Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 11(1) - Junho 2010

Relato de Caso

Cisto broncogênico em lactente: importância do diagnóstico diferencial

Bronchogenic cyst in Infant: Importance of a Differential Diagnosis

 

Amanda thaís thomé de Morais1; tatiana de Araujo Eguchi2; Ana Elisa Ribeiro de Faria3; Mayara de Castro Silva del Castillo4; thais Christine Baioneta5; Mariah de Paula Leite6; Claudia Correard de Lima7; Juliana Portella Veiga Drumond8; Bruna Ferreira Di Palma Queiroz9; Carlos Alberto Bhering10

1. Acadêmico de Medicina da Universidade Severino Sombra - Presidente da Liga de Neonatologia.
2. Acadêmico de Medicina da Universidade Severino Sombra - Vice-Presidente da Liga de Neonatologia.
3. Acadêmico de Medicina da Universidade Severino Sombra - Membro da Liga de Neonatologia.
4. Acadêmico de Medicina da Universidade Severino Sombra - Tesoureira da Liga de Neonatologia.
5. Acadêmico de Medicina da Universidade Severino Sombra - Vice-Tesoureira da Liga de Neonatologia.
6. Acadêmico de Medicina da Universidade Severino Sombra - Secretária da Liga de Neonatologia.
7. Acadêmico de Medicina da Universidade Severino Sombra - Membro da Liga de Neonatologia.
8. Acadêmico de Medicina da Universidade Severino Sombra - Comissao e Eventos da Liga de Neonatologia.
9. Acadêmico de Medicina da Universidade Severino Sombra - Membro da Liga de Neonatologia.
10. Doutor - assistente de pesquisa em neonatologia do IFF-Fiocruz.

 

Endereço para correspondência:

Universidade Severino Sombra
Praça Martinho Nobrega, 40 Centro
Vassouras - RJ Cep: 27.700-000

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestao de Publicaçoes) da SOPERJ em 30/3/2010 e aprovado em 30/5/2010 12:55:33.

 

Resumo

O cisto broncogênico apresenta-se como massa arredondada mediastinal,unilocular,contendo material caseoso. É uma má formação pulmonar relativamente incomum. Em crianças, essa má formação tende a localizar-se no mediastino. Os sintomas variam conforme a idade e a localização do cisto. No presente relato, os autores descrevem um caso de cisto broncogênico mediastinal em uma lactente, cujos sintomas simulam o de uma hiperreatividade brônquica ocasionando terapias desnecessárias, bem como internações repetidas. A retirada cirúrgica da lesão cística possibilita uma completa remissão sintomatológica.

Palavras-chave: Cisto broncogênico; asma brônquica; má formaçao pulmonar


Abstract

Bronchogenic cyst is presented rounded as mediastinal unilocular mass containing caseous material. It is relatively uncommon, this lung bad formation. In children this bad formation tends to be located in the mediastinum. Symptoms vary according to age and cyst location. In this study the authors describe a case of mediastinal cyst bronchogenic in a breastfed which symptoms simulate a hiperreaction bronchic asthma causing no need therapies, as well as repeated hospitalizations. The surgical remove of the cystic lesion provides a complete symptomatologic remission.

Keywords: Bronchogenic cyst, bronchial asthma, pulmonary bad formation

 

INTRODUÇÃO

O cisto broncogênico (CB) origina-se de estruturas remanescentes do intestino primitivo em decorrência do desenvolvimento anormal da árvore traqueobrônquica embrionária durante a terceira semana de gestação. Ele imita a estrutura da traquéia ou brônquios, sendo revestido, internamente, por epitélio respiratório (pseudo-estratificado colunar ciliado), contendo glândulas brônquicas, músculo liso e ilhas de cartilagem, externamente, sendo incomum a comunicação com a árvore traqueobrônquica.(1) Quando ocorre precocemente, essa malformação tende a localizar-se no mediastino e, quando mais tardiamente, localiza-se em parênquima pulmonar. Apresenta-se como massa arredondada mediastinal, unilocular, contendo material caseoso. Usualmente localiza-se próximo à carina ou à região paratraqueal direita. Outras vezes em localização hilar ou paraesofageana. Pode ser triangular ou lobulada, determinando ou não compressão nas vias aéreas. Quando infectado, ocorre espessamento das paredes(1-2).

O CB do mediastino é a lesão congênita que representa entre 6% e 15% das massas mediastinais.(1-2). Trata-se da lesão cística mais comum do mediastino. A incidência é semelhante entre homens e mulheres (1). A ocorrência simultânea de outras malformações não é rara.(3)

Geralmente os CB constituem um achado radiológico, devido a ausência de sintomas.(1,2, 4) Na radiografia simples apresentam-se como massa homogênea com densidade de água e bordas bem definidas. Pode variar no tamanho e na forma(3). A ultrassonografia é útil como método diagnóstico para definir a natureza cística da lesão.

Pretende-se com a apresentação deste caso, alertar para esta situação congênita como parte do diagnóstico diferencial de sibilância em lactentes com evolução desfavorável.

 

RELATO DE CASO

Lactente, I.N.A., sexo feminino, 9 me-ses, com quadro respiratório desde 1 mês de idade. Nasceu de cesariana, Apgar 4 e 8, peso de nascimento de 2785g, 49 cm, sendo ventilada com pressão positiva na sala de parto. A idade gestacional pelo método de Ballard foi 35 semanas e 5 dias. Evoluiu com desconforto respiratório sendo diagnosticada uma taquipnéia transitória em sua internação na UTI neonatal por 24 dias. Com 1 mês e 7 dias de vida, foi internada com diagnóstico de laringite e fez uso de corticóide e nebulização com beta-2 agonista. Permaneceu 8 dias internada. Com 6 meses e meio foi novamente internada com quadro de sibilância e pneumonia. Esteve 27 dias na UTI e fez uso de corticóide parenteral (26 dias: metilpredinisolona, 12 dias e predinisolona, 14 dias), salbutamol venoso, cefuroxima, claritromicina e posteriormente cefepime. Teve alta em uso de fluticasona spray. Nesta internação permaneceu em ventilação mecânica 5 dias e oxyhood 9 dias. Durante esta internação, realizou videodeglutograma e feito dosagem de alfa-1 antitripsina que foram normais.

Em sua última internação, iniciou sintomatologia respiratória duas semanas antes, com um quadro de resfriado que evoluiu com piora clínica, tendo sido iniciado tratamento para pneumonia a qual apresentou piora dois dias antes da internação. Ao exame físico, apresentava sibilos difusos e retração intercostal. Após discreta melhora inicial do quadro com a terapia proposta (nebulização, corticóide venoso, e antibiótico), evoluiu de forma arrastada sendo necessário aprofundar a investigação. Foi solicitado uma broncoscopia que evidenciou uma redução importante da luz da traquéia por compressão extrínseca. Portanto, foi sugerido como possíveis causas: anel vascular, hemangioma e CB, sendo sugerido a realização de uma tomografia computadorizada (TC) helicoidal com reconstrução de laringe, traquéia e brônquios. Vinte quatro horas após este exame apresentou uma piora do quadro respiratório necessitando de intubação orotraqueal, com súbita melhora do padrão respiratório. A radiografia de tórax mostrava imagem de hipotransparência no ápice do hemitórax direito (HTD), sugestiva de atelectasia e/ou pneumonia. Iniciado antibióico (cefuroxina) e corticóide (predinisolona). Realizado TC tórax que mostrou massa com densidade cística, de limites e contornos bem definidos, medindo 4,2 cm de largura x 3,3 cm de medida antero-posterior e 3,1 cm de altura, localizada no mediastino médio à direita, em situação paratraqueal, sugestivas de CB (figura 1). Após este diagnóstico foi solicitado a transferência para o serviço de cirurgia pediátrica no Instituto Fernandes Figueira (IFF). Estava em ventilação mecânica com parâmetros baixos, muito secretiva e ao raio-x de tórax mantinha a imagem de hipotransparência no 1/3 superior do HTD e base do HTD, apesar de fisioterapia (figura 2). Como estava apresentando secreção espessa e havia swab mostrando colonização por bactéria Gram negativa ESBL (Beta-lactamase com espectro expandido) optou-se por trocar antibiótico para Meropenem.

 


Figura 1 - TC tórax que mostrou massa com densidade cística, de limites e contornos bem definidos, sugerindo processo benigno.

 


Figura 2 - Imagem de hipotransparência no 1/3 superior do HTD e base do HTD.

 

Foi transferida para o IFF no 26º dia de internação. Permaneceu no IFF com tratamento antibiótico e fisioterapia até ser operada no 6º dia de internação. O diagnóstico de CB foi confirmado no ato cirúrgico. Foi descrito pelos cirurgiões como um grande cisto de mediastino póstero-superior de 4 x 3 cm (cheio) anterior à traquéia (figura 3). Feito ressecção da parede do cisto que não estava aderido à traquéia. Entretanto, o revestimento interno encontrava-se aderido e ao ser retirado provocou uma lesão desta região, ocasionando uma área de traqueomalácia. Tentou-se a extubação no 4º dia de pós-operatório (PO), sem sucesso. Necessitou ser reintubada 30 minutos após, por obstrução alta (edema subglótico). Feito broncoscopia 48h após esta tentativa, evidenciou-se edema importante da glote e das cordas vocais. Visualizada pequena área de malácia à direita na parede ântero-lateral no 1/3 distal. Foi iniciado dexametasona (0,6 mg/kg/dia dividido em 4 doses). Extubada para Oxyhood no 10º dia de PO e feito nebulização com adrenalina. Lactente evoluiu satisfatoriamente com melhora importante do quadro respiratório, tendo recebido alta hospitalar 72h após a extubação.

 


Figura 3 - Cisto broncogênico visualizado no ato cirúrgico, descrito como um grande cisto de mediastino póstero-superior de 4 x 3 cm (cheio) anterior à traquéia.

 

DISCUSSÃO

O CB do mediastino é uma lesão congênita que apesar de ter baixa incidência entre as massas mediastinais, representa 50 a 60% de todos os cistos do mediastino.(3)

Ao se formar tardiamente, resulta em cisto intraparenquimatoso que se comunica com a via respiratória. Desta forma, torna-se sintomático e freqüentemente complicado por infecção, sendo seu tratamento eminentemente cirúrgico. É de difícil diagnóstico ao nascimento. Não raramente o diagnóstico ocorre por ocasião da ultra-sonografia pré-natal, de radiografias de tórax de rotina ou de investigações relacionadas ao aparelho digestivo e coração.(3,5,6,7)

Geralmente permanece assintomático por muito tempo, porém, pode apresentar sintomas, devido a complicações que incluem infecção, ruptura, sangramento, compressão e/ou irritação de estruturas adjacentes e malignização.(3,8)

A apresentação clínica dependerá da idade do paciente, da localização e do tamanho do cisto. Em crianças menores de um ano, é frequente o quadro de insuficiência respiratória, com sintomas compressivos, podendo distorcer o esôfago, a traquéia e os brônquios. E em crianças maiores e adultos predominam as infecções respiratórias de repetição. O caráter recorrente dos sintomas obstrutivos, assemelha-se a asma brônquica.(3,9)

Como a sibilância pode fazer parte do quadro clínico do CB e é comum a diversas patologias que acometem o sistema respiratório, é importante a valorização dos CB como diagnóstico diferencial quando houver sibilância persistente e evolução desfavorável. A asma é um exemplo de doença inflamatória crônica das vias aéreas que apresenta sibilância e é muito comum em crianças e adultos jovens. No Brasil, ocupa o terceiro lugar nas internações destes pacientes.(8)

Montessi et al, 2004 relatam caso, semelhante ao descrito no presente artigo, onde o CB simulava asma brônquica em criança, de 3 anos e 8 meses, do sexo feminino. Neste caso também, a retirada da lesão possibilitou a remissão completa dos sintomas obstrutivos.(3)

O diagnóstico diferencial no período pré-natal inclui os cistos de duplicação esofágica, a doença adenomatóide cística tipo I e a hérnia diafragmática congênita. Além deste período, serão as massas localizadas no mediastino (adenopatias ou tumores), os cistos mediastinais e as pneumatoceles, o abscesso pulmonar e a sequestração para os cistos intrapulmonares.(3,10)

É importante ressaltar que sempre que houver sibilância persistente, uma avaliação detalhada deve ser feita com o intuito de buscar causas menos frequentes, tais como o CB. Uma vez que se faça o diagnóstico, deve-se realizar uma excisão cirúrgica para proporcionar uma melhora clínica(11).

O tratamento cirúrgico está indicado primariamente para todos os CB sintomáticos.(2) No entanto, a cirurgia pode ser uma opção mesmo nos CB assintomáticos, uma vez que cerca de 85% destas lesões podem se tornar sintomáticas ao longo do tempo e também podem gerar complicações.(2,12) A abordagem cirúrgica preconizada na literatura médica envolve a ressecção completa do cisto por toracotomia ou por videotoracoscopia.(1, 2, 4) Existe também uma abordagem por mediastinoscopia, menos utilizada, que representa uma alternativa cirúrgica de menor morbidade e com excelentes resultados na literatura(10,12,13).

Torna-se evidente a necessidade de um diagnóstico correto para uma abordagem clínica e terapêutica adequada. O prognóstico a longo prazo dos pacientes assintomáticos é impreciso. A maioria dos autores defende a ressecção cirúrgica precoce devido ao risco de complicações. Com isso, reduz-se o número de internações e terapêuticas errôneas em pacientes com CB sintomático e não diagnosticado.(14, 8) Espera-se que este trabalho tenha atingido o objetivo de alertar os médicos para o diagnóstico diferencial de CB nos casos em que se suspeita de asma brônquica, que apesar de raro, pode acontecer. E também espera-se que sirva como base para novos estudos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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