Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 21(2) - Junho 2021

Artigo Original

impacto da pandemia de Covid-19 no rastreio de deficiências auditivas infantis no Sistema Único de Saúde

The impact of COVID-19 pandemic on screening for childhood hearing impairment in the Brazilian National Health System

 

Bruno Vítor Peixoto Militão1; Síura Aparecida Borges Silva2

 

DOI:10.31365/issn.2595-1769.v21i2p68-74

1. Fundação Universidade de Itaúna, Itaúna - MG, Brasil
2. Maternidade Odete Valadares, Belo Horizonte - MG, Brasil

 

Endereço para correspondência:

bruno.militao@icloud.com

Recebido em: 15/05/2021

Aprovado em: 24/05/2021


Instituição: Fundação Universidade de Itaúna

 

Resumo

INTRODUÇÃO: A pandemia de COVID-19 tem impactado a saúde pública em vários âmbitos parecendo se estender também na detecção das deficiências auditivas infantis. Programas de identificação de crianças surdas e com deficiência auditiva devem ser analisados de modo criterioso para mitigar possíveis consequências futuras.
OBJETIVO: Avaliar o impacto da pandemia de SARS-CoV-2 no número de procedimentos de triagem auditiva infantil realizados pelo Sistema Único de Saúde em 2020.
MÉTODOS: Avaliação transversal, por meio do banco de dados DATASUS, comparando o número de exames realizados em crianças no ano de 2019 ao ano de 2020. Foi utilizado o teste não paramétrico Wilcoxon Signed Rank (a=0,05) para análise estatística. O número de casos de COVID-19 por 100.000 habitantes nos estados foi obtido no painel Coronavírus Brasil.
RESULTADOS: Observou-se queda de 16% no somatório de todos os procedimentos de detecção e triagem auditivas avaliados (p <0,001), variando de -9% a -24% (p <0,001). Redução estatística significante foi observada entre os estados da federação. A triagem auditiva de escolares foi o procedimento com maior variação, tendo queda superior a 85% (p <0,001) na maioria das macrorregiões do país.
CONCLUSÃO: A pandemia COVID-19 reduziu estatisticamente o número de ações relacionadas a triagem e identificação precoce das deficiências auditivas em 2020.

Palavras-chave: Infecções por coronavirus; Diagnóstico precoce; Pessoas com Deficiência Auditiva; Surdez; Programas Nacionais de Saúde; Saúde da Criança.


Abstract

INTRODUCTION: The pandemic of COVID-19 has impacted public health in several areas and also seems to extend to the detection of childhood hearing impairment. Programs to identify deaf and hearing-impaired children must be carefully analyzed to mitigate possible future consequences.
OBJECTIVE: To assess the impact of the SARS-CoV-2 pandemic on the number of infant hearing screening procedures performed by the Brazilian National Health System in 2020.
METHODS: Cross-sectional evaluation, using the DATASUS database, comparing the number of examinations performed in children in the year 2019 to the year 2020. The non-parametric Wilcoxon Signed Rank test (a=0.05) was used for statistical analysis. The number of cases of COVID-19 per 100,000 inhabitants in the states was obtained from the Coronavirus Brazil panel.
RESULTS: A 16% decrease was observed in the sum of all hearing detection and screening procedures evaluated (p <0.001), ranging from -9% to -24% (p <0.001). Statistically significant reduction was observed among the states of the federation. Schoolchild hearing screening was the procedure with the greatest variation, with a decrease of over 85% (p <0.001) in most macro-regions of the country.
CONCLUSION: The COVID-19 pandemic statistically reduced the number of actions related to screening and early identification of hearing impairments in 2020.

Keywords: Coronavirus Infections; Early Diagnosis; Child Health; Persons With Hearing Impairments; Deafness; National Health Systems.

 

INTRODUÇÃO

Em dezembro de 2019, foi identificado pela primeira vez em Wuhan, China, o vírus causador da síndrome respiratória aguda grave coronavírus 2 (SARS-CoV-2)1. Este vírus pertence à família Coronaviridae (subfamília Coronavirinae), cujos membros infectam uma ampla gama de hospedeiros, produzindo sintomas e doenças que vão desde os resfriados comuns até doenças graves e fatais1,2. O caráter globalizado vivenciado nos dias atuais, bem como a rápida contaminação e dispersão da doença por partículas respiratórias, culminaram para que fosse declarada pandemia, em março de 2020, pela Organização Mundial da Saúde (OMS)2.

No Brasil, o primeiro caso da COVID-19 foi importado da Itália, em fevereiro de 2020, e rapidamente a doença se estabeleceu, deixando o país no pódio internacional de casos e óbitos3,4. Para diminuir parcialmente os problemas de saúde pública, seguindo a tendência mundial, intervenções que contam com distanciamento social e o autoisolamento foram implementadas4.

No contexto pandêmico, os provedores e gerenciadores de saúde passaram a determinar quais serviços devem ser considerados urgentes ou essenciais. A suspensão de procedimentos eletivos pode ser vista como um efeito adverso relevante das medidas adotadas para reduzir a contaminação pela COVID-19. O cuidado de pacientes surdos e com deficiência auditiva, dentre outras abordagens, deve ser analisado de modo sensível e criterioso, especialmente no grupo dos infantes5.

A criação de programas de Triagem Auditiva Neonatal (TAN), bem como as abordagens de desenvolvimento comunicativo são relativamente recentes no país e no mundo. Há menos de duas décadas, o diagnóstico de deficiências auditivas na infância se dava tardiamente, existia um grande o hiato entre a suspeita e a abordagem da surdez, o que implicava diretamente o desenvolvimento e cognição dos infantes6. Somente a partir do Joint Committee on Infant Hearing houve uma padronização na detecção precoce (teste da orelhinha) e na reabilitação de lactentes de 3-6 meses de idade6,7.

A TAN tem o objetivo de detectar precocemente alterações do conduto auditivo em recém-nascidos (RN) por meio das Emissões Otoacústicas Evocadas (EOE), ou seja, o teste da orelhinha8. Para uma avaliação pormenorizada, como complementação ao teste da orelhinha nos casos indicados, utilizam-se os Potenciais Evocados Auditivos (PEA), que avaliarão o sistema de condução elétrico da audição9. Por esse motivo, esse exame tem sido preferido nos últimos anos entre os RN de alto risco.

Diante das mudanças vivenciadas nos primeiros anos de vida dos infantes, reavaliações são necessárias durante o processo de detecção. Até os três anos de idade, há grande importância no acompanhamento auditivo para identificação e intervenção das perdas auditivas progressivas e de início tardio9. As Políticas de Saúde Pública também recomendam que, além do Programa de Triagem Auditiva Neonatal, seja realizada a Triagem Auditiva Escolar (TAE), preenchendo as lacunas de diagnóstico entre os neonatos e as crianças em idade escolar10.

Há uma particular importância em se ater ao impacto desses programas de detecção e intervenção auditiva precoce: a abordagem auditiva ainda nos primeiros meses melhora significativamente escores de linguagem, compreensão e qualidade de vida do indivíduo5,6,11. A pandemia do novo coronavírus pode, desta forma, apresentar ameaça a essa janela de identificação. Atrasos de um a dois meses podem ter implicações críticas na linguagem e no desenvolvimento, à medida que os serviços de saúde reduzem suas práticas de triagem ou testagem5.

Desse modo, o objetivo deste estudo foi avaliar o número de procedimentos de detecção precoce das capacidades auditivas realizados no SUS durante o primeiro ano da COVID-19 no Brasil e compará-lo com o mesmo período de 2019, utilizando o conjunto de dados do SUS (DATASUS).

 

METODOLOGIA

Trata-se de estudo transversal a partir de base de dados secundária por meio da plataforma DATASUS. Os dados foram adquiridos através da ferramenta TABNET, que fornece informações para apoiar a análise objetiva do sistema de saúde, a tomada de decisão baseada em evidências e o desenvolvimento de programas de ação em saúde12. Este relatório segue a declaração de Fortalecimento do Relatório de Estudos Observacionais em Epidemiologia (STROBE)13.

Procedimentos avaliados

Os procedimentos avaliados foram selecionados com base nos dados fornecidos pelo Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos do Sistema Único de Saúde (SIGTAP-SUS)14. Foram escolhidos aqueles com finalidade diagnóstica em otorrinolaringologia e fonoaudiologia e, posteriormente, analisados individualmente para que fossem abrangidos apenas os procedimentos relacionados à faixa etária pediátrica. A definição dos procedimentos incluídos, seus códigos SUS e o intervalo de idade para a execução dos mesmos são apresentados na tabela 1.

 

 

Aquisição de dados

A presente pesquisa compreende os tratamentos e os códigos do SUS relacionados aos procedimentos ambulatoriais referidos na Tabela 1 realizados entre janeiro e dezembro de 2020 e disponibilizados na seção "Assistência à Saúde", no eixo "Produção Ambulatorial", através do Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA-SUS)12. Usando os mesmos critérios, foram obtidos dados de igual período de 2019 para comparação. Também de forma comparativa, foram coletados dados estaduais da incidência da COVID-19 por 100 mil habitantes no Brasil no ano de 2020 através do site de monitoramento nacional "Coronavírus Brasil", do Ministério da Saúde 15. Os dados foram recolhidos no dia 24 de março de 2021.

Análise dos dados

Foi realizada análise descritiva com o número de procedimentos por unidade da federação com percentuais relativos entre as regiões sociodemográficas do Brasil (Sul, Sudeste, Nordeste, Norte e Centro-Oeste). A análise estatística foi realizada por meio da ferramenta on-line Statistics Kingdom Wilcoxon Signed-Rank Calculator;16 e a tabulação geral; pelo software Microsoft Excel 2019. O impacto da COVID-19 no número de procedimentos diagnósticos fornecidos pelo SUS em 2020 foi comparado com o número de procedimentos realizados em 2019 por meio do Wilcoxon Signed Rank Test, um teste não paramétrico que visa determinar a diferença entre os conjuntos de pares para estabelecer a significância estatística entre as duas distribuições. O número de procedimentos foi considerado como unidade de análise e o nível alfa de 0,05 foi adotado.

 

RESULTADOS

No ano de 2019, o SUS realizou ambulatorialmente mais de 776 mil procedimentos de rastreio de deficiências auditivas infantis dentre emissões otoacústicas evocadas (EOE), potencial evocado auditivo (PEA), reavaliação diagnóstica de deficiência auditiva em paciente menor de três anos e triagem auditiva de escolares. No entanto, no ano seguinte, uma variação negativa de 16% no somatório destes procedimentos (p < 0,001; tabela 2) foi observada.

 

 

O compilado das informações da Tabela 2 em nível nacional revela que a triagem auditiva de escolares foi o procedimento mais afetado, com queda no país de 73% em relação ao ano de 2019. Em todas as regiões foram observadas quedas superiores a 85% (p < 0,001; tabela 2) neste procedimento, com exceção da Região Norte, onde ouve elevação de 38% (p < 0,001; tabela 2). A reavaliação diagnóstica de pacientes menores de três anos apresenta nacionalmente queda de 40%.

A EOE e PEA foram os procedimentos menos afetados em relação aos demais: a primeira com queda de 14% no país, enquanto na segunda houve uma elevação de 9% quando comparada com o ano anterior. É importante observar que, dentre as cinco macrorregiões, o aumento da PEA só não foi observado no Nordeste, na qual todos os procedimentos avaliados neste estudo apresentaram quedas.

Ao se somar o número total de procedimentos, foram observadas quedas em todas as regiões do país, variando de -9% a -24% (p < 0,001; tabela 3). É importante salientar que alguns estados possuem dados insuficientes, o que pode ter gerado valores inapropriados. No caso do Amapá, por exemplo, o estado realizou apenas oito procedimentos - dois em 2019 e seis em 2020 - e, por esse motivo, teve a maior elevação (200%; p < 0,001; tabela 3).

 

 

Outro fator a ser analisado é a significância da queda conforme a porcentagem representativa no país, as regiões Sul e Sudeste juntas somam quase 60% de todos os procedimentos realizados, e embora tenham apresentado valores de variação não tão acentuados (-9% e -17%; p < 0,001; tabela 3), podem possuir impacto tão relevante quanto as demais. A Região Nordeste também apresenta parcela significativa no total de procedimentos do país, aproximadamente 24%, e teve a maior queda entre as demais -24% (p < 0,001; tabela 3).

No gráfico 1, é observada a sequência mensal do número de procedimentos de diagnóstico de deficiências auditivas infantis no SUS por regiões da federação, existindo certa regularidade nas retas das cinco regiões no período compreendido entre janeiro de 2019 a fevereiro de 2020; entre março e abri, observa-se uma deflexão em todas as regiões seguidas por oscilações na quantidade total de procedimentos.

 


Gráfico 1. Evolução mensal do número de procedimentos de diagnóstico de deficiências auditivas infantis no SUS (2019-2020).

 

O gráfico 2 compila dois dados distintos: a incidência dos casos de COVID-19 por 100 mil habitantes e a variação da solicitação dos procedimentos mostrados na tabela 2. Há um padrão de distribuição independente, sem evidência de correlação linear (r = 0,16), mas alguns estados podem ser destacados. Roraima, o estado com a maior incidência da COVID-19 por 100 mil habitantes, teve a maior variação negativa no número de procedimentos; em contrapartida, o estado com a menor incidência da COVID-19, Pernambuco, teve média de variação semelhante aos demais estados.

 


Gráfico 2. Incidência dos casos de COVID-19 por 100 mil habitantes e variação da solicitação dos procedimentos de diagnóstico de deficiências auditivas (2020).

 

DISCUSSÃO

No Brasil, a saúde é um direito de todos os cidadãos e é assegurada pelo Estado primordialmente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), aparelho que organiza a atenção à saúde nos mais de 5.500 municípios do país para cerca de 211 milhões de brasileiros17. Nesse aspecto, este estudo avaliou o impacto da pandemia de COVID-19 em um dos maiores serviços de saúde do mundo. Foi identificada redução de 16% dos procedimentos para identificação e triagem de deficiências auditivas infantis no ano de 2020, quando comparado a 2019. Essa diminuição, embora pareça pouco significativa, pode representar impactos relevantes no médio e longo prazos. A redução dos procedimentos ou o atraso na execução dos mesmos pode retardar as intervenções precoces e resultar em piores escores de desenvolvimento infantil11,18.

As deficiências auditivas são muito prevalentes na população brasileira, a própria necessidade de regulamentação de leis federais e municipais específicas evidencia o cenário. Nos infantes, a incidência varia de 1 a 3:1000 recém-nascidos (RN) vivos em alojamento conjunto e de 2 a 4:100 para os RN em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal19. Por essa razão, a triagem auditiva infantil foi definida pela Lei Federal nº 12.303, de 2 de agosto de 2010, e tornou o teste das Emissões Otoacústicas Evocadas (EOE) obrigatório nas maternidades20.

Além das EOE, no presente estudo foram avaliados outros três procedimentos: os Potenciais Evocados Auditivos (PEA), a reavaliação diagnóstica de deficiência auditiva em paciente menor de três anos e a triagem auditiva de escolares. As EOE e os PEA são agrupados como "testes da orelhinha"; já os demais se referem a avaliações mais tardias, embora não menos importantes. A avaliação realizada através da EOE abrange apenas o sistema periférico e sofre influência da condição da orelha externa e média9. Já os PEA consistem no registro elétrico que ocorre no sistema nervoso auditivo, da orelha interna até o córtex cerebral; por essa razão, o resultado pode sofrer influência da maturação das vias auditivas9.

Aventa-se que, no contexto pandêmico, o menor nível de acesso à contracepção e o maior tempo em domicílio possam contribuir para o aumento da fecundidade e natalidade21. Dessa forma, as reduções observadas neste estudo podem possuir efeito incrementado, principalmente entre os neonatos. As EOE tiveram redução nas cinco macrorregiões do país, e, na maior parte delas, foram observadas quedas superiores a 15% (p < 0,001; tabela 2), o que pode tanto significar uma baixa efetividade da lei que a torna obrigatória, quanto demonstrar padrões de negligência e rearranjos das atividades tidas como essenciais5,22. No que tange aos PEA, embora sejam observadas ligeiras elevações na sua execução, há que se ressaltar que consiste em um exame pouco executado nos ambulatórios públicos do país. Apesar da aprovação de projetos de lei e de triagens, a identificação precoce das perdas auditivas não tem atingido a população como um todo22.

Tanto os PEA quanto as EOA são exames importantes no diagnóstico precoce das afecções auditivas. Porém, outro procedimento diretamente relacionado a esta problemática é a reavaliação diagnóstica em pacientes menores de três anos. A representativa queda nacional de 40% das reavaliações impacta diretamente nos subdiagnósticos dos testes da orelhinha, uma vez que esses exames se complementam mutuamente. É sabido que atrasos nesse diagnóstico afetam o desenvolvimento de estruturas neurolinguísticas no cérebro, especialmente aquelas relacionadas a gramática e aquisição de línguas11; tal situação, durante os primeiros meses de vida de alguns infantes, pode ter coincidido com chegada do coronavírus no país, inibindo mais uma etapa deste processo.

A triagem auditiva de escolares, procedimento drasticamente afetado nas cinco regiões, teve a média nacional de queda de 73%. O encerramento das atividades presenciais escolares e os novos paradigmas de ensino impostos pelo novo coronavírus podem explicar a súbita redução deste dado23. A triagem auditiva de escolares é um processo simples, rápido e de baixo custo e que pode ser considerada a principal forma de detecção precoce de perdas auditivas no público infantil10. O exame regular das crianças durante sua fase escolar garante a detecção de perdas auditivas ou outras alterações evitáveis; assim, o contexto pandêmico também parece ter imposto este obstáculo de identificação.

No mesmo contexto, o gráfico 1 avalia o número de procedimentos ao longo dos meses dos anos de 2019 e 2020 e identifica declínios que podem corresponder à chegada da pandemia no país. O decaimento observado no primeiro semestre de 2020, especialmente entre os meses de fevereiro a abril, é preocupante vide o fato que atrasos de até dois meses na identificação das deficiências auditivas podem alterar o desenvolvimento infantil estatisticamente24. Dados os períodos críticos para o desenvolvimento da linguagem e o impacto no longo prazo da privação auditiva, alguns serviços audiológicos e otológicos deveriam ter sido considerados essenciais5.

O gráfico 2 tenta representar a coexistência da COVID-19 e os padrões de queda de execução dos procedimentos auditivos identificados na tabela 3. As variáveis parecem possuir independência, carecendo análises de outros estudos não transversais. Entretanto, alguns trabalhos já demonstraram que a pandemia tem provocado redução considerável no acesso e utilização dos serviços de saúde25. É possível que, pós-pandemia, sejam encontrados pacientes com graves complicações que, se previamente tratadas, teriam garantido desfechos mais favoráveis25.

Embora este estudo analise dados apenas do Brasil, seus resultados podem estar relacionados ao contexto internacional, dependendo das características de cada sistema de saúde. A redução na triagem neonatal, por exemplo, aumenta a importância das estratégias de mitigação de risco5. O desenvolvimento de planos para identificação de crianças que não foram examinados nos períodos críticos faz-se necessário para que sejam encaminhados a uma avaliação auditiva diagnóstica o quanto antes. O cenário estabelecido pela pandemia ainda é repleto de incertezas e outros efeitos adversos poderão ser observados por causas que não a infecção causada pelo novo coronavírus.

Dentre as limitações importantes deste levantamento, é relevante apontar que a fonte de aquisição de dados não faz avaliação sociodemográfica, carecendo dados como sexo, etnia, faixa etária específica e outras condições gerais das crianças avaliadas. A avaliação sociodemográfica seria interessante ao se analisar as disparidades regionais dos resultados. Outra limitação do presente estudo é que ainda não se dispõe de informações completas sobre a natalidade que pudessem ser extraídas dos bancos de dados para correlação adequada das triagens infantis. Por essas razões, pesquisas adicionais devem ser realizadas, a fim de acompanhar o número de procedimentos após a pandemia e o seguimento diagnóstico dos infantes para determinar os padrões de oscilação de maneira mais ampla.

 

CONCLUSÃO

A pandemia de COVID-19 reduziu estatisticamente o número de ações relacionadas a triagem e identificação precoce das deficiências auditivas infantis em 2020. Compreender o padrão da redução evidenciada neste estudo pode contribuir no melhor entendimento dos problemas que o mundo enfrentará durante e após pandemia. Políticas futuras destinadas a atender essas novas demandas são recomendadas, a fim de reduzir os efeitos de atraso e /ou não execução dos serviços de saúde auditiva dos infantes.

 

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