Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 12(supl 1)(1) - Agosto 2011

Sem Seçao

Avaliação auditiva: como proceder

 

Ana Paula Jorge Silva Maia

Comitê de Atençao Integral ao Desenvolvimento e Reabilitaçao.

 

 

INTRODUÇÃO

Para falar sobre avaliação auditiva na infância é necessário inicialmente lembrarmos que todos os sistemas são integrados. Assim, a audição, a visão, o sistema motor, o cognitivo, o ambiente e o meio social estão interligados e não podem ser avaliados separadamente. Além disso, para o diagnóstico de deficiência auditiva também é necessária uma equipe multiprofissional idealmente composta por pediatra, otorrinolaringologista, fonoaudiólogo, audiologista, neurologista, geneticista, educador, oftalmologista e assistente social.

Sabemos que a plasticidade cerebral para fala e linguagem diminui muito após seis meses de idade. Assim o diagnóstico e a intervenção devem ser feitos preferencialmente até a idade de seis meses com objetivo de diminuir os danos provocados no desenvolvimento global dessas crianças incluindo fala, linguagem, cognitivo, afetivo e emocional. Nos primeiros seis meses não há diferença na linguagem entre ouvinte e não ouvinte, então nesta etapa do desenvolvimento, para efetuar o diagnóstico de deficiência auditiva, devemos lançar mão dos exames complementares disponíveis associados à avaliação global do desenvolvimento. Não podemos esquecer das deficiências auditivas de início tardio ou progressivas, em que a triagem auditiva neonatal poderá ser normal.

Classificação da Deficiência Auditiva

A deficiência auditiva pode ser classificada em relação à intensidade e à localização. Assim, quanto à localização pode ser: condutiva, neurossensorial ou mista. E quanto à intensidade classificamos conforme quadro 1:

 

 

Incidência da Deficiência Auditiva

A incidência de deficiência auditiva é de 1 a 3 para cada 1.000 nascidos vivos segundo a Academia Americana de Pediatria e de 2 a 4 para cada 100 recém-nascidos provenientes de UTI neonatal. A incidência é maior que as doenças triadas pelo rastreamento neonatal como a anemia falciforme (0,2/1.000), hipotireoidismo congênito (0,17/1.000) e fenilcetonúria (0,1/1.000).

No Brasil é a terceira causa de deficiência segundo o Censo 2000. Segundo a OMS, 42 milhões de pessoas maiores de três anos possuem deficiência auditiva moderada à profunda.

O diagnóstico no Brasil é tardio, em torno de 2 a 4 anos segundo publicação do INES em 1990. Nos Estados Unidos a triagem é realizada em 95% dos recém-natos; dos que não passam apenas metade tem acompanhamento adequado para confirmar diagnóstico e intervenção.

Indicadores de Risco da Deficiência Auditiva

Os indicadores de risco servem para identificar os lactentes que: necessitam de avaliação audiológica, são de risco para perda auditiva de início tardio e podem ter perda auditiva leve. O Joint Committee on Infant Hearing em 2007 publicou uma atualização desses indicadores, que são:

  • Preocupação dos cuidadores em relação à audição, fala, linguagem ou atraso no desenvolvimento.
  • História familiar de perda auditiva permanente na infância.
  • Permanência em UTI neonatal por mais de cinco dias ou qualquer um dos fatores abaixo sem levar em consideração o tempo de permanência: ECMO, ventilação mecânica, exposição à medicação ototóxica (gentamicina, tobramicina) ou diurético de alça (furosemida) e hiperbilirrubinemia (nível de exsanguíneo).
  • TORCH.
  • Anomalia craniofacial, incluindo aquelas que envolvem o pavilhão auricular, canal auditivo e osso temporal.
  • Achados físicos associados a síndromes com perda auditiva.
  • Síndromes associadas à perda auditiva.
  • Desordens neurodegenerativas.
  • Infecção pós-natal com cultura positiva associada à perda auditiva neurossensorial: meningite bacteriana ou viral (principalmente herpes).
  • Traumatismo craniano, principalmente com fratura de osso temporal/base do crânio com hospitalização.
  • Quimioterapia.
  • Etiologia

    Apesar de existirem vários indicadores de risco associados à deficiência auditiva sabemos que em aproximadamente 50% dos casos não encontramos um diagnóstico etiológico, por isso a triagem auditiva deve ser universal e não apenas nos casos com indicadores de risco.

    O indicador serve para orientar o pediatra como deve ser o acompanhamento daquela criança, pois ele sinaliza o que pode acontecer ao longo do seu desenvolvimento. A partir daí podemos traçar a conduta de cada criança.

    A causa da perda auditiva pode ser uma mutação genética, dentre elas a mais frequente é 35dIG no gen GJB2 que codifica a proteína conexina 26.

    Sinais de Alerta

    Os sinais de alerta são importantes para indicar quais as crianças que precisam ser investigadas para deficiência auditiva. Podemos ter como sinais de alerta:

    4 meses:

  • criança não acorda ou não se mexe em resposta à fala ou barulho, logo que começa a dormir em um quarto tranquilo.
  • 4-5 meses:

  • criança não vira a cabeça ou os olhos para a fonte sonora (sem pista visual).
  • 6 meses:

  • criança não se vira na direção da fonte sonora (sem pista visual).
  • 8 meses:

  • criança não tenta imitar os sons feitospelos pais.
  • 8-12 meses:

  • perda da variedade na melodia e sons durante a silibação.
  • 12 meses:

  • sem entendimento aparente de frases simples (não pode ter pistas visuais/gestuais ou experiências anteriores do que foi solicitado).
  • 2 anos:

  • fala pouco ou ausente.
  • 3 anos:

  • fala na maior parte ininteligível com muitas emissões de consoantes iniciais; criança não usa frases com 2 a 3 palavras e fala principalmente vogais.
  • 5 anos:

  • o final da palavra está sempre faltando.
  • Fonte: Manual de Atenção Integral ao Desenvolvimento e Reabilitação.

    Triagem Neonatal

    O Joint Committee on Infant Hearing preconiza as seguintes ações para que ocorra diagnóstico e intervenção precoce da deficiência auditiva:

  • Todas as crianças devem ter acesso à triagem auditiva usando método eletrofisiológico até 1 mês.
  • Todas as crianças que não passam na triagem inicial e na retestagem devem ser encaminhadas para avaliação médica e audiológica num centro de referência a fim de confirmar a presença de perda auditiva até os 3 meses.
  • Todas as crianças com diagnóstico confirmado devem receber intervenção até os 6 meses.
  • Protocolo de Triagem Auditiva e Retestagem

    O Joint Committee on Infant Hearing em 2007 dividiu o protocolo de triagem auditiva e retestagem em:

    1. Recém-nascidos provenientes de UTI neonatal: Os recém-nascidos que permaneceram mais de cinco dias em UTI devem realizar: EOA + PEATE, para o diagnóstico de perda auditiva neurossensorial. Caso não passem na avaliação inicial, devem ser encaminhados para retestagem diretamente com audiologista.

    2. Recém-nascidos provenientes do alojamento conjunto:

    Todos os RN devem realizar EOA e quando necessário repetir EOA (alguns serviços nos EUA usam PEATE para retestagem).

    Nos casos de retestagem, o screening deve ser feito sempre bilateralmente. Recém-nascidos readmitidos no primeiro mês de vida, quando há condições associadas à perda auditiva como hiperbilirrubinemia, sepse e meningite bacteriana ou viral, devem fazer uma retestagem com PEATE antes da alta.

    Acompanhamento dos Pacientes com Indicadores de Risco

    Os pacientes que passaram na triagem neonatal, mas possuem indicador de risco devem ter pelo menos uma avaliação audiológica entre 24-30 meses.

    Os pacientes com indicadores de risco associados à perda auditiva de início tardio ou perda progressiva da audição devem ter avaliações mais frequentes (a cada seis meses). Entre esses pacientes temos:

  • Infecção por CMV, rubéola, toxoplasmose, sífilis, herpes.
  • Síndromes associadas com perda progressiva da audição.
  • Trauma.
  • Desordens neurodegenerativas.
  • Infecção pós-natal com cultura positiva, associada à perda auditiva neurossensorial.
  • Crianças que receberam quimioterapia.
  • História familiar de perda auditiva ou preocupação dos cuidadores.
  • Avaliação Auditiva

    É importante tecermos algumas considerações antes de falarmos dos exames disponíveis para a avaliação auditiva. Como parte do diagnóstico audiológico de crianças menores de três anos está indicado pelo menos um PEATE. As crianças com perda auditiva confirmada devem ser avaliadas também por especialistas como geneticista, otorrinolaringologista e oftalmologista. A intervenção nessas crianças deve ser feita com uma equipe multiprofissional incluindo fonoaudiólogo, audiologista, otorrinolaringologista, pediatra do desenvolvimento e educadores. Todas as crianças devem ter avaliação global do desenvolvimento (seguindo a recomendação da SBP). Entre os exames que podem ser realizados temos:

     

     

    1. EOA:

    A emissão otoacústica possui uma alta taxa de falso positivo se for realizada antes de 24h devido à presença de líquido no canal auditivo (falha de 5-20%). É obtida no canal auditivo externo através de um microfone que registra a energia sonora gerada pelas células ciliadas da cóclea em resposta a um estímulo acústico emitido. Reflete o estado do sistema auditivo periférico estendendo-se para as células ciliadas cocleares (condutivo ou sensorial). É capaz de detectar perda auditiva >= 40dB, ou seja, moderada, severa e profunda. Não pode ser utilizada para detectar disfunção neural (8º par craniano ou vias auditivas cerebrais). No Rio de Janeiro tornou-se obrigatória a triagem auditiva neonatal universa a partir de 05/2000. A EOA pode ser complementada pelo reflexo cócleo palpebral.

    2. PEATE:

    É necessário para identificar perda auditiva neurossensorial. Avalia a integridade neural das vias auditivas até o tronco cerebral (especificamente no colículo inferior). É obtido através de eletrodos superficiais colocados na cabeça da criança que registram a atividade neural gerada na cóclea, nervo auditivo e tronco cerebral em resposta ao estímulo acústico liberado por um fone auricular. Pode ser feito usando como estímulo som tipo click; ¨tone burst' (maior especificidade nas frequências 500,1.000,2.000 e 4.000 Hz) . A criança deve estar em sono profundo, assim na maioria das vezes é realizado sob sedação.

    3. Impedanciometria:

    Neste exame realiza-se a timpanometria e o reflexo estapédico. É um bom método para avaliar otite média crônica com efusão. Na timpanometria podemos ter como resultado os seguintes padrões: tipo A (normal), tipo B (efusão de otite média) e C (pressão residual).

    4. Audiometria:

    A audiometria pode ser de: reflexo condicionado; reforço visual; lúdica condicionada; tonal; vocal e de campo livre. Em geral realizada por especialista em audiologia.

    5. Audiometria Comportamental:

    A audiometria comportamental deve ser realizada a cada consulta pediátrica, utilizando para isto um Kit auditivo.O kit é composto por vários brinquedos que produzem som com intensidade e frequência conhecidas. Para realização do exame os bebês devem estar posturados e em estado de vigília. Os estímulos sonoros devem ser apresentados em ordem crescente de intensidade, fora do campo visual e bilateralmente. Não deve ser repetido mais que três vezes. As respostas que podem ser obtidas estão descritas no quadro da página 56.

    Intervenção Audiológica

    A intervenção audiológica pode ser feita através do aparelho de amplificação sonora individual (AASI) ou implante coclear. O AASI tem benefício variável para crianças com perda auditiva neurossensorial.

    O implante coclear está indicado para pacientes com deficiência auditiva neurossensorial severa à profunda, bilateral que não se beneficiaram com uso do AASI. A idade ideal para realizá-lo é entre 1 - 5 anos, sendo os melhores resultados obtidos quando realizado mais precocemente possível. É necessário apoio familiar e uma reabilitação adequada. Em 2000, FDA diminuiu a idade mínima do implante coclear para 12 meses. O implante coclear estimula as fibras neurais na cóclea. É composto por duas partes:

  • Componente Interno: antena interna com ímã; receptor estimulador e cabo com filamento de múltiplos eletrodos.
  • Componente Externo: microfone; processador de fala; antena transmissora; dois cabos.
  • O microfone do componente externo capta o sinal acústico e transmite parao processador de fala por meio de umcabo. O processador seleciona e codifica os elementos da fala que são reenviados pelo cabo para a antena transmissora, onde será analisado e codificado em impulso elétrico. Por radiofrequência, as informações são transmitidas pela pele e captadas pelo estimulador interno, o qual contém um ¨chip¨ que converte em sinais eletrônicos e libera impulso elétrico para o eletrodo intracoclear.

    Conclusão

    Quando pensamos em deficiência auditiva, devemos lembrar que é silenciosa e tem uma incidência mais alta que algumas doenças avaliadas no teste do pezinho. Assim o objetivo principal é diagnosticar e intervir precocemente para que estas crianças tenham um melhor desenvolvimento global principalmente na área de comunicação, aprendizado e melhora na vida social e vocacional quando adultos.

    Sites Recomendados:

  • Sociedade Brasileira de Pediatria: www.sbp.com.br
  • Academia Americana de Pediatria: www.aap.org
  • GATANU: www.gatanu.org
  • INES: www.ines.gov.br
  • Ministério da Saúde: www.saude.gov.br
  • Deafness Research Foundation: www.wchh.com
  • WHO: www.who.int
  • Joint Committee on Infant Hearing: www.jcih.org
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    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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    AVALIAÇÃO

    27.A incidência de deficiência auditiva (DA) nos recém-nascidos é muito maior que algumas doenças investigadas no teste do pezinho. Com base nesse dado, podemos dizer que segundo a Academia Americana de Pediatria a incidência de DA é:

    a) 1,7/10.000 nascidos vivos.
    b) 5/10.000 nascidos vivos.
    c) 1-3/1.000 nascidos vivos.
    d) 30/1.000 nascidos vivos.

    28.Em 2007, o Joint Committee on Infant Hearing (JCIH) fez uma atualização nos indicadores de risco associados à perda auditiva congênita permanente, de início tardio ou progressiva, com uma alteração significativa em um desses indicadores. Com base na atualização do JCIH, podemos dizer que o indicador de risco alterado foi:

    a) Infecções Congênitas (TORCH).
    b) História familiar de perda auditiva permanente na infância.
    c) Anomalia craniofacial e traumatismo cranioencefálico.
    d) Tempo de internação em UTI neonatal.

    29.Apesar de vários indicadores de risco estarem ligados à deficiência auditiva, muitas vezes não encontramos um diagnóstico etiológico. Segundo a literatura, em 50% dos casos de deficiência auditiva não temos nenhum indicador de risco. Baseado nessa informação conclui-se que:

    a) A triagem auditiva neonatal deve ser universal nos recém-nascidos, preferencialmente até um mês.
    b) Logo após a triagem auditiva neonatal, todos os recém-nascidos devem ser encaminhados para um centro de audiologia especializado.
    c) A triagem auditiva neonatal deve ser realizada apenas nos recém-nascidos com um ou mais indicadores de risco.
    d) Todos os recém-nascidos devem fazer uma retestagem um mês após o primeiro teste.

    30.Segundo o JCIH em 2007, o protocolo de triagem auditiva e retestagem dos recém-nascidos provenientes da UTI neonatal informa que:

    a) Todos devem ser encaminhados diretamente para centro de audiologia especializado.
    b) Se permanecerem mais de cinco dias em UTI (desde que não seja apenas por causa social), deve-se realizar EOA e PEATE para diagnóstico da perda auditiva neurossensorial.
    c) Somente os recém-nascidos com história de hiperbilirrubinemia e uso de medicação ototóxica devem realizar EOA e PEATE.
    d) A retestagem pode ser unilateral.

    31.Em relação à EOA podemos afirmar que:

    a) Se realizada antes de 24 horas de vida tem baixa taxa de falso positivo.
    b) Detecta somente perda auditiva maior que 70 dB.
    c) Não detecta perda auditiva neurossensorial.
    d) Tornou-se obrigatória no Rio de Janeiro a partir de 2005.

    32.Na intervenção audiológica dos casos diagnosticados de deficiência auditiva podemos utilizar o aparelho de amplificação sonora individual (AAIS) e o implante coclear. Em relação ao implante coclear sabemos que:

    a) A idade ideal para ser utilizado é após cinco anos, em todas as deficiências auditivas.
    b) Está indicado para pacientes com deficiência auditiva neurossensorial severa à profunda bilateral que não se beneficiaram com o uso de AAIS, entre 1-5 anos.
    c) Não é necessário o apoio familiar para realização do implante.
    d) Está indicado para pacientes com deficiência auditiva neurossensorial, maiores de cinco anos.