Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 16(3) - Outubro 2016

ARTIGOS ORIGINAIS

Associação de síndrome metabólica com acantose nigricans em crianças pré-púberes

Association of metabolic syndrome with acanthosis nigricans in prepubertal children

 

Alícia Sales Carneiro1; Ana Paula Neves Bordallo2; Cecília Noronha Miranda Carvalho4; Clarice Borschiver Medeiros2; Cláudia Braga Monteiro3; Daniel Luis Schueftan Gilban2; Fernanda Mussi Gazolla2; Isabel Rey Madeira5; Marcos Antônio Borges6; Maria Alice Neves Bordallo7; Nádia Cristina Pinheiro Rodrigues8; Paulo Ferrez Collett-Solberg9

1. Graduanda em Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCM-UERJ)
2. Mestrado - Médico(a) Endocrinologista Pediatra da UDA de Endocrinologia e Metabologia do HUPE-UERJ
3. Doutorado - Médica Endocrinologista Pediatra da UDA de Endocrinologia e Metabologia do HUPE-UERJ
4. Doutorado - Professora associada do Departamento de Nutriçao Aplicada do Instituto de Nutriçao (INU) da UERJ
5. Doutorado - Professora adjunta do Departamento da Pediatria da FCM-UERJ
6. Graduaçao em Ciências Biológicas - Biólogo da UDA de Endocrinologia e Metabologia do HUPE-UERJ
7. Doutorado - Professora associada da Unidade Docente Assistencial (UDA) de Endocrinologia e Metabologia do Departamento de Medicina Interna (DMI) da FCM-UERJ
8. Doutorado - Professora adjunta do Departamento de Tecnologia da Informaçao e Educaçao em Saúde (DTIES) da FCM-UERJ
9. Doutorado - Professor adjunto da UDA de Endocrinologia e Metabologia do DMI da FCM-UERJ2

 

Endereço para correspondência:

Isabel Rey Madeira
Telefone: 21999948572. Fax: 2122348184
Email: isamadeira@oi.com.br

Recebimento 29.11.2015

Aprovaçao 31.03.2016

 

Resumo

OBJETIVO: Acantose nigricans é condição associada à hiperinsulinemia, tendo esta papel fisiopatológico na síndrome metabólica. No contexto prevalente de obesidade infantil, acantose nigricans seria bom indicativo da síndrome, devido a sua praticidade. Este trabalho teve como objetivos comparar crianças pré-púberes com e sem acantose nigricans em relação aos componentes da síndrome metabólica, resistência insulínica e leptina, bem como avaliar a associação desses com acantose nigricans.
MÉTODOS: Estudo de corte transversal comparando grupos com e sem acantose nigricans quanto a: frequência de hipertrigliceridemia, HDL baixo, hiperinsulinemia, síndrome metabólica; médias de idade, escore Z de IMC, circunferência da cintura, triglicerídeos, HOMA-IR, leptina, e medianas de pressão arterial sistólica e diastólica, HDL, insulina. Avaliou-se associação de idade, sexo, circunferência da cintura, HDL, triglicerídeos, HOMA-IR, e leptina com acantose nigricans, por regressão logística multivariada.
RESULTADOS: De 272 crianças (65 eutróficas, 43 sobrepeso, 164 obesas), idade 93±17 meses, 69 (25,4%) tinham acantose nigricans. Houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos estudados quanto a frequência de hipertrigliceridemia, HDL baixo, hiperinsulinemia, e síndrome metabólica. Os grupos se diferenciaram quanto às médias de idade, escore Z de IMC, circunferência da cintura, triglicerídeos, HOMA-IR, e leptina, e quanto às medianas de pressão arterial sistólica e diastólica, HDL, e insulina. Apenas circunferência da cintura e HOMA-IR associaram-se com acantose nigricans de forma independente das outras variáveis.
CONCLUSÕES: Os grupos com e sem acantose nigricans diferiram quanto a vários componentes da síndrome metabólica, e houve associação de circunferência da cintura e de HOMA-IR com acantose, demonstrando que esta é marcador, tanto da síndrome, quanto de resistência insulínica.

Palavras-chave: Acantose nigricans; criança; doenças cardiovasculares; insulina; obesidade.


Abstract

OBJECTIVE: Acanthosis nigricans is associated with hyperinsulinemia, which has pathophysiological role in metabolic syndrome. Given the prevalence of childhood obesity, acanthosis nigricans would be a good and easily accessible marker for the syndrome. This work aims to compare prepubertal children with and without acanthosis nigricans in relation to components of the metabolic syndrome, insulin resistance and leptin; evaluate association of these with acanthosis nigricans.
METHODS: Cross-sectional study comparing groups with and without acanthosis nigricans regarding: frequency of hypertriglyceridemia, low HDL, hyperinsulinemia, metabolic syndrome; average of age, Z-score of BMI, waist circumference, triglycerides, HOMA-IR, leptin, and median of systolic and diastolic blood pressure, HDL, insulin. The association of age, gender, waist circumference, HDL, triglycerides, HOMA-IR, and leptin with acanthosis nigricans was assessed by multivariate logistic regression.
RESULTS: It was studied 272 children (65 eutrophic, 43 overweight, 164 obese), age 93±17 months, 69 (25,4%) with acanthosis nigricans. There was statistically significant difference between the groups in relation to frequency of hypertriglyceridemia, low HDL, hyperinsulinemia, and metabolic syndrome. The groups differed in mean of age, Z-score of BMI, waist circumference, triglycerides, HOMA-IR, and leptin, and in the median of systolic and diastolic blood pressure, HDL, and insulin. Only waist circumference and HOMA-IR were associated with acanthosis nigricans, after adjusting for the other variables.
CONCLUSIONS: Groups with and without acanthosis nigricans differ in relation to components of metabolic syndrome, and there was association between waist circumference and HOMA-IR with acanthosis, demonstrating that acanthosis nigricans is marker of the syndrome and of insulin resistance.

Keywords: Acanthosis nigricans; child; cardiovascular diseases; insulin; obesity

 

INTRODUÇÃO

A acantose nigricans é uma condição dermatológica acastanhada, simétrica e de aspecto aveludado, que se manifesta, principalmente, em regiões flexurais, como, por exemplo, cervical, axilar e inguinal, podendo também acometer região umbilical, mucosa oral, aréola mamária e região submamária. A lesão está intimamente associada à hiperinsulinemia, que agindo sobre os receptores de insulina, tem ação proliferativa sobre os queratinócitos e os fibroblastos da pele, formando, assim, a lesão.1

A hiperinsulinemia, bem como a resistência insulínica, exerce um papel importante no desenvolvimento da síndrome metabólica.2 Essa síndrome agrega os seguintes fatores de risco para doença cardiovascular: obesidade, dislipidemia, distúrbio do metabolismo da glicose e hipertensão arterial.3 Esses fatores de risco já estariam atuando desde a infância. Nessa faixa etária, a obesidade tem papel central na fisiopatologia da síndrome metabólica.2

Níveis séricos elevados de insulina e resistência insulínica são encontrados em indivíduos obesos, inclusive crianças.4 A resistência insulínica é quantificada, na prática, utilizando-se modelos como o homeostatic model assessment for insulin resistance (HOMA-IR), que é validado também em crianças.5

A fisiopatologia da obesidade está relacionada ao desequilíbrio energético entre ingestão e gasto. Fatores neuroendócrinos têm sido envolvidos nesse desequilíbrio, como as adipocitoquinas, que são proteínas produzidas pelo tecido adiposo visceral. Uma dessas adipocitoquinas, a leptina, está relacionada à regulação do peso, pois age no sistema nervoso central sinalizando para menor ingestão alimentar.6 Em obesos, seus níveis encontram-se elevados.7 A literatura aponta a importância da leptina como possível moduladora de processos no metabolismo da glicose e da resistência insulínica em adultos e mesmo em crianças.8

No atual contexto de prevalência crescente de obesidade infantil,9 a acantose nigricans seria um bom indicativo da síndrome metabólica na faixa etária pediátrica, devido a sua facilidade diagnóstica,4 pois vários estudos demonstram que a lesão dermatológica, mesmo em crianças, se associa com resistência insulínica.10-13

O objetivo da presente pesquisa é estudar um grupo de crianças pré-púberes, comparando os grupos com e sem acantose nigricans quanto a hiperinsulinemia, resistência insulínica, componentes da síndrome metabólica, índice de massa corpórea e leptina.

 

MÉTODOS

Trata-se de um estudo de corte transversal, no Ambulatório de Pesquisa em Obesidade Infantil da Unidade Docente Assistencial de Endocrinologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com crianças referidas do Ambulatório de Pediatria Geral do mesmo hospital.

Foram convidadas a participar da pesquisa todas as crianças pré-púberes em idade escolar, segundo avaliação clínica pelo o critério de Tanner,14 com obesidade ou sobrepeso, saudáveis sobre outros aspectos e que não estivessem participando em algum programa para perda de peso. O estudo também incluiu uma amostra aleatória de crianças eutróficas, saudáveis, impúberes, da mesma faixa etária e provenientes do mesmo ambulatório.

Foi realizada avaliação clínica, com anamnese e exame físico detalhados. A pesagem das crianças foi sem sapatos e com roupas leves, em balança da marca Filizola (Campo Grande, MGS, Brasil), com resolução do peso de 100g; ao passo que as estaturas foram medidas sem sapatos, em estadiômetro de parede do tipo Halpender-Holtain da marca Tonelli (Criciúma, SC, Brasil), com resolução de 1mm. A medida da circunferência da cintura foi tomada com a criança despida, a uma altura logo acima da borda lateral mais alta do ilíaco direito, ao final de uma expiração normal, segundo as recomendações do NHANES III estadunidense,15, com fita antropométrica milimetrada, modelo Gulik (Mabbis, Curitiba, PR, Brasil).

A medida da pressão arterial foi tomada no braço direito, com a criança sentada, em repouso, com esfignomanômetro da marca Tycos (Welch Allyn Company, Arden, Minnesota, USA), usando-se manguitos de tamanhos adequados. O método empregado foi o auscultatório, com as pressões sistólica e diastólica correspondendo às fases I e V de Korotkoff, seguindo as recomendações de Hoekelman.16

Os exames laboratoriais realizados foram dosagens séricas de glicose, colesterol total e HDL-colesterol, triglicerídeos, insulina e leptina. Para os quatro primeiros, foram utilizados métodos laboratoriais automatizados rotineiros, no laboratório geral do hospital do estudo.

A bioquímica foi realizada no equipamento Konelab, com o kit BT 3000 Winer, que utiliza: para glicose, o método enzimático GOD-PAP (oxidase); para colesterol, o método enzimático CHOP-POD (estearase-oxidase); para triglicerídeos, o método enzimático GPO/PAP (oxidase); e para HDL-colesterol, o método colorimétrico sem precipitação (enzimático colorimétrico) (Winterlab, Rosário, Santa Fé, Argentina).

A insulina foi dosada no laboratório de endocrinologia do hospital do estudo, no equipamento GAMA-C12, por meio de um kit que utiliza o método Coat-A-Count, um radioimunoensaio fase sólida marcado com 125I (DPC, Los Angeles, CA, USA). O coeficiente de variação intraensaio foi de 3,1% a 9,3%, e o interensaio de 4,9% a 10,0%.

A leptina foi dosada por radioimunoensaio, no mesmo laboratório, no equipamento GAMA-C12, com kits que utilizam o método de duplo anticorpo PEG (Linco Research, St. Charles, MO, USA), em soro adequadamente armazenado para tal. O kit para leptina utiliza leptina humana marcada com 125I e um antissoro de leptina humana. O coeficiente de variação intraensaio para a leptina foi de 3,4% a 8,3%; e o interensaio, de 3,0% a 6,2%.

Para a classificação do estado nutricional, utilizaram-se os padrões de índice de massa corpórea (IMC) por idade propostos pela Organização Mundial de Saúde. O critério estabelecido para sobrepeso é o escore Z de IMC (ZIMC) para idade acima de +1 até +2 inclusive; para obesidade, é o escore Z maior que +2,17 e para eutrofia, é o escore Z de IMC para idade de -1 inclusive até +1 inclusive.

A definição empregada para síndrome metabólica foi adaptada do Internacional Diabetes Federation para crianças acima de 10 anos, que exige a presença de circunferência da cintura aumentada e, pelo menos, mais dois dos seguintes critérios: glicemia de jejum alterada ou DM2, HDL-colesterol baixo, triglicerídeos altos e hipertensão arterial.18

A circunferência da cintura foi definida como aumentada quando maior ou igual ao percentil 90 para sexo e idade do NHANES III, na tabela que combina as etnias americano-europeia, afroamericano e mexicoamericano.15

A hipertensão arterial foi definida segundo os critérios do grupo de trabalho do programa educacional sobre hipertensão arterial em crianças e adolescentes americanos,21 que são os recomendados nacionalmente na I Diretriz de Prevenção da Aterosclerose na Infância e na Adolescência da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).20

Os pontos de corte adotados para glicemia, HDL-colesterol, triglicerídeos e insulina, todos em jejum, foram os recomendados na I Diretriz de Prevenção da Aterosclerose na Infância e na Adolescência da SBC: glicemia aumentada valores de 100mg/dL; HDL-colesterol baixo valores menores que 45mg/dL; triglicerídeos aumentados valores maiores ou iguais a 130mg/dL; insulina aumentada valores maiores ou iguais a 15µIU/mL.20

O HOMA-IR foi calculado multiplicando-se o valor da glicose de jejum (mmol/L) pelo da insulina de jejum (µIU/mL) e dividindo-se por 22,5.21

Os dados coletados foram inseridos em planilhas do Excel versão 7 (MapInfo Corporation, Troy, NY, USA). As análises estatísticas foram realizadas no programa Epi Info, versão 6.0 (CDC, Atlanta, GA, USA).

As variáveis categóricas estudadas foram hipertrigliceridemia, HDL-colesterol baixo, hiperinsulinemia e síndrome metabólica. As variáveis contínuas estudadas foram idade, ZIMC, pressão arterial sistólica (PAS), pressão arterial diastólica (PAD), triglicerídeos, HDL-colesterol, insulina, HOMA-IR e leptina.

Foram calculadas, para o grupo completo, as frequências das variáveis categóricas estudadas e as médias ou as medianas das varáveis contínuas, quando a distribuição não era normal.

O grupo completo foi subdividido em dois grupos segundo a presença ou ausência de acantose nigricans. Foram comparadas as frequências das variáveis categóricas estudadas, entre os grupos com e sem acantose nigricans, utilizando-se o qui-quadrado de Pearson, exceto para hipertensão arterial, quando se utilizou o teste exato de Fisher. Os dois grupos foram também comparados em relação às médias das variáveis contínuas estudadas, utilizando-se ANOVA.

Por fim, foi realizada regressão logística, tomando-se como variável dependente acantose nigricans. Na construção do modelo de regressão logística, foram selecionadas as variáveis independentes com valores de p menores que 0,05 na análise univariada, a saber: idade, sexo, circunferência da cintura, triglicerídeos, HDL-colesterol, HOMA-IR e leptina.

Considerou-se significância estatística um valor de p menor que 0,05. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do HUPE-UERJ, em que está cadastrado sob o número 173-CEP/HUPE-CAAE 0020.0.228.000-07. Foram assinados termos de consentimento livre e esclarecido pelos responsáveis legais e termos de assentimento pelas crianças maiores de 7 anos de idade.

 

RESULTADOS

A tabela 1 mostra a comparação entre grupos com acantose e sem acantose quanto às frequências das variáveis categóricas; a tabela 2 mostra a comparação entre grupos com acantose e sem acantose quanto às médias ou medianas das variáveis contínuas; e a tabela 3 mostra a regressão logística, tomando-se como variável dependente a acantose nigricans, com a razão de chances da acantose para cada variável estudada

 

 

 

 

 

 

Houve diferença entre os grupos estudados quanto à frequência de hipertrigliceridemia, HDL-colesterol baixo, hiperinsulinemia e síndrome metabólica (p<0,001). Os grupos diferenciaram-se quanto às médias de idade, escore Z de IMC, circunferência da cintura, triglicerídeos, HOMA-IR e leptina (p<0,001), e quanto às medianas de pressão arterial sistólica, pressão arterial diastólica, HDL-colesterol e insulina.

Dessa forma, foi encontrada frequência maior de hiperinsulinemia e de síndrome metabólica, bem como de alguns de seus componentes, no grupo com acantose nigricans. Nesse grupo, também foram maiores as médias de escore Z de IMC, circunferência da cintura, triglicerídeos, HOMA-IR e leptina, e as medianas de PAS, PAD e insulina, sendo menores as medianas de HDL-colesterol.

Na regressão logística, apenas circunferência da cintura (OR 13,49; IC 4,22-43,08; p 0,001) e HOMA-IR (OR 5,52; IC 1,71-17,81; p 0,003) associaram-se com acantose nigricans de forma independente.

 

DISCUSSÃO

O grupo com acantose nigricans apresentou as maiores frequências de hipertrigliceridemia, HDL-colesterol baixo, hiperinsulinemia e síndrome metabólica, quando comparado ao grupo sem acantose. A presença de todos esses fatores de risco para doenças cardiovasculares, conforme observado, chama a atenção em se tratando de crianças em idade tenra. Além disso, o grupo com acantose também apresentou maiores médias de idade, escore Z de IMC, circunferência da cintura, HOMA-IR, e leptina, e maiores medianas de PAS, PAD, triglicerídeos e insulina, com menores medianas de HDL-colesterol e com diferença estatisticamente significativa, indicando que o grupo está mais gravemente acometido.

A maior frequência de hiperinsulinemia juntamente com a maior média de HOMA-IR bem como a maior mediana de insulina, com significância estatística, foram observadas no grupo com acantose nigricans, como era de se esperar, uma vez que a lesão dermatológica é decorrente de hiperinsulinemia.1

O mesmo pode-se comentar em relação à associação de HOMA-IR com acantose, na regressão logística. Esses resultados estão em consonância com outros da literatura. Miura e cols. encontraram médias maiores de insulina e HOMA-IR em crianças japonesas obesas com média de idade de 10 anos com acantose em comparação com crianças sem acantose.10 Yamazaki e cols. estudaram crianças japonesas obesas com média de idade 10 anos, encontrando correlação entre níveis de insulina e acantose,11 enquanto Kobaissi e cols., ao estudar em crianças hispano-americanas com sobrepeso com média de idade de 11 anos, mostrou que a acantose se associa com a resistência insulínica.12

A mesma associação foi apontada por Copeland e cols. em crianças americanas nativas obesas, com média de idade de 12 anos.14 Já Nguyen e cols., ao estudar crianças afro-americanas e americano-europeias com média de idade de 8 anos, não encontraram diferença estatisticamente significativa ao comparar os que tinham com os que não tinham acantose, após ajuste por massa gorda e idade.22

Quanto aos achados referentes às frequências, médias e medianas de lipídios séricos, pode-se dizer que se somam à hiperinsulinemia e à resistência insulínica como fator de risco para aterogênese nas crianças com acantose, pois é sabido, de longa data, que triglicerídeos são aterogênicos e que a fração HDL-colesterol é antiaterogênica.23

O estudo de Miura, supracitado, também encontrou, como o presente estudo, médias maiores de circunferência de cintura em crianças com acantose.10) Alguns estudos em adultos, como de Despres e cols., mostram que a medida da circunferência da cintura é um bom indicador de gordura intra-abdominal e que se correlaciona mais que o IMC com o risco para doença cardiovascular aterosclerótica.24 Em crianças, alguns trabalhos foram publicados, todos incluindo crianças púberes em sua casuística. Demonstra-se que a circunferência da cintura é um bom indicador de resistência insulínica nessa faixa etária;25-27 porém, um dos estudos mostrou que essa medida, embora de boa sensibilidade e especificidade, tem baixo valor preditivo positivo.26

Da mesma forma que na casuística de Miura e cols.,12 em nossa pesquisa, os grupos com e sem acantose apresentaram diferença estatisticamente significativa quanto às médias de leptina (p<0,001), com maiores valores no primeiro grupo, embora a leptina não tenha se associado com acantose na regressão logística, apesar de a literatura apontar a importância da leptina como possível moduladora de processos no metabolismo da glicose e da resistência insulínica mesmo em crianças.8

Pode-se especular, a partir dos resultados do presente estudo, que a circunferência da cintura seria mais importante que a leptina como marcador de risco para doença cardiovascular em crianças. No entanto, diante da escassez de estudos em grupos de crianças em idade tenra, recomenda-se cautela na aplicação da circunferência da cintura como fator de risco cardiovascular em pré-púberes.

Quanto à pressão arterial, os grupos com e sem acantose diferiram apenas em relação às médias de PAS e PAD. Outros estudos, como de Orrego e cols.28 e de Urrutia-Rojas e cols.,29 mostraram aumento de prevalência de hipertensão arterial em crianças de 8 a 13 anos de idade, faixa etária superior a do presente estudo.

Dessa forma, a presença da acantose nigricans pode ser uma importante ferramenta de diagnóstico complementar, poupando tempo e recursos financeiros para dosagens de glicemia, lipídios séricos e insulina. O achado clínico também indica um grupo de crianças em maior risco para doença cardiovascular na idade adulta, em que maiores esforços para combater os componentes da síndrome metabólica devem ser empregados. Nesse contexto, alguns grupos já vêm recomendando o rastreamento de rotina de acantose nigricans em crianças.30

A peculiaridade desta pesquisa é a idade tenra do grupo estudado, que inclui apenas crianças pré-púberes, diferentemente da maioria dos trabalhos realizados sobre o tema. Particularmente, este estudo contribui para destacar a importância de dois achados semiológicos (acantose nigricans e circunferência da cintura) de fácil verificação ao exame físico e de grande utilidade na atenção primária à saúde da criança.

Recomenda-se cautela ao identificarem-se crianças em idade tenra supostamente em maior risco para doença cardiovascular. A abordagem para essas crianças deve manter o foco na promoção de estilo de vida saudável e na prevenção das doenças que compõem a síndrome metabólica.

 

CONCLUSÕES

No presente estudo com crianças pré-púberes, os grupos com e sem acantose nigricans diferiram quanto a vários componentes da síndrome metabólica, quanto ao HOMA-IR e quanto à leptina, e houve associação de circunferência da cintura e de HOMA-IR com acantose, demonstrando que essa alteração da pele é um bom marcador, tanto da síndrome quanto da resistência insulínica.

 

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