ARTIGOS ORIGINAIS
Avaliação do teste espirométrico em pré-escolares na unidade hospitalar
Evaluation of the spirometric test in preschool children in the hospital unit
Luanda Dias da Silva Salviano1; Izabela Rocha Sad2; Sandra Lisboa3
1. Mestre em Saúde Materno-Infantil pela Universidade Federal Fluminense. Fisioterapeuta do Setor de Prova de Funçao Pulmonar do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira da Fundaçao Oswaldo Cruz
2. Doutora em Pesquisa Aplicada à Saúde da Criança e da Mulher pelo Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira da Fundaçao Oswaldo Cruz. Pneumologista Pediátrica do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira da Fundaçao Oswaldo Cruz
3. Doutora em Ciência pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Responsável pelo Setor de Prova de Funçao Pulmonar no Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira da Fundaçao Oswaldo Cruz
Endereço para correspondência:
Recebido em: 02.03.2017
Aprovado em: 27.04.2017
Instituiçao: Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira/Fundaçao Oswaldo Cruz
Resumo
INTRODUÇÃO: a espirometria é imprescindível na avaliação da função pulmonar em pacientes com sintomas respiratórios ou após intervenção terapêutica de diversas patologias. Em 2007 a American Thoracic Society/European Respiratory Society (ATS/ERS) recomendou guidelines para aceitabilidade e reprodutibilidade da espirometria em crianças pré-escolares.
OBJETIVO: determinar a viabilidade da realização da espirometria em crianças com idade pré-escolar na prática clínica.
MÉTODOS: foram coletados do setor de prova de função respiratória as medidas de FVC, FEV1, FEV0,5 e FEV0,75 de crianças com idade entre três a seis anos. Todas as curvas selecionadas seguiram as normas estabelecidas pela ATS/ERS. Visando aumentar a confiabilidade dos testes, foram obtidas pelo menos três curvas aceitáveis e duas reprodutíveis. O espirômetro utilizado foi o Jaeger MasterScope (v.4.65, CareFusionLtd), com calibração diária realizada antes dos exames. As variáveis categóricas foram comparadas com recurso ao teste de Qui-Quadrado. Para as variáveis contínuas utilizou-se o teste de Mann-Whitney.
RESULTADOS: das 147 crianças inicialmente incluídas no estudo, 22 não produziram nenhuma ou somente uma curva aceitável, sendo então excluídas. A média de idade dos 125 sujeitos envolvidos foi de 4,81 (± 0,88) anos. Mais de 73,6% das crianças foram capazes de produzir a CVF e o FEV1 após treinamento prévio.
CONCLUSÃO: crianças em idade pré-escolar são capazes de realizar a espirometria com critérios diferenciados e análise de Z-score.
Palavras-chave: Espirometria. Criança. Pré-escolar. Testes respiratórios.
Abstract
INTRODUCTION: spirometry is essential in the evaluation of pulmonary function in patients with respiratory symptoms or after therapeutic intervention of several pathologies. In 2007 the American Thoracic Society/European Respiratory Society (ATS/ERS) recommended guidelines for acceptability and reproducibility of spirometry in preschool children.
OBJECTIVE: to determine the feasibility of performing spirometry in pre-school children in clinical practice.
METHODS: the FVC, FEV1, FEV0.5 and FEV0.75 measurements of children aged three to six years were collected from the respiratory function test sector. All curves selected followed the standards established by ATS/ERS. In order to increase the reliability of the tests, at least three acceptable and two reproducible curves were obtained. The spirometer used was the Jaeger MasterScope (v.4.65, CareFusionLtd), with daily calibration performed before the exams. Categorical variables were compared using the Chi-Square test. For the continuous variables, the Mann-Whitney test was used.
RESULTS: of the 147 children initially included in the study, 22 did not produce any or only one acceptable curve and were excluded. The mean age of the 125 subjects involved was 4.81 (± 0.88) years. More than 73.6% of the children were able to produce FVC and FEV1 after previous training.
CONCLUSION: pre-school children are able to perform spirometry with differentiated criteria and Z-score analysis.
Keywords: Spirometry. Child. Child, preschool. Breath tests.
INTRODUÇÃO
A espirometria é um exame simples e não invasivo que avalia a função respiratória, medindo fluxos e volumes pulmonares por meio de manobras de expiração rápida. A função pulmonar tem sido considerada importante parâmetro clínico de morbidade nas doenças respiratórias infantis por se tratar de um instrumento capaz de avaliar o crescimento e o desenvolvimento pulmonar, o efeito das enfermidades e das intervenções clinicas.1,2,3 A descrição fisiológica auxilia na compreensão da fisiopatologia respiratória, no tratamento e no prognóstico.4,5
Os resultados da espirometria não dependem somente da função pulmonar em si, mas da qualidade e do desempenho do paciente no teste. As crianças pré-escolares com idades entre três e seis anos podem ter dificuldades para compreender as explicações e para realizar as manobras expiratórias adequadas na espirometria.5 No entanto, isso pode ser minimizado com a presença de profissionais treinados para realização de exame especificamente desta faixa etária.3 Nos últimos anos tem-se demonstrado a viabilidade de efetuar esta avaliação em idade pré-escolar, particularmente através da espirometria animada4,6 e possibilitando inclusive a aferição de sua exequibilidade.7,8,9 Estudos demonstram que os pré-escolares são capazes de realizar as manobras expiratórias forçadas, mas com um tempo expiratório em geral menor que 1 segundo.3,4,5 Em 2007 a American Toracic Society/European Respiratory Society (ATS/ERS) publicou diretrizes sobre a prova de função pulmonar nesta faixa etária, nas quais reforça a importância dos volumes expiratórios forçados nos 0,5 e 0,75 segundos (FEV0,5 e FEV0,75).3
Nos últimos anos equações de referência para esta faixa etária10,11,12 foram disponibilizadas, entretanto a ATS/ERS recomenda que os valores de referência sejam obtidos em populações sadias oriundas do mesmo local onde se pretende aplicá-las.
O objetivo deste estudo foi avaliar a viabilidade de realização do exame de espirometria em crianças pré-escolares seguindo os critérios de aceitabilidade e reprodutibilidade da ATS/ERS do ano de 2007.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo descritivo e transversal no qual foram incluídos exames de todas as crianças entre três e seis anos que realizaram as manobras de espirometria entre 2012 e 2014 no Laboratório de Função Pulmonar do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira da Fundação Oswaldo Cruz (IFF/Fiocruz), no Rio de Janeiro. Os pacientes com asma ou fibrose cística haviam sido diagnosticados segundo critérios da Global Strategy for the Diagnosis and Management of Asthma (Gina)13 e da Cystic Fibrosis Foundation (CFF),14 respectivamente.
Foram excluídas do estudo todas as crianças que tiveram quadro infeccioso respiratório nas duas semanas antecedentes à data do exame, assim como aqueles que fizeram uso de broncodilatador nas 12 horas anteriores ao exame.
As manobras expiratórias eram realizadas antes e após a administração inalatória de broncodilatador (salbutamol spray/400 µg) com câmara de expansão. Cada criança era treinada individualmente no momento do exame. Para evitar vazamentos, solicitava-se que o filtro descartável fosse colocado bem ajustado na boca e o nariz era ocluído por um clipe nasal. Nas crianças menores a oclusão era realizada pelo próprio técnico de função pulmonar ao posicionar seu dedo indicador e polegar em pinça sobre as aletas nasais. As crianças eram orientadas a respirar em volume corrente, em seguida solicitava-se que enchessem os pulmões ao máximo possível, para então soprar o mais forte, rápido e prolongado que pudessem. Os testes eram realizados com as crianças de pé.
Na inspeção visual da curva, os critérios de aceitabilidade dos exames foram ausência de artefatos compatíveis com tosse, obstrução do bocal, vazamento, fechamento da glote e manobra de Valsalva, início satisfatório da expiração e evidência de esforço máximo atingindo o pico de fluxo expiratório (PFE), com volume de extrapolação (Vbe) menor que 12,5% da capacidade vital forçada (FVC) ou menor ou igual a 80 ml, o que for maior.1,3
De acordo com os critérios de reprodutibilidade, foram aceitas duas curvas com o somatório dos maiores valores da FVC com FEVt e não excederam entre si mais que 10%.3 Visando aumentar a confiabilidade dos testes, foram obtidas pelo menos três curvas aceitáveis, sendo duas dessas reprodutíveis. Caso os critérios não fossem atingidos após 15 tentativas de manobra expiratória forçada, optava-se pela interrupção do teste. O espirômetro utilizado foi o Jaeger MasterScope spirometer (v.4.65, CareFusionLtd), com calibração diária realizada antes dos exames. Os valores foram expressos em Z-scores de acordo com a literatura mundial, ajustados para o sexo, a altura e a idade,9,10,11,12,15 com valores de normalidade acima de -2, correspondente aos valores obtidos entre o percentil 3 e 97.
ANÁLISE DOS DADOS
Foram analisadas por idade as seguintes variáveis espirométricas: FEV0,5; FEV0,75; FEV1; FVC; e fluxo expiratório forçado de 25-75 segundos (FEF25-75). A análise estátistica dos dados foi realizada com recurso ao SPSS versão 18.0 para Windows (SPSS, Chicago, IL, USA). Foi utilizada a mediana como medida de tendência central e o intervalo como medida de dispersão, por se tratar de uma amostra com distribuição assimétrica. As variáveis categóricas foram comparadas com recurso de Qui-Quadrado. Para as variáveis contínuas utilizou-se o teste de Mann-Whitney. Foi considerado um nível de significância de 0,05.
CONSIDERAÇÕES ÉTICAS
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do IFF/Fiocruz. Os pais e/ou responsáveis legais das crianças assinaram o consentimento e estiveram presente durante os exames.
RESULTADOS
Das 147 crianças inicialmente incluídas no estudo, 22 não produziram nenhuma ou somente uma curva aceitável, sendo então excluídas. A média de idade dos 125 sujeitos envolvidos foi de 4,81 (± 0,88) anos, sendo 56% do sexo masculino. A mediana de altura foi de 110 (93-138,5) cm, de peso foi de 20,30 (13,80-51,80) kg e de índice de massa corpórea (IMC) foi de 16,74 (12,84-29,11) kg/m2. Em relação ao diagnóstico de base, 51,2% das crianças apresentavam asma; 15,2% fibrose cística; 5,6% pneumonia de repetição; e 28% apresentaram outros diagnósticos (tosse crônica, atelectasia, sequestro pulmonar e rinite).
A tabela 1 mostra a taxa de sucesso em conseguir FEVt em cada idade. O FEV1 foi reproduzido em 73,6% de todas as crianças enquanto o FEV0,75 em 18,4% delas.
Informações detalhadas para FVC em relação à idade, a partir dos resultados individuais, são apresentadas na figura 1. O FVC manteve-se semelhante nas quatro idades estudadas. A média foi 3,40 ± 1,54. O Z-score anormal foi observado em 16 (12,8%) dos pacientes envolvidos no estudo entre três e seis anos de idade.
A figura 2 apresenta o FEV1 individual e por idade das 42 crianças. Em relação às de três anos de idade, a mediana do Z-score foi de -2,64 (-3,21; -2,08). A mediana na população de quatro anos foi de -3,82 (-6,14; -2,10) enquanto na de cinco anos foi de -2,92 (-8,24; -2,11). Os valores mais negativos do que 2SD foram significativamente maiores nos grupos de quatro e cinco anos.
Na figura 3 o FEF25-75 apresentou a mediana do Z-score de -3,09 (-6,04; -2,10). Foi possível observar que 49 (39,2%) crianças apresentaram valores de Z-score fora do padrão de normalidade.
DISCUSSÃO
Neste estudo observamos que é possível aplicar espirometria com sucesso nessa população auxiliando o diagnóstico e a terapêutica, pois 85,03% de nossa população conseguiu produzir três curvas aceitáveis e reprodutíveis com um tempo expiratório maior que 1 segundo1,4,12 e o sucesso não está relacionado com a idade da criança.
Muitos estudos relataram que a idade da criança determina o sucesso na aceitabilidade e reprodutibilidade das manobras espirométricas.16,17,18,19 Em nosso estudo não obtivemos amostra adequada na faixa etária de três anos para analisar o sucesso nessa população.
O sucesso na obtenção de VEF1 variou 73,6% em consonância com outros estudos.16,17,18 Nas crianças pré-escolares, o esvaziamento pulmonar ocorre mais rapidamente do que nas crianças maiores e nos adultos. Nessa faixa etária, a expiração talvez seja completa em menos de 1 segundo, fazendo o uso dos parâmetros VEF0,75 e VEF0,5 da CVF serem válidos para detectar uma função pulmonar anormal nessa faixa etária.17,18,20,21
A taxa de sucesso é próxima a de muitos estudos prospectivos que avaliaram espirometria em crianças com idade semelhante, encontrando resultados aceitáveis e reproduzíveis em 65% a 92% dos indivíduos.6,17,22,23 Como na ocasião dos estudos referenciados não havia nenhuma norma internacional estabelecida, critérios de aceitabilidade e reprodutibilidade eram variados, impossibilitando assim a comparação direta com o presente estudo.
Embora o foco deste estudo tenha sido avaliar a viabilidade de crianças em idade pré-escolar realizarem a espirometria adequada no ambiente clínico, também foram avaliados os parâmetros apresentados na comparação da normalidade destas medições. Quando as crianças pré-escolares com asma e fibrose cística tiveram seus resultados comparados com os valores de espirometria preditos para idade e altura,4 a maioria dos parâmetros de FEV eram próximos de 56,5% do previsto pela análise de normalidade do Z-score.20
CONCLUSÃO
Em conclusão, foi demonstrado que a maioria das crianças pré-escolares são capazes de realizar a espirometria com critério aceitável e reproduzível em laboratório de prova de função pulmonar em circunstâncias clínicas normais. A realização da espirometria e a utilização de todos os parâmetros mensuráveis nesta faixa etária tem o potencial de aprimorar a avaliação e o tratamento das doenças pulmonares. Em particular, os parâmetros de VEF0,5 e VEF0,75 podem fornecer informações clínicas úteis. Mais estudos são necessários para abordar a utilidade clínica de espirometria no diagnóstico e tratamento de doenças respiratórias crônicas, como asma e fibrose cística em crianças pré-escolares.
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