Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 24(2) - Junho 2024

Artigos de Revisao

O desenvolvimento neuropsicomotor na criança de 0 a 2 anos e métodos de avaliação utilizados

Neuropsychomotor development in children from 0 to 2 years old and used assessment methods

 

Paula Carraro Eduardo de Castro; Lara Medina Werneck; Maíra Almeida Pereira; Cléa Ribeiro Nunes do-Vale; Ricardo Barbosa Pinheiro

 

DOI:10.31365/issn.2595-1769.v24i2p43-53

Centro Universitário de Volta Redonda, Medicina - Volta Redonda - Rio de Janeiro - Brasil

 

Endereço para correspondência:

Paula Carraro Eduardo de Castro
paulacarraroec@gmail.com

Instituição: Centro Universitário de Volta Redonda, Volta Redonda - Rio de Janeiro - Brasil

Recebido em: 22/11/2023
Aprovado em: 22/04/2024

 

Resumo

INTRODUÇÃO: O desenvolvimento infantil é um processo complexo que abrange crescimento físico, desenvolvimento neurológico e habilidades comportamentais, com influência crítica nos primeiros anos de vida. A capacidade do sistema nervoso de se adaptar torna essa fase vital para a aquisição de habilidades motoras, cognitivas, psicossociais e de linguagem. Problemas nesse estágio podem afetar negativamente a saúde e o desenvolvimento, tornando o monitoramento contínuo crucial. No entanto, a triagem clínica informal utilizada por profissionais de saúde brasileiros detecta apenas 30% das crianças com possíveis atrasos, enquanto instrumentos padronizados são muito mais eficazes.
OBJETIVO: Ampliar o conhecimento de acadêmicos e profissionais sobre os marcos do desenvolvimento neuropsicomotor e os métodos de avaliação, visando ao diagnóstico precoce e intervenção em anormalidades, bem como ao estímulo ao desenvolvimento infantil na faixa etária de zero a dois anos.
MÉTODOS: O estudo consiste em uma revisão narrativa da literatura, com uso de textos das bases de dados PubMed, SciELO e Google Acadêmico. Foram utilizados, também, livros e documentos oficiais que abordam o tema.
RESULTADOS: A literatura científica e documentos oficiais destacam a importância de políticas de saúde eficazes, intervenções precoces e instrumentos de triagem adequados para promover o desenvolvimento saudável em crianças. Conclusões: A compreensão do desenvolvimento neuropsicomotor infantil envolve a interação de fatores diversos, abrangendo aspectos biológicos, socioeconômicos, ambientais e cognitivos. A colaboração interdisciplinar é fundamental para compreender as complexas interações entre o desenvolvimento motor, sensorial, cognitivo e social, contribuindo para garantir um futuro saudável para as gerações futuras no contexto brasileiro.

Palavras-chave: Desenvolvimento Infantil. Lactente. Testes Neuropsicológicos.


Abstract

INTRODUCTION: Child development is a complex process encompassing physical growth, neurological development, and behavioral skills, with a critical influence in the early years of life. The nervous system's adaptability makes this phase vital for acquiring motor, cognitive, psychosocial, and language skills. Issues at this stage can negatively impact health and development, making continuous monitoring crucial. However, the informal clinical screening used by Brazilian healthcare professionals detects only 30% of children with possible delays, while standardized instruments are much more effective.
OBJECTIVE: To enhance the knowledge of academics and professionals regarding neuropsychomotor development milestones and assessment methods, aiming at early diagnosis and intervention in abnormalities and promoting child development in the age range of 0 to 2 years.
METHODS: The study comprises a narrative literature review, utilizing texts from the PubMed, SciELO, and Google Scholar databases. Books and official documents addressing the topic were also consulted.
RESULTS: Scientific literature and official documents emphasize the importance of effective health policies, early interventions, and suitable screening tools to promote healthy development in children.
CONCLUSIONS: Understanding infant neuropsychomotor development involves the interaction of diverse factors, encompassing biological, socioeconomic, environmental, and cognitive aspects. Interdisciplinary collaboration is crucial for comprehending the complex interactions between motor, sensory, cognitive, and social development, contributing to ensuring a healthy future for future generations in the Brazilian context.

Keywords: Child Development. Infant. Neuropsychological Tests.

 

INTRODUÇÃO

A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança garante acesso universal de todas as crianças à saúde, com equidade e integralidade do cuidado.1 Isso permite que crianças tenham seu desenvolvimento acompanhado e orientado continuamente por profissionais da saúde. No entanto, segundo a série Lancet "Advancing Early Childhood Development: from Science to Scale", estima-se que 39% das crianças menores de 5 anos, em países em desenvolvimento, correm o risco de não atingir seu pleno potencial.2

O desenvolvimento infantil é um processo que tem início na vida intrauterina e envolve o crescimento físico, a maturação neurológica e as habilidades relacionadas ao comportamento. Esse processo visa tornar a criança competente para resolver suas necessidades e as do seu meio.3

Em virtude da intensa capacidade que o sistema nervoso possui de reorganizar e adaptar suas redes neuronais em resposta às exigências ambientais e orgânicas, a infância é um período caracterizado por avanços significativos nas habilidades motoras, cognitivas, psicossociais e de linguagem, com aquisições progressivamente mais complexas nas funções da vida diária.4

Os primeiros anos da criança são considerados fundamentais para a formação de uma base sólida para o desenvolvimento que repercutirá por toda a vida. Qualquer comprometimento nessa etapa poderá interferir na saúde do indivíduo e, consequentemente, desencadear deficiências cognitivas, incapacidade de aprendizado, problemas de linguagem e distúrbios de comportamento e de linguagem. Por isso, todo o estágio que o envolve implica um atento monitoramento, processo que se cumpre de forma ampla e contínua.5

O monitoramento do desenvolvimento infantil é um processo amplo, contínuo e imprescindível para a saúde das crianças, com especial importância desde as mais recentes políticas públicas de atenção à saúde. Nesse processo, a técnica de triagem mais utilizada por profissionais de saúde brasileiros para detectar possíveis alterações no desenvolvimento infantil é a avaliação clínica informal. Entretanto, o julgamento clínico baseado nessa avaliação detecta apenas 30% das crianças suspeitas de comprometimento no desenvolvimento, enquanto instrumentos padronizados de triagem apresentam sensibilidade e especificidade de 70 a 90% na identificação dessas crianças.6

Para que o profissional de saúde seja competente na detecção precoce de desvios, é fundamental que tenha conhecimento do desenvolvimento infantil típico, que servirá de base para a comparação com alterações e doenças relacionadas. Esse conhecimento é tão importante, que a orientação oferecida pelo profissional à criança e à sua família, frente aos primeiros sinais de atraso no desenvolvimento, pode ser responsável pelo prognóstico do paciente.7

Espera-se, portanto, que esta pesquisa bibliográfica amplie os conhecimentos de acadêmicos e profissionais especializados sobre os principais marcos do desenvolvimento neuropsicomotor e sobre a aplicação dos diferentes métodos de avaliação. Assim, seria possível diagnosticar precocemente qualquer anormalidade e interferir nela, além de acompanhar e estimular o desenvolvimento da criança. O objetivo da revisão bibliográfica foi descrever os marcos do desenvolvimento de 0 até 2 anos de idade e a importância do desenvolvimento nessa faixa etária, além dos principais métodos utilizados e validados no Brasil para a avaliação do desenvolvimento infantil.

 

METODOLOGIA

O presente estudo, de caráter descritivo, é uma revisão narrativa da literatura que descreve os principais marcos do desenvolvimento neuropsicomotor, além de explorar a aplicação dos diferentes métodos de avaliação do desenvolvimento infantil.

Este trabalho utilizou como fontes bibliográficas artigos científicos publicados entre 2016 e 2022, explorando as seguintes bases de dados: US National Libery of Medicine National Institutes of Health (PubMed), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Google Scholar (Google Acadêmico) utilizando-se dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): "Desenvolvimento infantil", "Lactente" e "Testes Neuropsicólogos" com os filtros "2016-2022", "Revisão sistemática" e "Ensaio Clínico". Foram utilizados, também, manuais e diretrizes do Ministério da Saúde, sendo selecionados cinco documentos sobre o desenvolvimento infantil. Além disso, foram utilizados os livros Desenvolvimento Humano (12ª edição), escrito por Papalia e Feldman (2013); Denver II Training Manual, de Frankenburg (1992) e o Manual para vigilância do desenvolvimento infantil no contexto da AIDPI, de autoria de Figueiras et al. (2005), provenientes de acervo pessoal dos orientadores. E ainda, foi consultado o livro Tratado de Pediatria, dos autores Silva et al. (2022), através da Biblioteca Online do UniFOA.

A seleção dos artigos seguiu critérios específicos estabelecidos na busca inicial. Foram considerados apenas artigos encontrados em fontes de acesso público, disponíveis on-line em português ou inglês, no período entre 2016 e 2022, relacionados à avaliação do desenvolvimento infantil. Excluíram-se publicações que não estavam disponíveis on-line na íntegra, assim como aquelas que não abordavam a temática relevante. Foram também desconsiderados trabalhos em formatos diversos, como teses, dissertações, monografias, relatos de experiência, editoriais, debates, resenhas e artigos incompletos, que não se alinhavam ao escopo deste estudo. Artigos duplicados em múltiplas fontes também foram eliminados.

A escolha dos artigos se baseou na análise do título e, posteriormente, na avaliação crítica dos resumos, de acordo com os critérios de inclusão previamente definidos. Nos casos em que a temática da pesquisa não estava claramente delineada pelo título e pelo resumo, os artigos foram consultados na íntegra para garantir que atendessem a todos os critérios estabelecidos e estivessem relacionados à pergunta central desta revisão. Inicialmente, a busca nas bases de dados resultou em um conjunto de 405 artigos. No entanto, após a aplicação rigorosa dos critérios de inclusão e exclusão, apenas 13 artigos foram considerados adequados para compor a amostra do estudo. Esses artigos foram submetidos a uma análise descritiva, que serviu como base para a elaboração de um texto consolidado.

Destaca-se que, devido à natureza documental desta pesquisa, não foi necessário submetê-la à avaliação de um Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo participantes humanos. Entretanto, todos os princípios de integridade e autenticidade foram rigorosamente seguidos, respeitando a autoria dos documentos pesquisados.

 

RESULTADOS

O desenvolvimento neuropsicomotor na infância

O desenvolvimento neuropsicomotor é um processo de mudanças físicas e neurológicas que se inicia na concepção e envolve aspectos biológicos, sociais, afetivos e psíquicos para a construção da arquitetura cerebral. Pode ser entendido como um processo vital que engloba vários fatores, como o crescimento físico, seguido pela maturação neurológica, comportamental, cognitiva e socioemocional da criança.5 Tem como efeito tornar a criança capaz de responder às suas necessidades e as do seu meio, considerando seu contexto de vida.8

O período pré-natal e os primeiros anos de vida são o alicerce desse processo, que decorre da interação de características biopsicológicas, herdadas geneticamente, e experiências oferecidas pelo meio ambiente. As experiências são constituídas pelo cuidado que a criança recebe e pelas oportunidades que ela tem para exercitar ativamente suas habilidades.4

O desenvolvimento infantil é multidimensional. Essas dimensões, que são interdependentes, incluem desempenho motor, cognitivo, emocional e social, assim como padrões de comportamento, de saúde e status nutricional. Raramente esses aspectos são influenciados de forma individual e isolada. Ao contrário, a combinação de dois ou mais fatores influencia significativamente na trajetória do desenvolvimento neuropsicomotor.4

Em virtude da característica multifatorial do desenvolvimento, os documentos brasileiros que norteiam a atenção integral na infância recomendam que, para cuidar da criança, educar e promover sua saúde e seu desenvolvimento integral, é importante a parceria entre os pais, a comunidade e os profissionais de saúde, de assistência social e de educação.4

Nesse contexto, o Ministério da Saúde determina que o acompanhamento do desenvolvimento da criança na atenção básica objetiva sua promoção, proteção e a detecção precoce de alterações passíveis de modificação que possam repercutir em sua vida futura, ocorrendo principalmente por meio de ações educativas e de acompanhamento integral da saúde da criança.4

A Política Nacional de Promoção da Saúde acrescenta que os procedimentos de acompanhamento do desenvolvimento infantil nos seus aspectos motor, cognitivo e emocional devem ser valorizados nos programas de saúde da criança como uma importante estratégia de prevenção de deficiências nessa população.4

1.1.Importância do desenvolvimento de 0 a 2 anos

Os primeiros anos de vida são particularmente importantes para o indivíduo: neles estão os períodos sensíveis e críticos do desenvolvimento, assim denominados devido à intensa atividade neurobiológica que se manifesta por meio de processos como neogênese, apoptose, podas sinápticas, mielinização e gliogênese.7

A neurociência comprova que o cérebro da criança pequena tem grande plasticidade, ou seja, está sempre aprendendo e é sensível a modificações, particularmente nos primeiros mil dias, desde a concepção até os 2 anos de idade. Nesse período, o desenvolvimento cerebral ocorre em uma velocidade incrível: as células cerebrais podem fazer até 1.000.000 de novas conexões neuronais a cada segundo - uma velocidade única na vida. Essas conexões formam a base das estruturas que dão sustentação à aprendizagem ao longo da vida. É quando aprendemos as habilidades emocionais, cognitivas e sociais, e desenvolvemos nossa capacidade intelectual, aptidões e competências com maior facilidade.9

Por isso, é tão fundamental motivar as crianças nessa fase em um ambiente estimulante e acolhedor, com cuidado, afeto, carinho e interações frequentes com os adultos importantes para a criança. A falta de atenção integral - que inclui acesso a saúde, nutrição adequada, estímulos, amor e proteção contra o estresse e a violência - pode impedir o desenvolvimento dessas estruturas cerebrais.9

Sabe-se que, nos primeiros dois anos de vida, o lactente aprende a detectar e interpretar as informações sensoriais do tato, da posição e do movimento do corpo, da audição, da visão, do cheiro e do paladar. Essas informações são utilizadas para a aquisição de habilidades, como a manutenção da postura e do equilíbrio do corpo, a coordenação motora grossa e fina e o desenvolvimento do esquema corporal.10

 

Áreas do desenvolvimento infantil

O desenvolvimento é um processo qualitativo contínuo, composto pela aquisição das habilidades humanas desenvolvidas progressivamente durante a vida. Está relacionado com a maturação do sistema nervoso central e se divide em quatro grandes domínios: motor grosso, motor fino, social e linguístico. Com o desaparecimento dos reflexos primitivos, a criança desenvolve habilidades nesses quatro domínios e alcança os marcos do desenvolvimento.11

O desenvolvimento motor grosso refere-se às habilidades motoras globais que são controladas sobretudo pelos grandes músculos ou grupos musculares. Esses músculos são essenciais para produzir uma série de movimentos, como andar, correr e saltar.12

Já as habilidades motoras finas são conduzidas principalmente pelos pequenos músculos ou grupos musculares. Normalmente, os movimentos realizados com as mãos são considerados finos; portanto, movimentos como pegar, desenhar, costurar, digitar ou tocar um instrumento musical são considerados movimentos finos.12

O desenvolvimento da linguagem pode-se dividir em algumas fases. A fase pré-linguística, que vai até por volta dos 12 meses de vida, ainda que não saiba falar, a criança apresenta linguagem. A criança inicia a interação simbólica com o outro pelo olhar/expressão facial, pelos movimentos e contatos corporais. Nos primeiros meses, acalma-se com a voz da mãe, presta atenção aos sons e às palavras.8

O desenvolvimento da linguagem oral depende também da maturação do sistema nervoso central, de funcionalidade satisfatória do sistema auditivo, do desenvolvimento cognitivo e de funcionalidade dos órgãos fonoarticulatórios, de modo a permitir a produção da fala.8

As habilidades de linguagem de crianças pequenas são importantes para seu sucesso interpessoal acadêmico. É essencial, portanto, dispor de descrições do desenvolvimento normativo que permitam identificar crianças com comprometimento de linguagem e compreender os mecanismos de aquisição da linguagem que podem fornecer a base para a otimização do desenvolvimento de todas as crianças.3

O padrão característico de reações emocionais de uma pessoa começa a se desenvolver durante a primeira infância e constitui um elemento básico da personalidade, que marca o início do desenvolvimento psicossocial. Embora os bebês apresentem os mesmos padrões de desenvolvimento, cada um deles, desde o início, exibe uma personalidade distinta: a combinação relativamente coerente de emoções, temperamento, pensamento e comportamento é que torna cada pessoa única.13

Esses modos característicos de sentir, pensar e agir, que refletem influências tanto inatas quanto ambientais, afetam a maneira como a criança responde aos outros e se adapta ao seu mundo. Da primeira infância em diante, o desenvolvimento da personalidade se entrelaça com as relações sociais; e essa combinação chama-se desenvolvimento psicossocial.13

 

Principais marcos do desenvolvimento até os 2 anos

Nos dois primeiros meses de vida, o padrão motor da criança é imaturo e estão presentes os reflexos primitivos (reflexo da sucção, reflexo cutâneo-planta em extensão, preensão palmar, preensão plantar, reflexo de Moro, reflexo tônico-cervical, reflexo da marcha reflexa e reflexo da procura ou voracidade). A forma de comunicação é, principalmente, pelo choro. O bebê interage através do sorriso social e começa a prestar atenção aos rostos, a seguir as coisas com os olhos e a reconhecer as pessoas à distância.14

Após os 2 meses, os reflexos primitivos começam a desaparecer e o bebê passa a ser capaz de manter a cabeça firme quando segurado pelo tronco. Os reflexos de sucção reflexa e marcha reflexa desaparecem por volta dos 2 meses de vida. Os demais reflexos, no entanto, regridem até no máximo 6 meses, com exceção da preensão plantar, que se manifesta até os 9 meses, e do reflexo-cutâneo plantar em extensão, que deve ser em flexão a partir da aquisição da marcha independente.14

Com 4 meses, apresenta postura simétrica e é capaz de agarrar objetos. Esboça som de vogal e começa a reconhecer padrões sonoros, como repreensão ou elogios. Nessa fase, o bebê já apresenta reciprocidade afetiva, responde aos estímulos com mudança de fisionomia para alegria e tristeza. Está focado em descobertas do seu próprio corpo, como colocar objetos na boca, chupar o dedo e ouvir os próprios sons.14

Aos 6 meses de idade, já rola com facilidade e consegue manter-se sentado com apoio. Começa a emitir sílabas isoladas, passa a reconhecer seu nome e se vira para tentar encontrar a origem de algum som mais chamativo. Inicia o entendimento de seus próprios sentimentos, como a diferença entre sentir sede e a necessidade de afeto. Demonstra curiosidade e tenta obter objetos que estão fora do alcance; começa também a passar objetos de uma mão para outra.14

Aos 9 meses, os bebês começam a desenvolver as habilidades de arrastar e engatinhar. Nessa fase, mostram objetos e respondem de forma efetiva com movimento de cabeça quando não querem algo. Aos 10 meses, caminham com apoio de um adulto e, aos 11 meses, conseguem ficar de pé por seus próprios meios e começam a responder de forma motora a situações sociais, como abanar a mão.14

Após os 12 meses, a criança se sustenta sobre seus pés e consegue segurar objetos pequenos com precisão e facilidade. A fala do bebê nessa idade inclui apenas duas ou três palavras com significado, compreende ordens simples e olha e aponta corretamente para os objetos indicados. Inicia movimento de pinça fina, como segurar lápis. Aos 15 meses, já prefere caminhar ereta e fala cerca de 5 palavras.14

Com 18 meses, a criança já consegue andar com segurança e dar pequenas corridas, sobe e desce degraus baixos e se senta em cadeiras pequenas. Tem a capacidade de colocar até dez blocos de forma ordenada, o que demonstra aprimoramento associado à maturidade.14

Ao completar 24 meses, a criança já consegue ficar na ponta dos pés, chutar bolas, correr, pular, abrir maçanetas e tirar sozinho algumas peças de roupa. Já tem um vocabulário mais amplo e forma frases com substantivo e verbo, começa a diferenciar cores, formas e objetos. Um marco importante é o aprendizado do sentimento de posse, quando passa a entender o conceito de "meu" e "não".14(Tabela 1)

 

 

Instrumentos de Avaliação - testes e teorias sobre o desenvolvimento

Os cientistas do desenvolvimento estudam os três principais domínios ou aspectos do eu: físico, cognitivo e psicossocial. O crescimento do corpo e do cérebro, as capacidades sensoriais, as habilidades motoras e a saúde fazem parte do desenvolvimento físico. Aprendizagem, atenção, memória, linguagem, pensamento, raciocínio e criatividade compõem o desenvolvimento cognitivo. Emoções, personalidade e relações sociais são aspectos do desenvolvimento psicossocial.13

Dentre os muitos meios de avaliação que analisam o desenvolvimento, destacam-se: Teste de Denver II, Manual do AIDPI e Caderneta da Saúde da Criança.

 

Teste de Denver II

O Teste de Triagem do Desenvolvimento de Denver (DDST) foi publicado pela primeira vez em 1967, para ajudar os profissionais de saúde a detectar possíveis problemas de desenvolvimento em crianças pequenas. Desde sua publicação original, o DDST tem sido amplamente utilizado. Em decorrência do uso tão difundido, foram realizadas muitas descobertas e aprimoramentos, o que resultou em uma revisão mais abrangente do teste, culminando no desenvolvimento do DENVER II.15 (Figura 1)

 

 

O DENVER II foi projetado para ser usado com crianças aparentemente saudáveis, entre o nascimento e os seis anos de idade e avalia o desempenho de uma criança em várias tarefas apropriadas à idade. O teste é valioso na triagem de crianças assintomáticas para possíveis problemas, na confirmação de suspeitas intuitivas com uma medida objetiva e no monitoramento de crianças com risco de problemas de desenvolvimento, como aquelas que tiveram dificuldades perinatais.15

O teste é projetado para comparar o desempenho de determinada criança em uma variedade de tarefas para o desempenho de outras crianças da mesma idade. O DENVER II é composto por 125 tarefas, ou itens, que estão dispostos no formulário de teste em quatro setores para triagem das seguintes áreas de atuação: 15 pessoal-social (25 itens), motor fino-adaptativo (29 itens), motor grosso (32 itens) e linguagem (39 itens).16

• Pessoal-social - convivência com as pessoas e cuidado das necessidades pessoais;15

• Coordenação motora fina-adaptativa - coordenação olho-mão, manipulação de pequenos objetos e resolução de problemas;15

• Linguagem - ouvir, compreender e usar a linguagem;15

• Motor grosso - sentar-se, andar, pular e movimentos musculares amplos em geral.15

Os itens são organizados em ordem crescente de dificuldade no formulário de aplicação e são administrados diretamente com a criança; alguns deles podem ser respondidos pelos responsáveis. Cada item é representado por uma barra que indica as idades em que 25%, 50%, 75% e 90% das crianças da amostra padronizada conseguiram realizar a tarefa especificada.16

Para a avaliação, deve-se traçar uma linha de cima a baixo no formulário de aplicação, na idade em que a criança se encontra, e administrar os itens intersectados pela linha, além de três itens à esquerda e itens à direita, até que sejam registradas três falhas consecutivas em cada área. A pontuação do item é realizada conforme o comportamento observado, da seguinte forma: "P" para passou; "F" para falhou; "SO" para sem oportunidade e "R" para recusou.16

Posteriormente, cada item é classificado como: avançado (passar em um item completamente à direita da linha da idade), normal (passar ou falhar em um item entre as porcentagens 25-75%), cautela (falhar em um item entre as porcentagens 75-90%) ou atraso (falhar em um item à esquerda da linha da idade).16

Essa classificação do comportamento da criança ajuda o rastreador a avaliar subjetivamente o comportamento geral da criança e obter uma medida aproximada de como a criança usa suas habilidades.15

 

Manual para Vigilância do Desenvolvimento Infantil do Contexto da AIDPI

O Manual para Vigilância do Desenvolvimento Infantil no Contexto da Atenção Integrada das Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI) é um material com conhecimentos básicos sobre desenvolvimento nos dois primeiros anos de vida, que todo profissional da Atenção Primária à Saúde deve ter, para poder orientar adequadamente os pais sobre como acompanhar o desenvolvimento normal do seu filho, assim como, ao detectar atrasos ou desvios, saber que atitudes tomar. Não é um teste diagnóstico, mas um instrumento de avaliação mais amplo, ao mesmo tempo de fácil aplicação. O objetivo desse manual é estimular o profissional da atenção primária a avaliar o desenvolvimento da criança até 2 anos, sabendo por que isto é importante.17

O instrumento proposto para vigilância do desenvolvimento no contexto da AIDPI utiliza, para avaliar a criança, informações sobre fatores de risco, a opinião da mãe sobre o desenvolvimento do seu filho, a verificação do perímetro cefálico e observação da presença de alterações fenotípicas ao exame físico, assim como a observação de algumas posturas, comportamentos e reflexos presentes em determinadas faixas etárias da criança.17

Para as crianças da faixa etária de 0 a menos de 2 meses, foram observados alguns reflexos primitivos, posturas e habilidades nos primeiros dois meses de vida.17

Para a faixa etária de 2 meses a 2 anos de idade, foram utilizados 32 marcos do desenvolvimento, de fácil observação, divididos por oito faixas etárias, presentes em 90% (percentil 90) das crianças para aquela idade. Os marcos escolhidos para cada idade foram quatro, sendo um do motor grosso, um do motor fino, um da linguagem e um da interação pessoal-social.17

 

Caderneta de Saúde da Criança

No Brasil, a Caderneta de Saúde da Criança (CSC) é o instrumento recomendado pelo Ministério da Saúde, desde 2005, para acompanhar a saúde, o crescimento e o desenvolvimento da criança até os 10 anos de idade, com potencial para favorecer o diálogo entre a família e os profissionais de saúde.18

A Caderneta é distribuída gratuitamente a todas as crianças nascidas em território brasileiro e, ainda na maternidade, é entregue às famílias, que ficam responsáveis por levar o documento sempre que a criança necessitar de atendimento de saúde.18

O documento é dividido em duas partes. A primeira é dedicada aos responsáveis da criança, oferece informações e orientações para ajudar no cuidado na saúde da criança. Apresenta os direitos do menor de idade e dos pais, orientações sobre o registro de nascimento, amamentação e alimentação saudável, vacinação, crescimento e desenvolvimento, sinais de perigo de doenças graves, prevenção de acidentes e violências, entre outros. A segunda parte do documento é destinada aos profissionais de saúde, contém gráficos de crescimento, instrumento de vigilância do desenvolvimento e tabelas para registros das vacinas aplicadas que devem ser preenchidos durante a consulta.19

O desenvolvimento infantil é explicado na caderneta nos capítulos "Estimulando o desenvolvimento com afeto" e "Percebendo Alterações no Desenvolvimento". Ambos são destinados aos responsáveis da criança e retratam os principais marcos de desenvolvimento do nascimento aos 9 anos, assim como a importância do afeto e da estimulação nesse processo de maturação. Alerta, ainda, para a necessidade de os pais observarem sinais de atraso no desenvolvimento e orientam a procurar ajuda profissional caso haja anormalidades.19

Na parte destinada aos profissionais de saúde, o desenvolvimento da criança é retratado no capítulo "Acompanhando o desenvolvimento", o qual orienta sobre a avaliação da maturação infantil. Apresenta tabelas com os marcos do desenvolvimento esperados para cada faixa etária, divididos nas áreas de linguagem, psicossocial, motor grosso e motor fino. A tabela deve ser preenchida pelo especialista durante a puericultura e, em caso de atraso do desenvolvimento, orienta a conduta que deve ser seguida pelo profissional.19

A adequada utilização da caderneta pelas equipes de saúde possibilita maior valorização e apropriação do instrumento pela família, além de favorecer a adesão e a corresponsabilização pelas ações de vigilância da saúde de seus filhos.20(Tabela 2)

 

 

Exame inicial do neurodesenvolvimento

A avaliação inicial para distúrbios do neurodesenvolvimento de múltiplas etiologias envolve a elaboração de uma história clínica detalhada, ressaltando os dados da gestação, nascimento e período neonatal. Além disso, é essencial analisar a história familiar, destacando a importância do heredograma na identificação de padrões genéticos.21

No exame físico, é necessária a ênfase no perímetro cefálico e em alterações fenotípicas. Dentre as alterações fenotípicas mais comuns, destacam-se: fenda palpebral oblíqua, implantação baixa de orelhas, lábio leporino, fenda palatino, pescoço curto e/ou largo, prega palmar única e quinto dedo da mão curto e recurvado.19,21

Espera-se um perímetro cefálico de aproximadamente 35 cm para um recém-nascido a termo. Durante o primeiro trimestre, observa-se um crescimento mensal de 2 cm nesse perímetro. No segundo trimestre, há um desenvolvimento de 1 cm por mês. Entre os 6 e 12 meses, ocorre um aumento mensal de 0,5 cm, totalizando um crescimento anual de aproximadamente 12 cm. No segundo ano de vida, dos 12 aos 24 meses, a taxa anual de crescimento é de 2 cm.

Após o exame inicial e a avaliação dos principais marcos do desenvolvimento, através dos instrumentos de avaliação, a criança deve ser classificada em "Desenvolvimento adequado", "Alerta para o desenvolvimento" ou "Provável atraso no desenvolvimento", a fim de que seja seguida a conduta adequada.19

Se a criança apresentar um desenvolvimento adequado, com todos os marcos típicos para sua faixa etária, a orientação é elogiar o cuidador e solicitar que retorne para acompanhamento, conforme a rotina do serviço de saúde. Se o lactente for classificado como "Alerta para o desenvolvimento" (ausência de um ou mais marcos para a sua faixa etária, ou todos os marcos presentes, mas com a presença de um ou mais fatores de risco), é recomendável orientar o cuidado sobre estimulação da criança e marcar uma consulta de retorno em 30 dias.19

A rede de atenção especializada para a avaliação do desenvolvimento deve ser acionada caso a criança seja classificada como "Provável atraso no desenvolvimento" (perímetro cefálico menor que o percentil 10 ou maior que o percentil 90, presença de três ou mais alterações fenotípicas, ou ausência de um ou mais marcos para a faixa etária anterior).17,19

 

CONCLUSÃO

É possível concluir que a compreensão do desenvolvimento neuropsicomotor infantil envolve uma abordagem abrangente que considera a interação de diversos fatores biológicos, socioeconômicos, ambientais e cognitivos. A literatura científica e os documentos oficiais fornecem uma base sólida para a promoção de um desenvolvimento saudável em crianças, destacando a importância de políticas de saúde eficazes, intervenções precoces e instrumentos de triagem adequados. A colaboração interdisciplinar é fundamental para entender as complexas interações entre o desenvolvimento motor, sensorial, cognitivo e social.

A detecção precoce de possíveis atrasos no desenvolvimento é crucial para proporcionar intervenções oportunas que podem ter impacto significativo no futuro das crianças. Profissionais de saúde desempenham papel vital nesse processo, sendo os agentes comunitários de saúde frequentemente os primeiros a entrar em contato com as famílias e as crianças.

O desenvolvimento infantil é um campo vasto e crucial, com influências que vão desde fatores biológicos até fatores socioeconômicos, nutricionais e ambientais. É evidente que o estudo do desenvolvimento infantil é uma área em constante evolução, desempenhando papel vital na garantia de um futuro saudável para as gerações futuras. Portanto, a pesquisa bibliográfica apresentada contribui para ampliar o conhecimento de acadêmicos e profissionais especializados sobre os marcos do desenvolvimento neuropsicomotor e os métodos de avaliação, visando diagnosticar e detectar precocemente alguns desvios de normalidade, bem como acompanhar e estimular o desenvolvimento infantil, garantindo, assim, um crescimento saudável e bem-sucedido das crianças no contexto brasileiro.

 

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