Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 22(2) - Junho 2022

Artigo de Revisao

Qualidade de vida de crianças e adolescentes irmãos de indivíduos com transtornos crônicos neurológicos, do neurodesenvolvimento e da saúde mental: revisão de escopo

Quality of life of children and adolescents siblings of individuals with chronic neurological, neurodevelopmental and mental health disorders: a scoping review

 

Bruno Scofano Dias; Fernanda Marinho de Lima

 

DOI:10.31365/issn.2595-1769.v22i2p87-96

Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação, Pediatria do Desenvolvimento e do Comportamento, Rio de Janeiro - RJ - Brasil

 

Endereço para correspondência:

brunoscofano91@gmail.com

Recebido em: 08/09/2021

Aprovado em: 28/10/2021


Instituição: Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação, Pediatria do Desenvolvimento e do Comportamento, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

 

Resumo

OBJETIVO: Realizar revisão de escopo sobre a qualidade de vida de crianças e adolescentes irmãos de indivíduos com transtornos crônicos neurológicos, do neurodesenvolvimento e da saúde mental.
FONTES DE DADOS: A busca foi realizada nas bases de dados PubMed, Medline, SciELO e Google Scholar.
SÍNTESE DOS DADOS: No total, 1.664 artigos foram encontrados na pesquisa inicial. Destes, 1.061 duplicados foram removidos. Em seguida, 590 foram excluídos por falta de adequação após a leitura dos títulos e resumos e/ou do texto completo, resultando em um total de 13 estudos incluídos. Destes, cinco (38,6%) foram publicados nos últimos cinco anos e 100% nos últimos 15 anos, avaliando indivíduos de 3 a 18 anos, totalizando 1.741 amostras. Como um todo, em oito estudos (61,6%), os participantes tiveram pior qualidade de vida do que os respectivos controles.
CONCLUSÕES: Os resultados sugerem que irmãos de indivíduos com transtornos crônicos neurológicos, do neurodesenvolvimento e da saúde mental tendem a ter menor qualidade de vida, e que o equilíbrio entre fatores de risco e proteção determina o desfecho. Os resultados apontam para a necessidade da realização de novas pesquisas que investiguem a qualidade de vida, a satisfação com a vida e o bem-estar dessas crianças e adolescentes. Do ponto de vista prático, esta revisão de escopo alerta que, para esses irmãos, é essencial que pediatras, pediatras do desenvolvimento, neuropediatras e psiquiatras infantis percebam a presença de fatores de risco, que forneçam vigilância, avaliação e intervenção precoce e que mantenham foco e investimento nos fatores de proteção.

Palavras-chave: Irmãos. Qualidade de Vida. Criança.


Abstract

OBJECTIVE: To carry out a scoping review on the quality of life of children and adolescents siblings of individuals with chronic neurological, neurodevelopmental and mental health disorders.
DATA SOURCES: The search was performed in PubMed, Medline SciELO and Google Scholar databases.
DATA SYNTHESIS: Overall, 1,664 articles were found in the initial search process. Of these, 1,061 duplicates were removed. Then, 590 were excluded due to lack of appropriateness after reading the titles and abstracts and/or the full text, thus yielding a total of 13 included studies. Of the 13 articles, five (38.6%) were published in the last five years and 100% in the last 15 years, evaluating children and adolescents aged 3 to 18 years, totaling 1,741 samples. As a whole, in eight studies (61.6%) the participants had poorer quality of life than the respective controls.
CONCLUSIONS: The results suggest that siblings of individuals with chronic neurological, neurodevelopmental and mental health disorders tend to have a lower quality of life, and that the balance between risk and protective factors determines the outcome. The results point to the need for further research to investigate the quality of life, life satisfaction and well-being of these children and adolescents. From a practical point of view, this scoping review warns that for these siblings it is essential that pediatricians, developmental pediatricians, neuropediatricians and child psychiatrists perceive the presence of risk factors, provide surveillance, assessment and early intervention and maintain focus and investment in the protective factors.

Keywords: Siblings. Quality of Life. Child.

 

INTRODUÇÃO

A ligação afetiva entre irmãos desempenha papel importante no desenvolvimento inicial da personalidade da criança. O relacionamento entre irmãos é importante pelas seguintes razões: é considerado o mais longo na vida humana;1 pela variedade de papéis que irmãos podem desempenhar (amigo/competidor; cuidador/cuidado; professor/aluno; gerente/gerenciado); e pela presença do irmão funcionar, em algumas situações, como um "amortecedor" próximo em situações estressantes.1,2 Por todos estes motivos, a qualidade do relacionamento entre irmãos influencia vários aspectos da vida de crianças e adolescentes.1

Doença crônica é definida como uma condição intratável, de longo prazo.3,4 Os transtornos neurológicos, do neurodesenvolvimento e da saúde mental representam uma proporção significativa das doenças crônicas em crianças e adolescentes.5

Globalmente, de 1990 a 2015, o número total de anos de vida ajustados por incapacidade (DALYs) atribuídos a transtornos neurológicos em crianças diminuiu nas crianças com menos de 5 anos, e a maior sobrevivência daqueles com histórico de encefalopatia neonatal nas idades de 5 a 14 anos aumentou a sobrecarga dos cuidadores em geral. Durante esse período de 25 anos, o número total de anos vividos em estados de saúde precária ou em deficiência (YLDs) por transtornos neurológicos aumentou na faixa de 5 a 14 anos e diminuiu apenas ligeiramente nos menores de 5 anos. Em avaliação feita pelo Global Burden of Disease (GBD) em 2015, os DALYs de condições neurológicas representaram 15% do total de DALYs nas crianças, em todas as faixas etárias.5

Os transtornos do neurodesenvolvimento são um grupo de condições resultantes de deficiências que afetam as habilidades físicas e/ou intelectuais e/ou comunicativas e/ou comportamentais de uma criança.6 Em todo o mundo, 52,9 milhões de crianças menores de 5 anos tinham deficiências no neurodesenvolvimento em 2016. Essas deficiências representaram 13,3% dos 29,3 milhões de YLDs para todas as condições de saúde entre crianças menores de 5 anos em 2016.7

Em todo o mundo, 10 a 20% das crianças e adolescentes apresentam transtornos da saúde mental. A depressão é uma das principais causas de doença e incapacidade entre os adolescentes; metade de todos os transtornos da saúde mental começam aos 14 anos de idade e o suicídio é a terceira principal causa de morte em jovens de 15 a 19 anos.8

Receber um diagnóstico, conviver e cuidar de uma criança com um transtorno crônico neurológico, do neurodesenvolvimento ou da saúde mental pode ser uma tarefa árdua para a família como um todo, por causar sério estresse para os pais, por levar a mudanças na estrutura familiar e, consequentemente, levar individualmente a impacto psicossocial nos irmãos.3,9,10,11,12

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), qualidade de vida (QV) representa as percepções dos indivíduos sobre sua posição na vida no contexto da cultura e dos sistemas de valores em que vivem e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. É um conceito amplo que incorpora de forma complexa a saúde física, o estado psicológico, o nível de independência, as relações sociais, as crenças pessoais e suas relações com as características proeminentes do ambiente.13,14 O principal elemento dessa ideia é que a QV é uma percepção subjetiva das questões da vida, e não um indicador objetivo da vida.13,14,15 Assim, QV se refere a um julgamento somativo sobre todos os aspectos da vida de uma pessoa. Intuitivamente, qualquer consideração operacional da QV precisa ser congruente com a estrutura de QV da OMS.16 No contexto dos cuidados em saúde, a qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) costuma ser definida de forma ambígua, e pode representar vários conceitos, dependendo da avaliação do pesquisador.14,17 QVRS pode ser interpretada por alguns como uma visão ampla da saúde que inclui os domínios emocional e social, enquanto outros definem QVRS como o impacto objetivo de uma condição de saúde na vida de uma pessoa.14,18,19,20 A perspectiva da família pode ser acessada por meio da QV da família (QVF). QVF é definida como uma "sensação dinâmica de bem-estar, definida coletiva e subjetivamente por seus membros, em que as necessidades individuais e familiares interagem"21 que destaca a satisfação das necessidades da família, o prazer da vida familiar e se os familiares têm a oportunidade de fazer as coisas que para eles são importantes.12,22,23

A influência das crianças com deficiência sobre seus irmãos é modificada por vários fatores relacionados às características e à dinâmica de cada membro da família e da família como um todo. Viver com uma criança com deficiência e/ou doença crônica, portanto, pode levar a um impacto na QV dos seus irmãos.24,25 Com a crescente conscientização sobre o impacto significativo de um irmão no desenvolvimento do outro, e o potencial estresse e confusão de papéis que os irmãos podem experimentar quando há uma criança com deficiência e/ou doença crônica na família, é cada vez mais importante que as necessidades desses irmãos sejam consideradas e atendidas.26

Considerando esses aspectos, o presente estudo teve como objetivo realizar uma revisão de escopo sobre a QV de crianças e adolescentes irmãos de indivíduos com transtornos crônicos neurológicos, do neurodesenvolvimento e da saúde mental. Os autores levantaram a hipótese de que esses irmãos, em geral, apresentam prejuízo em sua QV.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

O estudo é caracterizado por uma revisão de escopo, com base nos critérios do PRISMA Extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR).27

Estratégia de pesquisa

As buscas foram realizadas em janeiro de 2021 nas seguintes bases de dados e com estes descritores específicos (idiomas: inglês, espanhol e português): PubMed ("siblings and quality of life"); Medline ("siblings and quality of life"; "hermanos y calidad de vida"; "irmãos e qualidade de vida"); SciELO ("siblings and quality of life"; "hermanos y calidad de vida"; "irmãos e qualidade de vida"); LILACs ("siblings and quality of life"; "hermanos y calidad de vida"; "irmãos e qualidade de vida"); e Google Schoolar ("siblings and quality of life"; "hermanos y calidad de vida"; "irmãos e qualidade de vida"). Nenhum filtro foi adicionado para limitações como idioma, público-alvo ou data de publicação.

Recrutamento e seleção

A identificação dos artigos para o fluxograma do estudo envolveu quatro fases: (a) identificação (recrutamento); (b) seleção (duplicatas); (c) elegibilidade (exclusão devido à ausência de elegibilidade de acordo com os critérios de inclusão) e (d) inclusão (inclusão dos restantes na revisão do escopo). Cada fase foi realizada separadamente por dois pesquisadores que examinaram de forma independente o título, o resumo e, quando disponível, o texto principal de cada estudo.

Critérios de inclusão e características do estudo

Foram utilizados os seguintes critérios de inclusão: estar diretamente relacionado à avaliação da QV em irmãos de indivíduos com transtornos crônicos neurológicos, do neurodesenvolvimento e da saúde mental; incluir irmãos de ambos os sexos, de 0 a 18 anos; estar publicado em inglês, português, espanhol ou francês; ser original; estar disponível em texto completo.

Extração e apresentação dos dados

Os transtornos crônicos neurológicos, do neurodesenvolvimento e da saúde mental são grupos com um grande número de condições. Por esse motivo, com o objetivo de não tornar a pesquisa muito genérica e inespecífica, para a extração de dados e apresentação dos estudos eleitos para esta revisão de escopo, optou-se por organizar os artigos em quatro grupos de acordo com os diagnósticos dos irmãos dos participantes: transtornos do neurodesenvolvimento (TND); transtornos crônicos neurológicos (TCN); transtornos da saúde mental (TSM); transtornos mistos (TM - transtornos crônicos do neurodesenvolvimento, neurológicos e da saúde mental). Uma tabela pré-formatada foi usada para registrar autor principal, ano de publicação e local do estudo; periódico; grupo e diagnósticos dos irmãos dos participantes; delineamento do estudo; número de participantes, faixa etária e proporção percentual entre gêneros; escala de QV utilizada; e resultados mais relevantes.

 

RESULTADOS

A tabela 1 mostra o número de artigos recuperados por descritor e o número total de artigos recuperados em cada base de dados. No total, 1.664 artigos foram encontrados no processo inicial de busca. Destes, 1.061 duplicatas foram removidas. Em seguida, 590 foram excluídos por falta de adequação após a leitura dos títulos e resumos e/ou dos textos completos (para aqueles com texto completo disponível), resultando em um total de 13 estudos incluídos na revisão de escopo, conforme apresentado no fluxograma (figura 1).

 

 

 


Figura 1. Fluxograma de elegibilidade para o estudo de acordo com os critérios do PRISMA-ScR.

 

A tabela 2 mostra descritivamente os dados dos 13 artigos incluídos na revisão. A tabela 3 resume quantitativamente a interpretação dos dados dos 13 artigos incluídos na revisão. A maior parte dos artigos (92.3%) foi publicada nos últimos 10 anos e todos (100%) nos últimos 15 anos. Foram avaliados crianças e adolescentes com idades entre 3 e 18 anos, totalizando 1.741 indivíduos. Os estudos foram realizados em quatro continentes (Europa, América, Ásia e Oceania). A maior parte dos artigos (46.2%) foi incluída no grupo TND, e o diagnóstico mais frequente (23%) entre os irmãos dos indivíduos estudados foi de transtorno do espectro autista (TEA). Os estudos tiveram mais frequentemente (92.4%) delineamentos transversal e caso-controle. Apenas 15.3% dos artigos usaram a mesma escala para avaliação da QV (The 87-item Child Health Questionnaire). A maior parte dos artigos (66.6%) do grupo TND concluiu que os participantes tinham prejuízo na QV em relação aos seus respectivos controles. Um (50%) dos estudos do grupo TCN não identificou diferenças na QV entre participantes e controles e o outro (50%) concluiu que nas escalas de autorrelato das crianças não houve diferenças e que, nas escalas de relato dos pais, estes consideraram que os participantes tinham pior QV em comparação com os controles. Em todos (100%) os artigos do grupo TSM os participantes tinham pior QV em relação aos controles. Na maior parte (75%) dos estudos incluídos no grupo TM, concluiu-se que os participantes tinham prejuízo na QV em comparação aos controles. Como um todo, dos 13 estudos, em oito (61,6%) os participantes tiveram a QV prejudicada em relação aos respectivos controles.

 

 

 

 

DISCUSSÃO

O objetivo desta revisão de escopo foi reunir e analisar os dados de literatura sobre o impacto de viver e ser criado com um irmão ou irmã com transtornos crônicos neurológicos, do neurodesenvolvimento e da saúde mental na QV dos irmãos (crianças e adolescentes).

A QVRS de pessoas com doenças crônicas tem sido objeto de discussões e de pesquisas nas últimas duas décadas, não só dos pacientes, mas também dos familiares ou dos cuidadores dos pacientes.39 Embora o conceito de QV aborde aspectos e processos de vida semelhantes para todos, é um constructo pessoal e único que é mais bem visto da própria perspectiva do indivíduo.28,40,41 A sobrecarga gerada pelos cuidados com uma criança com deficiência e/ou doença crônica influencia não apenas individualmente os membros da família, mas também o sistema familiar como um todo.28

Fator de risco pode ser definido como um fator que aumenta a vulnerabilidade de uma pessoa ou de um grupo para desenvolver problemas. O impacto de fatores biológicos e de predisposições genéticas, psicossociais (individuais e familiares), sociais e ambientais no desenvolvimento infantil tem sido objeto de inúmeros estudos nas últimas décadas. As crianças, em geral, podem estar expostas ao longo da infância a diversas situações que podem constituir riscos potenciais, entre elas, a convivência com condições psicológicas adversas. Nos últimos 50 anos, inúmeras medidas reduziram a mortalidade infantil, aumentando a capacidade de sobrevivência. No entanto, houve um aumento de novos problemas, reunidos sob a denominação de "nova morbidade" ou "morbidade oculta", definida como o conjunto de situações e de influências do ambiente que afetam o desenvolvimento infantil.42 Nesse sentido, o papel do estresse tóxico na infância tem sido cada vez mais identificado como mecanismo produtor de morbidades subsequentes, com foco nos transtornos psicopatológicos, cardiovasculares e imunológicos.43 Fatores de proteção são aspectos da experiência individual, familiar e social que favorecem proteção física e psicossocial para a criança. Existe um equilíbrio entre os fatores de risco e os fatores de proteção. A resistência da criança ao estresse é relativa, não absoluta, e varia de acordo com as circunstâncias ambientais e constitucionais de cada um.42

Em uma família existem alguns subsistemas. Em cada subsistema, dois ou mais membros da família se relacionam e se influenciam mutuamente.1 Os impactos que os pais trazem sobre o desenvolvimento dos filhos são amplamente estudados e em uma díade irmão-irmão, ambos deveriam ser relativamente iguais. No entanto, a prática dos pais é mais direcionada a um objetivo ou propósito da paternidade/maternidade, em que os pais tendem a aplicar práticas diferentes para cada irmão de acordo com as características e com as necessidades próprias de cada um.44,45 Um aspecto importante na vida da criança e do adolescente é a percepção sobre o tratamento diferencial recebido dos pais; aliás, mais do que a forma como os pais tratam seus filhos, parece ser mais importante a forma como isso é entendido pelos filhos.1

O estresse e a sobrecarga associados a cuidar de uma criança com um transtorno crônico neurológico, do neurodesenvolvimento e da saúde mental resultam, consequentemente, em que o tempo restante de atenção dos pais fornecido aos irmãos seja mais escasso e, mais importante, que a qualidade do tempo dos pais gasto com os irmãos seja reduzida. Irmãos saudáveis de crianças com deficiências e /ou doenças crônicas vivenciam emoções como retraimento, agressividade, depressão, ansiedade, culpa e isolamento. Como resultado, eles podem se sentir solitários, ignorados, excluídos, negligenciados e rejeitados, com maior risco para baixo desempenho escolar e para baixa autoestima.3,46,47,48,49,50,51 Estudos evidenciaram que o desenvolvimento de depressão e de ansiedade foram mais comuns em irmãos de crianças com doenças crônicas do que em irmãos de crianças saudáveis; essas crianças também mostraram menos comunicação com seus colegas e apresentaram um risco aumentado para a internalização de problemas e para o desenvolvimento de um autoconceito negativo.3,10,52

A avaliação da QV de irmãos de crianças com uma deficiência e/ou doença crônica permite mensurar a extensão do prejuízo funcional sofrido e orientar sobre as estratégias para reduzir o impacto negativo nos irmãos de alto risco.3,53

 

CONCLUSÃO

A maioria (mais de 60%) dos artigos incluídos nesta revisão de escopo concluiu que os irmãos de indivíduos com transtornos crônicos neurológicos, do neurodesenvolvimento e da saúde mental tinham prejuízo na QV em relação aos seus respectivos controles. Além de mensurar a QV desses irmãos, estes estudos também mostraram outros prejuízos específicos em alguns aspectos. Alguns dos estudos acessaram a presença de aspectos da experiência dos irmãos que podem ser considerados fatores de proteção e que são importantes para uma boa QV. Tais prejuízos específicos e fatores de proteção (resumidos na tabela 4) somam-se, combinam-se e interagem entre si e com aspectos ligados às características individuais dos irmãos, ao comportamento dos pais, às características físicas e/ou intelectuais e/ou comportamentais e/ou de saúde geral de seus irmãos e irmãs, e como eles percebem a reação da sociedade ao seu redor, positiva (apoiadora) ou negativa (crítica e não solidária).24,28,30

 

 

Na presente revisão de escopo, a hipótese do estudo foi confirmada e os resultados sugerem que irmãos de indivíduos com transtornos crônicos neurológicos, do neurodesenvolvimento e da saúde mental tendem a ter um prejuízo na QV (geral e relacionada à saúde). Também podemos supor que os fatores de risco e de proteção produzidos pelos aspectos individuais, familiares e externos atuam ativamente no processo de construção da QV desses irmãos, e que o equilíbrio entre os fatores de risco e de proteção determina o desfecho. Intervenções que maximizam os fatores de proteção em relação aos fatores de risco podem influenciar positivamente no resultado final da QV desses irmãos.

Apesar do pequeno número de artigos incluídos nesta revisão e do fato de que diferentes instrumentos de mensuração de QV tenham sido aplicadas nos estudos, os resultados apontam para a necessidade da realização de novas pesquisas que investiguem a QV, a satisfação com a vida e o bem-estar de crianças e adolescentes irmãos de indivíduos com doenças crônicas neurológicas, do neurodesenvolvimento e da saúde mental. Do ponto de vista prático, esta revisão de escopo alerta que para esses irmãos é essencial que pediatras, pediatras do desenvolvimento, neuropediatras e psiquiatras infantis percebam a presença de fatores de risco, que forneçam vigilância, avaliação e intervenção precoce e que mantenham foco e investimento nos fatores de proteção.

 

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