Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 16(1) - Fevereiro 2016

ARTIGOS ORIGINAIS

A promoção da saúde materna e infantil em uma unidade básica de saúde por meio da amamentação

Mother and child health incentive through breastfeeding in a basic health unit

 

Camila Bastos Lapa1; Adriana Duringer Jacques*,2

1. Mestre em Educação Faculdade de Medicina de Petrópolis. e Secretaria Municipal de Saúde de Petrópolis
2. Graduada em medicina. Faculdade de Medicina de Petrópolis e Secretaria Municipal de Saúde de Petrópolis

 

Endereço para correspondência:

Rua Henrique Dias, 814-A, Retiro
Petrópolis, RJ, CEP: 25680-301

 

Resumo

OBJETIVO: Apesar de o aleitamento materno trazer benefícios à saúde da mãe e do bebê, são necessárias políticas públicas para evitar o desmame precoce. Uma dessas é a Iniciativa Unidade Básica Amiga da Amamentação (IUBAAM), proposta pela Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro (SES-RJ), e cuja intenção é fortalecer as equipes da Atenção Primária à Saúde (APS). Tendo isso em vista, o objetivo deste trabalho é apresentar as modificações ocorridas em uma Unidade Básica de Saúde da Família (UBSF) após a certificação da IUBAAM em maio de 2011.
MÉTODOS: Foram entrevistados quatro profissionais de saúde da UBSF Vila Saúde (UBSF VS), sendo 2 membros da equipe técnica e 2 agentes comunitárias de saúde. As perguntas relacionaram-se às modificações ocorridas com a implantação da IUBAAM para a equipe envolvida e para a população assistida. Além disso, analisou-se o número de consultas de assistência maternoinfantil (prénatal, puerpério e puericultura) e o índice de aleitamento materno nos últimos 6 anos, sendo 2008, 2009 e 2010 anteriores e 2011, 2012 e 2013 posteriores à implantação.
RESULTADOS: Os resultados obtidos apontam o aumento dos indicadores maternoinfantis, como, por exemplo, o número de consultas a gestantes, crianças em aleitamento materno e acompanhadas na UBSF. Notouse, ainda, mediante a análise das entrevistas, o fortalecimento do vínculo entre a equipe da UBSF Vila Saúde e a população assistida, e do crescimento motivacional da equipe, realizada com a conquista do título.
CONCLUSÕES: Além de apresentar resultados positivos, a pesquisa ressaltou a importância do trabalho continuado e da formação de um grupo de mães promotoras do aleitamento materno, juntamente com a equipe.

Palavras-chave: Aleitamento materno, políticas públicas, atenção primária à saúde.


Abstract

OBJECTIVE: Although breastfeeding should bring benefit to mother and baby's health, public policies are important in order to avoid early weaning. One of them is the Primary Care Breastfeeding Friendly Initiative (IUBAAM), proposed by the Health State Secretary of Rio de Janeiro (SES-RJ), and it intended to strengthen the primary health care staff. The objective of this study is to present the changes which have occurred in a Family Basic Health Unit (UBSF) after IUBAAM certification in May 2011.
METHODS: Four health professionals were interviewed at UBSF Village Health (UBSF VS) 2 members of the technical team and 2 community health agents. The questions were related to the changes in IUBAAM implementation for the staff involved and for the assisted population. In addition, we analyzed the number of maternal and child care consultations (prenatal, postpartum and child care) and the breastfeeding rate in the 6 years, prior the implementation of IUBAAM (2008, 2009 and 2010) and after it (2011, 2012 and 2013).
RESULTS: The results indicate an increase in maternal and child indicators, such as number of visits to pregnant women, breastfed children and children accompanied by the unit. Analyzing the interviews, it was also noted the strengthening of the bond between the UBSF Village Health staff and the assisted population, as well as an increase in motivation due to the winning of this title.
CONCLUSIONS: In addition to presenting positive results, this study underscores the importance of continued work and training of a group of promoters of breastfeeding mothers, along with the staff.

Keywords: Breast feeding, public policies, primary health care.

 

INTRODUÇÃO

Em Petrópolis, Estado do Rio de Janeiro, a primeira Unidade Básica de Saúde foi certificada em maio de 2011. Trata-se de uma Unidade Básica Saúde da Família, que funciona desde 1999, localizada em uma área adscrita com 2.980 pessoas. O médico, a enfermeira e 2 das 8 agentes comunitárias de saúde trabalham desde a inauguração. Para receber a certificação, toda a equipe precisou fazer um curso de 24 horas, divididos em 20 aulas teóricas e 4 práticas. Ao utilizar uma abordagem problematizadora, possibilitou-se aos participantes a construção de conhecimentos com base na reflexão e na análise de suas práticas assistenciais em aleitamento materno.1,2 Os temas foram abordados em módulos, a saber: manejo da amamentação e da parentalidade, binômio mãe-bebê, promoção e proteção da amamentação na UBSF.

O objetivo principal do presente estudo foi avaliar as mudanças ocorridas após a implantação da IUBAAM na USBF Vila Saúde. Os objetivos específicos foram: (i) verificar, por meio dos dados do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), se houve diferença no indicador materno-infantil após a certificação da IUBAAM; (ii) analisar as percepções dos profissionais de saúde da UBSF, em relação à implantação do programa sobre amamentação.

 

MÉTODOS

O trabalho foi realizado na UBSF Vila Saúde, que conta com uma equipe técnica composta por 1 médico, 1 enfermeira, 1 odontólogo, 1 auxiliar de saúde bucal, 1 auxiliar de enfermagem, 1 agente administrativo, 1 auxiliar de serviços gerais e 6 agentes comunitários de saúde, os quais foram capacitados em 2010.

Realizaram-se entrevistas com o médico, a enfermeira e 2 agentes comunitárias, perguntando: (i) O que mudou para você, profissional de saúde, após a IUBAAM?; (ii) O que mudou para a população atendida nesta UBSF, após a IUBAAM?; e (iii) Quais as dificuldades encontradas pela equipe na continuação do incentivo ao aleitamento materno (AM)?

Como critério de inclusão, utilizou-se o fato de o entrevistado ter participado de todo o processo analisado. As entrevistas foram gravadas, transcritas, classificadas e analisadas por temas e por profissional.3 A participação na pesquisa, inclusive, foi voluntária e em acordo ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os dados referentes à assistência materno-infantil foram pesquisados por meio do SIAB da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Petrópolis e referem-se ao número de gestantes cadastradas, acompanhadas, menores de 20 anos e com pré-natal iniciado no primeiro trimestre de gestação. Também se referem às crianças em AM exclusivo (até 3 meses e 29 dias de idade) e ao número de consultas para menores de 1 ano.

Analisaram-se os períodos entre maio de 2008 e abril de 2011 (3 anos antes da implantação da IUBAAM), e entre maio de 2011 e abril de 2014 (3 anos após a implantação da IUBAAM). Para fins de classificação do tipo de AM exclusivo, adotou-se o critério da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2007.4

Para a comparação dos dados entre os períodos anteriores e posteriores à implantação do programa, foi utilizado o teste T de Student. A UBSF VS apresentou uma amostra populacional semelhante nos 6 últimos anos que foram estudados.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados originaram-se de entrevista com 4 membros da UBSF VS e dos dados disponíveis no SIAB, no período de maio de 2008 a maio de 2014. Exploraram-se 2 perguntas, a saber: (i) mudanças ocorridas após a implantação da IUBAAM para os profissionais de saúde e para a população assistida; e (ii) dificuldades encontradas na continuidade do trabalho.

A primeira resposta evidenciou uma conquista para a equipe de saúde, por já haver trabalho voltado ao aleitamento materno antes mesmo da certificação, como se pode constatar com a seguinte afirmativa: "Sempre trabalhamos com a amamentação, valorizando isso. Então foi um título que lutamos para conquistar" (IM, agente comunitária de saúde 1).

Outro ponto interessante foi o estreitamento da união da equipe, com destaque, nas entrevistas, para a harmonia e o entrosamento. Também se relatou a intensificação desse sentimento após a implantação da IUBAAM. Uma agente comunitária de saúde ainda observou aumento do vínculo entre as mães frequentadoras da unidade e os profissionais de saúde, enfatizando a importância da qualificação da equipe. Veja-se o seguinte excerto que corrobora essa constatação: "Com a vinda da IUBAAM, pudemos chegar mais perto da mãe e da criança, tendo uma maior confiança no nosso trabalho, pois as mães sabem que somos capacitadas para ajudar, aconselhar e informar sobre aleitamento" (EM, agente comunitária de saúde 2).

Além da aproximação com as mães, a enfermeira da equipe percebeu que elas compreenderam e valorizaram mais o aleitamento materno: "Observei que as mães estão dando mais importância ao aleitamento materno" (MA, enfermeira).

Quanto à pergunta sobre as dificuldades do trabalho continuado, uma das respostas foi a dificuldade em formar um grupo que se denominou "mães promotoras do aleitamento", o qual seria importante para fortalecer as práticas e a cultura deesse procedimento. As agentes comunitárias citaram alguns pontos que vêm sendo trabalhados, mas que poderiam ser fomentados pelo grupo. São estes: os mitos relacionados ao leite materno, considerado pouco nutritivo para o bebê, e a questão da estética das mamas.

Além disso, lembram outro problema nas maternidades: "A pega errada ainda é a maior dificuldade para amamentar, pois os hospitais trabalham pouco isso com as mães" (IM, agente comunitária da saúde 1). "Muitas das vezes, notamos que ocorre o desmame precoce, as mães chegam dos hospitais com 2 a 3 dias pós-parto e lá no próprio hospital introduzem fórmula láctea para o recém-nascido, o que leva as mães a fazerem isso também em casa" (EM, agente comunitária de saúde 2).

Quando analisados os dados do SIAB, observa-se que, 3 anos após a implantação da IUBAAM, aumentou a média de gestantes acompanhadas na UBS VS, das cadastradas e menores de 20 anos, bem como daquelas com pré-natal iniciado no primeiro trimestre. Isso ocorre em comparação aos três anos anteriores ao programa (Gráfico 1).

 

 

Também se alcançou sucesso por conta do número de crianças em AM exclusivo até 4 meses e de consultas médicas a menores de um ano (Gráfico 2).

 

 

Esses dados mostram o aumento do número de consultas de pré-natal iniciadas no primeiro trimestre de gestação (t = 3,89 e p < 0,05), assim como o número de gestantes acompanhadas (t = 7,86 e p < 0,0001), em que "t" é o resultado do valor calculado para validar a hipótese, e "p" é o nível de confiança utilizado.5 Trata-se de uma média aproximadamente 2 vezes maior, em comparação aos 3 anos anteriores e aos posteriores à implantação da IUBAAM.

O número de gestantes cadastradas, entre as quais as menores de 20 anos, também apresentou aumento, tendo em vista a mesma comparação ao período anterior e posterior à implantação da IUBAAM (t = 5,27 e t = 4,39, respectivamente) para um mesmo valor de p (p < 0,05).

Dessa forma, observa-se melhoria dos indicadores analisados no período posterior ao programa, que, por sinal,visa a maximizar as oportunidades de promoção e o apoio não apenas à prática de amamentação na assistência pré-natal, mas também ao binômio mãe-filho.6,7

No que condiz ao aleitamento materno exclusivo, é importante salientar aumento da média do período supracitado, sendo a primeira média 71,67; e a segunda, 104 dias. Esse resultado foi considerado estatisticamente significante (t = 2,18 e p < 0,1), e os números estão apresentados no Gráfico 2.

Uma das sugestões citadas pelos profissionais foi a necessidade de um grupo de mães promotoras do AM. O documento Dez passos para o sucesso da amamentação menciona a importância da orientação e da programação dos grupos de apoio à amamentação acessíveis a todas as gestantes e mães.7-9 Ao revisar a literatura, nota-se similitude à pesquisa em uma UBSF de São Carlos, Estado de São Paulo, sobre a implantação da IUBAAM. Concluiu-se que essa foi a atividade mais difícil de ser viabilizada.

Além disso, o número de consultas aos menores de 1 ano analisados no SIAB cresceu: foi de 199 para 259. Torna-se significante, porém, para p < 0,3, sendo t = 1,16. Isso, aliás, pode ser conferido no Gráfico 2.

 

CONCLUSÕES

As alterações dos indicadores analisados no período anterior e posterior à implantação, ou seja, o aumento do número de consultas a menores de 1 ano, do índice de aleitamento materno exclusivo e do número de gestantes acompanhadas (principalmente menores de 20 anos), representam mudanças propostas pela IUBAAM.

A análise das entrevistas vai ao encontro desses efeitos, com o fortalecimento do vínculo entre os membros da equipe e a população. Essas informações confirmam a importância da sensibilização e da atualização permanente dos profissionais de saúde, em benefício do trabalho individual e em equipe. A necessidade de grupos de mães promotoras da AM, todavia, é evidente, de modo a possibilitar o trabalho continuado.

Apesar dos resultados desta pesquisaapontarem para a melhoria da assistência materno-infantil na unidade em questão, fazem-se necessárias análises mais aprofundadas do impacto da implantação da IUBAAM.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Secretaria de Estado Saúde (SES). Manual de capacitação de multiplicadores da iniciativa unidade amiga da amamentação. Rio de Janeiro: Ed. FIOTEC; 2006.

2. Oliveira MIC, Camacho LAB, Souza IEO. Promoção, proteção e apoio à amamentação na atenção primária à saúde no Estado do Rio de Janeiro. Brasil: uma política de saúde pública baseada em evidência. Cad. Saúde Pública 2005;21(6).

3. Minayo MCS, Assis SG, Souza ER. Avaliação por triangulação de métodos: abordagem de programas sociais. Fiocruz. 2005; 244.

4. Ministério da Saúde (MS). Saúde da criança: nutrição infantil aleitamento materno e alimentação complementar. Caderno de Atenção Básica 2009; 23.

5. Gosset WS. Student's collected papers. University College: Londres, 1942.

6. Rito RVVF, Oliveira MIC, Brito AS. Grau de cumprimento dos Dez Passos da Iniciativa Unidade Básica Amiga da Amamentação e sua associação com a prevalência de aleitamento materno ex clusivo. J Pediatr 2013;89(5).

7. Cardoso LO, Vicente AST, Damião JJ, Rito RVVF. The impact of implementation of the Breastfeeding Friendly Primary Care Initiative on the prevalence rates of breastfeeding and causes of consultations at a basic healthcare center. J Pediatr 2008;84(2):147-153.

8. Martins RMC, Montrone VG. Implementação da Iniciativa Unidade Básica Amiga da Amamentação: educação continuada e prática profissional. Rev Eletr Enf 2009;11(3):545-553.

9. Fujimori E, Nakamura E, Gomes MM, Jesus LA, Rezende M. Aspectos relacionados ao estabelecimento e à manutenção do aleitamento materno exclusivo na perspectiva de mulheres atendidas em uma unidade básica de saúde. Interface (Botucatu) 2010; 14(33). Novembro 3, 2015

 

* Autora responsável pela correspondência