Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 21(1) - Março 2021

Artigo Original

Como diferenciar e abordar refluxo gastroesofágico fisiológico (regurgitação do lactente) e doença do refluxo gastroesofágico: uma síntese de evidências

How to differentiate and approach physiological gastroesophageal reflux (infant regurgitation) and gastroesophageal reflux disease: a summary of evidence

 

Luciano Rodrigues Costa; Hiram Silva Nascimento de Oliveira; João Victor Corrêa Reis; Caio Barroso Rosa; Débora Vieira Diniz Camargos

 

DOI:10.31365/issn.2595-1769.v21i1p3-8

Centro Universitário de Volta Redonda, Medicina - Volta Redonda - Rio de Janeiro - Brasil

 

Endereço para correspondência:

lukamedcosta@gmail.com

Recebido em: 14/06/2020

Aprovado em: 30/12/2020


Instituição: Centro Universitário de Volta Redonda, Medicina - Volta Redonda - Rio de Janeiro - Brasil

 

Resumo

INTRODUÇÃO: O refluxo gastroesofágico fisiológico (RGF) é um fenômeno de escape do conteúdo estomacal para o esôfago por imaturidade do esfíncter esofagiano inferior, que tende a desaparecer por volta de um ano de idade. Essa manifestação geralmente não vem acompanhada de outros sintomas. Já a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é caracterizada pela regurgitação crônica, que pode permanecer além de um ano de vida, associada a outras manifestações como choro, irritabilidade e perda ponderal.
OBJETIVO: Capacitar o profissional da saúde a reconhecer e diferenciar as duas patologias, conhecer os meios diagnósticos e saber escolher de maneira eficaz a terapêutica selecionada para cada caso.
MÉTODO: Revisão da literatura com pesquisa efetuada a partir das bases de dados PubMed, ScIELO e Google Acadêmico, selecionando os artigos que cumpriram os critérios de inclusão escolhidos.
SÍNTESE DE EVIDÊNCIAS: O estudo demonstrou que, a partir de uma boa anamnese, é possível coletar informações importantes para diferenciar as duas afecções, uma vez que o que as diferencia é a presença de sintomas como perda ponderal, irritabilidade e choro na DRGE e persistência do refluxo por um tempo maior, o que não ocorre no RGF. Em relação ao manejo, é importante adotar, em ambas as situações, medidas alimentares e posturais a fim de aliviar os sintomas. Em caso de necessidade de medidas medicamentosas, avaliar o uso de fármacos como os inibidores de bomba de prótons (Esomeprazol) e pró-cinéticos (Domperidona).

Palavras-chave: Refluxo fisiológico; DRGE; Doença do refluxo gastroesofágico; Diretrizes; Tratamento.


Abstract

INTRODUCTION: Physiological gastroesophageal reflux (GER) is a phenomenon of escape from stomach contents into the esophagus due to immaturity of the lower esophageal sphincter, which tends to disappear at around one year of age. This manifestation is usually not accompanied by other symptoms. Gastroesophageal reflux disease (GERD), on the other hand, is characterized by chronic regurgitation, which can remain beyond one year of life, associated with other manifestations such as crying, irritability and weight loss.
OBJECTIVE: To enable the medical student to recognize and differentiate the two pathologies, to know the diagnostic methods and to effectively choose the therapy selected for each case.
METHOD: Literature review with research carried out from the PubMed, ScIELO and Google Scholar databases, selecting articles that met the chosen inclusion criteria.
SYNTHESIS OF EVIDENCE: This study demonstrated that based on a good anamnesis, it is possible to collect important information to differentiate both conditions, since what differentiates them is the presence of symptoms such as weight loss, irritability and crying in GERD and persistence of reflux longer, which do not occur in the GER. Regarding management, it is important that both food and postural measures are adopted to relieve symptoms. In case of needing drug measures, evaluate the use of drugs such as proton pump inhibitors (Esomeprazole) and prokinetic (Domperidone).

Keywords: Physiological reflux; GERD; Gastroesophageal reflux disease; Guidelines; Treatment.

 

INTRODUÇÃO

A partir do momento que o espermatozoide fecunda o óvulo, dá-se início a uma frenética multiplicação e diferenciação celular que culmina na formação do ser humano. Os mil dias iniciais desse processo são importantes para determinar o estado de saúde da pessoa, que pode repercutir por toda vida. A maturação dos órgãos e sistemas se dá por etapas ao longo da vida. Os dois primeiros anos são importantes para esse processo de maturação dos sistemas, incluindo o trato gastrointestinal, por isso os lactentes podem apresentar sinais e sintomas gastrointestinais associados ao desenvolvimento anátomo-funcional atrelado a esse processo[1].

O refluxo gastroesofágico fisiológico (RGF), ou regurgitação fisiológica do lactente, é um fenômeno que tem como característica o escape de conteúdo gástrico de forma retrógrada para o esôfago[2], ocasionado pela imaturidade do sistema gastrointestinal nos primeiros meses de vida e um relaxamento inadequado do esfíncter esofagiano inferior (EEI). Ao nascer, a criança ainda não tem um EEI capaz de gerar pressão suficiente para um fechamento eficaz. Essa pressão se desenvolve com a idade, e por volta de 2-4 meses, o EEI normalmente já alcança seu nível pressórico ideal. No período que compreende esse desenvolvimento, e até alguns meses depois, pode haver pequenos refluxos do estômago para o esôfago, caracterizando o quadro clínico[3].

Alguns fatores influenciam no relaxamento do EEI, tais como: distensão gástrica após a deglutição (a estimulação vagal ocasionada pela distensão pode relaxar o EEI), sono, postura em decúbito da criança e tabagismo passivo (a nicotina pode relaxar o EEI). Esse fenômeno ocorre em até 60% dos lactentes, predominando no sexo masculino, sendo na maioria dos casos benigno e transitório[4]. Os episódios de regurgitação são mais numerosos nos primeiros meses de vida, sendo que 5% dos casos mostram mais de seis regurgitações por dia, com a tendência de reduzir sua ocorrência conforme avança a idade, até seu desaparecimento esperado ao redor do primeiro ano de idade - mais de 90% dos casos[5].

A regurgitação pode ocorrer várias vezes ao dia, e pode vir acompanhada de outras manifestações, como cólica e eructação. Quando associada a outros fatores mais graves, como dificuldade para ganho ponderal ou perda ponderal, irritabilidade, vômitos frequentes, hematêmese ou presença de bile na regurgitação e alterações do sono, outras patologias devem ser pesquisadas, em especial a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE)[3].

De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, a DRGE é definida quando o refluxo gastroesofágico, que geralmente é fisiológico, se torna um evento que gera sinais e sintomas, com diferentes níveis de gravidade e podendo ser associado ou não a complicações, como apneia obstrutiva ou esofagite. As manifestações em lactentes, por exemplo, não se limitam às regurgitações, sendo capazes de apresentar vômitos intensos, manifestações extragastrintestinais, dificuldades durante as mamadas, alteração na posição cervical, déficit no ganho ponderal, irritabilidade e choro. Nos adolescentes e crianças maiores, as principais manifestações são epigastralgia, azia ou dor retroesternal. São considerados grupos de risco para desenvolver a DRGE e suas complicações pacientes pediátricos, por exemplo, com malformações congênitas do trato gastrintestinal alto (exemplos: hérnia hiatal, hérnia diafragmática, atrésia esofágica, fístula traqueosofágica), doenças neurológicas, antecedentes familiar de DRGE, prematuridade, fibrose cística, displasia broncopulmonar ou obesidade[6].

O fato de as diferentes manifestações da DRGE e RGF serem variáveis e poderem ser associadas a outros tratos fora o digestivo torna o diagnóstico diferencial extenso. Deve-se pensar em doenças que afetam o próprio trato intestinal, como obstruções, alergias alimentares, por exemplo, à proteína do leite de vaca, ou gastroenteropatia; entretanto, doenças do sistema nervoso central, como hidrocefalia, massas intracranianas, doenças infecciosas, infecção do trato urinário e pneumonia, doenças do sistema respiratório, como a hiper-reatividade brônquica, são alguns dos diagnósticos diferenciais entre outras causas de irritabilidade do lactente [7].

Devido às dificuldades no diagnóstico e à ausência de pesquisas direcionadas ao tema, a prevalência da DRGE não é bem determinada no meio pediátrico. Em contrapartida, a regurgitação infantil se mostra altamente prevalente, tendo sido averiguada por uma pesquisa nos Estados Unidos que entrevistou 1.447 mães e apontou valor de prevalência de 26% para crianças entre 0-3 anos utilizando os critérios do New Rome III[8]. Mesmo com o lançamento do ROMA IV em 2016, não foram encontrados estudos utilizando esses novos critérios.

A abordagem do lactente com refluxo deve ser construída a partir do desenvolvimento de um bom diálogo, história clínica sistemática e cuidadosa, diferenciação adequada entre refluxo fisiológico e doença do refluxo gastroesofágico, orientações e tratamento adequado para o paciente e seus pais[9]. Diante disso, notou-se a necessidade e oportunidade de abordar o tema, com o objetivo de capacitar o profissional da saúde a reconhecer e diferenciar as duas patologias, conhecer os meios diagnósticos e saber escolher de maneira eficaz a terapêutica selecionada para cada caso.

 

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa de caráter exploratório, baseada no método de revisão da literatura com síntese de evidências, sem metanálise. Realizou-se uma busca de trabalhos nas bases de dados PubMed, ScIELO e Google Acadêmico em maio de 2020. A fim de aumentar a probabilidade de encontrar trabalhos mais relevantes, a pesquisa foi feita a partir das palavraschave: "Refluxo Fisiológico", "DRGE", "Doença do Refluxo Gastroesofágico", "Diretrizes", "Tratamento", em conjunto aos operadores booleanos AND e OR. Foram definidos como critérios de inclusão: artigos publicados a partir de 2015, escritos em língua inglesa ou portuguesa e que abordassem a temática proposta abrangendo definição, diagnóstico e manejo das doenças desejadas. Os critérios de exclusão foram artigos com abordagem superficial, apenas informativa sobre o tema; escritos antes de 2015 e aqueles que não foram escritos em português ou inglês. Após a coleta dos dados ,foi realizada a revisão da literatura selecionada.

 

RESULTADOS

A busca e leitura dos artigos foram finalizadas no dia 15 de maio 2020. Inicialmente foram identificados 31 trabalhos, porém, cinco artigos não abordavam de forma integral o tema proposto e nove foram publicados antes de 2015, e foram excluídos da análise. Sendo assim, 17 estudos foram efetivamente revisados.

 

REVISÃO DA LITERATURA

O diagnóstico da regurgitação infantil tem como pilar a história clínica e o exame físico, pois estes podem evidenciar diagnósticos diferenciais. Os critérios de diagnóstico foram atualizados no New Rome IV (2016) para a presença de: 1) regurgitação duas ou mais vezes por dia durante três ou mais semanas; 2) ausência de ânsia de vômito, hematêmese, aspiração, apneia, dificuldade no crescimento, dificuldades de alimentação ou deglutição ou postura anormal[10].

O tratamento da RGF do lactente consiste principalmente de medidas não farmacológicas, como a orientação para algumas práticas e tranquilização da família. É dever do médico pediatra esclarecer para os pais que se trata de um distúrbio benigno e autolimitado, permitindo assim melhor convivência com o lactente dentro do núcleo familiar. As medidas não medicamentosas consistem em medidas comportamentais por parte dos pais e parentes próximos, medidas dietéticas e posturais para o lactente[4].

Por parte dos pais, o fumo próximo do lactente deve ser desencorajado, pois a nicotina presente na fumaça pode aumentar o número de episódios de refluxo. A orientação sobre a pega correta na hora da mamada deve ser priorizada, para que um posicionamento correto do lactente diminua a chance de regurgitação. Uma postura levemente mais vertical da criança, com a cabeça apoiada no antebraço da mãe e o contato barriga com barriga deve ser adotada[5]. Após as mamadas, é muito importante manter o lactente em posição vertical por pelos menos 30 minutos, o que facilita o esvaziamento gástrico e a eructação, diminuindo a chance de refluxo. Na hora de dormir, recomenda-se que a criança use uma elevação de aproximadamente 30° em sua cabeceira, em decúbito dorsal, também para reduzir a chance de regurgitação[11].

A respeito de medidas dietéticas, é importante esclarecer que se o lactente é menor que seis meses e está em aleitamento materno exclusivo, não é necessário trocar seu alimento ou complementá-lo, e a amamentação segue a livre demanda. Caso a criança seja maior do que seis meses e já tenha outros alimentos em sua dieta, deve haver o fracionamento em porções menores ao longo do dia, para tentar reduzir o refluxo, apesar de não existir consentimento na literatura[12]. Ainda segundo o autor, outra medida possível é o uso de fórmulas antirregurgitação, que são preparadas com espessantes naturais, como os carboidratos do arroz, batata ou milho, que têm a finalidade de reduzir a frequência do refluxo por deixar o conteúdo gástrico mais espesso, dificultando seu retorno.

A Sociedade Brasileira de Pediatria e o Tratado de Pediatria 4ª edição elucidam que a avaliação diagnóstica deve ser baseada na clínica do paciente, apoiada na história dos sinais e sintomas de DRGE e no exame físico, haja vista que nenhum método diagnóstico preenche as características de documentar a ocorrência de refluxo gastroesofágico (RGE), detectar suas complicações, estabelecer causa-efeito entre RGE e sintomas.

Apesar disso, os diferentes tipos de exames complementares podem ser usados para diferenciar desencadeantes e complicações - por exemplo, o exame radiológico contrastado de esôfago, estômago e duodeno (RxEED), importante para diagnosticar alterações anatômicas, que podem causar sintomas similares aos da DRGE. A ultrassonografia abdominal é útil para o diagnóstico de estenose hipertrófica de piloro e má-rotação intestinal, mas não diferencia refluxo fisiológico de DRGE. A cintilografia gastroesofágica avalia o esvaziamento gástrico, detectando aspiração pulmonar em pacientes com sintomas respiratórios crônicos ou refratários, mas não é recomendada como método de rotina para diagnóstico e seguimento de lactentes e crianças com DRGE[6].

A pHmetria esofágica de 24 horas antigamente era padrão-ouro para o diagnóstico da DRGE, porém detecta apenas refluxos ácidos, deixando de observar outros tipos. A impedanciometria intraluminal esofágica acoplada a um sensor de pHmetria, é o método mais recente e promissor, pois detecta o movimento do conteúdo intraluminal, independentemente da composição do estado físico, mas ainda não é usado rotineiramente, pois não foram definidos os padrões de normalidade. A endoscopia digestiva alta avalia diretamente a mucosa esofágica, sendo indicada principalmente nos casos de esofagite, e na pediatria deve ser sempre associada à biópsia do esôfago para diferenciar a DRGE de outras causas, como esôfago de Barrett e esofagite eosinofílica. Exames como pHmetria, endoscopia e impedanciometria serão solicitados somente pelo gastroenterologista pediatra [7].

Diversas condutas podem ser adotadas na tentativa de amenizar os sintomas de DRGE como medidas comportamentais, farmacológicas e até mesmo cirúrgicas [13]. É importante reservar o tratamento farmacológico para aqueles pacientes que apresentam dificuldade de se alimentar, perda ponderal ou desaceleração no ganho de peso, com sinais e sintomas mais graves[6]. Ao manejar os casos de DRGE, o pediatra tem como objetivos garantir ganho ponderal e crescimento adequados, alívio de sintomas, cicatrização de possíveis lesões teciduais e evitar complicações ou consequências para a criança [14].

É recomendado que se tenha como medida inicial eliminar da proteína do leite de vaca da dieta da criança, uma vez que a alergia dessa proteína é um diagnóstico diferencial de DRGE que pode, muitas vezes confundir o pediatra. Em casos de lactente em aleitamento materno exclusivo (AME) recomenda-se a exclusão do leite de vaca da dieta da mãe por duas a quatro semanas[6]. A medida seguinte é a mudança no estilo de vida. É importante ofertar alimentos na fração e proporção correta, além disso é essencial manter o lactente numa posição adequada durante as mamadas, após a lactação e ao dormir[14].

Em relação às medidas posturais, apesar de ser mais efetiva, a posição prona é desaconselhada, devido à grande associação à síndrome de morte súbita infantil, logo ela deve ser reservada aos casos graves, com supervisão direta. Uma alternativa é a posição supina com a cabeceira elevada a 30 graus[9]. Vale ressaltar que a posição em assento infantil (semissupina) pode exacerbar o refluxo[14].

No que diz respeito à alimentação do lactente em aleitamento materno exclusivo com DRGE, não há indicação de interromper o aleitamento natural ou de introduzir outros alimentos à dieta dessa criança. Para aqueles lactentes em aleitamento artificial, é importante frisar a importância de se usar e preparar a fórmula pré-espessada de maneira correta e manter o controle do volume da alimentação, a fim de não piorar as regurgitações[9].

Ao indicar terapias medicamentosas, é importante calcular a relação risco-benefício entre os efeitos positivos da droga e seus possíveis efeitos colaterais[15]. Os fármacos mais usados são antissecretores gástricos e os pró-cineticos, apesar de esses não apresentarem evidências o bastante para ter seu uso de forma rotineira na pediatria[9].

Cisaprida - era a primeira opção terapêutica. Ela aumenta a motilidade do trato gastrointestinal, porém foram constatados importantes efeitos colaterais, como arritmias, alterações do intervalo QT ao ECG e em 2000 foi retirada do mercado[9].

Domperidona - aumenta a pressão no esfíncter esofagiano inferior (EEI), torna o esvaziamento gástrico mais rápido e diminui o tempo de trânsito intestinal. Essa droga é administrada três vezes ao dia, meia hora antes das refeições, na dose de 0,2 a 0,3 mg/kg/dose, mas tem seu uso limitado em crianças, pois ainda não se tem estudos suficientes para demonstrar sua eficácia nessa faixa etária. Tem por efeitos colaterais agitação motora e outros sintomas extrapiramidais, e aumenta as cólicas, podendo confundir o pediatra[14].

Metoclopramida - ação semelhante à da Domperidona, de melhorar o trânsito no trato gastrointestinal, porém tem tendência a apresentar fortes efeitos adversos por ter uma pequena diferença entre a margem terapêutica e a adversa. Dentre os efeitos colaterais, é possível citar os extrapiramidais. Tende a não ser uma boa opção terapêutica, segundo os estudos, por ter uma relação risco-benefício muitas vezes desfavorável. Se for indicado, o fármaco será usado na dose de 0,1 a 0,3 mg/kg/dose 3 a 4 vezes ao dia [16].

Antiácidos - agem fazendo tamponamento ácido ou do revestimento de mucosa. Propiciam alívio rápido da pirose de forma temporária. Apesar disso, não houve comprovação de sua eficácia. Os agentes à base de hidróxido de alumínio ou de magnésio promovem fugaz resolução dos sintomas, não há evidências sobre a promoção de cicatrização de lesões esofagianas e seu uso crônico pode acarretar uma intoxicação por alumínio. Já aqueles à base de alginato têm seu uso para pacientes acima de 12 anos[14].

Antagonistas dos receptores H2 da Histamina (ARH2) - bastante usados no tratamento de DRGE. Atuam por um mecanismo de competição reversível, inibindo os receptores H2, com isso as células parietais onde esses receptores se localizam reduzem a produção de pepsina e ácidos. Apresentam a taquifilaxia (redução rápida do seu efeito quando usado em doses consecutivas) como principal efeito adverso, a qual pode surgir após seis semanas de tratamento, reduzindo a possibilidade de uso a longo prazo. Outros efeitos colaterais são enterocolite necrosante, infecções gastrointestinais e pneumonia, porém são mais raros. São exemplos de medicamentos desse tipo a Cimetidina, a Ranitidina e a Nizatidina[9].

Ranitidina - ARH2 mais usada. No Brasil está disponível na forma de xarope e suas doses usuais são 5 mg/Kg/dose de 12/12 horas - permitindo a redução da acidez gástrica em 30 minutos, promovendo alívio rápido dos sintomas - ou 3 mg/Kg/dose de 8/8 horas[16]. Em 2020, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou uma resolução na qual determinou a proibição da comercialização, distribuição, fabricação, importação, manipulação e propaganda do cloridrato de ranitidina, de forma definitiva[17].

Inibidores de bomba de prótons (IBP) - inibem a bomba hidrogênio potássio ATPase na membrana das células gástricas, com isso eles reduzem a secreção de ácido clorídrico, modificando o pH do refluxo, tornando-o menos ácido. Apesar de raros, os IBP podem apresentar os seguintes efeitos colaterais, cefaleia, diarreia, constipação, náuseas, pneumonia comunitária, hipomagnesemia, desmineralização óssea, osteoporose, nefropatias e deficiência de vitamina B12. Há também a possibilidade de hipocloridria, que facilita o supercrescimento bacteriano, aumentando a ocorrência de infecções respiratórias e do trato gastrointestinal.

Omeprazol, Lansoprazol e Pantoprazol são exemplos de IBP. É consenso que o uso desses fármacos só deve ser iniciado mediante comprovação de DGRE ácida comprovada por pHmetria ou endoscopia[14].

Omeprazol - Uso off-label em menores de um ano, pois ainda não foi possível estabelecer com precisão como esse fármaco atua nessa faixa etária. Já em crianças acima de um ano, tem seu uso aprovado na dose de 0,7 a 3,5 mg/Kg/dia dose única, meia hora antes da primeira refeição do dia. Está disponível na forma de comprimido dispersível, o Losec Mups®, ou em grânulos suspensos[9].

Esomeprazol - teve seu uso aprovado para faixa etária de menores de um ano a pouco tempo. Tem efeito potente, que dura até 24 horas. Sua dose depende do peso da criança, para aquelas com peso entre 3-5 kg a dose é de 2,5 mg; já as que pesam de 5-7,5 kg a dose é de 5 mg e para as crianças com peso entre 7,5-12 kg a dose a ser usada é de 10 mg.

Lansoprazol e Pantoprazol - além de bem tolerados, apresentaram farmacocinética e farmacodinâmica compatíveis com as apresentadas por adultos[16].

O tratamento cirúrgico está indicado em situações específicas: 1) DRGE não responsiva à terapia otimizada; 2) baixa aderência à terapêutica medicamentosa; 3) DRGE secundária a correção de atrésia esofágica; 4) Lactente com sinais de aspiração do refluxo; 5) pacientes com doenças neurológicas. Essa abordagem tem significativa taxa de morbidade e alguns pacientes podem precisar de continuar com a terapia farmacológica após o procedimento. É importante que o médico oriente a família antes do ato cirúrgico, oferecendo informações sobre o procedimento e suas complicações. Cabe a ele também investigar situações que podem levar a uma recidiva sintomática e ineficácia da cirurgia, como vômitos cíclicos, ruminação funcional, gastroparesia e esofagite eosinofílica[9].

Além dessas alternativas de tratamento, é importante realizar uma ação ativa de educação em saúde por uma equipe multidisciplinar para os pais do lactente portador de DRGE, a fim de ensinar os cuidados com a posição da criança, sua alimentação a adesão ao tratamento e o reconhecimento de complicações que podem surgir[18].

 

CONCLUSÃO

A partir da literatura revisada, é possível concluir que diferenciar DRGE e regurgitação do lactente pode ser difícil para profissionais da saúde. Entretanto, a partir de uma boa anamnese, pode-se coletar informações importantes para diferenciar as duas afecções, uma vez que na DRGE há persistência do refluxo por um tempo maior, associada a outros sintomas como irritabilidade, que não ocorrem no RGF.

No que tange ao manejo desses casos, é imperativo iniciar, nos dois casos, com medidas alimentares e posturais, a fim de aliviar os sintomas. Em caso de não resolução do quadro, é necessário avaliar a introdução de medidas medicamentosas como os inibidores de bomba de prótons (Esomeprazol) e pró-cinéticos (Domperidona).

 

REFERÊNCIAS

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