Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 22(1) - Março 2022

Comunicaçao breve

Estudo exploratório sobre a mortalidade por suicídio entre crianças e adolescentes no Brasil

Exploratory study on suicide mortality among children and adolescents in Brazil

 

Dafne de Albuquerque Simão1; Eugênio de Moura Campos2; Maximiliano Loiola Ponte de Souza3

 

DOI:10.31365/issn.2595-1769.v22i1p2-6

1. Hospital Universitário Walter Cantideo, Programa de Residencia Médica em Psiquiatria - Fortaleza - Ceará - Brasil
2. Universidade Federal do Ceará, Departamento de Medicina Clinica - Fortaleza - Ceará - Brasil
3. Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) no Ceará, Grupo Temático Saúde da Familia - Eusébio - Ceará - Brasil

 

Endereço para correspondência:

maxkaelu@hotmail.com

Recebido em: 01/03/2021
Aprovado em: 28/08/2021


Instituição: Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) no Ceará, Grupo Temático Saúde da Familia - Eusébio - Ceará - Brasil

 

Resumo

INTRODUÇÃO: O suicídio é um importante problema de saúde pública e vem aumentando nos mais jovens. A literatura focada nestes seguimentos é escassa. Parte dos estudos agrega numa única categoria a população de 10 a 19 anos, desconsiderando as diferenças existentes entre crianças (10 a 14 anos) e adolescentes (15-19 anos).
OBJETIVOS: Descrever de forma comparativa as características e as taxas de suicídio entre crianças (10-14 anos) e adolescentes (15-19 anos) no Brasil.
MÉTODO: Estudo descritivo, compreendendo o período de 2012 a 2016, utilizando dados dos sistemas nacionais de informação. Foram selecionados óbitos de pessoas com idades de 10 a 19 anos, cuja causa básica foi classificada como "lesões autoprovocadas voluntariamente".
RESULTADOS: O método mais utilizado foi o enforcamento. O segundo método mais comum variou conforme o sexo, no masculino foi mais frequente a arma de fogo e no feminino, a intoxicação. O óbito ocorreu mais frequentemente em domicílio. Meninas e adolescentes do sexo feminino morreram mais frequentemente em hospitais/ estabelecimentos de saúde. Entre crianças houve maior percentual de indígenas. Entre crianças, a taxa de mortalidade por suicídio foi de 0,8/100 mil (0,9/100 mil, em meninos e 0,7/100 mil, em meninas). Já entre adolescentes, a taxa foi de 4,2/100 mil, sendo 6,0/100 mil no sexo masculino e 2,4/100 mil no feminino. As taxas variaram conforme as macrorregiões.
CONCLUSÃO: Evidenciou-se um conjunto de assimetrias de gênero e variações nas taxas de suicídio entre crianças e adolescentes potencialmente úteis para elaboração de estratégias de prevenção deste agravo.

Palavras-chave: Suicídio Consumado. Criança. Adolescente. Brasil. Epidemiologia.


Abstract

INTRODUCTION: Suicide is an important public health problem and has been increasing in the youngers. The literature focused on these segments is scarce. Part of these studies aggregates the population aged 10-19 in a single category, disregarding the important differences between the groups, which in suicide studies are conventionally called children (10-14 years old) and adolescents (15-19 years old).
OBJECTIVES: To describe, in a comparative way, the characteristics and rates of suicide among children (10-14 years old) and adolescents (15-19 years old) in Brazil.
Method: Descriptive study, covering the period from 2012 to 2016, using data from national information systems. Deaths of people aged 10-19 years, whose basic cause was classified as "voluntary self-harm", were selected.
RESULTS: The most used method was hanging. The second most common method varied according to sex - in males, firearms were more frequent and in females, intoxication. Death occurred more frequently at home. Female girls and adolescents died more frequently in hospitals/health facilities. Among children, there was a higher percentage of indigenous people. Among children, the suicide mortality rate was 0.8/100,000 (0.9/100,000 for boys and 0.7/100,000 for girls). Among adolescents, the rate was 4.2/100,000, being 6.0/100,000 for males and 2.4/ 00,000 for females. Rates varied according to macro-regions.
CONCLUSION: Gender asymmetries and variations in suicide rates among children and adolescents, potentially useful for the elaboration of strategies to prevent this disease, were evidenced.

Keywords: Suicide, Completed. Child. Adolescent. Brazil. Epidemiology.

 

INTRODUÇÃO

O suicídio é um importante problema de saúde pública no mundo, ocorrendo de forma desigual entre diferentes faixas etárias, no que se refere a suas características e magnitude.1 Embora existam evidências de que o suicídio vem aumentando nas faixas etárias mais jovens, ainda é escassa a literatura focada nestes seguimentos, sendo produzida em boa parte em países desenvolvidos2,3. Por outro lado, parte desses estudos agrega numa única categoria a população de 10 a 19 anos, desconsiderando as importantes diferenças existentes entre os grupos, que nos estudos de suicídio convencionou-se chamar de crianças (10-14 anos) e de adolescentes (15-19 anos).4,5 Assim, o objetivo deste trabalho foi descrever de forma comparativa as características e as taxas de suicídio entre crianças e adolescentes no Brasil.

 

MÉTODOS

Desenho do estudo

Estudo descritivo, compreendendo o período de 2012 a 2016.

População do estudo

Em 2010, de acordo com o censo demográfico,6 a população brasileira era estimada em 190.755.799 pessoas. Destas, 17,9% estavam no grupo etário de 10-19 anos. A maior parte desta subpopulação residia nas macrorregiões Sudeste (38,7%) e Nordeste (30,4%), seguidas pela Sul (13,6%), Norte (10%) e Centro-Oeste (7,4%). No Brasil e em todas as macrorregiões, aproximadamente 50% da população de 10-19 anos estava nos subgrupos de 10-14 (crianças) e 15 a 19 anos (adolescentes).

Fonte de dados

Os dados de mortalidade foram obtidos no Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde do Brasil. Os dados populacionais foram estimados a partir dos censos oficiais de 2000 e 2010, por meio de interpolação geométrica anual.

Critérios de inclusão

Foram selecionados os óbitos de pessoas com idades entre 10-19 anos, cuja causa básica foi classificada como "Lesões autoprovocadas voluntariamente" (códigos X60-X84),7 ocorridos no Brasil no período de 2012-2016.

Variáveis investigadas

As variáveis investigadas foram: faixa etária (10-14 e 15-19 anos); sexo; método utilizado; local de ocorrência do óbito e raça/cor da pele, e macrorregião.

Mensuração e análise estatística

Em todas as mensurações realizadas, os casos foram divididos em crianças (10-14 anos) e adolescentes (10 a 19 anos), e, posteriormente, subdivididos em sexos masculino e feminino. Para caracterização dos óbitos por suicídio, foram calculadas frequências absolutas e relativas (expressas em percentuais), utilizando as variáveis selecionadas. As taxas de mortalidade por suicídio foram calculadas pela razão entre o número de suicídios e a respectiva população, sendo expressão em suicídio/100 mil habitantes. Para estes indicadores, foram também calculados intervalos de confiança de 95% (IC95%). Na análise, considerou-se que havia diferença estatística entre os grupos quando não havia intersecções, considerando seus intervalos de confiança.

 

RESULTADOS

Foram registrados 4.142 óbitos por suicídio na faixa etária de 10-19 anos no Brasil, sendo 84,2% em adolescentes. Segundo a Tabela 1, o método mais utilizado, tanto em crianças quanto em adolescentes, foi o enforcamento. O segundo método mais comum variou conforme o sexo. No sexo masculino, tanto em crianças como em adolescentes foi o uso da arma de fogo (9,8% e 9,3%) e no feminino foi a intoxicação (21,1% e 20,8%). Tanto em crianças como em adolescentes, a substância mais utilizada para intoxicação foi o pesticida (41,7% e 38,5%).

 

 

Independentemente do grupo etário, o óbito ocorreu mais frequentemente em domicílio. Meninas e adolescentes do sexo feminino morreram mais frequentemente em hospitais e estabelecimentos de saúde (30,9% e 20,9%) do que os do sexo masculino (19,6% e 15,7%). Observou-se, ainda, maior de ocorrência de suicídio em via pública em adolescentes (5,9%), quando comparados a crianças (2,9%). Entre crianças houve maior percentual de indígenas, 10,7%, quando comparado aos adolescentes, 5,7%.

Entre crianças, a taxa de mortalidade por suicídio foi de 0,8 (0,7-0,8)/100 mil [0,9 (0,8-1,0)/100 mil, em meninos e 0,7 (0,6-0,7)/100 mil, em meninas). Já entre adolescentes, a taxa foi de 4,2 (4,1-4,3)/100 mil, sendo 6,0 (5,8-6,2)/100 mil no sexo masculino e 2,4 (2,2- 2,5)/100 mil no feminino. As taxas de mortalidade foram mais elevadas entre adolescentes, em comparação a crianças, no país e em todas as macrorregiões. A macrorregião com maior taxa entre crianças foi a Norte, seguida pelas Centro-Oeste e Sul. As macrorregiões com maiores taxas entre adolescentes foram Centro-Oeste e Norte, seguidas pela Sul (Tabela 2).

 

 

DISCUSSÃO

O enforcamento foi o método mais utilizado em crianças e adolescentes, de modo semelhante ao observado na literatura.1 Porém de modo diverso ao recorrentemente publicado,1,3,4 não se verificou no Brasil diminuição da utilização deste método com o aumento da idade, na medida em que não se encontrou diferença estatística na frequência de enforcamento entre os grupos etários. Tal fato complexifica a prevenção do suicídio em adolescentes, na medida em que estratégias de restrição de acesso são pouco efetivas nas situações de enforcamento.1

Observaram-se ainda diferenças de gênero, no que se refere ao segundo método mais utilizado. Pessoas do sexo feminino utilizaram mais frequentemente a intoxicação, enquanto as do masculino utilizaram a arma de fogo. Cabe destacar que esta diferença ocorreu independentemente da faixa etária, sendo observado tanto em crianças, quanto em adolescentes. Diferentemente do enforcamento, as mortes por intoxicação e pelo uso da arma de fogo são mais sensíveis a estratégias de restrição de acesso,1 que deveriam ser implantadas reconhecendo-se essas assimetrias de gênero.

O óbito, independentemente do sexo ou faixa etária, ocorreu com mais frequência em domicílio. Tal fato pode estar relacionado à alta letalidade do método mais utilizado, o enforcamento, que diminui as chances de atendimento hospitalar.1 Meninas e adolescentes do sexo feminino morreram mais frequentemente em hospitais do que as pessoas do sexo masculino, o que pode estar associado à maior frequência do uso da intoxicação nesses grupos, método de menor letalidade que mais permitiria o atendimento hospitalar. Já os adolescentes morreram mais frequentemente em via pública do que crianças.

Uma possível explicação para este achado seria que a menor circulação das crianças fora do espaço doméstico em comparação aos adolescentes. Estes achados em conjunto apontam o domicílio como importante contexto para a prevenção não só de acidentes, como bem reconhecido na literatura,8 mas também para de mortes autoinflingidas, bem como para complexas interações que podem ser estabelecidas entre método e de local de ocorrência do suicídio.

Observou-se entre crianças um maior percentual de indígenas do que entre adolescentes, 10,7% e 5,7%, respectivamente. Tal comportamento descendente foi observado em Queensland, Austrália, mantendo-se o padrão de queda inclusive na fase adulta.5 É bem conhecido que a ocorrência de suicídio, em vários locais do mundo, é maior entre indígenas do que não entre não indígenas, inclusive no Brasil.9 Dados do nosso estudo, como os da Austrália,5 apontam que a iniquidade étnico-racial relacionada às populações indígenas, no que se refere ao suicídio, tende a se expressar de forma mais contundente nas faixas etárias mais baixas. No Brasil, por exemplo, a taxa de mortalidade por suicídio entre crianças indígenas é 18 vezes maior do que entre não indígenas.10

As taxas de suicídio entre crianças e adolescentes no Brasil (0,8 e 4,2/100 mil) foram inferiores às estimadas para o mundo, 1/100 mil e 6/100 mil, respectivamente.11 A literatura, entretanto, demonstra uma tendência de aumento dessas taxas em ambos os grupos no Brasil.12 Por outro lado, observaram-se também variações entre as macrorregiões. Destacam-se os valores mais elevados encontrados nas macrorregiões Norte e Centro-Oeste. Conforme a literatura, estados dessas macrorregiões apresentam elevadas taxas de suicídio entre crianças e adolescentes indígenas,13,14 o que poderia explicar, pelo menos em parte, as mais elevadas taxas observadas nesses contextos.

Outro destaque é para a macrorregião Sul, que apresenta as mais elevadas taxas de mortalidade por suicídio na população geral,15 podendo o suicídio nas faixas etárias mais jovens ser considerado parte de fenômeno mais amplo. De todo modo, estudos adicionais são necessários para melhor compreensão das variações das taxas de suicídio observadas entre as macrorregiões.

Dentre as limitações deste trabalho, destaca-se o uso exclusivo de dados secundários, oriundos das declarações de óbito, o que limita as variáveis passíveis de exploração. Ressalta-se a necessidade de estudos adicionais que explorem detalhadamente o modo de acesso aos meios letais (sobretudo armas, medicamentos e outras substâncias), a questão da morbidade psiquiátrica e o contexto sociocultural, econômico e familiar dos óbitos por suicídio entre crianças e adolescentes.

De todo modo, as taxas de suicídio entre crianças e adolescentes no Brasil ratificam achados internacionais de tendência de aumento da mortalidade por esta causa de óbito com a idade e de diferenças na assimetria de gênero entre estes dois grupos.3,4 Nos adolescentes, a taxa no sexo masculino foi 2,5 vezes maior no sexo masculino do que no feminino; enquanto em crianças foi de 1,3 vez.

Em estudo envolvendo 101 países, as taxas no sexo masculino foram 2,5 maior entre adolescente e 1,6 vez maior entre crianças.1 Tais achados parecem estar relacionados à maior prevalência de fatores de risco para o suicídio, tais como transtornos mentais e uso de substâncias no sexo masculino, que tenderiam a se tornar evidentes na adolescência.3,4

Por fim, destaca-se a necessidade de implantação de estratégias de prevenção do suicídio entre crianças e adolescentes que reconheçam as variações etárias, de gênero, etnorraciais e espaciais aqui apresentadas.

 

CONCLUSÃO

Por meio deste trabalho, podemos agregar conhecimento à ainda escassa literatura a respeito do suicídio nas faixas etárias mais jovens, apresentando dados comparativos, em escala nacional, do mais populoso país da América do Sul. Podemos ratificar o aumento das taxas com idade e apresentar um conjunto de assimetrias de gênero, potencialmente úteis para a elaboração de estratégias de prevenção desse importante, crescente e dramático problema de saúde pública.

 

REFERÊNCIAS

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12. Fernandes FY, Freitas BHBM, Marcon SR, Arruda VL, Lima NVP, Bortolini J, Gaíva MA. Tendência de suicídio em adolescentes brasileiros entre 1997 e 2016. Epidemiol. Serv. Saude 2020;29(4):e2020117.

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