Revisoes em Pediatria
Hipoplasia pulmonar - relato de seis casos com variações no exame diagnóstico
Pulmonary hipoplasia - six cases with various diagnostic procedures
Rachell Cerqueira; DUbora Brandao Vieira Mendes; Rafaela Baroni Aurélio; Maria de Fátima B. Pombo March; Sidnei Ferreira; Clemax Couto Sant'Anna
Universidade Federal do Rio de Janeiro - Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira - Serviço de Pneumologia Pediátrica. Rio de Janeiro, RJ
Endereço para correspondência:
IPPMG - UFRJ
Av. Trompowsky, s/n - Ilha do Fundão
21941-590 - Rio de Janeiro - RJ
Resumo
INTRODUÇÃO: A hipoplasia pulmonar ( HP ) corresponde ao desenvolvimento incompleto do parênquima pulmonar, com diminuição do tamanho e número de alvéolos, da área de passagem do ar inspirado, hipoplasia da artéria pulmonar correspondente e déficit de surfactante.Palavras-chave: hipoplasia pulmonar, mal formação pulmonar congênita, criança 18
Abstract
INTRODUCTION: Pulmonary hipoplasia (PH) corresponds to the incomplete development of the lung with decrease of the size and number of alveoli, of the area of passage of the inspired air, hipoplasia of the corresponding lung artery and surfactante deficit.
OBJECTIVE: report of children with PH assisted in the period of 25 years in an academical institution, describing clinical characteristics, diagnostic methods and manegement.
CASES: six patients, with ages ranging from three months to eight years, being four males.
COMMENTS: the usefulness of the different methods used diagnoses, as prenatal ultrassonography, arteriography and computerized tomography, as well as the satisfactory evolution in all the cases are discussed.
Keywords: Pulmonary hipoplasia, congenital lung malformation, child
INTRODUÇÃO:
A hipoplasia pulmonar (HP) corresponde ao desenvolvimento incompleto do parênquima pulmonar, com diminuição do tamanho e número de alvéolos, da área de passagem do ar inspirado, hipoplasia da artéria pulmonar correspondente e déficit de surfactante. Costuma cursar com elevada mortalidade(1,2,3).
Na maioria dos casos é secundária a outras malformações como: hérnia diafragmática, doenças renais (gerando oligodramnia), doenças neuromusculares, derrame pleural congênito, anormalidade da artéria pulmonar, malformação brônquica e outras causas mais raras(1,2).
A hipoplasia primária isolada é rara. É mais comum à esquerda, em associação com a hérnia diafragmática de Bochdalek que é a causa mais comum de HP.(1,2,3).
As manifestações clínicas dependem da causa da hipoplasia e da gravidade das lesões associadas, podendo variar desde formas assintomáticas até casos com grave insuficiência respiratória logo após o nascimento e que necessitam de pronto atendimento(1,2,3,4).
O diagnóstico pode ser feito ainda no período neonatal através de ultrassonografia morfológica ou da ressonância magnética, visando avaliar algumas características como: o volume pulmonar fetal em relação ao volume corporal fetal; o volume pulmonar encontrado em relação ao volume pulmonar aceitável para a idade gestacional; a circunferência da caixa torácica em relação com a circunferência abdominal. Já no período pós-natal, poder usar como instrumento diagnóstico a radiografia de tórax, a cintigrafia pulmonar de perfusão, a tomografia computadorizada de tórax, a broncoscopia e a arteriografia, sendo que esta última não é atualmente utilizada(2,3,4,5).
OBJETIVO:
Relatar a casuística dos casos de hipoplasia pulmonar do Serviço de pneumologia do IPPMG - UFRJ no período de 1980 a 2005.
RELATO DOS CASOS:
Caso Clínico 1:
PPS, sexo masculino, nascido em 09/04/1972, foi atendido pela primeira vez no IPPMG em 25/03/1980 com história de ter sido internado por pneumonia, tratado com antibióticos sem melhora da imagem radiológica de condensação a esquerda.. Há três meses havia sido internado com febre alta, emagrecimento, gemência, dores musculares e astenia. Havia história de contato com tuberculose. Em 09/06/80 foi internado para investigação devido a manutenção da alteração radiológica.
PPD não reator.
Broncoscopia com aspirado brônquico para pesquisa de fungos e BAAR: negativo.
Broncografia direita e esquerda: bronquiectasia em todo lobo inferior e parte do lobo superior esquerdo. Radiografia de tórax: velamento quase que completo do HT esquerdo com desvio do mediastino para o mesmo lado (Figura 1). Submetido a tratamento para TB sem êxito. Foi estabelecido o diagnóstico de hipoplasia pulmonar esquerda.
Espirografia (07/08/86): considerando-se a exclusão do pulmão hipoplásico esquerdo, a espirometria encontravase dentro dos limites da normalidade; discreta obstrução do nível terminal da curva de inspiração forçada, compatível com obstrução de via aérea periférica.
Após esta data, não há mais relatos de consulta no serviço.
Caso Clínico 2:
JCB, sexo feminino, nascida em 24/08/1981, foi atendida pela primeira vez aos 6 meses de vida com queixa de "tosse desde o nascimento". Radiografia de tórax revelou condensação de todo HT direito com desvio do mediastino ipsilateral. Ausculta pulmonar: MV diminuído em hemitórax direito sem ruídos adventícios e ausculta cardíaca mais acentuada à direita.
Foi então encaminhada ao IPPMG em 05/03/82 para investigação diagnóstica do quadro pulmonar. Foi realizada broncoscopia: dentro dos limites da normalidade, com árvore traqueobrônquica normal. PPD: não reator.
Cintigrafia pulmonar: dextrocardia com situs solitus; cavidade ventricular direita moderadamente dilatada, bem como o tronco da artéria pulmonar; ausência de obstruções do trato de saída do ventrículo ao nível infundibular ou valvular; hipoplasia do ramo pulmonar direito, com vasos pulmonares identificáveis apenas para o lobo superior direito; o ramo esquerdo apresenta dilatação compensatória, com distribuição intrapulmonar normal.
Arteriografia pulmonar: o levograma permite ver cavidades esquerdas de dimensões normais com arco aórtico à esquerda. Foi realizada colheita para oximetria nas cavidades direitas, veia cava, artéria pulmonar e femoral; conclusão: dextrocardia com situs solitus; hipoplasia de artéria pulmonar direita.
Avaliação cardiológica normal.
Hoje, em 2007, aos 15 anos, segue em acompanhamento com provas de função pulmonar revelando padrão restritivo moderado.
Caso Clínico 3:
VAG, sexo feminino, natural do Rio de Janeiro, nascida em 20/11/1986, atendida devido a provável virose exantemática, aos 4 meses de vida e realizada radiografia de tórax, apesar de não haver queixa respiratória, que evidenciou: infiltrado hipotransparente homogêneo ocupando o terço superior do hemitórax direito e desvio ipsilateral do mediastino.
Internada para esclarecimento diagnóstico. Exame físico: lesão ocular à direita e catarata, com edema e hiperemia periorbitária, além de lesões dermatológicas sugestivas de impetigo.
Ausculta pulmonar normal.
Exames complementares: broncoscopia normal; cintigrafia pulmonar de perfusão: mapeamento de perfusão pulmonar mostrou redução da perfusão no terço superior do pulmão direito e redução nas bordas das imagens de ambos os pulmões de forma irregular, compatível com hipoplasia pulmonar.
Gasometria arterial: PO2-91; PCO2-31; SatO2: 97%.
Avaliação oftalmológica: aniridia com catarata, provavelmente congênita e massa ocular sugestiva de cisto dermóide ou retinoblastoma; indicada intervenção cirúrgica para elucidação do quadro. TC de órbita realizada em 08/07/1987 mostrou globo ocular direito com irregularidade no seu contorno, com aumento de densidade e calcificações grosseiras no seu interior. Aspecto é compatível com retinoblastoma.
Os pais foram informados quanto a gravidade do caso, sendo sugerida intervenção cirúrgica, porém estes não concordaram com tal procedimento.
Seu último atendimento no IPPMG foi em 15/02/1988, aos 14 meses, com quadro de tosse produtiva, vômitos, febre baixa e estertores crepitantes em todo hemitórax direito, sugestivo de pneumonia. Foi tratada com penicilina procaína, porém não retornou mais ao ambulatório para dar continuidade ao acompanhamento.
Caso Clínico 04:
LARS, sexo masculino, nascido em 23/07/87, natural do Rio de Janeiro.
Aos 4 meses foi atendido na emergência com quadro de virose caracterizado por aumento do número de evacuações e "ronqueira no peito". No ano seguinte foi ao ambulatório por mais duas vezes, com queixa de cansaço, porém com ausculta pulmonar inalterada; na última vez apresentava-se taquidispneico.
Radiografia de tórax: opacificação em hemitórax direito com desvio do mediastino e herniação do pulmão contralateral para este hemitórax. (Figura 2) Broncoscopia: Laringe e traquéia normais.
Pulmão direito e esquerdo permeáveis, não foi evidenciado corpo estranho.
Apresentou então, nas consultas subseqüentes, piora da dispnéia com MV diminuído em hemitórax direito e aumento da freqüência respiratória.
Foi realizada arteriografia pulmonar: artéria pulmonar com aumento discreto de calibre; agenesia de ramo direito; veias pulmonares à esquerda normais; átrio e ventrículo esquerdos de tamanhos normais e septos íntegros; aorta de calibre normal; não se visualiza vaso da aorta para o ramo direito da artéria pulmonar. Conclusão: agenesia de ramo direito da artéria pulmonar; leve hipertensão arterial pulmonar.
Está em acompanhamento ambulatorial até o presente momento (2007), sem novas intercorrências ou necessidade de medicação, com espirometrias mostrando padrão restritivo grau moderado a acentuado.
Caso Clínico 5:
JLS, sexo masculino, nascido em 24/03/1998, natural do Rio de Janeiro, foi atendido com 3 meses de vida com relato de "cansaço em repouso, sem tosse ou febre iniciado há um mês, sendo tratado para otite com antibiótico". Foi internado para investigação. Evidenciado desvio do ictus para a direita sem alterações morfológicas. Radiografia de tórax sugestiva de dextrocardia e evidenciando hipotransparência em parte do HT direito, sugerindo hipoplasia pulmonar direita. Ecocardiograma: exame realizado (janela) à direita, sugerindo dextroposição do coração, provavelmente secundária a doença pulmonar.
Não foi observada alteração estrutural valvular nem de conexão ventrículo-arterial e AV. Foi atendido em 22/07/1998 no IPPMG, no ambulatório de pneumologia com a mesma queixa de "cansaço" sendo sugerido internação para avaliar complicações . A mãe não retornou mais com o paciente.
Caso Clínico 6:
GSSO, sexo masculino, nascido em 06/01/2005, natural do Rio de Janeiro, foi atendido pela primeira vez no ambulatório de pneumologia aos 3 meses de vida, em pós operatório corretivo de hérnia diafragmática esquerda; relato de hipoplasia pulmonar e agenesia de hemicúpula diafragmática ipsilaterais, diagnosticadas no período pré-natal, através do ultra-som morfológico.
Parto cesáreo indicado pela malformação apresentada, APGAR 8/4/8, AIG. Durante a internação na UTI neonatal ficou intubado por 14 dias, além de receber oxigenioterapia sob forma de oxyhood. Broncoscopia normal.
TC de tórax: alças intestinais em terço inferior de tórax esquerdo. Prova de função pulmonar (realizada no IFF): Volume corrente=19ml; VC/Kg =5ml/kg; Tempo expiratório=0,45seg; tempo inspiratório=0,36seg; resistência pulmonar=11cmH2O ml/s; elastância= 0,22 cmH2O/ml; complacência pulmonar=4,5 ml/cmH2O; complacência pulmonar/Kg =1,20 ml/cmH2O/Kg; FR=72; ciclos=25; conclusão: volume corrente abaixo do esperado (6 a 8 ml/Kg), restante do exame normal. Distorção tóraco-abdominal importante com pouca participação do tórax na dinâmica.
Ecocardiograma: hipertensão arterial pulmonar (HAP) e canal arterial pérvio, porém segundo ecocardiograma três dias após o primeiro mostrou que o canal arterial já se encontrava fechado com HAP mantida. Foi iniciado vasodilatador sistêmico e submetido a correção cirúrgica. Recebeu alta para acompanhamento ambulatorial aproximadamente três meses após o nascimento.
Na consulta de follow-up, a ausculta do tórax revelou MV diminuído bilateralmente com estertores bolhosos esparsos.
Radiografia de tórax: imagens hipertransparentes ocupando quase todo o tórax esquerdo com desvio contralateral do mediastino. Aspecto sugestivo de hérnia diafragmática; pulmão direito de transparência normal.
Permanece em acompanhamento ambulatorial até o presente momento (2007), tendo apresentado apenas um episódio de pneumonia, sem outras intercorrências.
Segue clinicamente estável, sem previsão de nova intervenção cirúrgica.
DISCUSSÃO:
Nos últimos 25 anos foram registrados seis casos de hipoplasia pulmonar no nosso serviço. Como a literatura relata, houve associação com hérnia diafragmática em um dos casos (caso 2), porém, no caso descrito a malformação é à direita e a literatura descreve predomínio à esquerda. Em dois casos (casos 4 e 5) o diagnóstico foi feito através da arteriografia e havia hipoplasia da artéria pulmonar correspondente ao pulmão hipoplasiado. O diagnóstico foi feito através de ultrassonografia pré-natal em um paciente, cintigrafia em um paciente, arteriografia em dois pacientes e suspeita através de radiografia de tórax e história clínica em um paciente.(1,2,3,4,5).
Apenas em um paciente (caso 2) o diagnóstico foi feito por ultrassonografia morfológica no período neonatal, o que propiciou prevenir complicações no parto e maior suporte neonatal, realizando parto cesáreo eletivo e em hospital com UTI neonatal. Entretanto, chama atenção que este caso (caso 2) foi o mais recente (2005), o que demonstra avanços no diagnóstico e intervenções precoces destas malformações. Nos outros casos o diagnóstico foi feito após o nascimento, mas não no período neonatal, sendo o quadro clínico inicial semelhante em todos eles, com queixa de dispnéia(1,2,3).
Esta forma de apresentação dos nossos pacientes está relacionada ao fato de que a faixa etária que recebe atendimento em nossa instituição vai de um mês a 12 anos, logo exclui os recém-nascidos.
Chama a atenção no caso 6 o diagnóstico no período escolar (paciente com 8 anos) realizado através da radiografia de tórax, que foi solicitada para investigar quadro agudo de infecção respiratória. Isto confirma o que relata a literatura sobre os casos que podem ser assintomáticos por mais tempo.
Em relação ao prognóstico não houve óbito em nenhum dos casos acompanhados.
O prognóstico da hipoplasia pulmonar está ligado à associação com outras malformações. No caso 2, a hérnia diafragmática foi corrigida no período neonatal, favorecendo a boa evolução.
O caso 1 apresentava neoplasia associada (retinoblastoma) e os responsáveis pela paciente negaram o tratamento adequado e abandonaram o acompanhamento, limitando ainda mais as chances de um bom prognóstico. No total houve dois abandonos (casos 1 e 3). Nos demais pacientes, a conduta foi expectante, sendo acompanhados ambulatorialmente e com radiografias de tórax e provas de função pulmonar de controle e seguem sem intercorrências e com boa evolução clínica. Apenas um deles faz uso de corticóide inalado devido a asma.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Bhandari A. Congenital malformations of the lung and the airway. In: Panitch H. Pediatric pulmonology: the requisites in Pediatrics. Philadelphia, Elsevier, 2005, 236p.
2. Tanigaki S, Miyakoshi K, Hattori Y, et al. Pulmonary hipoplasia: prediction with use of ratio of MR imaging-measured fetal lung volume to US-estimated fetal body weight. Radiology 2004;232:767-772
3. Abel RM, Bush A, Chitty LS, et al. Respiratory disorders in the newborn. In: Chernick V, BoatTF, Wilmott RW, Bush A. Kendig´s disorders of the respiratory tract in children. Philadelphia, Saunders, 2006, 1111 p.
4. Hubbard AM, Adzick NS, Crombleholme TM, et al. Congenital chest lesions: diagnosis and characterization with prenatal MR imaging. Radiology 1999;212:43-48
5. Shanmugam G, MacArthur K, Pollock JC. Congenital lung malformations anteneonatal and postnatal evaluation.Surg.2005;27:45-52