Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 17(1) - Fevereiro 2017

ARTIGOS ORIGINAIS

Perfil socioeconômico e demográfico das doadoras do Banco de Leite Humano do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira - IMIP

Socioeconomic and demographic profile of human milk donors at Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira - IMIP

 

Joao Antonio Barbosa dos Santos1; Vilneide Maria dos Santos Braga Diègues Serva2; Maria de Fátima Costa Caminha3

1. Graduaçao-Sanduíche da University of Regina. Graduando do Curso de Medicina da Faculdade Pernambucana de Saúde
2. Mestrado em Saúde Materno-Infantil pela Universidade de Londres. Tutora do Curso de Medicina da Faculdade Pernambucana de Saúde
3. Doutorado em Nutriçao pela Universidade Federal de Pernambuco. Coordenadora de tutores da Faculdade Pernambucana de Saúde

 

Endereço para correspondência:

joaobarbosa_01@hotmail.com

Instituiçao: Faculdade Pernambucana de Saúde

Recebido em: 20.10.2016

Aprovado em: 23.11.2016

 

Resumo

OBJETIVO: descrever o perfil socioeconômico e demográfico das doadoras do Banco de Leite Humano e Centro de Incentivo ao Aleitamento Materno do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira e determinar a parcela de mulheres que foram orientadas ainda no pré-natal sobre aleitamento materno (AM)/doação de leite humano em diferentes classes econômicas.
MÉTODO: estudo de corte transversal, cuja coleta de dados foi realizada de março a maio de 2015. A amostra foi composta por 155 doadoras. Os dados foram obtidos por meio da aplicação de um formulário elaborado pelos pesquisadores. Na análise de dados foram utilizados os softwares SPSS 13.0 para Windows® e o Excel® 2010.
RESULTADOS: apenas 57 (36,8%) mulheres receberam orientação sobre aleitamento/ doação de leite durante a gestação. Destas, 51 (89,5%) foram orientadas por profissional de saúde. Das 94 (60,6%) que possuíam renda per capita (RPC) ≥ 0,5 salário mínimo (SM), 37 (39,4%) receberam orientação durante a gravidez. Neste grupo, 33 (89,2%) foram orientadas por profissional de saúde. Das 61 (39,4%) que possuíam RPC < 0,5 SM, 20 (32,8%) foram orientadas, sendo os profissionais de saúde referidos por 18 (90%) nutrizes.
CONCLUSÃO: embora poucas mulheres estejam recebendo orientação sobre AM/doação durante o pré-natal, a maioria das mulheres orientadas referenciou os profissionais de saúde como principal fonte de conhecimentos. Esses dados ajudam a prever a importância destas orientações e fortalecem o embasamento de que é necessário capacitação constante desses profissionais para garantir a qualidade das informações prestadas.

Palavras-chave: Aleitamento materno. Lactaçao. Leite humano.


Abstract

OBJECTIVE: to describe the socioeconomic and demographic profile of human milk donors at Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira and to determine the portion of women who were guided about breastfeeding/milk donation during prenatal in different economic classes.
METHOD: a cross-sectional study. The data collection was held at the BLH/CIAMA/IMIP from March to May 2015. The sample consisted of 155 donors. The data were obtained by application of a form elaborated by the researches. For data analysis we used the SPSS 13.0 software for Windows® and Excel® 2010.
RESULTS: only 57 (36.8%) women received guidance on breastfeeding / milk donation during pregnancy. Among these, 51 (89.5%) were directed by a health professional. Regarding the 94 (60.6%) women who had per capita income (PRC) ≥ 0.5 minimum wage (SM), 37 (39.4%) received guidance during pregnancy. In that group, 33 (89.2%) were directed by a health professional. Regarding 61 (39.4%) donors who had RPC < 0.5 SM, 20 (32.8%) were oriented and 18 (90%) referred to health professionals as the source of knowledge.
CONCLUSIONS: although few women are receiving guidance on breastfeeding/donation during the prenatal care, most of the women have referred healthcare professionals as the main source of knowledge. This data suggests possible importance of health care professional's guidelines and serve as a foundation so that more training is necessary to ensure the quality of information.

Keywords: Breast feeding. Lactation. Milk, human.

 

INTRODUÇÃO

O aleitamento materno (AM) é considerado o método padrão-ouro para a alimentação do lactente, sendo recomendado como exclusivo até os seis meses de idade, devendo ser complementado até os dois anos ou mais. É considerada a maneira mais natural e segura de ofertar alimentos ao bebê, fornecendo todos os nutrientes que este grupo populacional precisa para ter um pleno desenvolvimento e crescimento.1

Além de ser uma atividade praticamente sem custos para a lactante e os outros familiares, as evidências demonstram que o AM é responsável pela redução da morbimortalidade infantil, fato que é extremamente importante quando a população em questão é composta por lactentes prematuros.2 Contudo, estudos demonstram que muitas crianças e nutrizes ainda apresentam dificuldade em iniciar e/ou manter a amamentação, por conta de fatores diversos, como técnica incorreta de aleitamento, separação prolongada provocada por hospitalização e sentimento materno de insegurança e ansiedade.3

Os dados da literatura mostram que a prevalência do AM no Brasil está bem aquém da recomendada, cabendo aos profissionais de saúde o papel de reverter esse quadro. Estudos demonstram que equipes com profissionais treinados conseguiram obter crescimento de até 29% na incidência e prevalência do aleitamento natural em comparação às equipes não treinadas,4 sendo de suma importância que este profissional esteja preparado para prestar uma assistência que garanta maior adesão à prática do AM e influencie positivamente o ato da doação de leite humano.

De acordo com as evidências mais recentes, a falta de informações a respeito dessa temática é um importante fator relacionado ao desmame precoce,5 sendo de grande importância o esclarecimento das dúvidas e mitos a respeito da amamentação. Estudos demonstram que o motivo para doação e o perfil socioeconômico e demográfico das doadoras variam de acordo com a renda per capita (RPC);6 dessa maneira, é importante analisar se este último fator também altera o resultado das orientações fornecidas por profissionais de saúde, visando facilitar o planejamento de intervenções educativas que atinjam todos os grupos de doadoras, visto que não há dados disponíveis na literatura que comparem estas duas variáveis.

Assim sendo, este estudo objetivou descrever o perfil socioeconômico e demográfico das doadoras do Banco de Leite Humano e Centro de Incentivo ao Aleitamento Materno do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (BLH-CIAMA-IMIP) e determinar a parcela de mulheres que foram orientadas ainda no pré-natal sobre AM/doação de leite humano em diferentes classes econômicas.

 

MÉTODO

Estudo de corte transversal realizado no BLH-CIAMA-IMIP. O IMIP é um hospital amigo da criança, de ensino e pesquisa, sem fins lucrativos localizado na cidade do Recife - PE, que atende exclusivamente a usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). No ano de 1987 o Ministério da Saúde titulou o BLH do IMIP como centro de referência em AM para o Estado de Pernambuco.

O setor realiza atendimento ambulatorial, orientação às gestantes, procedimentos para tratar problemas na mama após o parto, coleta, processamento e distribuição de leite materno. O estoque de leite beneficia mais de 2.800 crianças por ano, do IMIP e de outros hospitais, possuindo capacidade de armazenamento de mais de 1.500 litros de leite.

O estudo teve duração de dez meses, com coleta de dados de março a maio de 2015. A amostra foi consecutiva, constituída por todas as novas doadoras que aceitaram participar da pesquisa. Após a aplicação dos critérios de elegibilidade (ser nova doadora no BLH), foi realizado o convite para participar do estudo. Em se tratando de doadoras adolescentes, os procedimentos supracitados também foram realizados com o seu representante legal.

Foi solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pela doadora com mais de 18 anos ou pelo responsável legal e, quando foi necessário, o termo de assentimento pela adolescente. Em se tratando de doadoras domiciliares, o convite foi feito por telefone e o TCLE foi encaminhado pelo motorista do BLH, que foi previamente capacitado.

Na mesma ocasião da assinatura do TCLE, foi realizado agendamento para contato telefônico com todas as doadoras, visando não haver diferença de abordagem na aplicação de um questionário elaborado pelos pesquisadores. As entrevistadas foram solicitadas a escolher apenas uma resposta para as perguntas.

A amostra foi composta por 160 doadoras, sendo captada apenas uma pessoa menor de 18 anos. Desta maneira, os pesquisadores decidiram excluí-la da análise dos dados. Houve quatro perdas, cujas razões foram: recusa a participar da pesquisa por "falta de tempo" (dois casos) e não possuir telefone para contato (dois casos). Assim, 155 mulheres tiveram seus dados analisados. Estas perdas representaram 3,12% do total de doadoras.

Para melhor descrição dos resultados, destacamos que o rendimento familiar total bruto foi a soma do rendimento mensal de todas as pessoas do domicílio. O RPC foi a divisão do rendimento familiar bruto mensal pelo número de pessoas que residiam na casa. No Brasil, é comum a utilização da linha da pobreza de 0,5 salário mínimo (SM) por mês de RCP como indicador de pobreza.7 Dessa maneira, as doadoras foram classificadas em dois grupos: com RPC < 0,5 SM e com RPC ≥ 0,5 SM.

Os dados foram digitados no programa Excel® em dupla entrada e foram utilizados os softwares SPSS 13.0 para Windows® e o Excel® 2010. Todos os testes foram aplicados com 95% de confiança. Para verificar a existência de associação foi usado o Teste Qui-Quadrado e o Teste Exato de Fisher para as variáveis categóricas, considerando-se estatisticamente significante o p ≤ 0,05.

A pesquisa seguiu os preceitos da resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e projeto foi aprovado na avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos (CEP) do IMIP. Não houve remuneração nem custo aos sujeitos da pesquisa. No caso de dúvidas e/ou problemas quanto à prática do AM, as mulheres foram direcionadas para acompanhamento por profissionais do BLH, caracterizando benefício imediato aos sujeitos desta pesquisa. Não houve conflitos de interesse.

 

RESULTADOS

A amostra foi composta por 155 doadoras e a idade variou de 18 a 43 anos. Como observado na tabela 1, a maioria das mulheres entrevistadas se considerou negra/parda (57,5%), 115 (74,2%) eram doadoras internas e 94 (60,6%) residiam no Recife. Cento e vinte e cinco (80,6%) afirmaram ter cursado pelo menos a nona série, 119 (76,8%) eram casadas ou em união estável, 70 (45,2%) trabalhavam e apenas 23 (14,8%) estudavam.

 

 

O rendimento familiar total bruto mensal teve uma média de R$ 6.954,45, com o valor mínimo de R$ 150,00 e valor máximo de R$ 100.000,00 (desvio-padrão = 11.230,395). O número de pessoas que moravam no mesmo domicílio variou entre três e sete. Assim, classificamos as doadoras em dois grupos: RPC < 0,5 SM e RPC ≥ 0,5 SM. No presente estudo, 94 (60,6%) possuíam RPC ≥ 0,5 SM (Tabela 1).

Apenas 57 (36,8%) mulheres relataram ter recebido orientações sobre AM/doação de leite humano durante o pré-natal. Deste grupo, 51 (89,5%) foram orientadas por profissional de saúde (Tabela 2).

 

 

Não houve associação estatisticamente significativa (p < 0,05) entre a RPC e as orientações oferecidas pelos profissionais de saúde (Tabela 3).

 

 

Das 94 (60,6%) doadoras que possuíam RPC ≥ 0,5 SM, apenas 37 (39,4%) receberam orientação sobre doação de leite durante a gravidez. Contudo, desse total, 33 (89,2%) foram orientadas por profissional de saúde, enquanto apenas seis (10,5%) afirmaram que receberam orientação por meio da mídia, familiar ou outros meios.

Das 61 (39,4%) nutrizes que possuíam RPC < 0,5 SM apenas 20 (32,8%) haviam recebido alguma orientação, contudo 18 (90%) se referiram aos profissionais de saúde como a fonte do conhecimento a respeito do AM/doação de leite humano (Tabela 3).

 

DISCUSSÃO

Nossos resultados comprovaram que ainda há um grande número de mulheres sem informações a respeito da doação de leite humano e ao mesmo tempo revela que a maior parte das orientações foram oferecidas pelos profissionais de saúde, sendo esses indivíduos de grande importância no que se refere à disseminação das informações referentes aos benefícios do AM.

Não foram encontrados trabalhos que relacionem a RPC das doadoras com as orientações fornecidas por profissionais de saúde, sendo este estudo o pioneiro a realizar análise comparativa entre as duas variáveis.

Como pode ser visto na tabela 3, não houve associação estatisticamente significativa (p < 0,05) entre a RPC e a orientação oferecida pelos profissionais de saúde, indicando que as diferentes classes econômicas possuem igual benefício no que se refere à educação sobre o AM e doação de leite humano, facilitando o planejamento de ações de cunho educativo para as diferentes classes econômicas.

O perfil das doadoras reflete o que é descrito na literatura, caracterizado por serem adultas jovens, casadas, trabalhadoras do lar e com diferentes níveis de escolaridade.8,9,10 O maior número de doadoras com RPC ≥ 0,5 SM pode ser justificado pelo maior índice de mulheres que trabalham, visando complementar a renda doméstica e a aquisição de um melhor nível educacional. Como esperado, este grupo possuía maiores informações sobre serviços de saúde, inclusive a respeito dos BLH, pois, de acordo com a literatura, pessoas com maior poder aquisitivo possuem maior facilidade de acesso a serviços de saúde,11 o que pode ter sido um viés do nosso estudo.

Estudos relacionados ao perfil das doadoras colaboram com o direcionamento de ações efetivas em prol do sucesso das políticas de promoção de saúde e proteção ao AM promovidas pelos BLH. O delineamento deste perfil é extremamente importante, pois essas características exercem efeito positivo sobre o ato de doar, visto que a maioria das mulheres que doam apresentam pelo menos uma das características apresentadas nos resultados, facilitando o planejamento/aperfeiçoamento de estratégias direcionadas a uma melhor e maior captação deste grupo populacional.

É importante salientar que, apesar de 60,6% das doadoras possuírem RPC ≥ 0,5 SM, alarmantes 39,4% ainda apresentavam RPC < 0,5 SM, alertando para a necessidade da criação/manutenção de medidas de apoio financeiro/educacional à população carente, visto que a baixa condição socioeconômica é um grande obstáculo ao pleno desenvolvimento infantil.12

Nossos dados comprovaram que os profissionais de saúde exercem um papel fundamental na disseminação das informações sobre amamentação e os serviços oferecidos pelos BLH, indicando a necessidade de constante investimento para a capacitação de estudantes e trabalhadores da área de saúde, visando uma maior cobertura destas orientações e contribuindo para a promoção do AM nacionalmente.

 

CONCLUSÕES

Embora poucas mulheres estejam recebendo orientação sobre AM/doação durante o pré-natal, a maioria das mulheres orientadas referenciaram os profissionais de saúde como principal fonte de conhecimentos. Esses dados refletem a importância destas orientações e fortalecem o embasamento de que é necessário capacitação constante desses profissionais para garantir a qualidade das informações prestadas. Sugerimos que sejam realizados mais estudos que visem melhorar a qualidade da assistência às nutrizes e lactentes, visando impactar positivamente na prática, incidência e prevalência do AM no Brasil.

 

REFERÊNCIAS

1 Galvão MTG, Vasconcelos SG, Paiva SS. Mulheres doadoras de leite humano. Acta Paul Enferm. 2006;19(2):157-61.

2 Vannuchi MTO, Monteiro CA, Réa MF, Andrade SM, Matsuo T. Iniciativa Hospital Amigo da Criança e aleitamento materno em unidade de neonatologia. Rev Saúde Pública. 2004;38(3):422-8.

3 Tamasia GA, Venâncio SI, Saldiva RDM. Situação da amamentação e alimentação complementar em um município de médio porte do Vale do Ribeira, São Paulo. Rev Nutr. 2015;28(2):143-153.

4 Thomaz ACP, Loureiro LVM, Oliveira TS, Montenegro NCF, Júnior EDA, Soriano CFR, Cavalcante JC. The human milk donation experience: motives, influencing factors, and regular donation. J Hum Lact. 2008;24(1):69-76.

5 Cavalcanti SH, Caminha MFC, Figueiroa JN, Serva VMSBD, Cruz RSBLC, Lira PIC, Filho MB. Fatores associados à prática do aleitamento materno exclusivo por pelo menos seis meses no Estado de Pernambuco. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(1):208-19.

6 Vieira GO, Reis MR, Vieira TO, Oliveira NF, Silva LR, Giugliani ERJ. Tendência dos indicadores de aleitamento materno em uma cidade do Nordeste brasileiro. J Pediatr. 2015;91(3):270-77.

7 Loureiro AOF, Suliano DC. As principais linhas de pobreza utilizadas no Brasil. Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará; 2009. Disponível em: http://www.ipece.ce.gov.br/notas_tecnicas/NT_38.pdf.

8 Maia PRS, Almeida JAG, Novak FR, Silva DA. Rede Nacional de Bancos de Leite Humano: gênese e evolução. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2006;6(3):285-92.

9 Morgado CMC, Werneck GL, Hasselmann MH. Rede e apoio social e práticas alimentares de crianças no quarto mês de vida. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18(2):367- 76.

10 Alencar LCE, Seidl EMF. Breast milk donation and social support: reports of women donors. Rev Latino-Americana de Enferm. 2010;18(3):87-96.

11 World Health Organization. Global strategy for infant and young child feeding. Geneva: World Health Organization; 2003. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/42590/1/9241562218.pdf?ua=1.

12 TMBD, Oliveira RP, Andrade MIC, Leite CAF, Costa I. Fatores associados à amamentação na primeira hora de vida: revisão sistemática. Rev Saúde Pública. 2014;48(4):697-703.