóstico, tipo de alimento, entre outros.1 Mesmo assim, sabe-se que esta patologia é mais comum entre crianças, e a prevalência parece ter aumentado nas últimas décadas em todo o mundo. Estima-se que a prevalência da alergia alimentar é de 6,0% em crianças menores de três anos.5,6,7 No Brasil, estudo observacional realizado em consultórios de pediatras gastroenterologistas apontou que a prevalência de alergia às proteínas do leite de vaca (APLV) é de 5,4%, com incidência de 2,2% no conjunto de pacientes atendidos.8

O diagnóstico e o tratamento da APLV baseiam-se na exclusão da proteína do leite de vaca da dieta - incluindo todos os seus derivados.9 Considerando a importância nutricional desse alimento, sua retirada sem adequada substituição pode afetar o estado nutricional da criança, além de comprometer seu crescimento e desenvolvimento normal.2,3,10 Estudos revelam que a ingestão de energia e nutrientes como a vitamina D é menor em crianças com APLV, quando comparadas às crianças sem APLV.10,11,12,13

Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria,14 as principais manifestações clínicas da deficiência de vitamina D são relacionadas ao metabolismo do cálcio e podem demorar meses para aparecer na dependência da velocidade de crescimento da criança, do grau de deficiência desta vitamina e do conteúdo de cálcio na dieta. Além de sua ação comprovada no metabolismo ósseo e homeostasia do cálcio, a vitamina D participa da regulação diversos processos fisiológicos e na regulação de mais de mil genes.15,16 Estudos têm associado o estado de vitamina D com o desenvolvimento de alergias, asma e outras doenças imunomediadas.17,18,19

Diversos mecanismos têm sido propostos para explicar a influência da vitamina D no sistema imunológico e, dentre as principais funções, pode-se destacar a regulação da diferenciação e ativação de linfócitos CD4, aumento do número e função das células T regulatórias (Treg), inibição in vitro da diferenciação de monócitos em células dendríticas; diminuição da produção das citocinas interferon-g, IL-2 e TNF-a, a partir de células Th1 e estímulo da função células Th2 helper.20,21 Pelo fato de a vitamina D exercer funções importantes no sistema imune dos lactentes, é importante a identificação precoce e correção de sua deficiência, a fim de garantir o desenvolvimento adequado do sistema imunológico da criança.17

Diante do exposto, é de extrema importância a realização de estudos que avaliem os níveis de vitamina D em crianças com APLV, a fim de monitorar e evitar os possíveis efeitos adversos à saúde dos lactentes. Assim, a presente revisão sistemática teve por objetivo verificar o desenvolvimento de APLV e sua relação entre níveis séricos de vitamina D em lactentes.

 

MÉTODOS

Para o desenvolvimento e a exposição desta revisão, foram consideradas as recomendações para apresentação de revisões sistemáticas Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and MetaAnalysis (PRISMA),22 a saber, uma checklist com 27 itens e um fluxograma com o objetivo de auxiliar autores a melhorarem a qualidade de suas revisões sistemáticas e metanálises. Os artigos foram selecionados por meio de busca eletrônica nas bases de dados PubMed, Lilacs e SciELO. A busca foi realizada nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola, no período de março de 2018 a julho de 2018, por dois revisores simultaneamente, de forma independente.

Como descritores, foram utilizados os termos: alergia a leite; alergia a laticínios; alergia a produtos do leite; vitamina D; lactentes e suas variáveis na língua inglesa - milk hypersensitivity; CMPA; milk allergy; vitamin D; infant; newborn; e na língua espanhola -hipersensibilidad a la leche; lactante. A escolha dos descritores, bem como as variáveis nas demais línguas, foi realizada com auxílio da plataforma DeCS - Descritores em Ciências da Saúde.

Foram considerados os seguintes critérios de inclusão:

1. Trabalhos originais.

2. Realizados em seres humanos.

3. Conduzidos com lactentes (definido como grupo de crianças da faixa etária entre 0-24 meses).

4. Artigos em inglês, português e espanhol.

5. Com conteúdo relativo à APLV e vitamina D.

Os critérios de exclusão foram:

1. Trabalhos não originais, como revisão, comunicação breve, cartas e editoriais.

2. Estudos in vitro.

Os artigos selecionados após leitura de título foram avaliados de acordo com o resumo e, seguindo os critérios de inclusão previamente apresentados, foram considerados aptos para leitura na íntegra e avaliação dos métodos e resultados. Os casos de divergência quanto à exclusão de um título, resumo ou texto completo foram discutidos pelos pesquisadores até que ambos entrassem em consenso.

Para garantir a inclusão de todas as publicações relevantes, foram realizadas buscas manuais nas listas de referências de todos os estudos selecionados pelos avaliadores.

 

RESULTADOS

Foram encontrados 115 artigos no levantamento bibliográfico. Pela base de dados PubMed, foram identificados 106 artigos, dos quais 37 preencheram os critérios de inclusão, sendo selecionados para leitura de título e, posteriormente, resumo. Na busca na base de dados Scielo, foram identificados quatro artigos, todos em duplicata. Pela base de dados LILACS, foram localizados cinco artigos, sendo que somente um preencheu os critérios de inclusão para leitura do título e resumo.

Após leitura do resumo, foram excluídos 26 artigos, por não preencherem os critérios de inclusão, restando 12 para leitura na íntegra e avaliação dos métodos, resultados e discussão. Também foram selecionados 12 artigos pelas referências bibliográficas, sendo que, destes, nenhum se enquadrou nos critérios de inclusão; assim, não foram selecionados para compor o estudo. Ao final, foram incluídos quatro artigos nesta revisão. A Figura 1 representa o fluxograma de seleção dos artigos.

 


Figura 1. Fluxograma para seleção dos artigos incluídos na revisão.

 

O estudo transversal conduzido por Silva et al.23 na Região Nordeste do Brasil, teve como objetivo verificar se lactentes com APLV apresentavam níveis inadequados de vitamina D. Em seus resultados, o estudo identificou que tanto o grupo APLV quanto o grupo controle apresentaram nível médio de vitamina D considerado adequado (30,93 ± 12,33 ng/mL entre no grupo APLV vs. 35,29 ± 10,74 ng/mL entre no grupo controle - p = 0,041). Entretanto, considerando o total de crianças, observou-se que houve maior frequência de deficiência de vitamina D entre aquelas com APLV. Ainda, dentre o grupo APLV, aquelas que estavam em aleitamento materno exclusivo/predominante apresentaram maior prevalência de deficiência de vitamina D (25,9% dessas crianças estavam deficientes e apenas 3,1% apresentaram nível suficiente) e aquelas que não foram amamentadas (fizeram uso de fórmula infantil), apresentaram níveis suficientes da vitamina. Tal associação entre as diferentes práticas alimentares não foi observada entre as crianças do grupo controle. Também no grupo de crianças alérgicas, a frequência de exposição ao sol não interferiu nos níveis de suficiência de vitamina D. O estudo ressalta que nenhuma criança recebeu suplementação de vitamina D durante o período de avaliação.

Perezabad et al.,24 em seu estudo realizado em Madri, tiveram como objetivo realizar análise imunológica para identificar quais fatores imunes estariam envolvidos no estabelecimento de APLV em lactentes. Em seus resultados, o trabalho mostrou que quando a contagem de células Treg foi mensurada, encontrou-se número significativamente menor no grupo APLV do que no grupo controle. Um dos mecanismos que poderia implicar deficiência de células Treg no contexto de alergia alimentar, seriam os níveis séricos de 25(OH)D, e o atual estudo encontrou níveis menores de dessa vitamina no grupo APLV. A análise dos dados indicou que baixo nível de vitamina D, baixo número absoluto de Treg e alta frequência de células TCD4+ secretoras de IL-4 são boas variáveis para discriminar entre grupo APLV e grupo controle.

Em seu trabalho realizado em Taiwan, Chiu et al.12 tiveram como objetivo investigar a relação entre os níveis de vitamina D no sangue do cordão umbilical e a sensibilização a alérgenos alimentares e inalantes em lactentes que foram seguidos até os quatro anos. Em seus resultados, 108 (58%) crianças apresentaram níveis de 25(OH)D sangue do cordão consideradas suficientes (>20ng/dL) e 78 (42%) apresentaram níveis baixos (<20ng/dL). Sobre a análise da associação entre níveis de 25(OH)D no sangue do cordão e sensibilização ao leite, foi encontrado que essas variáveis se mostraram inversamente associadas aos dois anos de idade (OR 2.41; 95% CI 1.07-5.40; p = 0.033), sendo que as crianças apresentaram uma prevalência significativamente maior de sensibilização ao leite aos dois anos de idade.

Por sua vez, Baek et al.13 realizaram estudo transversal com crianças de 3-24 meses de idade com dermatite atópica ou suspeita de alergia alimentar. Foram encontradas diferenças significativas nos níveis séricos de 25(OH)D entre os grupos de lactentes não sensibilizados (mediana de 26,2ng/mL), monossensibilizados (mediana de 22,7ng/mL) e polissensibilizados (mediana 14,5ng/mL) (p = 0,002). Ainda, os lactentes do grupo de alto grau de sensibilização tiveram menores níveis séricos de 25(OH)D (mediana 14,5ng/mL) do que os de baixo grau de sensibilização (mediana 24,0 ng/mL). A análise de regressão multivariada ajustada para riscos conhecidos e possíveis fatores de confusão mostrou que o baixo nível sérico de 25(OH)D foi independentemente associado com o aumento do risco de sensibilização a alérgenos alimentares, e baixos níveis de 25(OH)D foram associados com sensibilização ao leite (OR 10.4, 95% CI 3.3-32.7, P < .001) e trigo (OR 4.2, 95% CI 1.1-15.8, P = .034). A tabela 1 apresenta o resumo dos artigos incluídos no presente estudo.

 

 

DISCUSSÃO

Sabe-se que a deficiência de vitamina D pode interferir no metabolismo do cálcio e na regulação do sistema imunológico, podendo causar prejuízos ao desenvolvimento normal da criança.14,21

Esta revisão mostrou que ainda são poucos os estudos que abordam a relação entre níveis séricos de vitamina D e desenvolvimento de APLV. Do total de 12 artigos considerados elegíveis para compor o presente trabalho, apenas quatro se encontraram dentro do tema desejado.12,13,23,24 A grande maioria dos trabalhos encontrados no levantamento bibliográfico avaliaram a deficiência de diversos micronutrientes apenas pela dieta de exclusão, necessária para o tratamento da APLV, não se enquadrando, assim, no tema proposto para o atual estudo.

A associação entre APLV e menores níveis de vitamina D em lactentes indica a possibilidade de existir relação causal entre as duas variáveis. Neste sentido, nos trabalhos de Silva et al.23 e Perezabad et al.,24 constaram menores níveis de vitamina D em lactentes com APLV em relação às crianças saudáveis. No trabalho de Chiu et al.,12 observou-se prevalência significantemente maior de sensibilização ao leite em lactentes com baixos níveis séricos de vitamina D. Por fim, o trabalho de Baek et al.13 observou que análise de regressão multivariada ajustada para riscos conhecidos e possíveis fatores de confusão mostraram que baixos níveis de 25(OH)D foram independentemente associados à sensibilização ao leite. No entanto, apesar de terem sido constatados menores níveis de vitamina D sérica em lactentes com APLV, é importante destacar que esses artigos são heterogêneos e difíceis de se comparar, em função da maneira como as variáveis foram quantificadas e dos métodos usados para estudar a relação entre essas variáveis.

Em relação à resposta imune adaptativa, a vitamina D atua nas células dendríticas e promove um fenótipo tolerogênico.25 Perezabad et al.24 observaram correlação direta entre os níveis plasmáticos de vitamina D e as contagens absolutas de Treg; ou seja, foi encontrado número significativamente menor no grupo APLV do que no grupo controle. Esse achado pode ser explicado pelo fato de as células Tregs suprimirem outras células do sistema imunológico e contribuírem para a homeostase imune por alguns mecanismos, inclusive através do contato célula-célula e da secreção de componentes anti-inflamatórios, tais como a IL-10 e TGF-β. A diferenciação periférica das Tregs é induzida pela vitamina D, a qual reprime a maturação de células dendríticas para gerar células dendríticas imaturas tolerogênicas.26

Na avaliação e interpretação dos resultados, existem diversos elementos que influenciam as concentrações séricas de 25(OH)D: fatores que alteram a síntese cutânea de vitamina D (exposição solar - especialmente da radiação UVB; concentração de melanina na pele, estação do ano, uso de filtro solar, tipos de vestimenta); fatores nutricionais (ingestão de alimentos fontes ou enriquecidos em vitamina D, uso de suplementos alimentares, diferentes práticas alimentares - aleitamento materno x uso de fórmula infantil); fatores que alteram a absorção intestinal de vitamina D (doenças inflamatórias intestinais, síndromes de má absorção); fatores que interferem no metabolismo de vitamina D (insuficiência hepática), entre outros.27 Além disso, insuficiência de vitamina D pode ser mais frequente em países distantes do Equador e com menor radiação ultravioleta.1

Dos estudos incluídos nesta revisão, o trabalho de Silva et al.23 utilizou as recomendações da SBP14 para avaliar a exposição solar e em seus resultados encontrou que a frequência dessa exposição não interferiu no nível de suficiência da vitamina D em lactentes diagnosticados com APLV; já o trabalho de Perezabad et al.24 não levou em consideração a exposição solar para avaliação dos níveis de vitamina D. Por utilizar os níveis de 25(OH)D no sangue do cordão, o estudo de Chiu et al.12 não avaliou a exposição solar dos lactentes, mas levou em conta a estação do ano de nascimento dessas crianças como potencial fator de confusão. Baek et al.,13 apesar de não avaliarem diretamente a exposição solar das crianças incluídas em seu estudo, encontrou associação entre os níveis séricos de 25(OH)D e a estação do ano em que as amostras foram coletadas, sendo que esses níveis foram menores no inverno e primavera - meses de menor incidência de radiação UVB no país de realização do estudo - do que no outono e verão; também observaram que crianças nascidas no verão e outono apresentaram níveis de 25(OH)D maiores do que aquelas nascidas na primavera e inverno, o que corrobora os efeitos da radiação UVB para síntese de vitamina D - mesmo no período intrauterino.

Sabe-se que, em sua forma natural, poucos alimentos são fontes de vitamina D - entre eles, óleo de fígado de peixe, alguns tipos de peixe como sardinha, salmão, arenque e atum, e gema de ovo27 -, e as fontes alimentares de vitamina D acabam não conseguindo suprir as necessidades corporais. O leite materno, embora seja o melhor alimento para lactentes, possui baixas concentrações dessa vitamina, sendo de aproximadamente 22 UI/litro enquanto nas fórmulas infantis chega a cerca de 400 UI/litro. Crianças amamentadas ao seio materno, sem suplementação ou exposição solar adequada são consideradas grupo de risco para deficiência de vitamina D.14 Silva et al.23 mostraram que entre as crianças com APLV, aquelas que estavam em aleitamento materno exclusivo/predominante apresentaram maior frequência de deficiência de vitamina D (25,9% apresentaram níveis insuficientes vs. 3,1% com níveis suficientes); o mesmo achado foi observado naquelas que receberam aleitamento materno parcial (25,9% apresentaram níveis insuficiente vs. 6,3%, com níveis suficientes); ao contrário, a maioria das crianças com APLV que não foram amamentadas, e fizeram uso de fórmula infantil, apresentaram níveis de suficiência da vitamina (78,1%). Os estudos de Perezabad et al.24 e Chiu et al.12 não levaram em consideração a avaliação das diferentes práticas alimentares dos lactentes incluídos em seu estudo. Baek et al.13 também realizaram avaliação de inquéritos alimentares de 28 pacientes incluídos no estudo; entretanto, essa avaliação foi realizada após a exclusão dos alimentos alérgenos de suas dietas, o que representa um viés de análise para a vitamina de interesse.

Outro fator a ser levado em consideração é o uso da suplementação dessa vitamina. A Academia Americana de Pediatria28 recomenda que todos os lactentes e crianças tenham uma ingestão mínima de 400 UI de vitamina D por dia, sendo que crianças em aleitamento materno exclusivo ou parcial deverão receber suplementação de 400UI/dia, a partir dos primeiros dias de vida; já aquelas em uso de fórmula infantil em quantidade superior a um litro/dia não necessitam realizar suplementação. Quanto à suplementação de vitamina D, a Ingestão Dietética Recomendada (Recommended Dietary Allowances - RDA)30 e o Departamento Científico de Nutrologia da SBP29 orientam a suplementação profilática de lactentes de "400 UI/dia a partir da primeira semana de vida até os 12 meses, e de 600 UI/dia dos 12 aos 24 meses, inclusive para crianças em aleitamento materno exclusivo, independentemente da região do país"; já os lactentes que fazem uso de fórmula infantil em quantidade superior a um litro por dia não necessitam de suplementação de vitamina D. Apesar de esta recomendação ser bem consolidada, o estudo de Silva et al.23 ressaltou que nenhuma das crianças estava recebendo suplementação de vitamina D no momento da intervenção. Perezabad et al.24 e Chiu et al.12 não especificaram o uso de suplemento de vitamina D nos lactentes incluídos em seus estudos. Por sua vez, o estudo de Baek et al.13 definiu como um dos critérios de inclusão que os lactentes não poderiam estar recebendo suplementação de vitaminas há pelo menos um mês; sendo assim, nenhuma das crianças incluídas estava em uso de suplemento de vitamina D.

Na análise dos resultados desta revisão, devem ser consideradas suas limitações. O tamanho das amostras, as diferenças entres os desenhos dos estudos e a forma em que as variáveis foram quantificadas não permitem garantir associação positiva entre as variáveis estudas. Além disso, os diversos elementos que influenciam as concentrações séricas de 25(OH)D, como uso de suplementação, incidência dos raios solares e exposição ao sol são vieses importantes na análise dos estudos, pois restringem a extrapolação dos achados.

Apesar do aumento de interesse de estudo sobre os níveis séricos de vitamina D e sua associação com o desenvolvimento de APLV em lactentes, ainda há poucos trabalhos publicados que avaliam a associação entre essas variáveis.

Todos os trabalhos incluídos na presente revisão encontraram níveis séricos menores de vitamina D em crianças com APLV ou que foram sensibilizadas aos antígenos do leite de vaca; no entanto, os resultados são inconclusivos para a correlação entre insuficiência de vitamina D e o desenvolvimento de APLV por conta dos vieses de análise. Portanto, esta revisão não encontrou evidências suficientes para confirmar ou excluir a relação entre APLV e deficiência de vitamina D.

Considerando a importância clínica desse quadro, se faz necessário realizar mais estudos clínicos, longitudinais e que levem em consideração os fatores que influenciam as concentrações séricas de vitamina D, a fim de compreender quais aspectos estão envolvidos na fisiopatologia da APLV e assim contribuir para melhores intervenções e tratamentos para a população diagnosticada.

 

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