Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 3(1) - Junho 2002

Revisoes em Pediatria

Aleitamento materno

 

Lúcia Mendes de Oliveira Rolim1; Ana Lúcia Martins2

1. Médica Neonatologista do Instituto da Mulher Maternidade Fernando Magalhães(IMMFM) Presidente da Comissão de Aleitamento Materno do IMMFM Membro do Comitê de Aleitamento Materno da SOPERJ
2. Chefe da Unidade de Neonatologia do Hospital dos Servidores do Estado Membro do Grupo Interinstitucional de Incentivo ao Aleitamento Materno da SES Presidente do Comitê de Aleitamento Materno da SOPERJ (2001/2002)

 

 

MEMBROS DO COMITÊ DE ALEITAMENTO DA SOPERJ (2001/2003)

Adriana Dile Bloise
Ana Lúcia Martins Figueiredo
Antônio Carlos de Almeida Melo
José Dias Rego
José Vicente de Vasconcelos
Lúcia Mendes de Oliveira Rolim
Marize Rosangela de Almeida
Mírian Torres Cordeiro
Paulo Roberto Alves Lopes
Raimunda Izabel Pirá Mendes
Sheila Flamenbaum Hoineff
Virginia Loreto
Walter Palis Ventura

 

ANATOMIA DA MAMA E FISIOLOGIA DA LACTAÇÃO

A MAMA

As glândulas mamárias ou mamas são uma característica que distingue os mamíferos. Evoluíram como órgãos produtores de leite para fornecer nutrição aos filhos,apesar de desempenharem importante papel na sexualidade da mulher.

As mamas, ao nascer, são rudimentares e assim permanecem nos homens. Nas mulheres iniciam o seu desenvolvimento e diferenciação na puberdade, reguladas por hormônios e a cada ciclo menstrual sofrem alterações estruturais atingindo o seu maior desenvolvimento por volta dos vinte anos de idade.

Porém, o estágio final de seu crescimento, maturação e diferenciação se dá na gravidez sob a ação de vários hormônios sendo, a prolactina e o hormônio lactogenio placentário os mais importantes neste processo. Por volta dos quarenta anos têm início alterações atróficas.

Anatomia e Histologia

As mamas são estruturas pares que se localizam no tórax e ocupam desde a 2 ou 3 costela superiormente,até a 6 ou 7 costela inferiormente e medialmente limita-se à borda lateral do osso esterno, se estendendo até a linha axilar anterior ou média.

Sua superfície posterior repousa sobre a fáscia profunda dos músculos do tórax e ocupa um espaço entre os folhetos superficial e profundo da fáscia superficial da parede torácica anterior. Entre as mamas identifica-se o sulco intermediário e abaixo das mesmas o sulco infra mamário.

É constituída por parênquima de tecido glandular,tecido conjuntivo e tecido adiposo juntamente com vasos e nervos. A forma e tamanho das mamas estão relacionados com a quantidade de tecido adiposo e não com sua capacidade funcional.Variam também com a raça, peso e idade de função e, geralmente, há uma assimetria de volume entre ambas.

Revestida por pele lisa e elástica que diferencia-se na área central, tornando-se mais espessa, enrrugada, pigmentada e de forma circular constituindo a aréola,cuja porção central apresenta uma elevação cilíndrica, de mesma coloração,o mamilo ou papila.

A aréola possui glândulas sebáceas, sudoríparas e areolares acessórias (glândulas de Montgomery ) que são intermediárias em sua estrutura, entre glândulas mamárias verdadeiras e sudoríparas. Na gravidez, hipertrofiam-se e os ductos se abrem em orifícios na superfície areolar formando pequenas elevações chamadas tubérculos de Montgomery. Estas glândulas produzem secreção oleosa e anti-séptica que vai proteger o mamilo e a aréola no decorrer da sucção.

O mamilo é constituído de numerosas glândulas sebáceas e no seu vértice possui 15 a 20 orifícios correspondentes a desembocadura dos ductos lactíferos.Abaixo da pele da aréola existe uma fina camada de músculo liso cujas fibras se distribuem no sentido radial e continuam na papila com fibras longitudinais e circulares que envolvem os ductos lactíferos, juntamente com o tecido conjuntivo de sustentação.

A glândula mamária adulta é composta por 15 a 20 lobos irregulares divididos por faixas fibrosas de tecido conjuntivo, chamados ligamentos suspensores de Cooper, que radiam-se do mamilo à fáscia profunda e subdividem-se em lóbulos.Suas glândulas túbulo alveolares são derivadas de glândulas sudoríparas modificadas na epiderme, especializadas em secretar leite.Cada lobo termina em um ducto lactífero que se abre no mamilo, é independente e se contitui em uma barreira contra infecção causada por bactérias patogênicas que podem alcançar o tecido mamário através da abertura de um ducto lactífero durante a lactação.Os lobos variam de tamanho e são mais numerosos na parte superior da mama.

Abaixo da aréola os ductos lactíferos dilatam-se formando os seios lactíferos e estendem-se radialmente em direção à parede torácica ramificando-se em ductos menores até terminarem em formações pequenas e saculares, os alveólos ou ácinos ( em número de 10 a 100 ) que formam os lóbulos mamários.

Os canais lactíferos são revestidos por epitélio que se diferencia ao longo de sua estrutura e possuem células mioepiteliais com função contráctil que, ao se contraírem, expulsam o leite para os ductos menores e destes, aos ductos principais indo armazenar-se nos seios lactíferos e exteriorizar-se através dos orifícios do mamilo.

Vascularização

A mama é extremamente vascularizada tendo o seu suprimento arterial a partir de ramos perfurantes através da artéria mamária interna,ramos laterais das artérias intercostais posteriores e diversos ramos da artéria axilar.As artérias mamárias aumentam, de modo significativo, durante a lactação.

As veias da mama seguem basicamente o trajeto das artérias com a principal drenagem venosa no sentido da axila.As veias principais realizam anastomoses extensas e durante a gravidez e lactação dilatam-se intensamente constituindo a rede vascular de Haller, visível através da pele.Em torno do mamilo as veias formam um círculo anastomótico, "o circulus venosus ", que com as veias da substância da glândula vão drenar o sangue para a periferia da mama junto às veias torácica interna,axilar e jugular interna.

Drenagem linfática

A drenagem linfática se dá principalmente para linfonodos da região axilar, torácicos internos, abdominais e para a mama contra lateral.

Inervação

Os ramos cutâneos do 2 e 3 nervos intercostais unem-se a ramos do nervo supra clavicular para suprir a face anterior da mama. O 4, 5 e 6 nervos intercostais inervam a glândula mamária.Estes nervos levam fibras simpáticas à mama e à pele sobrejacente influenciando no fluxo sanguíneo através dos vasos que acompanham os nervos.

O mamilo é inervado pelo 4 nervo intercostal, especialmente em sua base, onde os lábios do bebê produzem maior estimulação à sucção ou tato.

O complexo areolopapilar é rico em fibras nervosas responsáveis por inervação sensitiva de grande importância funcional pois o bebê,ao sugar, dá início a uma cadeia de eventos neurais e neuro-humorais que resultam na produção e liberação de leite e na continuidade da diferenciação glandular que é essencial para manter a lactação.

O sistema nervoso é responsável pelo controle da lactação diretamente através de suas conexões nervosas ou, de forma indireta, através de seu controle sobre o sistema endócrino.

 

FISIOLOGIA DA LACTAÇÃO

A glândula mamária tem como função principal a lactação, que é a capacidade de produzir o alimento ideal para o seu filho : o leite da sua espécie.

O hipotálamo,área pequena do cérebro, tem dentre suas funções regular a liberação dos hormônios da adenohipófise.A sucção do bebê no peito estimula as terminações nervosas do mamilo e aréola enviando impulsos,via neuronal reflexa aferente, para o hipotálamo estimulando a hipófise anterior a secretar o hormônio prolactina e a hipófise posterior o hormônio ocitocina.

Durante a gravidez, a prolactina produzida pela placenta está presente na circulação e alcança níveis altíssimos durante o parto, porém a sua ação na produção de leite é inibida pela alta concentração de esteróides sexuais (estrogênios e principalmente progesterona ).

Reflexo de Produção do Leite

Com o nascimento e a remoção da placenta, diminui rapidamente a concentração sanguínea dos hormônios citados acima, cessando os efeitos inibitórios e a prolactina pode promover a secreção do leite pelas células lactotróficas,aumentando a secreção de colostro.

Portanto, o controle da produção inicial de leite é endócrino,isto é,depende dos níveis dos hormônios que participam deste processo,

Num período aproximado de 30 minutos após o início da mamada, há um pico de elevação na prolactina basal fazendo com que a mama produza leite para a próxima mamada. O estímulo na região mamilo alveolar percorre as fibras nervosas,alcança a medula espinhal e se conecta com o hipotálamo onde existem fatores estimulantes e inibidores da produção de prolactina.

A elevação da prolactina basal pode se manter por 3 a 4 horas. A amamentação frequente mantém os níveis sanguíneos do hormônio elevados assim como a redução na frequência diminui a quantidade de prolactina.

Entre 24 a 48 horas após o parto a mama se apresenta intumescida devido a migração de água e dilatação dos ductos e alvéolos levando ao fenômeno denominado de apojadura.A partir daí a regulação passa a ser feita no próprio local da produção de leite constituindo o controle autócrino.

O leite possui peptídeos (frações de proteína)supressores da produção de leite e, portanto, se a mama não for esvaziada há acúmulo destes peptídeos fazendo com que a produção seja interrompida.O volume de leite passa a depender da demanda e é diretamente proporcional ao número de mamadas.

Se o bebê não sugar ao seio ou não conseguir esvaziá-lo, haverá um acúmulo de peptídeos supressores e também uma contra ordem à liberação de prolactina. Prolactina é produzida principalmente à noite o que nos faz orientar e estimular as mamadas noturnas.Sabemos também que ela confere à mãe sensação de relaxamento e sonolência.

Reflexo de Ejeção do Leite

A estimulação tátil do mamilo pela sucção do mesmo pelo bebê estimula as terminações nervosas, que por via aferente agem a nível de hipotálamo estimulando a adenohipófise a liberar o hormônio ocitocina. Este é transportado por via sanguínea e vai agir nas células mioepiteliais, em torno dos alvéolos e ductos, fazendo-as se contraírem expulsando o leite para os ductos mais largos até que ele possa ser removido pelo bebê.Este mecanismo, em geral,ocorre em aproximadamente 1 minuto após o início da sucção mas,nas mulheres primíparas pode levar em torno de 3 a 5 minutos.

Existe uma sensibilidade aumentada principalmente do mamilo no período peri-parto e este fato, induzido pela sucção, vai ocasionar liberação de prolactina e ocitocina, daí a importância do contato do recém nascido com a mama ainda na sala de parto.

Os sentimentos agradáveis, estímulos auditivos e visuais ajudam o reflexo da ocitocina, facilitando a "descida do leite "enquanto que dor, " stress ", preocupação, ansiedade, cansaço inibem este reflexo mediados pela adrenalina e noradrenalina.

Quando existe uma produção exagerada de leite, há um aumento da pressão intra-alveolar e um consequente bloqueio da ação da ocitocina sobre as células mioepiteliais, ocorrendo uma dificuldade no reflexo de ejeção.Este fato acontece por uma falha no mecanismo autócrino de regulação da lactação.Nestes casos se faz necessário esvaziar as mamas por ordenha(manual ou mecânica).

A liberação de ocitocina também promove contração das fibras musculares do útero durante a amamentação, contribuindo para a involução uterina e uma recuperação mais rápida da mulher no puerpério.

A produção do leite,portanto, depende primordialmente de dois controles principais :a sucção do bebê e o esvaziamento das mamas.

Não se pode deixar de lembrar que os relexos primitivos de alimentação (reflexo de busca e procura,de extrusão,de sucção,de preensão reflexa ou mordida fásica e de deglutição ) tem papel principal na alimentação no período neonatal e precisam ocorrer de forma integrada e sequenciada.Distúrbios nestes reflexos podem atrapalhar a amamentação.

 

CONCLUSÕES

O conhecimento da estrutura da mama e do seu funcionamento durante a lactação é de fundamental importância para o sucesso da amamentação.

As diferenças estruturais e de maturação fisiológica da mama, assim como o complexo mecanismo neuroendócrino da lactação são de saber obrigatório dos profissionais de saúde que lidam com a amamentação para poder compreender, orientar e apoiar adequadamente as mulheres sempre que se fizer necessário.

Há de se entender muito bem todo esse processo sem esquecer, no entanto, que ele faz parte de um momento onde além de fatores físicos interagem fatores psicológicos e sociais para que possamos cotribuir para um aleitamento bem sucedido.

 

BIBLIOGRAFIA

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