Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 20(3) - Setembro 2020

Artigo Original

Emagrecimento de crianças obesas se correlaciona com melhoria dos componentes da síndrome metabólica?

Does weight loss in obese children correlate with improved metabolic syndrome components?

 

João Lucas Mendes1; Isabel Rey Madeira2; Fernanda Mussi Gazolla3; Cecilia Lacroix de-Oliveira4; Camila Gonçalves Pessanha1; Paulo Ferrez Collett Solberg5; Nadia Cristina P. Rodrigues6; Clarice Borschiver de-Medeiros3; Daniel Luis Schueftan3; Claudia Braga Monteiro3; Ana Paula N. Bordallo3

 

DOI:10.31365/issn.2595-1769. v20i3p90-95

1. Faculdade de Ciências Médicas, Medicina - Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - Brasil
2. Hospital Universitário Pedro Ernesto, Departamento de Pediatria - Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - Brasil
3. Hospital Universitário Pedro Ernesto, Unidade Docente Assistencial de Endocrinologia e Metabologia - Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - Brasil
4. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Departamento de Nutrição Aplicada do Instituto de Nutrição da UERJ - Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - Brasil
5. Faculdade de Ciências Médicas, Unidade Docente Assistencial de Endocrinologia do Departamento de Medicina Interna - Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - Brasil
6. Faculdade de Ciências Médicas, Departamento de Tecnologia da Informação e Educação em Saúde - Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - Brasil

 

Endereço para correspondência:

mayararozante@gmail.com

Recebido em: 30/05/2020

Aprovado em: 23/07/202


Instituição: Famema, Medicina - Marília - Sp - Brasil

 

Resumo

INTRODUÇÃO: A obesidade é uma doença endêmica. O excesso de peso pode associar-se a condições como dislipidemia, diabetes mellitus tipo 2 (DM2) e hipertensão arterial sistêmica (HAS), que favorecem a ocorrência de doenças cardiovasculares (DCV).
OBJETIVO: Verificar a correlação entre índices antropométricos e marcadores metabólicos de risco para DCV em crianças com excesso de peso após pelo menos um ano de intervenção nutricional, observando se houve correlação entre perda de peso e melhora dos fatores de risco para DCV.
MÉTODO: Estudo longitudinal com 68 crianças com excesso de peso, sendo 33 meninos e 35 meninas oriundas do ambulatório de pediatria geral de um hospital universitário. Comparou-se com diferença de pelo menos um ano de intervenção nutricional e orientação quanto a atividade física as medianas de escore Z de IMC (ZIMC), cintura no ponto médio entre a última costela e a crista ilíaca (CPM), cintura na crista ilíaca (CCI), pressão arterial sistólica (PAS), diastólica (PAD), triglicerídeo (TG), colesterol total (CT), LDL, HDL, glicose, insulina e HOMA-IR. Foram calculadas as diferenças (deltas) destas medianas nos dois momentos. Correlacionaram-se por regressão linear simples deltas de: ZIMC com HDL; HOMA-IR com CPM, CCI, PAS e PAD.
RESULTADO: Medianas das primeiras x segundas medidas; medianas dos deltas: ZIMC 3 X 2,82; -0,22 (p = 0,0001); HDL 43,5 X 46 mg/dL; 2,5 (p = 0,03); LDL 104,3 X 107mg/dL; -5,5 (p = 0,20); CCI 89 X 89,1cm; 3,90 (p = 0,001); CPM 80,25 X 86,75cm; 4,65 (p = 0,0001); PAS 100 X 107,5mmHg; 10,0 (p = 0,003); PAD 60 X 68mmHg; 0,0 (p = 0,04); insulina 13,2 X 20,2μIU/mL; 1,8 (p = 0,17); HOMA-IR 2,6 X 4,92; 1,055 (p = 0,001); CT 170 X 174,5mg/dL; 1,0 (p = 0,80); TG 94,5 X 98 mg/dL; -0,5 (p = 0,49). A regressão linear simples mostrou correlação de delta ZIMC com delta HDL (p = 0,017; R2 ajustado 0,0812). Não há correlação do delta HOMA-IR com os deltas CPM, CCI, PAS e PAD.
CONCLUSÃO: Após um ano de intervenção nutricional, ocorreram diminuição dos índices do ZIMC e aumento do HDL nos participantes. Para cada acréscimo de 1U na variação do delta ZIMC, há decréscimo de 4,3U na variação do delta HDL. Por outro lado, houve piora de outros índices antropométricos e marcadores metabólicos de risco para DCV. Ressaltamos que intervenção tradicional, de recomendações nutricionais e de atividade física, é eficaz no emagrecimento de crianças obesas, mas não no combate a todos os fatores de risco para DCV.

Palavras-chave: Obesidade pediátrica. Perda de Peso. Síndrome Metabólica. Resistência à Insulina


Abstract

INTRODUCTION: Obesity is an endemic disease. Excess weight can be associated with conditions such as dyslipidemia, type 2 diabetes mellitus (DM2) and systemic arterial hypertension (SAH), which favor the occurrence of cardiovascular diseases (CVD).
OBJECTIVE: To verify the correlation between anthropometric indices and metabolic markers of risk for CVD in children with excess weight after at least one year of nutritional intervention, observing if there was a correlation between weight loss and improvement of CVD risk factors.
METHOD: Longitudinal study with 68 overweight children (33 boys and 35 girls) from the general pediatric outpatient clinic of a university hospital. With a difference of at least one year of nutritional intervention and orientation regarding physical activity, the median Z score of BMI (ZIMC), waist at the midpoint between the last rib and the iliac crest (WMP), waist at the iliac crest (ICC), systolic blood pressure (SBP), diastolic (DBP), triglyceride (TG), total cholesterol (TC), LDL, HDL, glucose, insulin and HOMA-IR were compared. The differences (deltas) of these medians were calculated at both times. Correlated by simple linear regression deltas of: ZIMC with HDL; HOMA-IR with WMP, ICC, SBP and DPB.
RESULT: Medians of the first x second measures; medians of the deltas: ZIMC 3 X 2.82; -0.22 (p = 0.0001); HDL 43.5 X 46 mg / dL; 2.5 (p = 0.03); LDL 104.3 X 107mg / dL; -5.5 (p = 0.20); ICC 89 X 89.1 cm; 3.90 (p = 0.001); WMP 80.25 X 86.75cm; 4.65 (p = 0.0001); SBPS 100 X 107.5mmHg; 10.0 (p = 0.003); DBP 60 X 68mmHg; 0.0 (p = 0.04); insulin 13.2 X 20.2μIU / mL; 1.8 (p = 0.17); HOMA-IR 2.6 X 4.92; 1.055 (p = 0.001); TC 170 X 174.5 mg / dL; 1.0 (p = 0.80); TG 94.5 X 98 mg / dL; -0.5 (p = 0.49). Simple linear regression showed a correlation between delta ZIMC and delta HDL (p = 0.017; adjusted R2 0.0812). There is no correlation between the HOMA-IR delta and the WMP, ICC, SBP and DBP deltas.
CONCLUSION: After one year of nutritional intervention, there was a decrease in ZIMC indices and an increase in HDL in the participants. For each 1U increase in the ZIMC delta variation, there is a 4.3U decrease in the HDL delta variation. On the other hand, there was a worsening of other anthropometric indices and metabolic risk markers for CVD. We emphasize that traditional intervention, nutritional recommendations, and physical activity is effective in weight loss for obese children, but not in fighting all risk factors for CVD.

Keywords: Pediatric Obesity. Weight Loss. Metabolic Syndrome. Insulin Resistance.

 

INTRODUÇÃO

A prevalência da obesidade tem aumentado em todo o mundo, tornando-se endêmica.1 Isso ocorre por conta das mudanças no estilo de vida da sociedade, que levam ao desbalanço energético quando os indivíduos ingerem mais energia do que gastam, com consequente aumento do tecido adiposo. A doença é crônica e multifatorial, podendo estar relacionada à predisposição genética.2

A obesidade é definida como um acúmulo anormal ou excessivo de tecido adiposo que provoca riscos à saúde, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).3 O tecido adiposo pode ser subcutâneo ou visceral. Este último possui forte relação com resistência insulínica (RI),4 além de produzir grandes quantidades de citocinas inflamatórias, que levam a um desarranjo no metabolismo da glicose.5 Por isso, a obesidade é também considerada uma doença inflamatória sistêmica crônica.6 A RI e o aumento das citocinas têm papel fisiopatológico importante nas doenças associadas à obesidade, notadamente as doenças cardiovasculares (DCV).

A RI ocorre com a ineficiência da insulina plasmática em realizar a captação periférica de glicose, suprimir a gliconeogênese hepática e impedir a produção de LDL, levando ao aumento da liberação de ácidos graxos livres e glicerol. Para a confirmação da presença de RI, pode-se utilizar o índice Homeostasis Model Assessment for Insulin Resitance (HOMA-IR), que consiste na multiplicação da glicemia (mmol/L) pela insulina (µUI/mL), ambas em jejum, e dividindo-se por 22,5.7 Nenhum método para a confirmação da RI tem ponto de corte consensual na faixa etária pediátrica.

Em crianças, o excesso de peso e sua classificação (sobrepeso, obesidade ou obesidade grave) são definidos com base no índice de massa corporal (IMC). Este é estimado pela relação entre o peso e o quadrado da altura do indivíduo, expresso em kg/m2. Esse índice é um indicador de riscos para a saúde, pois tem relação com várias complicações metabólicas e DCV.8 A obesidade (abdominal) pode ser um relevante fator etiológico da diabetes mellitus tipo 2 (DM2) e da RI.9,10 Sabe-se que o excesso de gordura visceral é preditor a DCV e aumenta os riscos à saúde. Por isso, é importante a avaliação da circunferência da cintura como medida indireta da gordura visceral.11,12

Associam-se ao excesso de peso comorbidades como dislipidemia, hipertensão arterial sistêmica (HAS) e distúrbio do metabolismo da glicose, que juntas compõem a chamada síndrome metabólica (SM), que consiste em uma congregação de fatores de risco para DCV. A SM em criança, segundo adaptação da International Diabetes Federation (IDF), pode ser definida quando há cintura na crista ilíaca (CCI) aumentada, somada a pelo menos outros dois fatores: taxas da glicemia de jejum alterada ou diabetes mellitus tipo 2 (DM2), HDL baixo, triglicerídeos (TG) elevado ou HAS.13 Feito o diagnóstico de excesso de peso e ou SM, segue-se orientação quanto a mudanças no estilo de vida, com intervenção nutricional e de atividade física.14 A OMS estabelece a necessidade de toda criança e adolescente ter pelo menos 60 minutos de atividade física diariamente.15

O objetivo deste trabalho é comparar índices antropométricos e marcadores metabólicos de risco cardiovascular em crianças, antes e após pelo menos um ano de intervenção nutricional, e estabelecer correlação entre perda de peso e melhora dos componentes da SM.

MÉTODOTrata-se de estudo longitudinal com 68 crianças oriundas do Ambulatório de Endocrinologia Pediátrica do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (HUPE-UERJ), realizado por uma equipe de médicos endocrinologistas pediatras, nutricionistas, residentes destas áreas e seus acadêmicos.

Foram recrutados crianças e adolescentes com sobrepeso, obesidade e obesidade grave, entre 5-15 anos de idade, de ambos os sexos, durante o período de março de 2015 a outubro de 2016, oriundas da cidade do Rio de Janeiro e região metropolitana. Excluíram-se do estudo as crianças que tivessem sido submetidas a intervenção terapêutica anteriormente para perda de peso, possuíssem outras doenças além da obesidade, ou tivessem feito uso de corticoide e anti-inflamatório dentro de um mês antes do início do estudo.

No período da pesquisa, foram realizadas avaliações e orientações nutricionais e de prática de atividade física em até dentro de 15 dias após a primeira avaliação clínica, seguida de retorno após um mês. Após, foram realizados retornos a cada três meses. Todos os participantes foram avaliados após pelo menos um ano quanto a todas a variáveis estudadas.

O peso foi aferido com as crianças descalças e vestindo roupas leves em balança da marca Filizola (Filizola, São Paulo-SP, Brasil), com resolução do peso de 100g. As estaturas foram apuradas em estadiômetro de parede da marca Tonelli® (Tonelli, Criciúma-SC, Brasil), com resolução de 1mm. A cintura na crista ilíaca (CCI) foi medida com fita antropométrica milimetrada, modelo Gulik (Cardiomed, Curitiba, PR, Brasil), na borda lateral mais alta da crista ilíaca, na linha média axilar, do lado direito do paciente, de acordo com as recomendações do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES).16 A cintura no ponto médio entre a última costela e a crista ilíaca (CPM) foi aferida no ponto médio entre o último rebordo costal e a crista ilíaca, linha média axilar, segundo as recomendações da OMS de 1995.3 A pressão arterial foi aferida no braço direito com esfigmomanômetro da marca Tycos® (Welch Allyn Company, Arden), usando-se manguitos de tamanhos adequados, com a criança em repouso e sentada. Foi utilizado o método auscultatório, com as pressões sistólicas (PAS) e diastólicas (PAD) correspondentes às fases I e V de Korotkoff.17

As recomendações alimentares foram fornecidas por nutricionistas, após avaliação nutricional individual a partir de recordatórios de 24h antes da consulta. Foi elaborado pensando-se na realidade econômica da criança e baseado nas equações de Dietary Reference Intakes for Energy de 2005 e no protocolo descrito por Barlow, assim como as orientações de estilo de vida que incluíam atividades físicas regulares.14,18

Amostras de sangue foram coletadas pela manhã após 12 horas de jejum. Os exames realizados foram: triglicerídeos (TG), colesterol total (CT), LDL, HDL, glicose e insulina. Foram empregados métodos laboratoriais automatizados, no laboratório geral do hospital do estudo. O LDL foi calculado na fórmula de Friedwald, que consiste em: LDL = CT - (HDL+ TG/5).19 A bioquímica foi feita no equipamento Konelab, com o kit BT 3000 Winer: para glicose, usa o método enzimático GOD-PAP (oxidase); para TG, GOP/PAP (oxidase); CT, CHOP-POD (estearaseoxidase); HDL, método enzimático colorimétrico sem precipitação (Winterlab, Rosário, Santa Fé, Argentina). A insulina foi dosada no equipamento GAMA-C12, por meio de um kit que utiliza o método Coat-A-Count, um radioimunoensaio fase sólida marcado com 125 I (DPC, Los Angeles, CA, EUA).

O escore Z do IMC (ZIMC) foi calculado no programa WHO Anthro Plus, 1.0.4 (WHO, Geneva, Switzerland). A OMS possui padrões que correlacionam IMC com idade e por sexo cujos pontos de corte são: > escore-Z -2 e ≤ escore-Z +1, eutrofia; > escore-Z +1 e ≤ escore-Z +2 sobrepeso; > escore-Z +2 e ≤ escore-Z +3, obesidade; > escore-Z +3, obesidade grave.11 Foram calculadas, por grupo, as frequências das variáveis categóricas de sexo e estado nutricional (antes e depois de um ao). Como variáveis numéricas, admitiram-se idade em anos, ZIMC, CPM, CCI, PAS, PAD, TG, CT, LDL, HDL, glicose, insulina e HOMA- IR (antes e depois de um ano). Essas variáveis foram expressas e medidas em medianas.

Compararam-se com intervalo de pelo menos um ano entre as medidas, as medianas de ZIMC, CPM, CCI, PAS, PAD, TG, CT, LDL, HDL, glicose, insulina e HOMA-IR. Foram calculadas as diferenças (deltas) dessas medianas nos dois momentos; deltas de HOMA-IR com deltas de CPM, CCI, PAS e PAD. As variáveis elencadas para as análises de correlação foram aquelas com diferença estatística significativa ao se comparar o primeiro com o segundo momento, após pelo menos um ano de intervenção. Correlacionaram-se por regressão linear simples: delta do ZIMC com delta do HDL; delta de HOMA-IR com deltas de CPM, CCI, PAS e PAD.

Os dados coletados foram arquivados no programa Excel for Windows 2013 (MapInfoCorporation, Troy, NY, USA) e analisados pelo software estatístico SAS® System, versão 6.11 (SAS Institute, Inc., Cary, North Carolina). Foi considerada significância estatística quando o p valor foi menor do que 0,05.

O protocolo de estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário Pedro Ernesto (1732-CEP/HUPE - CAAE: 0020.0.228.000-07). Consentimentos livres e esclarecidos dos pais e pacientes foram obtidos antes do início do estudo. A pesquisa foi realizada no contexto do projeto de bolsista PIBIC.

RESULTADOSParticiparam do estudo 68 crianças com idade média de 8,2 anos (8,22 - 15,73), sendo 33 (48,52%) meninos e 35 (51,47%) meninas. A frequência e a classificação do estado nutricional do grupo antes e depois da intervenção podem ser observadas na tabela 1. Não houve nenhuma criança eutrófica em nenhum momento do estudo. Na tabela 2, pode-se observar a comparação entre medianas das primeiras e as das segundas medidas antropométricas e marcadores metabólicos, e as medianas dos deltas (diferença entre segunda e primeira medida).

Pode-se observar que houve diminuição estatisticamente significativa do escore Z de IMC (p = 0,0001) e aumento estatisticamente significativo de CPM (p = 0,0001), CCI (p = 0,001), PAS (p = 0,003), PAD (p = 0,04), HDL (p = 0,03) e HOMA-IR (p = 0,001). A regressão linear simples mostrou apenas correlação de delta ZIMC com delta HDL (p = 0,017; R2 ajustado 0,0812), conforme pode ser visto na figura 1. Não há correlação do delta do HOMA-IR com os deltas de CPM, CCI, PAS e PAD.

DISCUSSÃODentre os diversos fatores para o acúmulo excessivo de gordura corporal, pode-se apontar o aumento do sedentarismo e o desequilíbrio calórico.2 O desenvolvimento de DCV impacta negativamente na qualidade de vida,20,21 tornando-se preocupante a tendência de os problemas acarretados pela obesidade infantil persistirem ou se agravarem na idade adulta.22 Estudos mostram os efeitos antiaterogênicos do HDL, que tem propriedades anti-inflamatórias, antioxidantes, antiagregantes, anticoagulantes e pró-fibrinolíticas. Assim, os níveis baixos de HDL contribuiriam para o aumento da DCV pela perda dos efeitos antiaterogênicos. O IMC, por sua vez, em crianças, reflete a proporção de tecido adiposo corporal, independentemente de sua localização.23

O estudo usou a definição adaptada da IDF para definir a SM. Posto isso, ao tentarmos estabelecer uma correlação entre perda de peso e melhora dos componentes da SM, após pelo menos um ano de intervenção nutricional e de orientação de atividade física, achamos uma melhoria do ZIMC e do HDL, e uma elevação das medianas dos níveis de CPM, CCI, TG, CT e LDL. Além disso, houve aumento da PAS e PAD, apesar de não ter sido suficiente para diagnosticar a ocorrência de HAS nas crianças.

As variáveis escolhidas para as análises de correlação foram aquelas em que houve significância estatística na comparação entre a primeira e a segunda medida, após pelo menos um ano de intervenção. Além de verificar a correlação entre o delta do ZIMC (que sendo negativo, denota emagrecimento) e o HDL (que tendo aumentado, reflete melhoria de um fator de risco para DCV), procurou-se aferir se haveria correlação entre o aumento do HOMA-IR observado e a piora dos outros componentes da SM, já que existe elo fisiopatológico para tal.

Nosso estudo relacionou HDL e ZIMC, encontrando significativa elevação do HDL (p = 0,003) e emagrecimento com redução do ZIMC (p = 0,0001). Para cada acréscimo de 1U na variação do delta ZIMC, houve decréscimo de 4,3U na variação do delta HDL. Esse resultado confirma que a perda de peso foi capaz de promover melhoria neste importante fator de cardiovascular, mesmo sem nenhum participante ter chegado à eutrofia. Apesar do emagrecimento, houve piora da CPM (p = 0,0001) e CCI (p = 0,001). Esse resultado é preocupante por se tratar de medidas antropométricas complementares ao IMC e que mensuram com maior precisão a gordura visceral, a qual está fortemente relacionada incidência de RI, SM e DCV.11,12

Houve aumento significativo do índice HOMA-IR (p = 0,001). Esse resultado vai de encontro aos estudos de Galic, que relaciona a piora da obesidade centrípeta com um aumento da RI, consequente ao maior acúmulo de tecido adiposo visceral intra-abdominal, que é mais envolvido na fisiopatologia da RI e da SM que o tecido adiposo subcutâneo.24 Sabe-se que o tecido adiposo visceral produz citocinas inflamatórias, como IL-6 e TNF-∞, que desencadeiam uma inflamação sistêmica, levando a vasoconstrição e alterações nos mecanismos sinalizadores das células responsáveis pela captação de insulina, desencadeando diminuição da sensibilidade a essa proteína. Por conseguinte, aumenta-se a RI. No entanto, o presente estudo não encontrou correlação entre o delta de HOMA-IR e os deltas de CPM, CCI, PAS e PAD.

Destarte, por um lado houve emagrecimento e este se correlacionou com a melhora de um componente da SM, pois houve melhora do HDL. Por outro, o emagrecimento das crianças do presente estudo não foi suficiente para ocasionar melhora dos outros componentes da SM, já que houve piora da CPM, CCI, TG, CT, PAS, PAD, LDL e HOMA-IR. Possivelmente, isto se deve ao fato de o emagrecimento obtido não ter sido suficiente para enquadrar nenhuma criança do estudo na classificação nutricional de eutrofia, ou ainda, que outras formas de intervenção que não a tradicional sejam importantes.

Das dificuldades encontradas ao se estudar uma população de tenra idade, tivemos como limitações: a diversidade da faixa etária, que incluíam crianças de 5-15 anos, uma vez que na puberdade os esteroides sexuais causam mudanças nos marcadores metabólicos da SM, como a elevação do HOMA-IR,25 RI26 e da insulina;27,28 e a pequena quantidade de crianças, que impõem limitações metodológicas ao estudo. Sendo assim, há impedimento de se fazer generalizações para a população como um todo.

Como perspectivas futuras, considera-se a necessidade de definições com maior consenso da comunidade científica para os marcadores metabólicos na faixa etária pediátrica. Soma-se a isso a necessidade de uma abordagem do tratamento do excesso de peso que envolva todo o núcleo familiar, de preferência no seio da comunidade em que vive, o suporte de psicólogos para a melhor adesão ao tratamento proposto e, por conseguinte, melhoria da qualidade de vida das crianças, adolescentes e futuros adultos.

AgradecimentosA Isabel Rey Madeira, minha orientadora, que me proporcionou a oportunidade de grande aprendizado, crescimento acadêmico e profissional. A Fernanda Mussi Gazolla, incansável em ensinar e dedicar sua atenção as minhas limitações nos atendimentos ambulatoriais. E a Camila Gonçalves Pessanha, antecessora no presente projeto e colega acadêmica, pelos esforços despendidos.

O presente trabalho não possui conflito de interesse.

 

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