Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 12(supl 1)(1) - Agosto 2011

Sem Seçao

Baixa estatura

 

Claudio Hoineff

Comitê de Endocrinologia.

 

 

A Baixa Estatura (BE) talvez seja uma das queixas mais frequentes em uma consulta pediátrica. Esta preocupação dos pais tem razão de existir em função de que a estatura não deixa de ser, na nossa sociedade, um verdadeiro "cartão de visitas" de uma pessoa. Por este motivo que ao se referir a um indivíduo com o termo "aquele fulano baixinho" tem uma conotação mais pejorativa do que "aquele cara alto".

A ansiedade dos pais, em função de uma cobrança social de "alta estatura", esbarra muitas vezes na limitante genética da criança. Este comportamento pode acarretar danos psicológicos ao menor, que em algumas vezes nada mais é do que uma "criança normal baixa", esquecendo-se muitas vezes de que conceitos éticos e morais ensinados à criança têm mais importância que a sua estatura.

Ao avaliarmos uma criança com baixa estatura, temos que ter em mente que o crescimento do ser humano depende de fatores intrínsecos como hereditariedade e funcionamento do sistema neuroendócrino e de fatores extrínsecos como meio ambiente e nutrição.

Nos dois primeiros anos de vida o componente nutricional é o mais importante para um crescimento e desenvolvimento adequado, enquanto que a partir desta idade além do fator nutricional o hormônio do crescimento assume a sua maior importância até a instalação da puberdade, quando, então, juntamente com os hormônios puberais são os responsáveis por esta ação.

Através dos dados auxológicos obtidos do paciente como: evolução na curva pondero estatural, proporções corporais, velocidade de crescimento, alvo genético, estágio puberal e idade óssea, podemos muitas vezes aventar hipóteses diagnósticas para as causas de uma baixa estatura.

A monitorização do crescimento através de curvas padronizadas é essencial. Não há como acompanhar o desenvolvimento de uma criança sem que tenhamos o "desenho" da sua curva para avaliarmos a existência ou não de uma retificação desta no decorrer do seu acompanhamento.

As proporções corporais, através da avaliação da relação segmento superior/segmento inferior, podem nos mostrar possíveis alterações de esqueleto sugerindo patologias específicas como displasias ósseas e raquitismo, entre outras.

A velocidade de crescimento é sem dúvida o dado auxológico mais importante na avaliação de uma criança com baixa estatura. Através de gráficos específicos para cada faixa etária, esta por si só nos indica se há algo errado no crescimento do menor, suplantando muitas vezes dados laboratoriais. Dificilmente um paciente que curse com velocidade de crescimento normal apresenta alguma patologia em relação a sua estatura.

O alvo genético, que não é uma previsão de estatura final, serve para avaliarmos, através da altura dos pais, se a criança se encontra ou não muito fora deste canal. Em função de a carga genética originar-se de várias gerações, é que observamos filhos altos de pais baixos e filhos baixos de pais altos.

A evolução do estágio puberal e o acompanhamento com a idade óssea é que vão nos indicar o prognóstico quanto à estatura final. O atraso da idade óssea pode ser um dado positivo em uma criança com baixa estatura, porém a idade óssea deverá ser sempre acompanhada, uma vez que esta pode evoluir rapidamente, sem qualquer razão, e este benefício inicial ser perdido.

Na classificação da Baixa Estatura (BE) podemos dividi-la, sob o ponto de vista didático, em Patológica, Idiopática e Desvios da normalidade.

A Baixa Estatura patológica se subdivide em proporcional e desproporcional.

A BE patológica desproporcional inclui o raquitismo e as displasias ósseas, valorizando a importância da avaliação das proporções corporais.

A BE patológica proporcional se subdivide em de origem pré-natal e de origem pós-natal.

A de origem pré-natal inclui o Retardo de Crescimento Intrauterino (RCIU), as síndromes dismórficas e as cromossomopatias como síndrome de Turner, Down, Russel-Silver, Noonan, entre outras.

A de origem pós-natal inclui as patologias dos diversos sistemas do nosso organismo (cardíaco, gastrointestinal, renal, pulmonar etc), psicossocial, nutricional e as endocrinopatias.

Cabe ressaltar que 90% das causas de baixa estatura são de origem pediátrica e 10% de causas endócrinas, mostrando a importância da avaliação pediátrica no diagnóstico.

A Baixa Estatura Idiopática (BEI) é uma entidade definida como uma estatura menor que menos dois desvios padrões para a idade cronológica, peso e comprimento ao nascer maior que menos dois desvios padrões para a idade gestacional, ausência de patologia pediátrica crônica, ausência de patologia endócrina, proporções corporais normais, ingesta alimentar adequada, ausência de alterações psicossociais e velocidade de crescimento normal.

Os desvios da normalidade representam aproximadamente 90% das queixas de baixa estatura. São representados pela Baixa Estatura Familiar (BEF) e o Retardo Constitucional do Crescimento e Puberdade (RCCP). Na BEF existe um padrão genético de baixa estatura, velocidade de crescimento normal e idade óssea compatível com a idade estatural, com prognóstico final de estatura compatível com o padrão familiar. No RCCP o padrão familiar de estatura não é baixo, a idade óssea está atrasada, o ritmo de crescimento é normal e, em função da maturação óssea lenta, o prognóstico final de estatura, pela puberdade tardia, é adequado e compatível com o padrão familiar.

Recentemente em um consenso mundial de endocrinopediatras de diversas sociedades médicas, os desvios da normalidade passaram a fazer parte de uma subdivisão da Baixa Estatura Idiopática (BEI), em que uma mistura de genes para baixa estatura e genes para maturação lenta fariam esta diferenciação.

Algumas situações peculiares merecem citação no acompanhamento de uma criança com baixa estatura:

A primeira delas é uma situação bastante comum em uma fase de pré-puberdade, chamada de "dip pré-puberal", na qual ocorre uma desaceleração da velocidade de crescimento. Muitas vezes pode ser motivo de apreensão se não estivermos atentos ao monitoramento do menor, e desta forma esclarecer aos pais tratar-se de um evento fisiológico, no qual com a instalação da puberdade se retoma ao ritmo de crescimento específico para esta faixa etária. Metaforicamente falando, seria como um avião preparando-se para alçar voo.

Uma segunda situação é a atenção no acompanhamento do PIG (Pequeno para a Idade Gestacional). Aproximadamente 10 a 15% destas crianças não fazem a recuperação total do seu crescimento (catch-up) até os dois, três anos de idade e geralmente quando o fazem ocorre nos primeiros seis meses de vida. Este grupo tem uma tendência na vida adulta a apresentar Síndrome metabólica e uma precocidade sexual acelerando sua idade óssea e comprometendo ainda mais o seu crescimento final. Portanto devemos estar atentos ao monitoramento destas crianças em relação a sua maturidade.

Em relação aos exames complementares, além de uma avaliação básica com hemograma completo e dosagens bioquímicas, outros dados devem ser analisados.

O cariótipo deve ser solicitado em meninas com baixa estatura sem uma causa específica. Nem sempre os estigmas característicos da síndrome de Turner estão presentes. Uma em cada 60 meninas abaixo do percentil 3 tem a síndrome. A ocorrência de mosaicismo e uma grande variabilidade fenotípica justificam esta conduta.

A investigação de Doença celíaca deve ser realizada não somente em crianças com sintomas específicos (distensão abdominal, diarreia crônica e emagrecimento), pois a baixa estatura pode ser o único sinal presente. Os exames consistem na avaliação dos anticorpos antigliadina, antiendomísio e antitransglutaminase tecidual, sendo os dois últimos com maior sensibilidade e especificidade. O diagnóstico definitivo é realizado através da biópsia de intestino delgado.

Quanto à investigação endócrina, devemos dosar os hormônios tireoideanos para afastarmos a hipótese de um hipotireoidismo como causa da baixa estatura. A dosagem da IGF-1(fator de crescimento semelhante à insulina) e IGFBP-3 (proteína carreadora de IGF-1), peptídeos secretados pelo fígado na presença do hormônio do crescimento (GH), indiretamente nos informa da presença deste em circulação. A IGF-1 é quem atua na placa de crescimento ósseo. Como já citado anteriormente, crianças com valores de IGF-1 normais e velocidade de crescimento normal dificilmente apresentam eficiência de GH.

A investigação do déficit de GH deve ser realizada através de provas farmacológicas de secreção. As drogas mais utilizadas são a clonidina, insulina e glucagon. Os pontos de corte para valores normais dependem da droga e ensaios utilizados. Como o GH é secretado em pulsos noturnos, sua dosagem basal baixa não tem valor diagnóstico assim como o teste pós-exercício realizado em esteira pode apresentar um falso negativo.

Em relação à investigação por imagem, além da idade óssea, a radiografia de esqueleto deve ser realizada quando há suspeita de displasias ósseas em patologias ortopédicas e genéticas.

A ressonância nuclear magnética do crâneo e sela é o exame indicado paraafastar patologia local como causa da baixa estatura.

As indicações atualmente aceitas para reposição com hormônio do crescimento (GH) são:

  • Deficiência de GH
  • Insuficiência Renal Crônica
  • Síndrome de Turner
  • Síndrome de Prader-Willi
  • Retardo de Crescimento Intrauterino (RCIU)
  • Baixa Estatura Idiopática (BEI)
  • Haploinsuficiência do Gene SHOX
  • Sindrome de Noonan
  • A reposição de GH em cada uma destas situações apresenta resultados diferentes. Na deficiência de GH o ganho estatural é bastante significativo podendo-se alcançar até o alvo genético. Na síndrome de Turner, dependendo da época de início, podemos obter um ganho aproximado de seis centímetros, que algumas vezes pode ser o suficiente para recuperar a autoestima nas meninas portadoras da síndrome. Na síndrome de Prader-Willi a melhora é principalmente no aspecto metabólico e na composição corporal. Quanto ao emprego no RCIU e BEI o ganho estatural vai depender da precocidade em que for feita a reposição hormonal, podendo-se obter ganhos em alguns casos, suficientes para a melhora emocional da criança.

    Portanto, a avaliação da baixa estatura abrange uma adequada investigação de patologias pediátricas, endócrinas e um correto reconhecimento do que é normal ou patológico. A indicação ou não de um tratamento e seus benefícios deve ser criteriosa no sentido de tentar minimizar a ansiedade da família e da criança com queixa de baixa estatura.

     

    TABELAS

  • Gráficos Perímetro Cefálico: http://www.who.int/childgrowth/en/
  • Gráficos das Curvas da OMS (Percentil - Escore-z - 2006/2007): www.soperj.org.br/
  • Gráficos de Crescimento: www.cdc.gov/growthcharts.
  • http://www.cdc.gov/growthcharts/data/set1clinical/cj41c017.pdf
  • http://www.cdc.gov/growthcharts/data/set1clinical/cj41c018.pdf
  • http://www.cdc.gov/growthcharts/data/set1clinical/cj41c021.pdf
  • http://www.cdc.gov/growthcharts/data/set1clinical/cj41c022.pdf
  • http://www.who.int/entity/growthref/cht_hfa_girls_perc_5_19years.pdf
  • http://www.who.int/entity/growthref/cht_hfa_boys_perc_5_19years.pdf
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    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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    AVALIAÇÃO

    51.Qual dado auxológico você considera o mais importante para acompanhar uma criança com baixa estatura?

    a) idade óssea.
    b) proporções corporais.
    c) alvo genético.
    d) velocidade de crescimento.

    52.Que exame confirma o diagnóstico de Doença celíaca em uma criança com baixa estatura?

    a) dosagem de acs antigiadina IgG.
    b) dosagem de acs antigliadina IgA e IgG.
    c) dosagem de acs antiendomísio IGA e IgG.
    d) biópsia de intestino delgado.

    53.Qual repercussão futura pode acontecer na criança nascida com Retardo de Crescimento Intrauterino (RCIU)?

    a) deficiência de GH.
    b) precocidade sexual.
    c) síndrome metabólica.
    d) b e c estão corretas.

    54.No diagnóstico da Baixa Estatura Idiopática qual achado não se aplica?

    a) ausência de patologia pediátrica.
    b) ausência de patologia endócrina.
    c) velocidade de crescimento normal.
    d) RCIU.

    55.Em qual das seguintes indicações obtemos os melhores resultados com o emprego do GH ?

    a) Síndrome de Turner.
    b) Deficiência de GH.
    c) Baixa Estatura Idiopática.
    d) RCIU.

    56.A diminuição da velocidade de crescimento em uma fase pré-puberal sugere:

    a) possível deficiência de GH.
    b) patologia pediátrica crônica.
    c) um evento normal que requer somente observação.
    d) Hipotireoidismo.