Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 21(2) - Junho 2021

Artigo Original

Síndrome respiratória aguda grave em pacientes pediátricos no contexto da pandemia: uma análise epidemiológica do Brasil

Severe acute respiratory syndrome in pediatric patients in the pandemic: an epidemiological analysis of Brazil

 

Maria Fernanda Prado Rosa; William Nicoleti Turazza Silva; Thaís de Melo Baccega; Isadora Barbosa Castro; Stefan Vilges Oliveira

 

DOI:10.31365/issn.2595-1769.v21i2p62-67

Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia - MG, Brasil

 

Endereço para correspondência:

williamnicolete@gmail.com

Recebido em: 01/05/2021

Aprovado em: 06/06/2021


Instituição: Universidade Federal de Uberlândia

 

Resumo

INTRODUÇÃO: Em 2020 teve início a pandemia da COVID-19, potencial causadora de Síndrome Respiratória Aguda Grave, condição de notificação obrigatória no Brasil. Apesar da baixa gravidade da infecção em crianças quando comparadas a adultos, o número de casos é alto e o impacto ainda é importante.
OBJETIVO: Explorar o perfil clínico e epidemiológico das internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave no contexto da pandemia, comparando com anos posteriores.
MÉTODO: Realizou-se um estudo epidemiológico, descritivo e quantitativo dos casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave em pacientes pediátricos notificados ao Ministério da Saúde, de 1 de janeiro a 30 de setembro dos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020.
RESULTADOS: Em 2020, o total de casos de registrados foi de 58.819, dos quais 6.898 eram COVID-19. A letalidade geral foi de 3,50 e de 7,92 para os casos com COVID-19. Casos e óbitos predominaram em meninos. Houve queda de casos e mortes com avançar da faixa etária, exceto por crianças menores de 1 ano. Febre, tosse e desconforto respiratório foram os sintomas mais comuns. Asma, doenças neurológicas e doenças do coração foram as comorbidades mais comuns. De 2017 a 2020 houve aumento dos casos da síndrome, de pacientes admitidos em Unidade de Terapia Intensiva, de óbitos e da letalidade.
CONCLUSÕES: O perfil clínico e epidemiológico encontrado condiz com a literatura encontrada. O novo vírus provavelmente é o responsável pelo aumento dos indicadores encontrados e há um sério problema de subnotificação no país.

Palavras-chave: Epidemiologia; Infecções por Coronavirus; Pandemias; Pediatria; Síndrome Respiratória Aguda Grave.


Abstract

INTRODUCTION: In 2020, the COVID-19 pandemic began, a potential cause of Severe Acute Respiratory Syndrome, which is a mandatory notification condition in Brazil. Despite the low severity of the infection in children when compared to adults, the number of cases is high and the impact is still important.
OBJECTIVE: To explore the clinical and epidemiological profile of hospitalizations with Severe Acute Respiratory Syndrome in the pandemic, comparing it with later years.
METHOD: An epidemiological, descriptive and quantitative study of cases of Severe Acute Respiratory Syndrome was carried out in pediatric patients notified to the Ministry of Health, from January 1st to September 30th, 2017, 2018, 2019 and 2020.
RESULTS: In 2020, the total number of registered cases was 58.819, of which 6.898 were COVID-19. The overall lethality was 3.50 and 7.92 for cases with COVID-19. Cases and deaths predominated in boys. There was a decrease in cases and deaths with age advanced, except for children under 1 year. Fever, cough and respiratory distress were the most common symptoms. Asthma, neurological diseases and heart disease were the most common comorbidities. From 2017 to 2020, there was an increase in cases, patients admitted to the Intensive Care Unit, deaths and lethality.
CONCLUSIONS: The clinical and epidemiological profile found is consistent with the literature. The new virus is probably responsible for the increase in the indicators and there is a serious problem of underreporting in the country.

Keywords: Coronavirus Infections; Epidemiology; Pandemics; Pediatrics; Severe Acute Respiratory Syndrome.

 

INTRODUÇÃO

O novo coronavírus SARS-CoV-2 (Coronavírus 2 da Síndrome Respiratória Aguda Grave) foi descoberto em dezembro de 2019 em Wuhan, província de Hubei, China. Sua doença recebeu pela Organização Mundial da Saúde (OMS) o nome de Covid-19 (coronavirus disease 19). Em 26 de fevereiro, na 9a semana epidemiológica de 2020, o primeiro caso foi confirmado no Brasil1. No dia 11 de março a OMS declarou pandemia2,3,4.

Na pediatria, doenças virais são responsáveis por grande parte dos casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG), caracterizada por lesão inflamatória pulmonar difusa, em resposta a uma agressão. É considerado caso de notificação compulsória de SRAG em hospitalizados o indivíduo que apresente febre com tosse ou dor de garganta e algum sintoma respiratório como dispneia, saturação de oxigênio < 95% ou desconforto respiratório5.

Desde a pandemia de influenza A (H1N1) em 2009, o Brasil notifica os casos hospitalizados com SRAG pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). No início, a notificação visava identificar casos relacionados ao vírus influenza A e B, mas a partir de 2012 foram incluídos o vírus sincicial respiratório, o adenovírus e os parainfluenza 1, 2 e 3. A partir da 12a semana epidemiológica de 2020, houve acréscimo do teste para SARS-CoV-2, também um potencial causador da síndrome1,6.

É inquestionável a necessidade estudos que explorem e evidenciem a epidemiologia da Covid-19 no Brasil, para que seja definida prioridade na destinação de recursos humanos e financeiros nos serviços de saúde, considerando a alta taxa de internações pela doença ainda em 20215,7. Além disso, ressaltam-se a falta de evidências de alta qualidade e o surgimento e a disseminação rápida e constante de informações novas4, o que se torna um desafio para a equipe médica.

Mesmo com a baixa porcentagem de casos graves em crianças, o vírus possui alta transmissibilidade8, o que faz com que os números absolutos sejam significativos e que o impacto na sociedade seja importante. Assim, este estudo tem por objetivo explorar o perfil clínico e epidemiológico das internações por SRAG durante a pandemia, comparando com anos anteriores.

 

MÉTODO

Realizou-se estudo epidemiológico, descritivo e quantitativo dos casos de SRAG em pacientes pediátricos (0-13 anos) notificados ao SIVEP-Gripe da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde do Brasil. Foram analisados os períodos de 1º de janeiro a 30 de setembro dos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020. Os dados epidemiológicos foram acessados pela Plataforma Integrada de Vigilância em Saúde (IVIS) do MS, que os disponibiliza de forma aberta em formato de planilha.

Neste estudo, foram considerados os casos que atenderam os critérios para preenchimento da ficha de notificação dos casos de SRAG: indivíduo hospitalizado com febre, mesmo que referida, acompanhada de tosse ou dor de garganta e que apresente dispneia ou saturação de O2 < 95% ou desconforto respiratório ou que evoluiu para óbito por SRAG independentemente de internação. A ficha pode ser acessada através do link <http://plataforma.saude.gov.br/coronavirus/dados-abertos/sivep-gripe/ficha-SIVEP-GRIPE-SRAG-hospital-Sivepgripe.pdf>.

As variáveis analisadas foram: semana epidemiológica; idade numérica; sintomas [febre; tosse; dor de garganta; dispneia; desconforto respiratório; saturação O2<95%; diarreia; vômito]; comorbidades [cardiopatia; doença hematológica crônica; síndrome de Down; doença hepática crônica; asma; diabetes; doença neurológica crônica; pneumopatia crônica; imunodeficiência/imunodepressão; doença renal crônica]; internação em UTI [sim; não; ignorado]; uso de suporte ventilatório [sim; não; ignorado]; classificação final do caso [SRAG de outras etiologias; SRAG não especificada; Covid-19]; evolução do caso [cura; óbito; ignorado].

A análise de todas as variáveis foi realizada por estatística descritiva, apresentada em números brutos, medidas de frequência. A análise de casos de 2017 a 2019 por semana epidemiológica foi feita através de média aritmética simples e medidas de mínimo (o menor número entre os três anos para a semana epidemiológica) e máximo (o maior número entre os três anos para a semana epidemiológica). A incidência foi calculada a partir do número de casos divididos pela população brasileira de até 12 anos incompletos, e a letalidade foi calculada utilizando o número de óbitos dividido pelo número de casos e multiplicado por 100. O software utilizado para análise de dados foi Microsoft Office 2016 Excel.

Não foram acessados dados nominais dos pacientes ou quaisquer outros que possibilitem sua identificação, visto que pesquisa foi realizada a partir de um banco de dados secundários. Dessa forma, não foi necessária a submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), de acordo com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 510, de 7 de abril de 2016, por cumprimento das normas éticas nacionais.

 

RESULTADOS

Em 2020, o total de casos de SRAG em pacientes pediátricos foi de 51.819, com 6.898 (13,31%) confirmados para Covid-19, 36.619 (70,67%) não identificados e outros 8.300 (16,02%) diagnosticados para outra etiologia. Dos pacientes com SRAG, 35.891 (69,26%) evoluíram com alta, 1.816 (3,50%) com óbito e 14.110 (27,23%) não tiveram evolução identificada. A incidência para SRAG foi de 136,82, enquanto a letalidade foi de 3,50. Para Covid-19, 5.132 (74,40%) evoluíram com alta, 547 (7,93%) com óbito e 1.217 (17,64%) sem evolução identificada. A incidência foi de 18,21, enquanto a letalidade foi de 7,92. Do total de óbitos, 30,12% foram em pacientes com Covid-19.

O número de casos e óbitos de SRAG foi maior entre o sexo masculino, que apresentou, respectivamente, 55,79% e 54,52%. Para SRAG com Covid-19, o sexo masculino também predominou tanto em casos, como em óbitos, apresentando, respectivamente, 55,48% e 55,39%. Quanto à faixa etária, houve um comportamento decrescente em casos e óbitos com o avançar da idade, exceto pelos menores de um ano, tanto para o total de casos de SRAG quanto para SRAG com Covid-19 (Tabela 1).

 

 

Febre, tosse e desconforto respiratório foram os sintomas mais comuns tanto para SRAG quanto para SRAG com Covid-19 em relação ao total de pacientes de cada categoria. Os pacientes apresentaram principalmente asma, doenças neurológicas e cardiopatias como comorbidades (Tabela 2).

 

 

Em relação a anos anteriores, houve aumento de importantes indicadores nos pacientes pediátricos. De 2018 para 2019, o aumento foi de 10,55% nos casos de SRAG, enquanto de 2019 para 2020 o aumento foi de 34,38%. Houve queda para 2020 nos pacientes que necessitaram de suporte ventilatório, entretanto, houve aumento de 25,98% para o número de admitidos na UTI, de 65,91% nos óbitos e de 23,46% na letalidade (Figura 1).

 


Figura 1. Número de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), de óbitos, de pacientes admitidos na UTI e de pacientes que fizeram uso de suporte ventilatório.

 

A partir da Semana Epidemiológica 11, houve um pico importante dos casos de SRAG não acompanhado do aumento nos diagnósticos pela Covid-19 e dos indicadores de internação dos anos anteriores (Figura 2).

 


Figura 2. Casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) segundo ano e semana epidemiológica

 

DISCUSSÃO

O sistema imune do hospedeiro tem importante papel na evolução da Covid-19: células TCD8+ e NK destroem o reservatório viral ao eliminar as células infectadas, anticorpos facilitam a destruição da partícula viral extracelular e os linfócitos TCD4+ produzem citocinas que ativam macrófagos e células B. A amplificação dessa resposta ocorre pela produção de citocinas pró-inflamatórias (IFN-y e TNF), havendo sempre o contrabalanço com citocinas anti-inflamatórias (principalmente IL-10), crucial para evitar a exacerbação da resposta, conhecida como "tempestade de citocinas"9.

Na superfície do SARS-CoV-2 ficam as proteínas S, as quais se ligam aos receptores humanos da enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2), presentes, dentre outros tecidos, nos pneumócitos do revestimento alveolar. Essa ligação reduz a produção de angiotensina 1-7, desencadeando efeitos vasoconstritores, pró-trombóticos, arrítmicos, hematopoiéticos e inflamatórios. Já a proteína N viral impede a sinalização e síntese do IFN-1, a citocina mais importante para inibição da replicação viral9. Dessa forma, sabe-se que a mortalidade é diretamente relacionada à resposta imune do hospedeiro, tanto inata quanto adaptativa, assim como à regulação dessa resposta9. Comorbidades prévias relacionadas a um maior grau de inflamação sistêmica aumentam o risco de evolução para formas mais graves, devido à desregulação e à ativação crônica do sistema imune, além do dano tecidual em si9. As comorbidades encontradas neste estudo reforçam esse aspecto da doença.

Clinicamente, a Covid-19 foi dividida em três fases, sendo a terceira aquela que faz a interface com a SRAG, objeto deste estudo. Saber em qual fase o paciente se encontra é determinante para as medidas a serem tomadas. A fase I é considerada leve e caracterizada por febre e tosse seca. Cerca de 80% dos pacientes tem cura já nessa fase, não sendo necessária a internação. A fase II é considerada fase grave, na qual há dispneia, taquipneia, diminuição da saturação de oxigênio e infiltrado pulmonar. Conhecida também como fase pulmonar, há uma instalação de pneumonia viral, que pode ser sem hipóxia ou não, podendo ser necessária internação hospitalar, mas sem ventilação mecânica. A fase III, considerada fase crítica, manifesta sinais de choque e/ou falência respiratória. Ocorre febre persistente, citopenias e hiperferritinemia. A tempestade de citocinas leva a um estado de hipercoagulação, causando fenômenos trombóticos que afetam ainda mais os órgãos. Pacientes neste estágio precisam de encaminhamento para unidades de terapia intensiva, sendo muitos colocados em ventilação mecânica, e permanecendo nesses leitos de 10 a 30 dias4,9. O presente estudo encontrou uma porcentagem relevante de pacientes com dessaturação, dispneia e desconforto respiratório, o que condiz com o quadro de SRAG e fases clinicas mais avançadas da Covid-19.

Assim como observado neste estudo, há maior acometimento do sexo masculino quando comparada ao sexo feminino na literatura, tanto para SRAG (54,80%) quanto para Covid-19 (55,81%). Esse fenômeno pode estar relacionado à maior demora de maturação pulmonar intrauterina nos meninos7, além da maior quantidade de ACE2 nas células alveolares desse sexo10. Outro fator possivelmente responsável é que homens produzem menos IFN-1 e tem um menor número de células T circulantes se comparados às mulheres, defesas fundamentais contra o vírus9.

Pode-se observar, na figura 1, que o número de casos por SRAG em 2020 cresceu consideravelmente em relação a 2018 e 2019. Esse aumento pode ser explicado tanto pela Covid-19 em si quanto à maior sensibilidade dos profissionais de saúde em notificar os casos de SRAG em meio à pandemia. O coordenador do Infogripe da Fiocruz, sistema utilizado na extração dos dados deste estudo, reforçou ambas as hipóteses e afirmou que o número de casos de SRAG está muito alto e fora do padrão. Foi notado no sistema um aumento das notificações recebidas principalmente de hospitais particulares, entretanto, dados que sozinho não justificariam esse aumento expressivo11.

Pelas diferenças clínico-epidemiológicas referentes à síndrome respiratória aguda (SRA) entre adultos e crianças, criou-se uma definição específica de SRAG pediátrica, motivo da existência do Pediatric Acute Lung Injury Consensus Conference (PALICC)6. Essa dificuldade de definição de critério diagnóstico para a síndrome levanta ainda a hipótese de subnotificação de casos em 2020, apesar da alta de notificações para SRAG.

De acordo com Prado et al. (2020), o número de casos de Covid-19 no Brasil tem sido amplamente subnotificado. Os resultados do estudo mostram que o número real de casos foi cerca de 11 vezes maior que o informado. Essa subnotificação observada no Brasil pode estar relacionada a alguns fatores, como dificuldades operacionais para realização de testes na população, o que leva a um aumento da demora dos resultados dos exames, à falta de novos exames e às orientações para só realizar testes em casos mais graves. Deve-se considerar também que a capacidade de obter os resultados dos exames varia entre os hospitais e instituições12. Nesse contexto, há uma subnotificação evidente neste estudo, já que aproximadamente 70% dos casos de SRAG em 2020 não tiveram diagnóstico etiológico definido mesmo diante do aumento expressivo de notificações. Devido ao baixo número de sintomas, menor gravidade dos mesmos em pediatria e a postura de não testagem em massa do país, não são realizados testes diagnósticos em muitos casos, o que faz com que o número real de infectados seja subestimado2,10,13. Segundo os dados obtidos, 38,02% dos pacientes com SRAG não tiveram evolução identificada. Já para Covid-19, 33,35%. Principalmente a partir da 25a Semana Epidemiológica (Figura 2), nota-se um aumento grande de casos de SRAG não acompanhados de diagnóstico etiológico.

Ao se pensar nos diferentes agentes etiológicos, é extremamente complexa a distinção entre crianças com Covid-19 e crianças com influenza, já que os sintomas e evolução do quadro podem ser os mesmos. Ao compará-las, há um estudo que informa que aquelas com Covid-19 são menos sintomáticas, mas com maior incidência de pneumonia se comparadas às com influenza, o que reforça a importância da testagem diagnóstica para se ter um melhor manejo do caso4,13. Antes do surgimento do SARS-CoV-2, o influenza era responsável por cerca de 64% das pneumonias virais adquiridas na comunidade5. Nesse contexto, é preocupante que o alongamento da pandemia se some aos picos de infecção por influenza, o que pode sobrecarregar ainda mais o sistema de saúde nos próximos meses, motivo pelo qual foi antecipada a campanha de vacinação no país em 20201.

É importante ressaltar que em crianças com SRAG diagnosticadas com SARS-CoV-2 se faz necessário pesquisar outros agentes infecciosos também, haja vista a possibilidade de coinfecção, mesmo com poucos estudos na área, e a dificuldade de atribuição de um papel patogênico distinto aos possíveis agentes identificados. Na mesma lógica, um achado de agente etiológico comum na faixa pediátrica não afasta a infecção concomitante por SARS-CoV-24. Portanto, é imperioso que exista uma testagem maior da população internada, levando em conta não somente um, mas outros diagnósticos diferenciais para o quadro, como infecções por outros vírus (como vírus sincicial respiratório, influenza, parainfluenza, adenovírus, metapneumovírus), pneumonia bacteriana ou pneumonia atípica (Mycoplasma pneumoniae e Chlamydophila pneumoniae)13.

Em meio à pandemia, uma grave consequência da subnotificação é a alocação incorreta de recursos pelo governo, uma vez que se disponibilizam mais para os estados mais afetados. Sendo assim, como ações efetivas dependem de evidências, a falta de medidas confiáveis é um agravante para a saúde pública14. Nesse contexto, pesquisas clínico-epidemiológicas como esta se tornam ainda mais necessárias. Assim, se faz necessário realizar, com urgência, um trabalho de conscientização da necessidade de preenchimento completo do sistema de notificação.

Na figura 1, observa-se aumento em 2020 do número de admitidos na UTI, de óbitos e da letalidade para os caos de SRAG. Comparando-se esses números com o histórico de internações por SRAG nos anos anteriores, tem-se que os maiores registros de hospitalização foram 2010, 2016, 2019 e 2020 (com n = 1.826, n = 3.821, n = 3.305 e n = 4.056 hospitalizações, respectivamente)1, o que reflete a gravidade da Covid-19 e a situação crítica do sistema de saúde no Brasil. Esses números revelam o despreparo das redes públicas e privadas de diversas micro e macrorregiões de saúde, que estão operando além de sua capacidade15.

 

CONCLUSÃO

Conclui-se, portanto, que o novo vírus é provavelmente o maior responsável pelo aumento do número de casos de SRAG notificados em pediatria, mesmo com a impossibilidade de afirmação devido a sua baixa confirmação laboratorial. Ademais, ressalta-se o grave problema das subnotificações no país.

Com as hipóteses levantadas neste estudo, abre-se um campo para que o tema seja mais explorado por futuras pesquisas. Além disso, os dados contribuem com a literatura quanto aos dados clínico-epidemiológicos encontrados e reforçam que, mesmo dentro da pediatria, a Covid-19 deve receber a devida atenção. São importantes novos estudos de abrangência nacional e a melhora na coleta e no registro das informações notificadas.

 

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