Editoriais
Zika: história e situação no Brasil
Cristina Lemos1; Denise Bastos Arduini2; Valéria Saraceni3; Betina Durovni4
1. Superintendente de Vigilância em Saúde/Secretaria Municipal de Saúde-RJ
2. Coordenadora de Vigilância Epidemiológica/Secretaria Municipal de Saúde-RJ
3. Coordenadora de Análise da Situação de Saúde/Secretaria Municipal de Saúde-RJ
4. MD PhD/Secretaria Municipal de Saúde-RJ
A emergência da síndrome congênita relacionada à infecção pelo vírus Zika no Brasil colocou a saúde pública em alerta. Esta síndrome, incialmente caracterizada pela presença de microcefalia, trouxe de volta à lembrança a síndrome da rubéola congênita, hoje considerada eliminada no Brasil devido às ações do Programa de Imunizações, que tem reconhecimento internacional.
A Zika é causada pelo vírus de mesmo nome, um arbovírus da família da dengue, e também é transmitido pelo mosquito Aedes aegypti. A transmissão sexual é bem descrita em outros países, onde não há a presença do vetor.1 O diagnóstico é feito por reação em cadeia de polimerase (PCR) nos primeiros dias de sintomas, tanto no soro como na urina. A sorologia específica para Zika, sem reação cruzada com dengue, já está liberada e em uso no Brasil.
O conhecimento sobre a Zika ainda está em construção, as síndromes relacionadas serão melhor descritas e o diagnóstico das arboviroses permanece um desafio. Hoje, a Pediatria se depara com esta nova doença, que vem exigindo educação continuada e dedicação para compartilhar este diagnóstico com as famílias envolvidas.
Após a confirmação da circulação do vírus Zika no Estado da Bahia, em 2015, fomos surpreendidos com o relato de um aumento significativo no número de casos de microcefalia em Pernambuco, logo vista com potencial decorrência de infecção materna pelo Zika. A detecção de RNA viral no líquido amniótico de gestantes na Paraíba,2 no cérebro de fetos3 e, também, a descrição de microcefalia e outras alterações em crianças nascidas de mães com exame de PCR positivo para Zika durante a gestação,4 levaram o Centro de Controle de Doenças (CDC) americano e a Organização Mundial da Saúde (OMS) a associar a ocorrência dessas manifestações cujo carro-chefe é a microcefalia à infecção materna pela Zika. O novo padrão de aumento crescente da microcefalia, detectado inicialmente no Brasil, tornou-se uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, decretada pela OMS em fevereiro de 2016.
Os pediatras precisam atentar para a verificação do perímetro cefálico (PC) dos recém-nascidos (RN), por ser a microcefalia, hoje, o marcador principal da síndrome congênita relacionada à Zika. No Protocolo de vigilância e resposta à ocorrência de microcefalia e/ou alterações do sistema nervoso central do Ministério da Saúde,5 em sua última revisão de 12 de dezembro de 2016, podem ser encontrados os valores de PC por sexo e idade gestacional, que devem ser aplicados à curva do Intergrowth (tabela do Estudo internacional de crescimento fetal e do recém-nascido: padrões para o século 21). Se o PC encontrado corresponder à definição de microcefalia, é fundamental investigar os casos conforme o protocolo e notificar no Registro de Eventos em Saúde Pública (RESP), disponível em www.resp.saude.gov.br/microcefalia#/painel.
A análise dos primeiros 1.501 casos de microcefalia notificados e investigados no Brasil REF descartou 899 casos. Um em cada cinco casos confirmados ou prováveis de serem associados à Zika tinha um PC compatível com a normalidade, mostrando que não é somente a microcefalia que define a síndrome congênita da Zika.
Em duas situações sugerimos especial atenção dos pediatras:
a) à medida do PC nas 24 horas após o nascimento, por conta de possível cavalgamento dos ossos do crânio durante o parto;
b) às crianças nascidas dentro dos padrões de normalidade de PC, porém de mães com resultados de PCR positivos para Zika durante a gestação, que devem ser acompanhadas cuidadosamente, pois podem evoluir com algum deficit cognitivo.
Os RN com microcefalia devem ser submetidos ao exame neurológico pelo neonatologista e realizar exames de imagem (ultrassom transfontanela, se esta estiver aberta, ou tomografia computadorizada de crânio ou ressonância magnética de crânio). Os achados mais relevantes incluem calcificações (compatíveis com infecção congênita), alterações ventriculares, paquigiria, lisencefalia, hipoplasia de corpo caloso, alterações cerebelares etc. Com a “parada” do desenvolvimento cerebral pela infecção da Zika, que impede a proliferação neuronal e a migração dos neurônios, a calota craniana “desaba” e o couro cabeludo fica pregueado (redundante).
Esses casos necessitam de revisão dos exames de sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e herpes (STORCH) da mãe e, no caso de não terem sido realizados, os exames do RN devem solicitados de acordo com o protocolo acima citado, para afastar outras causas de microcefalia.6
Os RN com síndrome congênita relacionada à Zika nascem sugando bem, pois este é um reflexo primitivo. Evoluem com irritabilidade intensa, disfagia e crises do tipo espasmos infantis. Muitos terão alterações oftalmológicas e/ou auditivas. Precisam de cuidados integrados com neuropediatras, oftalmologistas, otorrinolaringologistas, fisioterapeutas, psicólogos e terapeutas ocupacionais. Enfim, uma equipe multiprofissional precisa estar envolvida no acompanhamento dessas crianças e famílias.
REFERÊNCIAS
1 World Health Organization. Zika virus and complications – Prevention of sexual transmission of Zika virus. WHO; 2016 [acesso em 24 dez 2016]. Disponível em: http://www.who.int/emergencies/zika-virus/en/.
2 Calvet G, Aguiar RS, Melo AS, Sampaio SA, de Filippis I, Fabri A, Araujo ES, de Sequeira PC, de Mendonça MC, de Oliveira L, Tschoeke DA, Schrago CG, Thompson FL, Brasil P, dos Santos FB, Nogueira RM, Tanuri A, de Filippis AM. Detection and sequencing of Zika virus from amniotic fluid of fetuses with microcephaly in Brazil: a case study. Lancet Infect Dis. 2016;16(6):653-60.
3 Mlakar J, Korva M, Tul N, Popovi; M, Poljšak-Prijatelj M, Mraz J, Kolenc M, Resman Rus K, Vesnaver Vipotnik T, Fabjan Vodušek V, Vizjak A, Pižem J, Petrovec M, Avši; Županc T. Zika virus associated with microcephaly. N Engl J Med. 2016;374(10):951-8. doi: 10.1056/NEJMoa1600651.
4 Brasil P, Pereira JP Jr., Raja Gabaglia C, Damasceno L, Wakimoto M, Ribeiro Nogueira RM, Carvalho de Sequeira P, Machado Siqueira A, Abreu de Carvalho LM, Cotrim da Cunha D, Calvet GA, Neves ES, Moreira ME, Rodrigues Baião AE, Nassar de Carvalho PR, Janzen C, Valderramos SG, Cherry JD, Bispo de Filippis AM, Nielsen-Saines K. Zika virus infection in pregnant women in Rio de Janeiro. N Engl J Med. 2016;375(24):2321-34.
5 Brasil. Orientações integradas de vigilância e atenção à saúde no âmbito da Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional: procedimentos para o monitoramento das alterações no crescimento e desenvolvimento a partir da gestação até a primeira infância, relacionadas à infecção pelo vírus Zika e outras etiologias infeciosas dentro da capacidade operacional do SUS. Ministério da Saúde; 2016 [acesso em 26 jan 2017]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2016/dezembro/12/orientacoes-integradas-vigilancia-atencao.pdf.
6 Rasmussen SA, Jamieson DJ, Honein MA, Petersen LR. Zika Virus and birth defects – Reviewing the evidence for causality. N Engl J Med. 2016;374(20):1981-7. doi: 10.1056/NEJMsr1604338.