Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 19(2) - Junho 2019

Artigos de Revisao

O aleitamento materno e as doenças alérgicas na primeira infância: uma revisão sistemática

Breastfeeding and allergic diseases in early childhood: a systematic review

 

Marli Carmo Cupertino1,2; Larissa Regina Bellato2; Anne Carolina Vilela Carvalho2; Nicole Obeid Rezende2; Paula Miryam Lima Santiago Reis2; Shana Pereira de Lima Lana2; Marcia Farsura Oliveira2; Emília Pio Silva Silva2

 

DOI:10.31365/issn.2595-1769.v19i2p37-45

1. Universidade Federal de Viçosa, Departamento de Medicina e Enfermagem, - Viçosa - Minas Gerais - Brasil
2. Faculdade Dinâmica do Vale do Piranga, Medicina - Ponte Nova - Minas Gerais - Brasil

 

Endereço para correspondência:

marli.cupertino.vet@gmail.com

Recebido em: 14/01/2019

Aprovado em: 04/11/2019


Instituição: Faculdade Dinâmica do Vale do Piranga, Medicina - Ponte Nova - Minas Gerais - Brasil

 

Resumo

INTRODUÇÃO: As alergias são consideradas um problema crescente de saúde pública, e medidas profiláticas e terapêuticas dessas doenças devem ser estudadas.
OBJETIVO: Revisar e compilar dados de estudos que analisaram o tipo e tempo de aleitamento na modulação de doenças alérgicas na infância.
FONTE DE DADOS: Realizou-se revisão sistemática seguindo as diretrizes internacionais PRISMA, nas bases PubMed, Scopus e Scielo, sem restrições cronológicas ou de linguagem. Os descritores usados foram padronizados de acordo com a plataforma MeSH terms. Os critérios de inclusão determinavam ser artigos originais com relação direta sobre amamentação, alergias e indivíduos na infância
SÍNTESE DOS DADOS: Foram identificadas 457 publicações, das quais 22 artigos originais foram incluídos no estudo. Quinze estudos apresentaram relação positiva do aleitamento materno com a prevenção de doenças alérgicas; cinco, relação negativa; e três mostraram que não há relação. Grande parte dos estudos não considerou parâmetros de confusão - status atópico dos pais, parto cesáreo ou vaginal, número de irmãos e exposição ao tabaco - que podem mascarar o resultado da pesquisa. A maior parte dos estudos feitos em regiões geográficas semelhantes apresentou resultados semelhantes e divergentes de regiões com estilo de vida e dieta diferentes.
CONCLUSÕES: O aparecimento das doenças alérgicas pode ser modulado através da amamentação, sendo que o aleitamento materno exclusivo até os seis meses e complementar até os dois anos apresentou-se majoritariamente benéfico. A região geográfica do estudo é um parâmetro que deve ser analisado, pois influencia na dieta/hábitos maternos e na composicão do leite.

Palavras-chave: Doenças alérgicas; Aleitamento materno; Epidemiologia; Saúde materno-infantil; Pediatria.


Abstract

INTRODUÇÃO: Allergies are considered a growing public health problem, and prophylactic and therapeutic measures for these diseases should be studied.
OBJECTIVE: To review and compile data from studies that analyzed the breastfeeding type and time in the modulation of allergic diseases in childhood.
DATA SOURCE: It was performed a systematic review following the international guidelines PRISMA on PubMed, Scopus and Scielo databases, without chronological or language restrictions. The descriptors used were standardized according to the MeSH terms platform. Inclusion criteria established original articles with direct relation to breastfeeding, allergies and individuals in childhood.
DATA SYNTHESIS: A total of 457 publications were identified, of which 22 original articles were included in the study. Fifteen studies presented positive relation of breastfeeding with the prevention of allergic diseases, five had negative relation and three showed no relation. Most studies did not consider confounding parameters - atopic status of parents, cesarean or vaginal delivery, number of siblings and exposure to tobacco - that may mask the research result. Most studies conducted in similar geographic regions have shown similar results and divergent results from different regions, due to different mother lifestyle and diet.
CONCLUSIONS: Allergic diseases can be modulated by breastfeeding, given that exclusive breastfeeding up to six months and supplemented until two years was mainly beneficial. The geographic region of the study is a parameter that must be analyzed since it influences the diet and maternal habits and milk composition.

Keywords: Allergic diseases; Breastfeeding; Epidemiology; Maternal and child health; Pediatrics.

 

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, de acordo com dados da Organização Mundial de Alergia, a incidência de doenças alérgicas aumentou com inédita complexidade e severidade, atingindo proporções epidêmicas nos países industrializados e com crescimento expressivo nos países em desenvolvimento.1,2 Dentre as alergias mais prevalentes estão as alimentares, de pele e respiratórias, sendo de 0 a 5 anos a faixa etária mais acometida. Dados mundiais revelam que até 30% da população é afetada por rinite alérgica e aproximadamente 6% da população menor de três anos, e 3,5% da população adulta tenha algum tipo de alergia alimentar.1,2,3

As causas do aumento na incidência das doenças alérgicas não são totalmente compreendidas, porém a mudança nos hábitos alimentares e de trabalho estão dentre as possíveis etiologias desse aumento.1,3 A adoção de um "estilo de vida ocidental", em que a criança é exposta muito cedo a diversas substâncias alérgenas, além da mudança na rotina de trabalho das mães, que passam mais tempo fora de casa e consequentente diminuíram o tempo de aleitamento materno, podem influenciar o aparecimento das doenças alérgicas.3,4,5

Evidências indicam que a amamentação até os 6 meses pode prevenir ou atenuar o desenvolvimento das alergias na vida adulta.3 A amamentação exclusiva até os 6 meses de idade, e complementar até os 2 anos, é um fator importante na prevenção de doenças e está diretamente associado com o aumento da imunidade.3,4,5

O desenvolvimento e a expressão fenotípica das alergias dependem de uma interação complexa entre fatores genéticos, exposição ambiental a alérgenos e fatores adjuvantes não específicos, como fumaça do tabaco, poluição do ar e infecções.6,7,8 As medidas profiláticas mais adotadas e indicadas incluem a alteração do estilo de vida, tratamento farmacológico e alterações alimentares, como ampliação do tempo de aleitamento materno.7,9,10

As alergias devem ser reconhecidas como um problema de saúde pública e esforços devem ser feitos para otimizar medidas profiláticas e terapêuticas dessas doenças,1,3 já que além de causarem danos ao indivíduo acometido, elas oneram serviços públicos e privados de saúde.9 Estudos sobre o tema devem ser incentivados, buscando uma abordagem mais integrada e holística da etiologia das doenças alérgicas e o papel da amamentação na modulação destas, sobretudo em crianças, faixa etária mais acometida. Assim, objetivou-se realizar uma revisão sistemática da literatura para investigar estudos que abordem a influência do tempo de amamentação exclusiva ou complementar na modulação e o aparecimento de doenças alérgicas na infância.

 

METODOLOGIA

As diretrizes PRISMA (Reportagem Relativa para Revisão Sistemática e Protocolos de Meta-Análise), cujo acesso é livre, foram adotadas para realizar esta revisão sistemática, incluindo estratégia de pesquisa, critérios de seleção, extração e análise de dados.11

Estratégia de pesquisa

Os artigos aqui analisados foram selecionados em três bases de dados eletrônicas - PubMed/Medline, Scopus e Scielo - por dois pesquisadores (LRB e NOR), que buscaram de forma independente os bancos de dados para todos os artigos originais que relatavam relação do aleitamento materno com as doenças alérgicas publicados até 8 de agosto de 2018. Tais bases foram escolhidas por serem as mais abrangentes e completas na área de pesquisa médica. Para garantir que artigos relevantes dentro da temática não tivessem sido recuperados por bibliotecas digitais ou descritores escolhidos, realizou-se busca nas listas de referências de todos artigos incluídos nesta revisão, para inclusão de documentos potencialmente relevantes. A estratégia de busca baseou-se em três componentes: (i) aleitamento materno, (ii) hipersensibilidade e (iii) alergias. Os filtros de pesquisa foram desenvolvidos de acordo com o dicionário de sinônimos da plataforma - MeSH terms (Medical Subject Headings).12 Nas três bases de dados foram utilizados os descritores "Breast Feeding AND Hypersensitivity, Immediate", and "Breast Feeding AND Allergy and Immunology", conforme descrito no material sumplementar Tabela S1. Por sua vez, a opção pelo descritor "Allergy and Immunology" se deu por este contemplar de forma ampla todas as alergias, podendo ter correlação com a amamentação, foco do presente artigo.

 

 

Características do estudo, seleção dos artigos e critérios de exclusão/inclusão

A exclusão dos estudos baseou-se em critérios bem definidos, da seguinte forma: (i) estudos com abordagem de amamentação não relacionada com alergias; (ii) estudos que abordavam alergias sem relação com amamentação; (iii) estudos que relacionavam amamentação e alergias, mas não tratavam de indivíduos na primeira infância (0 a 5 anos); (iv) estudos de texto incompletos ou secundários (ou seja, revisões de literatura, editoriais, comentários, cartas ao editor, dissertações, teses, capítulos de livros, publicações em anais de eventos e artigos com texto completo indisponível). A elegibilidade foi analisada de forma independente pelos pesquisadores (LRB e NOR), e os desentendimentos foram resolvidos por consenso. Os critérios de inclusão foram: ser artigo original, ter como público-alvo indivíduos na primeira infância e ter uma abordagem da amamentação e alergias. Tais critérios foram definidos com a finalidade de contemplar o objetivo proposto, permitindo analisar com maior profundidade a relação da amamentação com alergias.11

Diante dos artigos recuperados, buscou-se consenso entre os pesquisadores (ACVC, MLSR) na definição dos artigos que estavam de acordo com os critérios de inclusão. Nenhuma linguagem ou restrição cronológica foi aplicada na pesquisa de artigos, para que pudesse ser feita uma recuperação ampla de estudos sobre o tema. Como o tema do aleitamento é pesquisado há muitos anos, ao não restringir ano de publicação, espera-se encontrar uma evolução de conhecimentos sobre o tema. A seleção inicial foi feita através da leitura dos títulos e resumos de todos os artigos encontrados. As revisões e os estudos duplicados foram removidos comparando-se autores, título, ono e periódico de publicação. Em caso de dúvida, toda a publicação foi baixada e avaliada por um terceiro pesquisador (MCC). Estudos de casos também foram incluídos na revisão, com o propósito de revelar possíveis peculiaridades, ampliando-se a visão científica sobre o tema. Após a triagem inicial, todos os estudos potencialmente relevantes foram baixados em texto completo e avaliados para elegibilidade.11

Extração dos dados

Os dados qualitativos foram extraídos de todos os artigos incluídos. A extração de dados foi classificada da seguinte forma: (i) características de publicação: autores, anos, revistas e região geográfica; (ii) características da amamentação: leite materno exclusivo; leite materno e leite artificial; somente leite artificial; (iii) tempo de amamentação exclusiva e complementar: (iv) tipo de doenças alérgicas encontradas, como descrito na Tabela 1. Os pesquisadores (ACVC, MLSR) avaliaram de forma independente o viés de relatórios de todos os estudos e as discrepâncias foram resolvidas por consenso. A avaliação da qualidade negativa não significa necessariamente que o estudo tenha sido realizado incorretamente, mas indica uma qualidade de relatório inadequada.

 

 

Os dados relativos aos artigos recuperados foram expostos em forma de números absolutos e frações numéricas relativas a determinada característica. A descrição qualitativa foi feita para todos os artigos recuperados.

 

RESULTADOS

Foram encontrados 457 artigos, sendo 22 selecionados para compor a presente revisão sistemática. A partir da análise independente dos pesquisadores, houve consenso quanto aos artigos eleitos. O detalhamento da seleção dos artigos pode ser observado na Figura 1.

 

 

Todos os estudos encontrados foram escritos em língua portuguesa ou inglesa, no período de 1983 a 2018. A Tabela 1 apresenta os autores das publicações referenciadas, juntamente com o ano de publicação da obra e um breve resumo dos principais resultados recuperados. A Tabela 2 apresenta a classificação quanto ao tipo de alergia, tipo e tempo de aleitamento; e relação dos efeitos da amamentação com o aparecimento de alergias, de acordo com o país de origem do estudo.

 

 

Nos estudos incluídos,13-34 quanto aos tipos de alergias, 9/22 estudos13,20,21,22,24,25,27,29,34 analisaram a relação do aleitamento materno com dermatites; 2/22,15,16 a relação do aleitamento com alergias alimentares, principalmente ao leite de vaca; e 7/22 estudos analisaram a relação com alergias respiratórias,14,18,23,26,30,32,33, sendo que 2/22 estudos17,28 analisaram a relação da amamentação com alergias respiratórias e dermatites conjuntamente. Restaram 2/22 estudos,19,31 que trataram de todos os tipos de alergias.

Aspectos moleculares13 e status atópico parental,25 além de consideração de outros parâmetros de inclusão que também influenciam no desenvolvimento de doenças atópicas e alérgicas - como por exemplo, parto cesáreo ou vaginal, número de irmãos, exposição a alérgenos comuns, infecções virais precoces e exposição ao tabaco29 - foram analisados de forma separada, apenas uma vez em trabalhos diferentes.

Ao todo, 14/2213,18,19,20,21,22,23,24,25,27,28,29,31,34 estudos analisaram parâmetros relacionados a atopias, como quantificação de IgE, porém 8/2214,15,16,17,26,30,32,33 não fizeram essa diferenciação. A maioria (14/2214,17,19,21,23,24,25,26,28,29,30,32,33,34 estudos) mostrou efeitos positivos do aleitamento materno exclusivo até os 6 meses e complementar até os 2 anos na prevenção e modulação das doenças alérgicas, sendo que 3/2215,20,31 não mostraram relação entre os diferentes tipos e tempo de aleitamento materno com o aparecimento de alergias, e 5/2213,16,18,22,27 mostraram o aleitamento materno como um fator relacionado ao aumento dos casos de alergias, quando foram comparadas crianças que recebiam leite materno com crianças que recebiam outros tipos de leite.

A relação negativa do aleitamento materno exclusivo e prolongado com a modulação das alergias foi descrita em cinco estudos, sendo três realizados no Japão,13, 22, 27 um nos Estados Unidos16 e um na Nova Zelândia.18 Dos estudos que não estabeleceram relação entre o aleitamento materno e o aparecimento de alergias, dois ocorreram na Austrália15 e um na Suécia.20,23 Os estudos que demonstraram relação benéfica (positiva) foram realizados no continente europeu (Alemanha,21,24 Itália,19,25 Suécia,23 Holanda32 e Grécia29), Oceania (Austrália 30,31), Américas Latina (Brasil26) e do Norte (Canadá33) e Ásia (Catar17, Coreia14,34 e Arábia Saudita28). Nos artigos que apresentavam relação negativa entre aleitamento e alergias, foram ressaltados os prejuízos nutricionais e afetivos gerados pelo desmame precoce.13,16,18,22,27

 

DISCUSSÃO

A identificação das relações reais entre aleitamento materno e alergias amplia a visão científica sobre o tema, possibilitando maior prevenção, reduzindo o sofrimento e contribuindo com a redução dos gastos com o cuidado do indivíduo acometido. Dessa forma, os resultados obtidos neste estudo podem colaborar de forma econômica e social para a população. A análise feita a partir da revisão sistemática incorpora a variabilidade entre os estudos e permite obter uma estimativa geral dos achados. Nesta revisão sistemática, obtivemos a evidência positiva majoritária da relação do aleitamento materno exclusivo e/ou complementar modulando beneficamente as alergias.

As doenças alérgicas têm causado crescentes embargos sociais e econômicos ao indivíduo acometido, fazendo crescer a busca por estratégias preventivas em saúde pública.35 Tais estratégias incluem a promoção do aleitamento materno, partos vaginais, o uso judicioso de antibióticos perinatais, além de evitar o tabagismo e exposição da mãe a outras drogas durante o período de gestação e amamentação.1,4,5

Um dos estudos incluídos analisou a predisposição alérgica familiar, juntamente com dosagem de IgE, e concluiu que a amamentação exclusiva foi efetiva no terceiro ano de acompanhamento, reduzindo consideravelmente as manifestações alérgicas em bebês com alto risco atópico em comparação com aqueles que não receberam a amamentação exclusiva.25 Higashi e colaboradores analisaram molecularmente o leite e concluíram que mães cujos filhos desenvolveram dermatite atópica dentro dos 6 meses após o nascimento, carregam maior atividade adjuvante de Th2 em seu leite e atividade da coenzima A, em comparação com aqueles cujos filhos não o fizeram.13 Apenas o estudo de Fotopoulou e colaboradores tratou do viés metodológico, concluindo que a ausência de irmãos mais velhos, tabagismo passivo parental, alérgenos alimentares junto com aeroalérgenos e limpeza excessiva são considerados fatores prognósticos negativos para desenvolvimento de dermatite atópica.29

Acredita-se que a região geográfica pode ter sido um fator importante nos resultados encontrados. A dieta e o estilo de vida da mãe podem estar diretamente relacionados com a região em que vivem. Segundo Morgano e colaboradores, a composição do leite materno varia de mãe para mãe, de acordo com etnia, individualidade genética, hábitos alimentares da lactante e o período de amamentação, encontrando-se diferença entre macro e micronutrientes, dentre outros elementos.36 Mães em países mais desenvolvidos consumem mais alimentos industrializados e que podem conter mais alérgenos - corantes, pigmentos, conservantes, entre outros - que passam para o leite materno e podem ativar o sistema imune, desencadeando a alergia como sinal clínico. Já em países da Europa, por exemplo, onde foi encontrada majoritariamente uma relação benéfica, adotase a dieta mediterrânea, que contém menos componentes industrializados e alérgenos.37, 38

Nos estudos cujos resultados mostraram relação negativa do aleitamento materno na modulação das alergias, especula-se que a dieta materna foi principal o fator para a composição do leite apresentar substâncias que ativam o sistema imunológico e, consequentemente, o status alérgico. Apesar de esses estudos apresentarem o efeito negativo do leite materno na modulação de doenças alérgicas, existem grandes variações metodológicas que envolvem a obtenção dos dados.

As principais limitações dos estudos incluídos nesta revisão foram a falta de análise de alguns fatores que podem influenciar na expressão das doenças alérgicas. Alguns exemplos desses fatores são ausência/presença de irmãos mais velhos, tabagismo parental, tipo de parto, além de falta de análise retrospectiva do histórico familiar para a predisposição a alergias. Outra limitação foi a falta de análise do uso de medicamentos pela mãe durante a gestação e amamentação. Recentes pesquisas mostram que pode haver uma associação entre a suplementação, em altas doses, com ácido fólico durante a gravidez e o risco de desenvolvimento de asma durante a infância, por exemplo.39

A falta de análise da exposição da criança a agentes infecciosos na primeira infância também pode ser considerada uma falha nos estudos. Pesquisas sugerem que a exposição precoce a agentes infecciosos aumenta a susceptibilidade a doenças alérgicas mais tarde. Tal fato, embasado na "hipótese da higiene", fornece a estrutura conceitual para desvendar os mecanismos que poderiam explicar o aumento da incidência de doenças alérgicas em crianças de países industrializados, onde as mães possuem um estilo de vida de menor exposição dos filhos a alérgenos e agentes infecciosos na primeira infância.1,29

Foram incluídos nesta revisão estudos do ano de 1983 até 2018. Diversas mudanças ocorreram ao longo desses anos, relativas ao comportamento alimentar e social das mães durante a gestação e a amamentação, tornando uma limitação traçar comparativos entre as pesquisas feitas em anos muito diferentes.

Alguns estudos relacionaram o aumento nos casos de alergia alimentar37,38 com uso crescente de dietas de restrição, pelas mães, durante a gestação e dietas de restrição feitas aos filhos nos primeiros anos de vida. As evidências destacam o papel da dieta como um fator-chave que promove uma interação complexa entre nutrientes, seus metabólitos e populações de células imunes, alterando a metilação de ácidos nucleicos por mecanismos epigenéticos, modulando algumas alergias.6

Os oligossacarídeos complexos no leite materno apoiam o estabelecimento de bifidobactérias no intestino neonatal que estimulam as respostas dos linfócitos T reguladores e aumentam o desenvolvimento da tolerância32,33. Em países desenvolvidos, algumas mães têm adotado dietas de eliminação durante a gestação e amamentação, excluindo algumas classes de alimentos. Além das dietas de eliminação materna durante a gravidez ou a lactação não serem eficazes na prevenção de alergias, elas podem agravar o quadro.40,41 Tem sido descrito que crianças que recebem o leite de mães com esse tipo de dieta podem ter maior chance de alergia alimentar e maior propensão de aderirem a alguma forma de dieta de eliminação no futuro.37,38

Muitos estudos recuperados investigaram possíveis associações entre a dieta materna durante a gravidez e a fase de amamentação e doenças alérgicas na prole, por isso não foram incluídos neste estudo.37,38,41 Compreendemos, ainda, que a não consideração de outros parâmetros, como o status atópico dos pais, parto cesáreo ou vaginal, número de irmãos, exposição a alérgenos comuns, infecções virais precoces e exposição ao tabaco podem mascarar os resultados da pesquisa, por isso devem ser analisados com cuidado.35,42 O desenvolvimento e a expressão fenotípica de doenças alérgicas dependem de uma interação complexa entre fatores genéticos, exposição ambiental a alérgenos e fatores adjuvantes não específicos, como fumaça do tabaco, poluição do ar e infecções.42 Fatores que modulam beneficamente essa expressão, como aleitamento materno, possuem alta relevância científica.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta revisão sistemática determinou que não existe um padrão para elaboração de estudos relativos ao tema, concluindo que é preciso padronizar e eliminar vieses, realizando-se análise de predisposição familiar e análise de IgE. Além disso, deve-se analisar com cuidado hábitos alimentares e estilo de vida das mães, incluindo fatores alimentares peculiares da região geográfica de estudo e outros fatores envolvidos na etiologia das doenças alérgicas.

Na maioria dos artigos encontrados e selecionados para esta revisão, os autores concluem que o aleitamento materno exclusivo e/ou complementar modula as doenças alérgicas na primeira infância de maneira positiva. A dieta e o estilo de vida da mãe podem influenciar a composição do leite e exposição de alérgenos ao filho, sendo a região geográfica do estudo um fator importante de análise. Diversos fatores não incluídos nas pesquisas podem funcionar como variáveis de confundimento e mascarar os resultados da pesquisa, devendo ser incluídos em pesquisas futuras para melhorar a qualidade de relatório gerado.

 

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