Editorial
Crianças, adolescentes e violência
Romeu Gomes
Seja no espaço doméstico, seja no espaço público, crianças e adolescentes - constantemente - tornam-se alvo da violência. Sofrem maus-tratos - físicos, psicológicos e sexuais - e em algumas situações chegam até serem assassinados. Por outro lado, também se observam casos em que crianças e adolescentes maltratam os outros e cometem assassinatos. Frente a essas duas diferentes situações, surge a indignação do envolvimento de sujeitos desses segmentos etários com a violência. Como pode esses sujeitos, que deveriam ser protegidos para que tivessem um crescimento desenvolvimento saudável, sofrerem ou cometerem violências?
O envolvimento de crianças e adolescentes em situações violentas - tanto como vítimas quanto como atores - não se explica apenas a partir de características individuais de quem agride ou mata. É claro que há atos violentos desencadeados, de forma consciente ou não, por motivos individuais ou por características pessoais de quem os pratica. Entretanto, para que a violência - ocorrida em qualquer espaço e voltada para qualquer grupo ou pessoa - seja melhor compreendida, é necessário que o foco sobre ela seja ampliado.
Caminhando em direção dessa ampliação, as considerações de Minayo (2007) podem ser adotadas como ponto de partida. A primeira consideração diz respeito à universalidade da violência. Nenhuma sociedade está isenta da violência. Umas podem ser mais violentas do que outras e a violência pode ser expressar sob diferentes formas em cada sociedade, desde atos que não são percebidos como violentos até aqueles que são alvo da indignação de não aceitação social. Essas formas da violência também variam no tempo, além de se diferenciarem nos diversos espaços sociais. Entretanto, há tipos que persistem no tempo, como é o caso das violências que ocorrem entre gêneros (principalmente a que é infringida contra a mulher), entre intervalos geracionais (como a cometida por adultos contra crianças ou contra idosos) e entre as raças (como a dos brancos contra negros ou as cometidas contra povos inteiros). Outra consideração importante é que a violência se faz presente em todas as classes e segmentos sociais, expressando-se de diferentes formas nas diversas divisões e grupos sociais. Nesse sentido, a violência é tão presente que passa a ser vista por muitas pessoas como algo natural. Mas, como observa Minayo (2007), a violência tem solução. Para se mudar, é preciso atuar, intervir, denunciar e punir quando for necessário. Seja qual for a forma adotada para o combate da violência, é de fundamental importância que as ações não focalizem apenas indivíduos ou grupos. É preciso que toda a sociedade seja envolvida, uma vez que ela é produzida pela própria sociedade. Assim, tanto o seu aumento como a sua diminuição só ocorre a partir de uma construção social.
É a partir dessa perspectiva ampliada que a violência cometida contra crianças e adolescentes ou aquela que é cometida por esses sujeitos contra os outros deve ser compreendida para se prevenir ou sofrer intervir. As ações do campo da saúde - assim como as de outros campos - têm maiores possibilidade de serem exitosas na medida em que também adotem tal perspectiva. Essa adoção, por sua vez, envolve pelo menos dois pontos de partida. O primeiro é ter a consciência sobre a complexidade que envolve o deslocamento da banalização ou da pura lamentação frente à violência para a promoção da não violência. Em decorrência dessa consciência, como segundo ponto de partida, se faz necessário que os profissionais de saúde não só se capacite para lidar com esse fenômeno tão presente no cotidiano, como também se articule dentro e fora da área da saúde para melhor obter êxito em suas ações voltadas contra a violência. Tanto a consciência quanto a capacitação devem se inscrever num compromisso social mais amplo que viabilize um "futuro cidadão para tantas crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade" (Gomes et al, 2007: 1301).
Romeu Gomes
Doutor em Saúde Pública, Pesquisador Titular do Instituto Fernandes Figueira/FIOCRUZ
REFERÊNCIAS:
1. Gomes R, Minayo MCS, Assis SG, Njaine K, Schenker M. Êxitos e limites na prevenção da violência: estudo de caso de nove experiências brasileiras. Ciência & Saúde Coletiva, 11(Sup):1291-1302, 2007.
2. Minayo MCS. Introdução. In: Souza ER, org. Unidade I - Bases conceituais e históricas da violência e setor saúde. Rio de Janeiro: EAD/ENSP/Fiocruz, 2007 (Curso Impacto da Violência na Saúde).