Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 24(2) - Junho 2024

Artigos de Revisao

Hesitação vacinal contra a Covid-19 para o público pediátrico brasileiro e seus fatores associados: uma revisão de literatura

Vaccination hesitancy against COVID-19 to the Brazilian pediatric population and associated factors: a literature review

 

Luan Nascimento Lázaro1; Carolina Masutti2

 

DOI:10.31365/issn.2595-1769.v24i2p36-42

1. Universidade de Ribeirão Preto, Discente do curso de Medicina - Guarujá - SP - Brasil
2. Universidade de Ribeirão Preto, Docente do departamento de Pediatria do curso de Medicina - Guarujá - SP - Brasil

 

Endereço para correspondência:

Luan Nascimento Lázaro
luan.lazaro@sou.unaerp.edu.br

Instituição: Universidade de Ribeirão Preto, Guarujá, SP, Brasil

Recebido em: 27/04/2023
Aprovado em: 22/01/2024

 

Resumo

INTRODUÇÃO: Uma atualidade cada vez mais moldada pela disseminação veloz de informações trouxe a vacinação em crianças como pauta entre todos os segmentos da sociedade. A pandemia do novo coronavírus impulsionou o fortalecimento de ideologias e movimentos, por parte de todo o país, que se colocam contra a aplicação de vacinas - principalmente ao público pediátrico.
OBJETIVO: Analisar os principais fatores sociais associados à hesitação de pais brasileiros diante da vacinação pediátrica contra a Covid-19.
FONTE DE DADOS: Análise integrativa, a partir de revisão de artigos obtidos nas plataformas científicas Scielo, PubMed e Web of Science, entre os anos de 2008-2023. Foram selecionados artigos em inglês e português, disponíveis gratuitamente na íntegra e que se encaixasse com o objetivo do estudo.
SÍNTESE DOS DADOS: Nota-se uma forte relação entre o acesso dos pais às informações deturpadas sobre os efeitos das vacinas contra a Covid-19 e a hesitação quanto à vacinação infantil; no entanto, essas correlações se alteram dependendo dos aspectos e particularidades socioculturais do público e da região abordada.
CONCLUSÃO: É fundamental a formação de políticas públicas de saúde e de pesquisas acadêmicas que orientem e informem a população, de acordo com suas particularidades biopsicossociais, no que tange à importância social da vacinação, sobretudo para o público pediátrico

Palavras-chave: Vacinas contra Covid-19. Hesitação Vacinal. Criança. Brasil.


Abstract

INTRODUCTION: Current events increasingly shaped by the rapid dissemination of information have brought vaccination in children to the forefront of all segments of society. The novel coronavirus pandemic has boosted the strengthening of ideologies and movements throughout the country that oppose the application of vaccines - especially to pediatric patients.
OBJECTIVE: To analyze the main social factors associated with Brazilian parents' hesitancy regarding pediatric vaccination against COVID-19. Data source: Integrative analysis, based on a review of articles obtained from the scientific platforms Scielo, PubMed, and Web of Science, between 2008-2023. Articles in English and Portuguese, freely available in full, and that fit the aim of the study were selected.
DATA SYNTHESIS: A strong relationship was observed between parents' access to misleading information about the effects of vaccines against COVID-19 and hesitancy regarding childhood vaccination; however, these correlations change depending on the sociocultural aspects and particularities of the target audience and the region addressed.
CONCLUSION: It is essential to develop public health policies and academic research that guide and inform the population, according to their biopsychosocial particularities, regarding the social importance of vaccination, especially for the pediatric population.

Keywords: COVID-19 Vaccines. Vaccination Hesitancy. Child. Brazil.

 

Introdução

A vacinação é uma das intervenções de maior sucesso na saúde pública e um pilar para a prevenção contra doenças infecciosas.1 Contudo, desde sua descoberta, a vacinação tem sido um assunto cercado por diversas controvérsias. Para pessoas leigas, entender o mecanismo da vacina pode ser uma temática complicada. Suas inúmeras preocupações incluem "Como um corpo estranho, criado no laboratório, pode me proteger? O que ocorre no meu corpo com a aplicação da vacina? Essas mudanças ferem outras funções do corpo? Como algo pode me proteger se pode desencadear reações adversas? Como posso ter certeza de que a substância aplicada em meu corpo não carrega compostos 'tóxicos'?". Estas e outras perguntas talvez não tenham respostas tão óbvias para aqueles que não compreendem os fundamentos de microbiologia e imunologia.2

A primeira morte causada pela Covid-19 foi em 9 de janeiro de 2020, em Wuhan, China.3 O Brasil, até o dia 21 de março de 2023, totalizava mais de 37 milhões de casos acumulados, com quase 700.000 óbitos.4 A pandemia da Covid-19 promoveu um forte estresse nos sistemas nacionais de saúde ao redor do mundo e impulsionou o surgimento de novas terapias e estratégias de prevenção.5

A vacinação universal contra a Covid-19 é considerada a chave para limitar a expansão do SARS-CoV-2 e o risco do surgimento de novas variantes.6 Uma vacinação segura e efetiva é um ponto importante de início para uma campanha de prevenção de sucesso contra uma doença infecciosa. Desenvolvida e aprovada a vacina, uma porção suficiente da população deve ser vacinada para alcançar imunidade protetora e prevenir a expansão ainda maior da doença.5 O contínuo surgimento de uma série de doenças preveníveis por vacina fez com que a Organização Mundial da Saúde (OMS) conceituasse a hesitação vacinal como uma das principais ameaças à saúde mundial em 2019.8 A hesitação vacinal parietal, definida como o atraso, por parte dos pais, na aceitação ou recusa à vacinação, é um importante obstáculo à vacinação.9

Especialistas consideram cada vez mais ameaçados os programas de vacinação, justamente por conta da crescente preocupação entre as pessoas que desconhecem informações fidedignas.10 A hesitação relacionada à vacinação contra a Covid-19 entre adultos varia de acordo com a idade, gênero, raça/etnia, grau de instrução e recursos de informação. A idade tem se mostrado como um dos fatores mais consistentes correlacionados à hesitação entre adultos. Contudo, poucos estudos tiveram o foco centralizado no público infanto-juvenil.11

Entender as diferenças da hesitação vacinal contra a Covid-19 entre diferentes comunidades e grupos sociodemográficos é essencial para identificar as parcelas populacionais que, mesmo com acesso pleno à informação, não aderem às campanhas vacinais. Com esse conhecimento, a comunicação vacinal e suas estratégias de distribuição poderiam ser direcionadas e moldadas de acordo com o grupo hesitante.12 Nesse sentido, a pesquisa tem como objetivo compreender as razões por trás da permanência do movimento antivacina no cenário brasileiro, além de analisar como o pensamento hesitante em relação à vacinação se manifesta entre os pais das crianças brasileiras de diferentes localidades do país.

A imunização infantil é a chave para o controle efetivo da pandemia, mas a hesitação vacinal atrasará as estratégias eficazes de vacinação. A vacina deve ser implementada pelo governo e apoiada pela comunidade científica, pelos cidadãos e pelos pais, como um dever coletivo.13

 

Movimento antivacina no Brasil

O movimento antivacina resulta de fatores políticos, culturais e pessoais. Uma das táticas mais comuns usada por esse movimento é gerar uma série de dúvidas relacionadas à segurança vacinal, apropriando-se do discurso do direito individual de escolher entre receber ou não as vacinações, o que demanda que a pesquisa seja justamente direcionada ao entendimento e às preocupações dessa parcela populacional.14 Esses movimentos são tão antigos como as próprias vacinas, como demonstrado, por exemplo, pela famosa caricatura britânica que criticava a vacina contra a varíola de Jenner, que mostrava pessoas se tornando bois e até mesmo germinando partes bovinas após a vacinação. Mas, em circunstâncias históricas anteriores, grande parte dessa resistência podia ser atribuída à ignorância sobre as vacinas e sua eficácia.15

No Brasil, as primeiras campanhas de vacinação datam do ano de 1804, e naquele momento histórico possuíam o caráter obrigatório e compulsório, com finalidade de combater a febre amarela urbana, a varíola e a poliomielite. O corpo social criou um sentimento amplamente negativo frente à administração vacinal, sustentando a insegurança vacinal ou de serem armas biológicas produzidas pelo próprio governo. As falácias sobre a real função das vacinas são motivos de diversos conflitos religiosos, políticos e legais.16

Um dos casos mais marcantes de hesitação vacinal no país, ocorrido em novembro de 1904, é conhecido como A revolta da vacina. Nesse incidente, parte da população estava engajada no combate físico contra agentes governamentais, que forçavam programas e leis de saúde pública.2 Ou seja, o movimento popular em questão foi uma resposta à imunização compulsória proposta pelo então Diretor Geral de Saúde Pública, Oswaldo Cruz, contra a varíola. De um lado, havia uma população sem acesso à informação e a direitos básicos, como o saneamento; de outro, um governo impositivo e autoritário.17

Ainda nos dias atuais, a Sociedade Brasileira de Pediatria e o Conselho Federal de Medicina se preocuparam com o advento do movimento antivacina. Foi publicado um alerta, no dia 23 de junho de 2017, clamando a população, médicos e outros profissionais da saúde para contrariar esse movimento. "Negando a vacinação a si mesmo ou evitando que crianças e adolescentes sejam vacinados pode resultar em imensas problematizações de saúde pública, como a emergência de doenças severas ou o retorno de doenças epidêmicas, como poliomielite, malária, rubéola, entre outras", diz o documento.18

Já durante o ano de 2020, com o surgimento do recente vírus SARS-Cov-2, que resultou em uma pandemia mundial, o movimento antivacina retomou força, agora com viés ideológico e xenofóbico, influenciado por figuras políticas que vão contra autoridades da OMS e do Ministério da Saúde.19

A forma como o Governo Federal conduziu a vacinação da população pediátrica foi marcada por palavras e comportamentos que encorajaram continuamente a hesitação. Em 16 de dezembro de 2021, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou e deu uma permissão efetiva para a vacinação contra a Covid-19 em crianças de 5 a 11 anos. Desde então, ao invés de uma imediata mobilização para a incorporação dessa vacina ao Plano Nacional de Imunização, muitas estratégias foram adotadas pelo próprio governo para descredibilizar as vacinas e gerar uma série de dúvidas sobre sua eficácia.13

A web, em especial as redes sociais, também muito contribuiu para que esses mitos crescessem.20 Nesse sentido, a pesquisa voltada para a problematização relacionada com a aderência à vacinação é essencial para a atenuação desse cenário de fortalecimento dos movimentos antivacinas.

 

Objetivo

Analisar os principais fatores sociais associados à hesitação de pais brasileiros diante da vacinação pediátrica contra a Covid-19.

 

Metodologia

O estudo é uma análise integrativa. A questão norteadora adotada para a realização do estudo foi: "Quais são os motivos relacionados com a não vacinação de crianças brasileiras pelos seus responsáveis?". Foram feitas revisões de literatura publicadas no PubMed, Scielo e Web of Science, em um período entre 2008 e 2023. No que tange à busca por informações relacionadas ao movimento antivacina no Brasil, foram feitas buscas utilizando as palavras-chave "Movimento", "Antivacina", "Brasil" e "Covid-19". Após análise criteriosa, descartando artigos duplicados ou que não se relacionassem integralmente com os termos, foram lidos oito artigos. Já no que tange à procura por informações sobre a hesitação parental à vacinação contra a Covid-19, foram procurados artigos também em robustas plataformas de dados científicos como PubMed, Scielo e Web of Science. A partir do uso das palavras-chave "Hesitação", "Vacinal", "Covid-19", "Crianças", "Brasil", foram obtidos 20 artigos, que após verificação de duplicação de dados e de outra análise criteriosa, 15 foram utilizados para comparação de dados no estudo.

 

Discussão

Os determinantes da recusa/hesitação vacinal são complexos e podem ser atribuídos à confluência de diversas razões biopsicossociais e até mesmo políticas; dúvidas sobre a necessidade por vacinas, preocupações relacionadas à segurança vacinal, medo de possíveis efeitos adversos, mitos ligados à segurança e à eficácia da vacina, preocupações com a "elevada exposição do sistema imune", experiências negativas no passado, desconfiança à indústria vacinal e ao próprio sistema de saúde, pensamentos heurísticos, e valores filosóficos e religiosos podem estar envolvidos.18 Desde o início da pandemia pelo SARS-CoV-2, percebe-se uma crescente tensão provocada, entre outros fatores, pela dimensão epidêmica de uma doença que se espalhou rapidamente por várias regiões do planeta, acarretando severo impacto epidemiológico e desdobramentos socioculturais e políticos equivalentes.21

A hesitação e a tensão provocadas pela rápida disseminação de desinformações podem ser vistas em outros inúmeros países, como na Itália - onde a taxa de hesitação da vacinação no público menor de idade chegou a 55,1% pelos pais italianos. Um número ainda maior foi evidenciado em estudos e pesquisas focando em crianças (59.9%; 95%CI= 43.7-75-1%) comparado aos estudos com foco em adolescentes italianos (51.3%; 95%Cl= 34.5-68.0%).22 Uma análise comparativa de 23 países evidenciou que a hesitação vacinal aumentou entre a população geral em oito países (Reino Unido, Turquia, África do Sul, México, Quênia, Gana, China e Brasil). Em contraste com esse resultado, o mesmo artigo demonstrou que a vontade dos pais em vacinar seus filhos aumentou ligeiramente nesses 23 países, de 67,6% em 2021 - quando as vacinas para a população infantil ainda aguardavam aprovação regulamentar, para 69,5% em 2022.23 Desse modo, nota-se que a insegurança em relação à vacinal infantil ainda é algo muito presente, mesmo com maior adesão dos pais à vacinação infantil.

Apesar dos benefícios sociais (evitar doenças e suas consequências) e econômicas (priorizar o investimento na prevenção e economizar nos tratamentos caros e de maior complexidade), a imunização pode gerar efeitos que resultam no surgimento de dúvidas entre os brasileiros sobre a segurança e efetividade da vacina na vida dos brasileiros com baixo acesso às informações, que são a maioria. Sinais e sintomas após o procedimento, como febre ou dor na região de aplicação, são chamados de eventos adversos. Tendo isso em vista, um grande número de brasileiros duvida e até evita o procedimento de vacinação.24

Nesta era digital, as pessoas têm total liberdade para receber informações sobre saúde, incluindo informações sobre vacinas, pela Internet e redes sociais. Os efeitos adversos das vacinas contra a Covid-19 também são explorados por organizações antivacinas para espalhar desinformação relacionada à eficácia vacinal contra outras doenças. Como resultado, o surgimento de grupos antivacinas tornou-se um dos principais obstáculos aos programas de imunização para governos e ativistas de saúde em muitas nações.20

Querer proteger a criança é algo defendido por ambos grupos de "pais vacinadores" e "pais não-vacinadores" ou "vacinadores eletivos", que deixam de vacinar contra doenças específicas; no entanto, o medo de que a vacina cause danos à criança afasta o segundo e o terceiro grupo.25 A hesitação de alguns pais para vacinarem seus filhos contra a Covid-19 é compreensível, uma vez que eles são uma parte da população que passaram por uma pandemia com um chefe de Executivo que descredibilizou todo o aparato científico ao redor da produção de vacinas e dos protocolos de proteção, encorajando tratamentos ineficazes - como o uso de hidroxicloroquina.26

Um estudo qualitativo feito no Brasil que buscou analisar a aceitação de pais de crianças e de adolescentes diante de uma suposta vacina contra a Covid-19 demonstrou que é amplamente levada em conta a vacinação como um risco aos seus filhos; o entendimento de que possíveis efeitos adversos da vacina são mais graves que a própria doença; dúvidas sobre a segurança das vacinas; desconfiança sobre sua composição, em particular sobre conservantes e adjuvante utilizados; ou a percepção de que a imunidade gerada pela doença é melhor do que a vacina.

Para além desses fatores, o início da vacinação numa idade tão precoce e a diversidade de vacinas preconizadas a realizar num mesmo período foram identificadas como outras preocupações por alguns pais. Por fim, outro fator grandemente apresentado como motivo de hesitação quanto à vacinação está ligado a crítica às indústrias farmacêuticas e aos lucros provenientes das vacinas. Essas famílias consideram que a escolha das vacinas e sua calendarização é selecionada com vistas a interesses da indústria e não direcionados para os benefícios da saúde.27

Ademais, uma pesquisa quantitativa realizada no país, que contou com 293 participantes de ambos os sexos (M=36,5% e F=63,5%), com idade média de 38 anos, distribuídos em 17 estados brasileiros, constatou que o gênero e a diminuição da percepção dos riscos são as variáveis que possuem efeito de diferenciação na hesitação e predisposição para vacinação das crianças. Ou seja, a hesitação vacinal estava mais associada às mães com fortes receios de efeitos adversos da vacina.28

Em comparação com um estudo realizado em Bauru, o qual incluiu 501 candidatos ( 85% mães e 15% pais ), não foi vista uma clara relação do gênero do responsável pela criança com a hesitação vacinal contra a Covid-19. Por outro lado, similar a outros estudos, foi encontrada associação entre a recusa vacinal e a idade da criança, o nível de escolaridade e o tempo em casa dos responsáveis, o que evidenciou níveis mais altos de hesitação entre pais com baixo grau de escolaridade, responsáveis por filhos mais novos e que passam maior tempo em casa.29 A partir desses dados, é notório que as nuances da face do movimento de hesitação vacinal entre pais de crianças pode se diferenciar em alguns aspectos e se assemelhar em outros.

Com relação a um outro estudo, conduzido a partir de questionários virtuais que foram respondidos por 1.001 pessoas (725 mulheres e 276 homens), não foram notadas claras relações entre a hesitação à vacinação de crianças com o gênero do responsável ou região de residência, mas há a indicação de que essa hesitação parental se intensifica conforme aumenta a idade da criança. Participantes que se consideram fortemente religiosos tendem a ter maior hesitação à vacinação de crianças, com índices de hesitação ainda maiores entre evangélicos e protestantes e menores entre ateus ou indivíduos sem religião. Como esperado, responsáveis que não se vacinaram contra a Covid-19 tendem a ter maior nível de hesitação para a vacinação infantil. Quando apenas aqueles participantes com crianças de 5 a 11 anos foram considerados, a negação vacinal encontrada era significativamente maior entre aqueles com filhos não-vacinados, comparados com aqueles com filhos vacinados.30 Portanto, observa-se uma predominância relacionada à idade da criança, ao receio dos efeitos colaterais da vacina e justamente os fatores culturais que moldam a percepção dos responsáveis, independentemente da região analisada.

Referenciando outro estudo feito no Brasil a partir de questionários on-line, que foi respondido por 15.297 responsáveis de todas as regiões do país, 13,3% se mostraram hesitantes em relação à vacinação contra a Covid-19. Novamente, a taxa de hesitação vacinal entre crianças e adolescentes é maior em pais que não se vacinaram. Contudo, isso também é observado em filhos de pais que receberam apenas uma dose da vacina - o que muitas vezes reflete o sentimento de relutância para aderir à campanha de vacinação. Essa pesquisa também evidenciou que a taxa de hesitação vacinal é intensificada por algumas crenças, medos e percepções relacionadas à Covid-19 e à vacinação.

Grande parte dos responsáveis incluídos na pesquisa não acreditam que a imunidade natural seja uma medida protetiva mais eficaz que a vacinação (89,1%), discordam que produtos naturais sejam melhores que as vacinas (90%) e acreditam que a pandemia deve ser levada a sério (91.3%).26 Ou seja, apesar de grandes parte dos pais terem o discernimento favorável à adesão vacinal, é imprescindível haver contínuo esclarecimento e informações científicas claras e acessíveis aos grupos ainda hesitantes. Os próprios indivíduos hesitantes, embora articulados sobretudo por meio de redes sociais, se consolidam de forma heterogênea. Podem recusar apenas uma ou diversas vacinas, por motivos variados, entre os quais se destacam as crenças de que: a) a vacina contém elementos tóxicos; b) o sistema imunológico da criança é imaturo para lidar com tantas vacinas; c) as vacinas são parte de uma conspiração comercial da indústria farmacêutica; d) a imunidade natural é melhor; e) a maior parte das doenças é inofensiva para a maioria das crianças; f) as doenças imunopreveníveis se reduziram pela melhoria das condições sanitárias, e não por causa da vacinação; g) a liberação de vírus por dejetos, após a administração de uma vacina de vírus vivo, pode levar ao adoecimento.31

A falta de coordenação nacional para a Covid-19 revelou posições conflituosas entre o Governo Federal e os governadores dos 27 estados.31 Através da espetacularização da doença, com promessas de medicamentos eficazes e receitas milagrosas, a desinformação circula mais rapidamente em plataformas virtuais.33 Essas informações falsas geralmente são disseminadas a partir dos mesmos mecanismos que as informações verdadeiras. Essa pandemia, associada com o excesso de informações disseminadas, intensificou muito as problematizações relacionadas com a confiabilidade de informações presentes no âmbito on-line.34

Um estudo feito a partir de formulário on-line, respondido por 71 responsáveis (61 mães e 10 pais), cerca de 32% dos participantes ainda não vacinaram seus filhos, tendo como principal motivo o medo de efeitos adversos ou porque não confiam nos estudos científicos que explicitam a segurança das vacinas contra a Covid-19. Além disso, outros sete responsáveis não aderiram às campanhas vacinais contra a Covid-19 pelo receio do adoecimento de seus filhos. Dessa forma, é evidente que a acessibilidade de informações, a esfera sociocultural do responsável e até mesmo suas respectivas crenças influenciam diretamente na receptividade à vacinação, tanto para si mesmo quanto para seus filhos.35

 

Conclusão

A hesitação vacinal diante da vacinação contra a Covid-19 no público pediátrico se encontra associada a fatores semelhantes entre todas as regiões brasileiras, dos quais se destacam: o receio diante de possíveis efeitos adversos da vacinação, fatores culturais como a própria religião, a rápida disseminação de informações falsas a respeito da eficiência vacinal e até mesmo a própria ideologia política dos responsáveis. Ademais, nota-se que a negligência da esfera política brasileira frente à pandemia da Covid-19 corroborou fortemente o fortalecimento desses movimentos antivacinas entre diferentes localidades do país.

Nesse sentido, é primordial o fortalecimento de políticas que democratizem cada vez mais informações acerca dos benefícios da vacinação e de sua importância social, enfatizando dados cientificamente comprovados e a vigilância mais rigorosa em relação aos dados epidemiológicos de vacinação.

Além disso, cabe aos profissionais de saúde informar e incentivar veementemente a vacinação entre seus pacientes, a fim de expandir orientações cientificamente embasadas por toda a população. A partir dessas medidas, anseia-se pelo fortalecimento da adesão à vacinação entre todas as parcelas sociais, com destaque para o público pediátrico.

 

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